Visões de estudantes de pós-graduação em

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Visões de estudantes de pós-graduação em
agroquímica acerca da epistemologia da ciência
Márcio Oliveira Alves ([email protected])
Cristhiane Cunha Flor
Palavras Chave: Epistemologia da Ciência, Formação de cientistas
1. INTRODUÇÃO
Pode-se perceber atualmente que a formação dos acadêmicos de Ciências Naturais se baseia
principalmente na acumulação de conhecimentos técnicos específicos da sua futura área de atuação,
dando pouca importância à formação crítica a respeito do conhecimento adquirido. Será que, no
decorrer da sua trajetória para se tornar um pesquisador, são apresentadas algumas indagações a ele
sobre o que é ciência e o que pode ou não ser considerado ciência? Como são os métodos e princípios
a serem seguidos na prática de pesquisa e se tais métodos e princípios são realmente seguidos por
parte dos pesquisadores? Durante a história da ciência como se dá a formação de uma teoria científica
e quais características são determinantes nesse processo?
Tal questionamento pode ser encontrado em alguns cursos de graduação para a formação de
profissionais que irão lecionar no ensino médio e fundamental, que possuem em sua matriz curricular
alguns elementos de Filosofia da Ciência, como por exemplo, o curso de licenciatura em Química na
UFV, no qual o estudante pode ter um contato com o tema na disciplina de instrumentação para o
ensino de química. Ora, se um olhar epistemológico deve estar presente naqueles indivíduos que irão
passar esse conhecimento científico para outros, o que diríamos então sobre a importância dessa visão
naqueles que lidarão diretamente com o conhecimento científico? Como os futuros cientistas devem se
comportar diante tais indagações? Será que seria melhor que estas discussões fossem deixadas
apenas para os filósofos? Será que manter os olhos fechados diante desse debate é melhor para a
preservação do conhecimento científico?
Uma forma de auxilio para que essas questões sejam solucionadas ou no mínimo refletidas e
discutias com uma fundamentação adequada, é que o estudante ou pesquisador tenha consciência de
algumas posturas epistemológicas, mostrando o que alguns filósofos da ciência, e até os próprios
cientistas, podem oferecer para o enriquecimento das reflexões sobre o assunto.
Na pesquisa à literatura, foram encontrados diversos trabalhos que trazem uma discussão
bastante rica sobre o assunto. Entre eles, podemos citar o artigo de Farias (2003), de caráter histórico,
1
que trata do perfil intuitivo do químico Alfred Werner no desenvolvimento de suas teorias. Outro
trabalho, de autoria de Lobo e Moradillo (2003), faz uma crítica a idéia na docência que se baseia
exclusivamente no domínio do conteúdo a ser ministrado somada a algumas técnicas didáticas, ambos
totalmente desvinculados. De acordo com os autores uma discussão a respeito da filosofia ciência pode
ser de grande ajuda na solução desta incompatibilidade. Também temos os artigos de Dahmen (2006) e
Massoni (2008), que discutem respectivamente, as contribuições de Einstein e Prigogine para a filosofia
da ciência. Já o de Moreira et al (2007), em sua pesquisa busca fazer um levantamento quantitativo e
estatístico sobre como foi a evolução a respeito da filosofia da ciência de alguns estudantes da UFRGS
após cursarem uma disciplina de história e filosofia da física.
Apesar dos trabalhos citados anteriormente serem somente alguns exemplos, em quase todos
eles, a abordagem é exclusivamente teórica, com exceção do último citado que busca fazer um
levantamento experimental, ainda que esse seja na área de licenciatura. A discussão teórica é bastante
importante no estudo da filosofia da ciência, pois é ela que pode levar ao estudante ou pesquisador á
uma idéia melhor fundamentada sobre o assunto. No entanto, é importante que, além dos aspectos
teóricos, saibamos qual o posicionamento dos mesmos a respeito de tais indagações.
De posse desses argumentos, o objetivo principal do presente trabalho é fazer o levantamento
da visão epistemológica de alguns estudantes do curso de pós-graduação em Agroquímica da UFV.
Para tanto, é necessário estabelecer alguns objetivos específicos:

Estabelecer reflexões sobre os posicionamentos epistemológicos de diferentes filósofos e
cientistas;

Conhecer a concepção dos estudantes sobre a ciência e como elas se aproximam em
relação os posicionamentos discutidos.
2. EPISTEMOLOGIA ENTRE FILÓSOFOS E CIENTISTAS
Como o tema central do trabalho se concentra na Filosofia da Ciência, então, é importante que
façamos uma comparação entre esses dois campos do conhecimento humano, em separado,
levantando os seus objetos de estudo e analisando as suas principais semelhanças e diferenças. Em
relação à filosofia da ciência em si, existe um grande número de doutrinas epistemológicas, ou seja,
várias formas de entender os fatores essenciais para o desenvolvimento do conhecimento, então nos
concentraremos em algumas que consideramos mais convenientes para o tema de estudo delimitado.
Nessas procuramos apresentar um pouco da pluralidade de idéias que existe dentro da epistemologia,
desde algumas posturas consideradas realistas a outras consideradas relativistas. E por último, é
2
imprescindível ver como se dá o debate do assunto dentro da própria ciência e com quem lida
diretamente com ela, ou seja, os próprios cientistas.
2.1. Filosofia e Ciência
Segundo Hessen (2005), é bastante complicado se obter uma definição exata sobre o que é
filosofia, no entanto quando se é feita uma análise histórica dos sistemas filosóficos, podemos entender
um pouco qual é o objetivo dessa área do conhecimento humano. Então de acordo com o autor, a
filosofia possui um caráter de universalidade, onde se busca conhecer o objeto como um todo, além do
mais tal ato se dá de forma racional. Daí podemos fazer um paralelo com a ciência, diferente da
filosofia, a objeto de estudo da ciência é um recorte da realidade, a sua principal semelhança está no
fato de ambas possuírem um caráter teórico em suas análises e são baseadas na mesma função do
espírito humano, o pensamento.
