O mundo é, para cada um de nós, aquilo que dele conseguimos ver

Propaganda
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Mestrado em Administração – PPAGEI
Professor Francisco G. Heidemann, PhD
Disciplina: Modelos de Gestão
Tema:
Resenha – Sociedade Disciplinar
Referência: Vigiar e Punir – Michel Foucault (1)
Aluno:
Luiz Carlos de Almeida Oliveira
Julho de 2001
“Que há de espanto no fato que a prisão se
assemelhe às usinas, às escolas, às casernas, aos
hospitais, e de que todos se assemelhem às prisões”
(Michel Foucault, Surveiller et punir)
Introdução
O objeto de análise da presente resenha é o papel das Organizações como
integrantes da dita Sociedade Disciplinar, caracterizada por Foucault como
uma evolução dos mecanismos criados no século XVIII como alternativa à
reclusão. A referência básica tomada para a análise em questão é a arquitetura
do Panóptico, proposta pelo jurista inglês Jeremy Bentham. Esta é a
abordagem de Foucault sobre a Sociedade Disciplinar.
O Panóptico
O elemento tomado como referência para a análise desenvolvida é o
Panóptico. Trata-se de uma arquitetura desenvolvida no fim do século XVIII,
como uma proposta alternativa de funcionamento para as prisões.
Uma mudança fundamental foi constatada na arquitetura proposta.
O
tradicional modelo de reclusão, a partir da exclusão, da masmorra, onde o
indivíduo era deixado de lado, foi substituído por outro onde a “luz” fazia o
controle. Uma mudança radical, a exclusão foi substituída pela inclusão a um
novo regime.
A arquitetura do panóptico previa uma torre central, com um vigia, cercada de
celas ao seu redor, numa formação circular. As celas apresentavam aberturas
dos dois lados, o interno à torre e o externo. Assim a luz poderia passar por
ela, possibilitando ao vigia da torre a observação dos movimentos a partir das
silhuetas projetadas.
1
Os indivíduos vigiados não podiam ver o vigia, sequer se ele de fato estava lá.
A “torre” passava a controlá-los. A prisão passava a ser feita pela inclusão
(adestramento) dos indivíduos ao novo regime, que passava a exercer um forte
controle sobre os corpos e o tempo dos aprisionados.
Do Panóptico às Instituições Disciplinares
Foucault nos ofereceu um diálogo entre o Panóptico e as Instituições atuais,
situando-as como detentoras de formas brandas e difusas de adestramento e
inclusão. Neste contexto situam-se as fábricas, os hospitais, as escolas e,
inclusive, as prisões.
Passam a ser entendidas como “instituições de seqüestro”, em razão de que a
reclusão que elas operam não pretende propriamente excluir o indivíduo, mas
antes incluí-lo num sistema normalizador, fixando-os às instituições através de
mecanismos específicos de controle e de exercício do poder.
Assim a análise situa no momento atual, nas instituições contemporâneas, os
aspectos fundamentais presentes na arquitetura do Panóptico. A mudança
básica passa do espetáculo à vigilância, vigilância esta exercida por três
funções: o controle do tempo, o controle dos corpos e a instalação de um poder
polimorfo.
Funções de controle
O controle do tempo - A vigilância é, nas sociedades modernas, uma forma de
dispor do tempo dos indivíduos, principalmente visando atender os objetivos
das instituições. Mecanismos são desenvolvidos visando um controle e um
vínculo com as organizações e seus interesses.
Exemplos típicos são praticados pelas organizações quando estabelecem
políticas de remuneração e recompensa vinculadas ao tempo, tais como fundos
de pensão, promoções por tempo de serviço, o próprio mecanismo de férias
etc.
A síntese é: o indivíduo pode dispor do seu tempo, de forma minoritária, desde
que atenda, em primeiro lugar, os interesses das organizações. São formas
brandas e difusas, como comentado anteriormente, mas são formas de
controle do tempo, são componentes de um processo contínuo de vigilância e
controle.
