Valoração Econômica Ambiental – Parte II Na década de 70, formulou-se a Hipótese Gaia, de Lovelock e Margulis, que sustenta que os elementos 1 Renata Cristine Ogassavara abióticos influenciam não apenas os bióticos, como também o inverso. Em processo dialético, o produto da O respeito à natureza física é pura tolice; a natureza física deve ser estudada no sentido de fazer com que sirva, tanto quanto possível, aos propósitos humanos, ainda que, do ponto de vista ético, ela permaneça nem boa, nem má 2 (RUSSEL, 2007). atividade dos organismos vivos modificaria o meio físico, propiciando as condições necessárias de pH favorável, temperatura moderada e concentrações elevadas de oxigênio e baixas de gás carbônico para o Para os dias atuais, a afirmação de que a natureza não desenvolvimento da própria vida, de sorte que a Terra merece seria a consideração humana, a não ser pelos um sistema proveitos que possa proporcionar, soa rara, porém, até interdependentes os anos 60, prevalecia nos países industrializados a organismo vivo. e de se interações comportaria complexas como único chamada Economia de Fronteira, termo cunhado pelo economista Kenneth Boulding que corresponde É preciso pontuar, porém, que, em 1958, Alfred Redfield, ao no clássico The Biological Control of Chemical Factors in sistema em que a natureza é provedora infinita de recursos destinados concomitantemente, ao uso do receptora sem homem limite the e, Environment, já demonstrava modificação dos elementos abióticos pelos bióticos em menor escala6. dos subprodutos do desenvolvimento, na forma de poluição e Iniciou-se, assim, um processo de modificação dos degradação do meio ambiente3. valores Os primeiros estudos acerca de crescimento transculturais – Teoria Verde do Valor – relacionados à natureza, passando-se a reconhecer o da valor dos bens ambientais por seus atributos decorrentes industrialização versus escassez de recursos datam do de processos naturais, e não apenas pelos decorrentes da século XVIII, como o conhecido Essay on the principle of atividade humana, como antes preconizado pela Teoria population, escrito em 1798 por Thomas Malthus, que do Valor do Trabalho 7. defendia ser o crescimento populacional em proporção geométrica em contraposição ao aumento dos gêneros Pelo que foi dito, uma análise histórica mais afoita levaria alimentícios do à conclusão de que já se desenvolveu plenamente o determinismo social, o economista britânico sustentava altruísta ethos de cuidado8, transitando-se da ótica que guerras, epidemias e fome devastadoras seriam utilitarista para a do reconhecimento do valor existencial episódios periódicos naturais restauradores do equilíbrio da natureza. Esse julgamento seria reforçado pela entre recursos naturais e população, sobre os quais o inclusão do componente existencial na metodologia de homem seria totalmente impotente4. cálculo do Valor Econômico dos Recursos Ambientais em proporção aritmética. Adepto (VERA), apresentado no Boletim nº 30, de maio de 2008. A preocupação efetiva com o tema ambiental, entretanto, deu-se há cerca de 50 anos, período em que foram Todavia, divulgadas defendida propostas, por Arne como Naess, a na no que tange a normas de preservação Ecologia Profunda, ambiental, sou pela opinião da professora Cristiane qual aponta a Derani – transcrita a seguir –, avessa à linearidade necessidade de nova política e de nova filosofia moral, se histórica, como antes sugerido, e centrada no sistema de que encarem os seres humanos como parte integrante da produção capitalista e na sua relação com o desejo pelo natureza, em condição de igualdade com todos os outros bem-estar: seres vivos – igualdade biosférica5. As normas ambientas são essencialmente voltadas a uma relação social e não a uma “assistência” à natureza. Tais normas de proteção ao meio ambiente são reflexos de uma constatação social paradoxal resumida no seguinte dilema: a sociedade precisa agir dentro de seus pressupostos industriais; porém, estes mesmos pressupostos destinados ao prazer e ao bem-estar podem 1 Analista do Departamento de Organização do Sistema Financeiro (Deorf), do Banco Central (SP). RUSSEL, B. No que acredito. Porto Alegre: L&PM, 2007. 3 VICENTINI, V. L. Pousada. Metodologia para avaliação ambiental de programas de restauração e/ou melhoramento de rodovias. Dissertação de Mestrado. Procam, USP, 1999. 4 BONAVIDES, P. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2008. 5 GIDDENS, A. Para Além da Esquerda e da Direita. O futuro da política radical. São Paulo: Ed. Unesp, 1996. 2 6 ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986. NUSDEO, F. Curso de Economia – Introdução ao Direito Econômico. São Paulo: Ed. RT, 2000. 8 BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano – Compaixão pela terra. Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 1999. 