Dentro da filosofia, o campo de estudo que busca estudar a ciência é conhecido como teoria da
ciência, a mesma é divida entre a lógica e a teoria do conhecimento, também conhecida como
epistemologia. Hessen (2005) entende a primeira como a parte formal e a segunda como a parte
material. Em relação a epistemologia, ela tem por objetivo entender como se dá a formação do
conhecimento a partir da interação entre o “sujeito” e o “objeto”. O sujeito é aquele que apreende ou
conhece o objeto. Já o objeto é aquele que é apreendido ou conhecido pelo sujeito. Especificamente
analisaremos como se dá o ato de conhecer dentro do fazer científico, onde o sujeito é o cientista e o
objeto é aquilo que o cientista busca entender.
2.2. Empirismo indutivista de Bacon
Iniciando a análise sobre os diferentes pensamentos epistemológicos, comecemos por uma das
precursoras da ciência moderna, cujos pensamentos têm uma forte influência até os dias atuais. Tratase do empirismo indutivista proposto por Francis Bacon. Na sua adolescência, através de seus estudos,
teve um contato intenso com os pensadores da antiguidade. Desse contato surgiu uma grande
divergência em relação à filosofia antiga e nos seus resultados efetivos para o homem.
Contrário à escolástica, Bacon idealizava uma filosofia sem especulações e contemplações, que
previa resultados efetivos para a vida prática do ser humano.
[...] Bacon foi o responsável pelo rompimento com a tradição que via a ciência como estritamente
contemplativa: ao dizer que ciência e poder coincidiam, Bacon tornou o conhecimento um
instrumento para o controle dos fenômenos naturais, fazendo dos frutos práticos da ciência uma
contraprova de sua veracidade teórica. (OLIVA, 2003, p. 33-34).
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Podemos perceber que tal visão prática e utilitarista proposta pelo filósofo, até hoje é uma forma
bastante dominante em relação à ciência e as suas funções perante a sociedade, onde muitas vezes a
ciência se torna unicamente submissa ao desenvolvimento tecnológico.
Como o próprio nome demonstra, seu método era baseado na experiência e na indução.
Inicialmente os dados são colhidos através da experiência, eliminando a mente de vícios tanto coletivos
quanto individuais. Posteriormente tais dados seriam analisados e, observando sistematicamente certos
fenômenos nos mesmos experimentos, poder-se-ia concluir que esses fenômenos sempre se
manifestariam nessas condições experimentais, caracterizando o método indutivo, ou seja, partindo do
específico para o geral. De acordo com Andrade In Bacon (1999), a indução possui a função de ser um
amplificador dos resultados experimentais em particular. Diante de tal procedimento, Bacon acreditava
conseguir uma verdade segura e plenamente confiável
2.3. O racionalismo de Descartes
Como Bacon, Descartes também acreditava que a verdade poderia ser conhecida de uma forma
segura e confiável, mas diferentemente do filósofo inglês o método para se chegar a tal verdade não
seria a experiência, mas sim a razão. Segundo Hessen (2005), racionalismo é a doutrina epistemológica
que entende como a única forma de conhecimento válida é aquela proveniente da razão e da lógica, ou
seja, para que um conhecimento possua uma verdade com validade universal ele deve se submeter em
última instância ao juízo lógico e não ao da experiência. Obviamente tal pensamento tem como modelo
o pensamento matemático, onde todas as suas formas independem da experiência e seguem suas
próprias leis.
Segundo Descartes tal método era considerado como infalível, baseando-se exclusivamente na
matemática e afastando todas as impressões sensoriais, separando assim a mente da matéria, e
conseguindo interpretar o mundo de forma objetiva e precisa. Nesse caso, o objeto de estudo seria
totalmente desvinculado do observador humano.
De acordo com Granger In Descartes (1973), Descartes não considerava a matemática em si
como uma ciência ou como parte da ciência. Entretanto, devido à sua clareza na linguagem, exatidão
na interpretação dos resultados e sua dedução rigorosa, considera-a assim como o “método”. Ele eleva
também a matemática a uma esfera superior, separando-o das intuições sensíveis.
No mundo de Descartes, os únicos constituintes reais são a matéria e o movimento. Barbatti
(1999) adiciona que o conceito de inércia de Descartes era o impulso inicial dado por Deus na criação
do mundo, explicando assim a origem do movimento dos corpos. Observamos que apesar da filosofia
cartesiana relegar grande importância ao divino, não considerava como válida a influencia do mesmo no
funcionamento decorrente do universo.
4
2.4. Os paradigmas científicos de Kuhn
Após estudarmos as doutrinas epistemológicas “realistas”, anteriores ao século XX, passemos
agora às doutrinas tidas dentro da Filosofia da Ciência como “relativistas”. Um autor que exerce grande
influencia nesse gênero é o americano Thomas S. Kuhn. O autor era estudante de pós-graduação em
física teórica, quando teve um contato, inicialmente com a história da ciência, o que o fez rever
totalmente os seus conceitos a respeito da natureza da ciência, que como conseqüência o acabou
levando para o estudo de questões filosóficas ligadas à área. Assim sua interpretação é baseada em
fatos históricos e sociológicos, ambos dentro da própria ciência.