O controle dos corpos - Também o controle dos corpos é uma das formas de
construção e de controle das instituições disciplinares. Ao definirem padrões
de comportamento, de vestuário, de atos e práticas possíveis e proibidos em
cada instituição, estas exercem um controle sobre os corpos.
2
Ao exercerem também criam um saber fisiológico e orgânico que possibilita um
maior exercício deste aspecto de controle, bem como a criação de um “corpo
da sociedade”, necessário para a preservação dos padrões estabelecidos.
O poder polimorfo – Outra característica e mecanismo de controle é a forma de
instituição do poder, que nestas instituições são polimorfos e polivalentes. São
classificados como poder econômico, político, judiciário e epistemológicos.
O poder econômico é, talvez, o mais óbvio e aparente. Este se associa de
forma direta com o poder político, estabelecendo quem define os
procedimentos, quem tem direito de dar ordens, de aceitar indivíduos, de
expulsar outros etc.
O poder econômico e político se articulam na formação do poder judiciário.
Nestas organizações, alguns têm o direito do julgamento, de condenar
pessoas, atitudes, valores. Existe o direito de punir e compensar, a partir do
exercício da vigilância (Surveiller et punir).
Uma nova articulação das três formas de poderes cria uma quarta forma: o
poder epistemológico, que produz saberes. E o produz duplamente: extraindo
saberes dos indivíduos e elaborando saber sobre os indivíduos. Exemplo claro
novamente se observa nas fábricas. O saber extraído dos indivíduos é aquele
obtido a partir das práticas desenvolvidas por um operário que são observadas
e repassadas para os demais, enquanto o saber sobre o indivíduos , nasce das
observações, das avaliações, das classificações e das anotações que são
feitas sobre o desempenho de cada um. Assim também é nas escolas e em
muitas outras instituições, segundo Foucault.
Análise Crítica - A Sociedade Disciplinar e os Modelos de Gestão
Obtido o entendimento sobre o funcionamento das Sociedades Disciplinares,
resta-nos situá-los no contexto dos Modelos de Gestão.
Cabe-nos observar que, segundo a abordagem do autor, uma série de
mecanismos foram estabelecidos, embora de forma branda e difusa, com o
objetivo do controle, da construção da torre.
As organizações contemporâneas replicam as práticas destes mecanismos,
replicando desta forma também a essência do controle e da busca do
“seqüestro” dos indivíduos. Morgam (2), também aborda esta questão ao tratar
das organizações como instrumentos de dominação.
Ao se pensar em modelos de gestão, devemos nos ocupar de uma reflexão
sobre o quanto as práticas abordadas pelos diversos modelos propostos não
são apenas reforços dos mecanismos de controle das sociedades disciplinares.
E se o forem, quais as suas conseqüências sobre os indivíduos, bem como
quais são as possíveis limitações impostas por estas conseqüências.
3
Analisando sob esta ótica, podemos situar um conjunto de práticas de gestão,
amplamente difundidas, como componentes da torre que vigia, recompensa e
pune os indivíduos, visando “incluí-los” cada vez mais na organização. Assim
podem ser entendidos nas organizações, por exemplo, os processos de
comunicação, de remuneração, de gerenciamento de “talentos” ou do “capital
humano”, de gestão do conhecimento etc.
Esta seqüência de raciocínio permite-nos questionar o quanto a associação de
algumas práticas de gestão com mecanismos de controle e inclusão, não é a
origem de uma série de dificuldades e, por vezes, quase impossibilidades
enfrentadas pelas organizações. Principalmente no que se espera do
comportamento e atitude dos indivíduos que nelas trabalham, ou melhor, que
nelas estão presos.
A questão final que deve ser considerada é: qual o resultado possível de ser
alcançado por instituições que podem ter origem em mecanismos criados para
serem alternativas aos então existentes para trancafiar os loucos e os
marginais ?
Bibliografia
(1) Foucault, Michlel. Vigiar e punir. Rio: Vozes. 2000
(2) Morgan, Gareth. Imagens da Organização. São Paulo: Atlas. 1996
(3) Muchail, Salma T. O Lugar das Instituições na Sociedade Disciplinar
ISAD/PUC PR.
4
Download