Agosto/2008 - Banco Central do Brasil

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Valoração Econômica Ambiental – Parte II
Na década de 70, formulou-se a Hipótese Gaia, de
Lovelock e Margulis, que sustenta que os elementos
1
Renata Cristine Ogassavara
abióticos influenciam não apenas os bióticos, como
também o inverso. Em processo dialético, o produto da
O respeito à natureza física é pura tolice; a natureza
física deve ser estudada no sentido de fazer com que
sirva, tanto quanto possível, aos propósitos humanos,
ainda que, do ponto de vista ético, ela permaneça nem
boa, nem má 2 (RUSSEL, 2007).
atividade dos organismos vivos modificaria o meio físico,
propiciando as condições necessárias de pH favorável,
temperatura moderada e concentrações elevadas de
oxigênio
e
baixas
de
gás
carbônico
para
o
Para os dias atuais, a afirmação de que a natureza não
desenvolvimento da própria vida, de sorte que a Terra
merece
seria
a
consideração
humana,
a
não
ser
pelos
um
sistema
proveitos que possa proporcionar, soa rara, porém, até
interdependentes
os anos 60, prevalecia nos países industrializados a
organismo vivo.
e
de
se
interações
comportaria
complexas
como
único
chamada Economia de Fronteira, termo cunhado pelo
economista
Kenneth
Boulding
que
corresponde
É preciso pontuar, porém, que, em 1958, Alfred Redfield,
ao
no clássico The Biological Control of Chemical Factors in
sistema em que a natureza é provedora infinita de
recursos
destinados
concomitantemente,
ao
uso
do
receptora
sem
homem
limite
the
e,
Environment,
já
demonstrava
modificação
dos
elementos abióticos pelos bióticos em menor escala6.
dos
subprodutos do desenvolvimento, na forma de poluição e
Iniciou-se, assim, um processo de modificação dos
degradação do meio ambiente3.
valores
Os
primeiros
estudos
acerca
de
crescimento
transculturais
–
Teoria
Verde
do
Valor
–
relacionados à natureza, passando-se a reconhecer o
da
valor dos bens ambientais por seus atributos decorrentes
industrialização versus escassez de recursos datam do
de processos naturais, e não apenas pelos decorrentes da
século XVIII, como o conhecido Essay on the principle of
atividade humana, como antes preconizado pela Teoria
population, escrito em 1798 por Thomas Malthus, que
do Valor do Trabalho 7.
defendia ser o crescimento populacional em proporção
geométrica em contraposição ao aumento dos gêneros
Pelo que foi dito, uma análise histórica mais afoita levaria
alimentícios
do
à conclusão de que já se desenvolveu plenamente o
determinismo social, o economista britânico sustentava
altruísta ethos de cuidado8, transitando-se da ótica
que guerras, epidemias e fome devastadoras seriam
utilitarista para a do reconhecimento do valor existencial
episódios periódicos naturais restauradores do equilíbrio
da natureza. Esse julgamento seria reforçado pela
entre recursos naturais e população, sobre os quais o
inclusão do componente existencial na metodologia de
homem seria totalmente impotente4.
cálculo do Valor Econômico dos Recursos Ambientais
em
proporção
aritmética.
Adepto
(VERA), apresentado no Boletim nº 30, de maio de 2008.
A preocupação efetiva com o tema ambiental, entretanto,
deu-se há cerca de 50 anos, período em que foram
Todavia,
divulgadas
defendida
propostas,
por
Arne
como
Naess,
a
na
no
que
tange
a
normas
de
preservação
Ecologia
Profunda,
ambiental, sou pela opinião da professora Cristiane
qual
aponta
a
Derani – transcrita a seguir –, avessa à linearidade
necessidade de nova política e de nova filosofia moral,
se
histórica, como antes sugerido, e centrada no sistema de
que encarem os seres humanos como parte integrante da
produção capitalista e na sua relação com o desejo pelo
natureza, em condição de igualdade com todos os outros
bem-estar:
seres vivos – igualdade biosférica5.
As normas ambientas são essencialmente voltadas a uma
relação social e não a uma “assistência” à natureza. Tais
normas de proteção ao meio ambiente são reflexos de
uma constatação social paradoxal resumida no seguinte
dilema: a sociedade precisa agir dentro de seus
pressupostos
industriais;
porém,
estes
mesmos
pressupostos destinados ao prazer e ao bem-estar podem
1
Analista do Departamento de Organização do Sistema Financeiro
(Deorf), do Banco Central (SP).
RUSSEL, B. No que acredito. Porto Alegre: L&PM, 2007.
3
VICENTINI, V. L. Pousada. Metodologia para avaliação ambiental
de programas de restauração e/ou melhoramento de rodovias.
Dissertação de Mestrado. Procam, USP, 1999.
4
BONAVIDES, P. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2008.
5
GIDDENS, A. Para Além da Esquerda e da Direita. O futuro da
política radical. São Paulo: Ed. Unesp, 1996.
2
6
ODUM, E. P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara, 1986.
NUSDEO, F. Curso de Economia – Introdução ao Direito
Econômico. São Paulo: Ed. RT, 2000.
8
BOFF, L. Saber cuidar: ética do humano – Compaixão pela terra.
Petrópolis, RJ: Ed. Vozes, 1999.