Kuhn criticou profundamente a idéia básica que o desenvolvimento da ciência se dá por meio de
um processo acumulativo e contínuo, de acordo com o positivismo, feito por trabalhos individuais e que
a ciência se limita somente a um amontoado de fatos coletados de forma manual e organizados
logicamente produzindo assim as teorias científicas. Para o filósofo existem duas fases distintas no
desenvolvimento científico, a “ciência norma”l e as revoluções “científicas”.
Inicialmente, para que essas duas fases possam ser melhor compreendidas, é necessário
entender também um termo que é bastante utilizado na teoria de Kuhn, o “paradigma”. O paradigma é
um conjunto de regras, leis e teorias que são compartilhados pela comunidade científica de uma dada
área. O estudante de tal área será treinado no paradigma vigente, ou seja, os manuais utilizados por ele
deverão conter informações que reúnem bases do seu campo de estudo a partir de modelos concretos
e bem definidos.
Quando um paradigma, em determinada área da ciência, é amplamente aceito dentro da
mesma, temos o período de ciência normal. Esse momento pode ser caracterizado como o acabamento
de uma teoria científica, buscando com que todos os seus pontos sejam bem compreendidos e
praticamente forçando a natureza a se encaixar nos limites determinados pelo paradigma. Assim,
podemos entender que a crença em tal paradigma possibilita que os cientistas compreendam uma faixa
de fenômenos em tal profundidade, que seria impossível caso eles não estivessem limitados a
determinadas regras e princípios propostos inicialmente.
A ciência normal não se propõe descobrir novidades no terreno dos fatos ou teorias: quando é bem
sucedida não as encontra. Entretanto, fenômenos novos e insuspeitados são periodicamente
descobertos pela teoria científica; cientistas tem constantemente inventado teorias radicalmente
novas. (KUHN, 2005, p. 77).
Esses novos fenômenos encontrados, aos quais o paradigma não consegue solucionar com seu
conjunto de teorias, questionam a capacidade do mesmo na solução de novos problemas. Nesse ponto
o paradigma é colocado em prova. Apesar de sua ineficiência para resolver tais questionamentos, a
maioria da comunidade científica permanece firme perante esse acontecimento não abandonando o
paradigma vigente. Quando surge um novo paradigma, com a proposta de substituir o anterior e com a
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promessa de solucionar os questionamentos que o outro não conseguia, ele muitas vezes se encontra
ainda mal estruturado e formulado, resolvendo efetivamente poucas questões, restando assim mais
como uma promessa de sucesso, e não com os resultados até então obtidos.
Esse processo no qual um novo paradigma surge como um substituto ao anterior e
consolidado, é denominado por Kuhn como “revolução científica”. As revoluções geralmente são
realizadas por cientistas mais jovens que não estão tão condicionados às antigas bases teóricas. À
medida que vão sendo formadas novas gerações de pesquisadores e os antigos vão deixando de
exercer atividade, o novo paradigma adquire cada vez mais adeptos e ganha mais força perante a
comunidade científica, até que ele seja reconhecido pela grande maioria e se torne efetivamente o novo
conjunto de teorias e regras que irá orientar as pesquisas daquele ponto em diante, voltando novamente
ao período de ciência normal.
2.5. O anarquismo epistemológico de Feyerabend
Em outra escola também considerada relativista temos o anarquismo epistemológico, corrente
de pensamento que tem como grande defensor contemporâneo Paul Feyerabend. Em sua citação
“necessitamos de um mundo imaginário para descobrir os traços do mundo real que supomos habitar”
(FEYRABEND apud BORGES, 1996, p. 35) percebemos a sua posição totalmente contrária ao realismo
ontológico, ou seja, independente da nossa vontade. Essa posição totalmente contrária a tal concepção
filosófica torna-o, obviamente, como um defensor do subjetivismo e relativismo. De acordo com Hessen
(2005), enquanto o ceticismo nega a existência de qualquer verdade, o subjetivismo e o realismo
limitam a validade da mesma negando-lhe um caráter universal.
De acordo com Borges (1996), um anarquista epistemológico considera válidas diferentes
formas de interpretar o mundo, pois outros conhecimentos diferentes dos científicos devem ser
considerados igualmente válidos. E na pesquisa científica não deve existir método algum para a
investigação, ela deve ocorrer de forma totalmente livre de sistematizações, concedendo grande
importância à atividade lúdica nesse processo.
Segundo Villani (2001), os objetivos principais da ciência para Feyerabend são a felicidade e o bem
estar do ser humano. Quanto ao desenvolvimento ela se dá através de dois princípios básicos: a
tenacidade e a proliferação. O primeiro, se relaciona à persistência do cientista em adotar algum modelo
teórico, mesmo que esse em um primeiro momento não seja eficiente na resolução dos problemas no
qual ele propõe resolver. Em relação a esse, percebemos uma face voltada para a teoria de Kuhn. Em
seu argumento, vimos que na eminência de uma revolução científica, quando uma nova teoria se
candidata a entender determinados conjuntos de fenômenos em particular, os adeptos da antiga teoria
tendem a rejeitar a nova com a esperança de que a teoria vigente, com algumas correções, consiga
solucionar os problemas em questão. Como já foi mencionado, isso acontece mesmo que a nova teoria
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possua argumentos racionais mais consistentes que a concorrente, uma explicação para tal pode ser
buscada no argumento de Feyerabend. Sobre o princípio da proliferação: “[...] leva o cientista a criar
alternativas novas às teorias já existentes. Essas novas teorias, ao enfatizar o ponto fraco das rivais,
obrigam-nas a se desenvolver, até incorporando pontos novos sugeridos pelas concorrentes.“ (VILLANI,
2001, p. 171)
2.6. A visão epistemológica entre cientistas
Além de analisarmos a posição de filósofos perante a ciência, é de igual importância vermos
também o que pensam os próprios cientistas a respeito da essência da ciência como um todo e de uma
forma geral, não se limitando a somente as suas teorias específicas. Podemos citar um número muito
grande de cientistas que reconheciam a importância da filosofia dentro da ciência. Entre eles estão
Boyle, Einstein, Bohr, Prigogine, etc. Mas talvez nenhum tenha chamado mais a atenção para esse
ponto do que Albert Einstein. A seguir entenderemos a sua atenção concedida à filosofia como um
auxilio no entendimento da física moderna:
Porque não haveria então de ser o mais correto também para o físico deixar o filosofar para os
filósofos? Isto talvez se aplique em épocas nas quais os físicos crêem possuir um sólido e
inquestionável sistema de conceitos e leis fundamentais, mas não nos dias atuais, quando os
fundamentos da física como um todo se tornaram problemáticos. Nestas épocas, nas quais a
experiência obriga a buscar uma nova base e mais sólida, o físico não pode simplesmente relegar
à Filosofia a análise crítica dos fundamentos.... (EINSTEIN apud DAHMEN, 2006, P. 4).