7 1 Ano 3, nº 33, agosto de 2008 acarretar desconforto, doenças e miséria. (...) O fator natureza, ao lado do fator trabalho e do fator capital, compõe a tríade fundamental para o desenvolvimento da atividade econômica. Isto seria o bastante para justifcar a indissociabilidade entre direito econômico e direito ambiental. Contudo, existe um outro ponto, tão ou mais forte que este: a finalidade do direito ambiental coincide com a finalidade do direito econômico. Ambos propugnam pelo aumento do bem-estar ou qualidade de vida individual e coletiva (DERANI, 2008, p. XXI)9. Como afirmado no debate “Meio Ambiente e Desenvolvimento”, parte do “Colóquio 2010-2020: um período promissor para o Brasil?”, promovido pelo Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo em 26.6.2008 (www.iea.usp.br), o desmatamento da região amazônica é o fator de mais preocupação em tema de modificação climática. Apontou-se, entre outras, Dito de outra forma, apesar da existência de processo de a necessidade de demonstrar, por meio de políticas conscientização coletiva a respeito do valor existencial da públicas, Natureza, é preciso reconhecer, sem romantismo, que as ecossistema amazônico têm valor econômico. Usando as normas que os serviços florestais prestados pelo a palavras de um dos palestrantes, seria preciso ”mostrar às manutenção do sistema produtivo e, primordialmente, a pessoas – físicas e jurídicas – que a floresta vale mais em preservação do bem-estar da espécie humana. pé”. O reconhecimento do valor em si da Natureza é um fator Um dos primeiros passos neste sentido foi o programa que garante adesão às normas ambientais, porém não Bolsa Floresta, lançado em junho de 2007, que se passa de mera retórica em regiões onde, por um lado, encontra, desde março de 2008, sob responsabilidade da predomina grande desigualdade econômica e social, a Fundação população de baixa renda e baixo grau de escolaridade; amazonas.org), organização composta pelo governo do por outro, a relação custo-benefício entre preservar e não estado do Amazonas e por uma instituição financeira preservar não estimula o sistema de produção à primeira privada. de proteção ambiental instrumentalizam opção. Amazonas Sustentável (www.fas- Outro foi o Protocolo de Intenções pela Responsabilidade O Brasil, de acordo com o “Relatório de Desenvolvimento Socioambiental Humano 2007/2008” do Programa das Nações Unidas para 1º.8.2008, pelo Ministério do Meio Ambiente, Banco o Desenvolvimento (PNUD) (www.pnud.org), ocupa a 70ª Nacional de Desenvolvimento Social, Caixa Econômica posição no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Federal, Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Banco do Humano (IDH) e é classificado como país de elevado Nordeste do Brasil com intuito de empreender políticas e desenvolvimento práticas bancárias que sejam precursoras, multiplicadoras, humano. Entretanto, o mesmo (www.bndes.gov.br) exemplares no que se socioambiental e que estejam em documento indica que ainda há muito a ser feito, uma vez demonstrativas que 21,2% da nossa população sobrevive com menos de responsabilidade dois dólares por dia, 25% não tem acesso a saneamento harmonia, com objetivo de promover desenvolvimento básico, 10% não tem acesso a uma fonte de água tratada, sem comprometer as necessidades das gerações futuras, 11,40% das pessoas maiores de 15 anos são analfabetas, com atualização dos compromissos previstos no Protocolo e 7% são subnutridas.10 Verde, firmado em 1995. No universo de 186,8 milhões de habitantes em que se Esperemos que tais iniciativas contribuam de fato para baseou o relatório, esses percentuais corresponderiam a melhoria 36,6 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza, mediante sua efetiva inserção nos indicadores sociais de 46,7 milhões sem saneamento, 18,68 milhões sem país de elevado desenvolvimento humano e que, com o acesso a fonte de água tratada, 21,3 milhões de passar do tempo, a floresta e todos os outros ecossitemas analfabetos e 13,08 milhões de subnutridos. Além disso, passem a ser respeitados pelo que são e não somente não se pode olvidar que o status mais freqüente é o de pelo quanto valem. da ou firmado, qualidade de vida da população intersecção – em maior ou menor amplitude – entre as situações, por exemplo, analfabeto e subnutrido e sem acesso a saneamento e a água tratada e abaixo da linha de pobreza. 9 DERANI, C. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Ed. Saraiva, 2008. 10 Optei por não inserir os dados sobre a distribuição de renda e consumo, pois os números contidos no ”Relatório de Desenvolvimento Humano 2007/2008” não são comparáveis entre países nesse item, em razão da metodologia utilizada, segundo nota da pág. 286 do referido documento. Realização: Banco Central do Brasil (Dinor/Deorf) Editora Responsável: Elvira Cruvinel F. Ventura Contribuições/sugestões para o Boletim podem ser enviadas para [email protected] 2 refere a em local,