EXTENSÃO E CONTRAEXTENSÃO NA ANÁLISE EXISTENCIAL Walmir Monteiro(*) A relação analítica existencial se caracteriza pelo encontro que se dá entre o analista e o paciente, um encontro que se pretende autêntico em todas as suas nuances e vertentes. E essa autenticidade estará visível também - e talvez principalmente - na expressão de sentimentos e sensações presentes nesse encontro. Não é fácil combinar liberdade com responsabilidade, assim como é difícil exercitar uma relação terapêutica como a existencial (que não recorre a expedientes de restrição eivados de regras), com uma profunda consciência de ética e perícia profissional. É que terapeutas ou analistas existenciais não se escudam em regras pré-definidas que os protejam do paciente, de si mesmos ou da própria terapia em seu transcorrer quase sempre imprevisível. Algumas vezes o paciente pode estender ao terapeuta sentimentos que vive em sua vida cotidiana, fora do setting. E o analista, por seu turno, também pode contraestender sentimentos que são seus, dirigindo-os ao paciente. Pode ser uma extensão ou contraextensão dita positiva (amor, simpatia, cuidado extremo) ou negativa (ódio, raiva, antipatia). Na perspectiva existencial tanto a extensão quanto contraextensão integramse naturalmente ao processo analítico, desde que no caso da contraextensão sejam observados os limites éticos. Mas o que é uma terapia ou uma análise existencial? Talvez seja melhor defini-la a partir do seu propósito, que é sempre o de possibilitar a maximização da consciência, o exercício da autenticidade, a vivência cotidiana da liberdade e da responsabilidade que a acompanha. A consciência maximizada opera a ampliação da liberdade: consciência da infinita força de uma liberdade existente e inseparável de nós mesmos, consciência da variedade de opções, da presença de um mundo muito maior e muito menos restrito, restando-nos explorá-lo, conhecê-lo, enfrentá-lo. E assim é que iremos nos constituindo a cada passo de nossa existência. O exercício da autenticidade opera o fortalecimento emocional para que se assuma o desafio de ser igual a si mesmo, estabelecendo um projeto de vida próprio e vivendo consoante suas mais próprias e genuínas inclinações e interesses e não meramente cumprindo desejos de outros. Tudo isto sem descuidar da intersubjetividade que é a consciência de que a caminhada de um homem entrecruza-se com a de muitos outros homens, e é esse compartilhar, essa troca, que alimenta e realimenta o projeto pessoal de cada um. A fenomenologia, matriz da análise existencial, é para André Dartigues como que um rio de múltiplos braços que se cruzam sem se reunir e sem desembocar no mesmo estuário. No processo analítico existencial, nesse “face a face” de sentimentos, desafios, desejos, sensações e tudo mais (que sem freios ou disfarces compõem a terapia autenticamente existencial) ocorrem extensões e contraextensões, que equivalem em certo sentido aos conceitos de transferência e contratransferência da psicanálise clássica. Mas o conceito de transferência tem melhor semântica quando utilizado em seu lugar a expressão “extensão”, já que o processo que chamamos de transferência não transfere efetivamente, mas “estende”. O analisando estende ao analista sentimentos originados e vivenciados fora da análise. Ele não transfere efetivamente, mas “estende”, porque tais sentimentos permanecem presentes fora, enquanto também emergem na relação com o analista. (*) Psicólogo Existencial. Mestre. Escritor. Professor Universitário (USS/RJ). [email protected]