Com o advento da física moderna, sobretudo da mecânica quântica, as bases filosóficas nas
quais estava fundamentada a física anterior ao século XX tiveram que ser completamente mudadas
para que os novos problemas trazidos à tona fossem solucionados.
Einstein entendia também que, apesar de todo caráter teórico e racional presente na ciência, a
intuição e a imaginação desempenhavam papel fundamental para a sua construção. Vemos tal
pensamento nos seguintes trechos:
A suprema tarefa do físico consiste, então, em procurar leis elementares mais gerais, a partir das
quais por pura dedução se adquire a imagem do mundo. Nenhum caminho lógico leva a tais leis
elementares. Seria antes uma intuição a se desenvolver paralela a experiência.” (EINSTEIN,
p.140).
Entretanto, a discussão epistemológica mais pronunciada na qual Einstein esteve presente foi a
com o físico dinamarquês Niels Bohr, acerca dos fundamentos e da Filosofia da Ciência por trás da
mecânica quântica. Do ponto de vista kuhniano, podemos considerar o surgimento da teoria quântica
como uma verdadeira revolução científica. A revolução ocorreu de forma tão intensa que a emergência
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do novo paradigma não se limitou somente a uma mudança de teorias e conceitos, mas sim na própria
estrutura filosófica da física. Especificamente falando, a mecânica quântica trouxe uma nova
interpretação a respeito da interação entre o sujeito e o objeto, onde é impossível que o observador seja
independente do seu sistema de estudo.
Apesar de todo caráter inovador e revolucionário que possuía o espírito de Einstein, ele não
ficou convencido diante dessa visão epistemológica. Não é possível considerar que Einstein possuía
uma postura positivista, apesar de ser um realista convicto, ou seja, acreditava firmemente em uma
realidade independente da nossa vontade. No trabalho de Bastos Filho (2003), o autor ressalta que a
visão realista do físico alemão não era ingênua, pois ele conhecia muito bem a complexidade profunda
originada entre as relações sujeito e o objeto, no entanto ele não admitia que tal fato pudesse eliminar a
realidade objetiva e independente da nossa vontade.
3. METODOLOGIA
O objetivo principal do trabalho, como já foi mencionado anteriormente, constitui em uma
pesquisa com o objetivo de se levantar o posicionamento epistemológico de alguns estudantes do curso
de pós-graduação em Agroquímica da UFV. A opção em se utilizar estudantes do curso de pósgraduação para o estudo, é por estes já estarem mais familiarizados com os procedimentos e métodos
adotados dentro do meio acadêmico e científico e lidarem de uma forma mais direta nesse âmbito, se
comparado aos estudantes dos cursos de graduação.
A metodologia utilizada no levantamento de dados foi a aplicação de questionários aos
participantes da pesquisa contendo algumas frases de cientistas famosos e filósofos da ciência que
dizem respeito a questões epistemológicas. Essas frases contém características que esses pensadores
consideram pertinentes no desenvolvimento da ciência de uma forma geral, como a metodologia
utilizada durante um processo de pesquisa, o comportamento dos indivíduos que compõem a
comunidade cientifica e principalmente como se dá a interação entre o cientista e o objeto a ser
estudado.
O questionário apresentou ao todo cinco enunciados, como já foi dito anteriormente, que contém
um pouco da postura epistemológica do pensador em questão:
“E toda interpretação da natureza se cumpre com instâncias e experimentos oportunos adequados,
onde os sentidos julgam somente o experimento e o experimento julga a natureza e a coisa própria.”
Francis Bacon
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“Afasta-te todas as impressões do sentido e da imaginação, e crê apenas na tua razão.”
René Descartes
“...uma nova teoria, por mais particular que seja seu âmbito de aplicação, nunca ou quase nunca é um
mero incremento ao que já é conhecido. Sua assimilação requer a reconstrução da teoria precedente e
a reavaliação dos fatos anteriores.”
Thomas S. Kuhn
“Penso noventa e nove vezes e nada descubro; deixo de pensar e mergulho em profundo silêncio e eis
que a verdade se me revela.”
Albert Einstein
“O caminho da ciência é traçado antes de tudo pela imaginação criadora e não pelo universo de fatos,
que nos cerca.”