7
1
Ano 3, nº 33, agosto de 2008
acarretar desconforto, doenças e miséria. (...) O fator
natureza, ao lado do fator trabalho e do fator capital,
compõe a tríade fundamental para o desenvolvimento da
atividade econômica. Isto seria o bastante para justifcar a
indissociabilidade entre direito econômico e direito
ambiental. Contudo, existe um outro ponto, tão ou mais
forte que este: a finalidade do direito ambiental coincide
com a finalidade do direito econômico. Ambos propugnam
pelo aumento do bem-estar ou qualidade de vida
individual e coletiva (DERANI, 2008, p. XXI)9.
Como
afirmado
no
debate
“Meio
Ambiente
e
Desenvolvimento”, parte do “Colóquio 2010-2020: um
período
promissor
para
o
Brasil?”,
promovido
pelo
Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São
Paulo em 26.6.2008 (www.iea.usp.br), o desmatamento
da região amazônica é o fator de mais preocupação em
tema de modificação climática. Apontou-se, entre outras,
Dito de outra forma, apesar da existência de processo de
a necessidade de demonstrar, por meio de políticas
conscientização coletiva a respeito do valor existencial da
públicas,
Natureza, é preciso reconhecer, sem romantismo, que as
ecossistema amazônico têm valor econômico. Usando as
normas
que
os
serviços
florestais
prestados
pelo
a
palavras de um dos palestrantes, seria preciso ”mostrar às
manutenção do sistema produtivo e, primordialmente, a
pessoas – físicas e jurídicas – que a floresta vale mais em
preservação do bem-estar da espécie humana.
pé”.
O reconhecimento do valor em si da Natureza é um fator
Um dos primeiros passos neste sentido foi o programa
que garante adesão às normas ambientais, porém não
Bolsa Floresta, lançado em junho de 2007, que se
passa de mera retórica em regiões onde, por um lado,
encontra, desde março de 2008, sob responsabilidade da
predomina grande desigualdade econômica e social, a
Fundação
população de baixa renda e baixo grau de escolaridade;
amazonas.org), organização composta pelo governo do
por outro, a relação custo-benefício entre preservar e não
estado do Amazonas e por uma instituição financeira
preservar não estimula o sistema de produção à primeira
privada.
de
proteção
ambiental
instrumentalizam
opção.
Amazonas
Sustentável
(www.fas-
Outro foi o Protocolo de Intenções pela Responsabilidade
O Brasil, de acordo com o “Relatório de Desenvolvimento
Socioambiental
Humano 2007/2008” do Programa das Nações Unidas para
1º.8.2008, pelo Ministério do Meio Ambiente, Banco
o Desenvolvimento (PNUD) (www.pnud.org), ocupa a 70ª
Nacional de Desenvolvimento Social, Caixa Econômica
posição no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento
Federal, Banco do Brasil, Banco da Amazônia e Banco do
Humano (IDH) e é classificado como país de elevado
Nordeste do Brasil com intuito de empreender políticas e
desenvolvimento
práticas bancárias que sejam precursoras, multiplicadoras,
humano.
Entretanto,
o
mesmo
(www.bndes.gov.br)
exemplares
no
que
se
socioambiental
e
que
estejam
em
documento indica que ainda há muito a ser feito, uma vez
demonstrativas
que 21,2% da nossa população sobrevive com menos de
responsabilidade
dois dólares por dia, 25% não tem acesso a saneamento
harmonia, com objetivo de promover desenvolvimento
básico, 10% não tem acesso a uma fonte de água tratada,
sem comprometer as necessidades das gerações futuras,
11,40% das pessoas maiores de 15 anos são analfabetas,
com atualização dos compromissos previstos no Protocolo
e 7% são subnutridas.10
Verde, firmado em 1995.
No universo de 186,8 milhões de habitantes em que se
Esperemos que tais iniciativas contribuam de fato para
baseou o relatório, esses percentuais corresponderiam a
melhoria
36,6 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza,
mediante sua efetiva inserção nos indicadores sociais de
46,7 milhões sem saneamento, 18,68 milhões sem
país de elevado desenvolvimento humano e que, com o
acesso a fonte de água tratada, 21,3 milhões de
passar do tempo, a floresta e todos os outros ecossitemas
analfabetos e 13,08 milhões de subnutridos. Além disso,
passem a ser respeitados pelo que são e não somente
não se pode olvidar que o status mais freqüente é o de
pelo quanto valem.
da
ou
firmado,
qualidade
de
vida
da
população
intersecção – em maior ou menor amplitude – entre as
situações, por exemplo, analfabeto e subnutrido e sem
acesso a saneamento e a água tratada e abaixo da linha
de pobreza.
9
DERANI, C. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Ed. Saraiva,
2008.
10
Optei por não inserir os dados sobre a distribuição de renda e
consumo, pois os números contidos no ”Relatório de
Desenvolvimento Humano 2007/2008” não são comparáveis entre
países nesse item, em razão da metodologia utilizada, segundo
nota da pág. 286 do referido documento.
Realização: Banco Central do Brasil (Dinor/Deorf)
Editora Responsável: Elvira Cruvinel F. Ventura
Contribuições/sugestões para o Boletim podem ser
enviadas para [email protected]
2
refere
a
em
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