Indivíduo e Sociedade (27.12.1992) Grande mistério a explicar é a verdadeira essência do ser humano. Para o nominalismo, ela seria exclusivamente individual. Para o chamado realismo ela seria coletiva. No plano sobrenatural, da participação concedida, em proporção a nossa natureza, da vida divina, há uma unidade real e pessoal entre os homens da Graça, que é Jesus Cristo. Isso se dá pela comunhão eucarística, em que nossas vidas mútuas se fundem na única vida de Cristo. No plano natural, falta essa unidade existencial. A sociedade essencialmente está em cada um de nós, mas lhe falta a unidade existencial. Por isso, procuramos moralmente projetá-la em certas personalidades, que desse modo retornam o centro existencial, na intenção de nossas vidas. Gostaríamos que nossos gestos, palavras e atos tivessem o condão de mudar os corações. Em suma, fossem dotados de mágico poder. Essa é a origem da magia. O desejo, cheio de esperança e crença, do homem, de poder mudar a ordem do universo, como se fosse um deus. Nesse sentido, a ciência é realização mais autêntica, pois o homem transforma os fenômenos como colaborador de Deus, que estabeleceu as potencialidades e a ordem legal desses fenômenos. Por isso, nosso testemunho não é eficaz para mudar os outros, por si mesmo. Somos instrumentos de Deus no proceder a conversão dos outros. Somente Ele pode potenciar ativamente nossos gestos para varar a intimidade de nossos companheiros dessa jornada, em busca do Absoluto. 28/12/1992: Como se explica a essencial socialidade humana, conjuntamente dada com a personalidade individual, pois esta é fonte de nossos atos, com independência das pressões sociais e da importação dos critérios sociais? A sociedade consiste num fenômeno de intercomunicação ativa e passiva. Ela é natural aos homens. Cada eu supões um outro. Aliás, já desponta nas espécies animais, em gestos que manifestam tendências e instintos. No homem, projeta-se a multiplicidade de formas de comunicação, ligadas aos atos mais variadas. Ademais, os homens reunem-se para produzir coisas comuns. Para isso, dispõem de um instrumento excepcional, que é a linguagem. Esta, essencialmente comunicativa, expressa societariamente todos os atos humanos. Esse papel da comunicação é de tal modo relevante que se sabe, não chegaria o ente humano a conduzir-se como tal, se não fora o convívio com os outros, a presença da sociedade. Onde, pois, a raiz dessa unidade coletiva, que se manifesta na diversidade dos juízes, dos valores, das obras das pessoas humanas? É algo comprovado que todos temos a mesma natureza. Esta é, como essência, idêntica em todos. Mas se realiza de modos diferentes nos grupos, nas raças e nos indivíduos. Cada um desses entes coletivos, psíquicos e físicos participa da natureza comum. Isso significa: cada um possui toda a essência da espécie, mas com determinações existenciais diversas. Cada um repousa no que é comum, tem parte do que é comum enquanto potencialidade de existir e atinge a plenitude de ser enquanto unidade existencial distinta. Cont.28/12/1992: cont. de Indivíduo e Sociedade.Pág.02 Como a existência individuda não é um compartimento estanque, mas aberto por todos os lados a receber os fluxos da essência comum enquanto concretizada nas demais determinações existencias, o ente humano não somente se projeta originariamente a partir da essência comum, como se alimenta permanentemente, para manter-se e desenvolver-se, dos fluxos essenciais que lhe vêm da recepção dos atos vividos dos outros entes portadores da mesma essência. Trata-se de um caso particular da unicidade transcendental do ser, que se reconhece na diversidade e na concreta separação.