Paul Feyerabend
Com a primeira frase de autoria de Francis Bacon, buscávamos ver qual a opinião dos
estudantes em relação ao método empirista-indutivista. Na segunda, proferida por René Descartes,
procuramos entender qual a opinião deles em relação à antítese do empirismo, o racionalismo. No
próximo enunciado, levamos aos estudantes um pouco da teoria de Kuhn, a respeito do argumento
contrário ao conhecimento científico exclusivamente acumulativo. Na quarta, questionamos a
importância do conhecimento intuitivo na ciência que foi bastante defendido por Einstein. E por último, o
enunciado de Feyerabend, defendendo o seu anarquismo epistemológico.
Abaixo de cada frase, apresentamos três opções para serem assinaladas a respeito do grau de
concordância que estudante possui em relação à mesma: (2) “Concordo”, (1) “Concordo parcialmente”,
(0) “Discordo”. Logo após foi apresentado um espaço indagando ao estudante por que aquela opção foi
à escolhida por ele, o espaço para a explanação da justificativa foi quatro linhas. A parte discursiva foi
determinante no levantamento, pois ela concedia uma maior liberdade aos estudantes para
manifestarem as suas opiniões. Esse procedimento foi realizado para cada uma das frases
apresentadas.
A idéia para esse instrumento de pesquisa foi baseada no trabalho de Borges (1996), que
buscou identificar as concepções sobre ciência de alguns licenciados em Ciências, Química, Física e
Biologia. Entretanto, em vez de ser utilizados enunciados proferidos pelos próprios cientistas ou
filósofos, foi feito um pequeno resumo da doutrina epistemológica que seria analisada pelo licenciado.
Após lê-lo, deveria ser dada uma nota de 0 a 2, que representava o grau de concordância, e depois,
deveria ser dada uma justificativa sobre o por quê daquela escolha por parte do estudante.
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O número total de estudantes matriculados no curso de pós-graduação em Agroquímica foi
fornecido pela secretaria do curso. Esse número consiste em um total de quarenta e dois estudantes
matriculados, dentre os quais foram entregues questionários para vinte e três. Dos vinte e três
questionários distribuídos, retornaram apenas treze. Segundo Barbetta, “quando se pesquisa um
número reduzido de pessoas pode-se dar mais atenção aos casos individuais, evitando erros nas
repostas” . (BARBETTA apud ZANELLA, 2006, p. 101)
De posse dos questionários, foi feito posteriormente a análise das respostas dos estudantes
pesquisados, procurando avaliar qual o contato que os mesmos possuem perante o debate dentro da
filosofia da ciência e a partir de suas opções referentes a cada frase e as justificativas das mesmas,
procurarmos tentar definir a influência de uma postura epistemológica em relação à concepção filosófica
dos estudantes, procurando analisar quais fatores são considerados relevantes para a metodologia e no
desenvolvimento científico. Também procuramos analisar se há grandes discrepâncias ou
homogeneidades perante as posturas de diferentes estudantes em relação a uma doutrina.
4. POSTURA EPISTEMOLÓGICA DOS ESTUDANTES
No quadro abaixo, dispomos os resultados, apresentando e o número de opções assinaladas
pelos estudantes, (concordo, concordo parcialmente, discordo) para cada enunciado interpretado por
eles.
Número de opções assinaladas em cada frase
Enunciado
(0) Discordância
(1) Concordância
(2) Concordância
parcial
Plena
(1º) Bacon
3
4
6
(2º) Descartes
9
4
0
(3º) Kuhn
2
4
7
(4º) Einstein
2
4
7
(5º) Feyerabend
2
9
2
Quadro 1: Número de opções escolhidas por cada estudante.
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4.1. Concordância com relação ao pensamento de Bacon – empirismoindutivista.
Como foi exposto no quadro acima, o número de estudantes que discordaram totalmente do
discurso empirista de Francis Bacon foram três. Entre estes, dois deles apresentaram uma justificativa
contrária à hipótese de Bacon, onde os experimentos são elaborados previamente para o estudo de um
determinado fenômeno e tais descobertas só podem se dar dentro desse campo fenomenológico
específico. Segundo eles às vezes tais “experimentos oportunos” podem revelar um aspecto da
natureza completamente diferente daquele no qual ele foi proposto a entender. Podemos entender na
justificativa de um dos estudantes:
Descobertas podem ser feitas mesmo quando nosso experimento foge dos objetivos
traçados previamente. (E9)
Na justificativa de outro estudante, percebemos que ele discordou em outro ponto. Vendo o seu
texto:
Não é possível esgotar as possibilidades de fenômenos da natureza por meio
experimental. (E4)
Em sua resposta podemos compreender que a discordância em relação a Bacon está no fato de
que sempre aparecem novos problemas para serem entendidos e que o procedimento experimental
nunca fornecerá um parecer absoluto e confiável, deixando sempre lacunas a serem preenchidas
futuramente.
Em relação aos estudantes que concordaram parcialmente com o discurso do filósofo, todos eles
concordaram que a experimentação na ciência é imprescindível, embora outros fatores como a razão, a
criatividade e a imaginação também assumem a sua função em novas descobertas. Tomando a
justificativa de um dos estudantes:
Discordo apenas de “os sentidos julgam somente o experimento” a utilização de
somente é muito forte uma vez que para julgar/interpretar um experimento há também
necessidade do sentido e da imaginação. O experimento por si só não explica apenas te
dá suporte para a formação da sua concepção sobre tal fato. (E2)
Dentre os estudantes que escolheram a opção Concordo parcialmente somente um deles,
apresentou uma resposta um pouco diferente dos demais, vendo o mesmo:
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Nem sempre os experimentos são adequados uma vez que experimentos envolvem
testes para sua adequação.(E5)
Nesse caso o estudante ressalta que são necessários alguns testes preliminares para a
adequação do experimento para o fenômeno que se pretende entender. É interessante notar esse
pensamento cíclico, onde a própria adequação dos experimentos necessita anteriormente de outro
experimento.
Assim restaram seis estudantes que apresentaram uma concordância plena com o método de
Bacon, representando a maioria em relação às outras opções disponíveis. Como já podemos perceber,
a justificativa de tais estudantes se deu em uma afirmação método empirista, podemos observar essa
tendência tomando como exemplo um dos enunciados proferido por um dos estudantes:
A experiência é baseada na experimentação e não somente em hipóteses sem prova.
Portanto a explicação dos fenômenos é baseada em fatos. (E2)
Vimos, portanto nesse exemplo, uma aproximação muito grande com aquilo que próprio Bacon
considerava como seu método, onde o conhecimento só pode ser legitimado através de provas
experimentais concretas buscadas nos fatos.
Apesar de possuir bastante semelhança com os demais, tomemos a seguinte justificativa para a
análise:
A imaginação e as idéias dos pesquisadores criam a maneira de se provar uma teoria.
Mas o que se obtém do experimento, já existe e só não foi descoberto ainda (“ a
natureza e a coisa própria”). (E3)
Tal resposta foi bastante interessante, pois apesar do estudante considerar importante a
imaginação e as idéias prévias de um pesquisador, o experimento sempre dará o julgamento final a
respeito do conhecimento científico.
Tomando uma conclusão geral em relação às opções assinaladas e as suas respectivas
justificativas, vimos que a visão empirista-indutivista de Francis Bacon tem uma aceitação considerável
entre os estudantes de pós-graduação em química. Esse resultado em si não foi um surpresa, isso
devido a forte tendência empirista-indutivista na educação científica, sobretudo na química, uma ciência
vista com um forte caráter experimental pelos os estudantes de uma maneira geral.
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4.2. Concordância com relação ao pensamento de Descartes – Racionalismo
Como a aceitação em relação à epistemologia empirista foi bastante evidente, de acordo com as
nossas conclusões acima, é de se esperar uma rejeição em relação à outra polaridade desse
pensamento, o racionalismo. Mesmo sem fazer uma análise das justificativas dos estudantes, podemos
inferir através do quadro 3, a grande rejeição em relação a essa postura epistemológica. Entretanto,
faremos o estudo das respostas para sabermos o porquê de tal rejeição.
A grande maioria dos estudantes, nove especificamente, apontaram que discordavam
completamente do método cartesiano. Todos que escolheram essa opção justificaram-na baseados no
argumento de que os sentidos e a imaginação, assim como a razão, são determinantes na elaboração
de modelos científicos. Um exemplo:
Os acontecimentos ocorrem baseados no conjunto: sentido, imaginação e razão. A razão
por si só não é absoluta portanto, apenas a razão não permite realizar algo concreto.
(E5)
Também é feita a ponderação de que o ser humano não se trata somente de um ser racional e
reflexivo, tendo outras qualidades que são determinantes na forma como ele apreende o seu objeto de
estudo, na resposta a seguir vemos tal ponto de vista:
Concordo que muitas vezes a razão é determinante, entretanto nada e ninguém é só
razão ou só emoção, logo todo pensamento é fruto de um conjunto de razão e
imaginação, sem imaginação não há dúvida e sem dúvida não há descoberta. (E2)
Em relação aos estudantes que assinalaram a opção “concordo parcialmente”, percebemos que
as suas justificativas foram muito próximas às justificativas daqueles que escolheram a opção “discordo
totalmente”. Podemos ver esse paralelo com a seguinte resposta, que se assemelha bastante às
anteriores:
A ciência geralmente baseia-se no racionalismo, mas às vezes isso não é o bastante
para desvendar algumas questões. (E7)
Assim, vimos que a discordância em relação ao racionalismo cartesiano, diferentemente
do que tínhamos proposto anteriormente, não se deu somente porque ele é a antítese do empirismo,
mas principalmente pelo caráter unilateral do enunciado de René Descartes que desconsiderava os
sentidos e imaginação, considerando como única qualidade humana legítima a razão. É importante
salientarmos também, a importância da análise das justificativas nesse caso, mesmo que as opções
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assinaladas fossem diferentes, a visão a respeito da postura epistemológica era bastante parecida.
Caso tomássemos somente as opções assinaladas, teríamos uma conclusão precipitada e incompleta.
4.3. Concordância com o pensamento de Kuhn – A reconstrução das teorias
Passando à análise da posição dos estudantes sobre a epistemologia de Thomas S. Kuhn,
vemos através do quadro que somente dois estudantes discordaram do ponto de vista do autor, quatro
concordaram parcialmente, e os demais, os sete estudantes restantes concordaram plenamente. A
princípio poderíamos concluir que a aceitação em relação à visão epistemológica de Kuhn é bem
significativa, entretanto passemos a uma análise das respostas para que seja feito um estudo mais
apurado.
Sobre os dois que discordaram totalmente do pensamento de Kuhn, o argumento de ambos é
bem semelhante. Os dois acreditam que o conceito do autor acerca das revoluções científicas não é
consistente, onde paradigmas antigos são substituídos por paradigmas novos, mudando completamente
a base a conceitual no qual as novas teorias daquele campo serão construídas, apesar de tal conceito
não estar explicito no enunciado. Segundo os estudantes, a construção de novas teorias se dá através
do acúmulo e incremento de teorias precedentes como podemos observar no exemplo:
Algumas teorias se fundamentam em outras anteriores, pois se fosse como a frase, a
cada nova teoria teria que se jogar por terra todas as outras. (E13)
Em relação aos quatro estudantes que concordaram parcialmente com o enunciado de Kuhn,
tomemos como exemplo a seguinte resposta, a qual se assemelha com as demais:
Uma teoria não necessita da reconstrução da teoria precedente, isso faz parecer que
não há nada que se possa descobrir sem alguma coisa estar errada. A junção de teorias
existentes com idéias novas pode gerar algo novo sem necessariamente reparar algo a
mais tempo descoberto. (E3)
Como os que escolheram a opção “discordo totalmente”, tais estudantes não consideram correto
o argumento do filósofo americano. Como já foi dito anteriormente, o conceito de revolução científica
não está explícito no enunciado. Podemos interpretar a “nova teoria”, como a teoria proveniente de um
paradigma emergente, então esse trecho remete somente aos momentos em que a ciência passa por
fases descontínuas de transição, não ressaltando as fases contínuas e cumulativas da ciência normal.
Já os estudantes que concordaram plenamente com o pensamento de Kuhn, as suas
justificativas foram bastante semelhantes e corroboraram com o enunciado do autor em questão.
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Para a assimilação de uma nova temos que rever os conceitos pré-existentes. (E10)
Apesar de alguns levantarem que a construção do conhecimento se dá de forma contínua e
cumulativa, um pouco mais que a metade consideram pertinente o ponto defendido por Kuhn sobre a
necessidade do rompimento com as teorias antigas, para a emergência de novas teorias.
Vale ressaltar que o argumento de Kuhn no enunciado, faz refer6encia somente à fase das
revoluções científicas. No entanto, Kuhn concede grande reconhecimento à ciência normal no papel do
desenvolvimento científico, e também, não considera que teorias mais antigas são obsoletas e
ultrapassadas, apesar de entender que para a eminência de teorias consideradas realmente novas, é
necessário que haja uma ruptura com a anterior mudando significativamente a base conceitual entre as
duas.
4.4. Concordância com o pensamento de Einstein – O intuicionismo
Agora, procuraremos entender qual a posição dos estudantes em relação ao enunciado de
Einstein, que pode ser entendido como uma validação dos processos intuitivos na ciência, ou seja,
aquele em que o conhecimento é adquirido de forma imediata. Entre todos os estudantes somente dois
deles foram desfavoráveis a tal pensamento, ressaltando que nos dois casos. Vendo as suas
justificativas:
A dedicação e o estudo a fundo dos fatos é que revelam a verdade. No silêncio profundo
apenas consegue-se o descanso, para que tenhamos força para buscar a verdade
enquanto pensamos intensamente. (E13)
Podemos ver na argumentação desse estudante, a sua forte inclinação em relação ao método
sistemático para a construção do conhecimento, considerando que a formação se dá somente de forma
linear não permitindo saltos que possibilitem a apreensão do objeto.
Sobre os estudantes que disseram concordar parcialmente com a frase houve certa discordância
entre as suas justificativas, um deles apresenta a seguinte:
Só discordo do “deixo de pensar”. Acho que quando nos esforçamos muito e não
conseguimos descobrir nada, ficamos cansados e a mente não “trabalha direito”.
Quando paramos para descansar, e paramos para refletir sobre determinado assunto
sem ansiedade, surge nossa solução; se não, ao menos um novo caminho para alcançála. (E3)
Entendemos que de acordo com esse argumento, a opção mais coerente a ser assinalada seria
a discordância total, percebemos que esse estudante não reconhece de a formação do conhecimento
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de forma imediata, mas somente a formação mediata onde a tranqüilidade é útil somente na facilitação
da análise do pensamento.
Outro estudante deu a seguinte resposta:
Acho essa frase complementar a 2. (E4)
No caso a frase 2 representa o enunciado de Descartes, esse mesmo estudante apresentou
uma concordância parcial com a frase na qual foi feita referência. Então o estudante entendeu que a
razão e a imaginação são duas polaridades distintas e se complementam na função de qualidades
necessárias para a obtenção do conhecimento.
Os outros dois restantes que escolheram a mesma opção que os dois anteriores apresentaram
justificativas bem semelhantes entre si, em exemplo delas são:
Concordo que muitas vezes você se desligar do que te preocupa pode trazer respostas
quando menos imagina, mas essa não é uma verdade 100% das vezes. Uma descoberta
científica pode aparecer quando menos imagina, mas na maioria das vezes requer
intensa dedicação e estudo. (E2)
Na justificativa percebe-se que o questionado reconhece a validade do conhecimento intuitivo,
entretanto ele se dá somente em alguns casos, nas demais vezes são originados de forma
convencional através do estudo, trabalho e reflexão.
Em relação aos estudantes que, em seus questionários, responderam que concordaram
plenamente com a afirmação de Einstein, todos eles, com exceção de um, apresentaram
argumentações extremamente parecidas como no exemplo abaixo:
Quando se pensa muito a oportunidade de descobertas se tornam reduzidas. Basear
somente em pensamentos, prejudica a percepção e o senso crítico. (E5)
Percebe-se claramente que o estudante reconhece outras formas de compreensão diferentes do
método reflexivo, onde muitas vezes os insights são determinantes no processo.
O estudante que respondeu de forma diferente, declarou que:
Ocorre, ocasionalmente, nos processos científicos. Porém nem sempre é assim. (E9)
É possível perceber que essa justificativa se enquadra melhor na opção (1), concordância
parcial.
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Em relação à análise do trecho de Einstein, vimos que somente três estudantes, tomando como
base as suas justificativas, discordaram do conhecimento intuitivo. Os demais concordaram mesmo que
alguns entendam que ele não é a única forma de obtenção de conhecimento na ciência, tendo uma
posição dialética perante os opostos, o conhecimento imediato e o mediato, reconhecendo a
importância de ambos.
4.5. Concordância com o pensamento de Feyerabend – o anarquismo
epistemológico
As respostas para os enunciados anteriores a este foram de certa forma divergentes em relação
à opção escolhida pelo estudante e a respectiva justificativa, onde algumas justificativas talvez se
encaixassem melhor em outras opções do que aquela escolhida. Nesse tópico, sobre o pensamento de
Feyerabend, as argumentações para a escolha se aproximaram bem em relação às mesmas respostas
apontadas na opção de múltipla escolha.
Sobre os dois estudantes que discordaram totalmente da idéia de Feyerabend, vejamos um
exemplo:
A ciência se dá através da observação da matéria e dos fenômenos que ocorrem no
universo. A imaginação acontece a partir da vivência com determinada situação ou a
partir de um fato novo. (E5)
Vemos que, de acordo com essa justificativa, o seu posicionamento epistemológico se encontra
fortemente arraigado numa doutrina empirista unilateral, que acredita que a origem principal do
conhecimento é a experiência, considerando que até os processos mentais provem de mesma. O outro
estudante que escolheu a mesma opção apresentou uma justificativa semelhante a anterior,
encontrando grande congruência entre os dois.
Pelo quadro 3, vemos que a grande maioria dos estudantes preferiu adotar uma posição
intermediária em relação ao discurso de Feyerabend, considerando a imaginação importante, assim
como os fatos que a cercam como podemos perceber na resposta abaixo:
A imaginação e o universo de fatos são complementares, na minha concepção.(E9)
Sobre os dois estudantes que concordaram totalmente com a afirmação de Feyerabend, temos
duas justificativas, a primeira:
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As grandes descobertas são frutos de brilhantes conclusões (deduções) que algumas
pessoas elaboraram para situações até então corriqueiras para a maioria das pessoas.
(E8)
E a segunda:
Uma pesquisa começa nos questionamentos do experimento para depois ser colocado
em prática e assim avaliar os resultados. (E7)
Na primeira podemos ver que o estudante interpretou a imaginação como sendo a abstração
empregada no salto do conhecimento de senso comum para o conhecimento científico. Na segunda
vimos que o estudante considerou que o questionamento e interpretação mental são anteriores ao
experimento em si, pois é ela quem interpreta e valida o conhecimento retirado da experiência. Apesar
da concordância de ambos, vemos que talvez eles não atribuíram o valor da imaginação como aquele
que Feyerabend propôs, como a liberdade total do pensamento, não simplesmente um pensamento
formal e dedutivo.
Assim, a hipótese inicial que elaboramos através das respostas concedidas nas opções de
múltipla escolha, que considerava que a maioria dos estudantes adotaram um postura intermediária
entre os dois extremos, a imaginação e os conhecimento através dos fatos, foram corroboradas pelas
respostas discursivas dos mesmos.
4.6. Conclusão sobre os posicionamentos epistemológicos dos estudantes
Após analisarmos individualmente a posição em relação a cada pensamento epistemológico,
podemos agora ter uma noção a respeito de quais posturas epistemológicas são mais preponderantes e
exercem uma maior influência na formação geral dos estudantes nos quais foram aplicados os
questionários. Apesar de não ter sido apresentada nenhum enunciado de Auguste Comte, ou outro
defensor do positivismo, vimos que o realismo ingênuo e a sua metodologia rígida e sistemática
propostos no positivismo não teve uma forte aceitação perante os questionados, apesar de o
pensamento empirista estar fortemente enraizado no mundo científico atual, principalmente, como cita
Kuhn, nos manuais pedagógicos para o treinamento de futuros pesquisadores.
Uma evidência em relação à rejeição do realismo ingênuo é a grande aceitação por parte deles
sobre os processos que muitas vezes não são considerados legítimos e não sendo mencionados na
metodologia científica, apesar de influenciarem bastante no desenvolvimento da ciência. Exemplo
dessas qualidades é a imaginação, a intuição e outras. Exceções existiram no reconhecimento de tais
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características, como alguns que consideraram que o conhecimento pode se dar somente de forma
sistemática e reflexiva e alguns que vêem a formação do conhecimento como dada somente pela coleta
de dados e que todos os conceitos e teorias são retirados da experiência. Outra evidência foi a rejeição
à visão proposta por Descartes, apesar de o enunciado apresentar uma visão extrema do racionalismo,
invalidando totalmente a experiência e a imaginação.
Em relação à teoria de Kuhn parecia, a princípio que a mesma teria grande aceitação perante
aos estudantes do curso de pós-graduação, pois, segundo as alternativas adotadas nas opções de
múltipla escolha, vimos através de suas respostas que houve uma divisão bem equilibrada sobre a
aceitação dessa postura. Isso se deve pelo enunciado apresentar somente uma face da teoria de Kuhn,
a face das revoluções científicas. Caso fosse apresentada a eles a face da ciência normal,
possivelmente a aceitação seria maior. Podemos entender isso, com base nas argumentações
contrárias que entendiam que a ciência poderia sim ter um desenvolvimento cumulativo e linear.
É importante deixar claro que, os enunciados escolhidos para compor o questionário
representam somente uma pequena parcela que consideramos relevante, diante de um grande projeto
filosófico de todos esses pensadores. O objetivo não foi entender se os questionados concordam ou
não como uma determinada epistemologia, mas sim levantar o que eles pensam a respeito daquele
ponto em específico, tentando entender sua visão do fazer científico e da forma pela qual o
conhecimento científico é produzido.
A justificativa concedida por eles foi o instrumento essencial para entender o posicionamento a
respeito de determinado ponto, se analisássemos somente entre as três opções, limitaria muito o
julgamento do problema, pois como percebemos que em muitas questões, diferentes estudantes
escolheram alternativas diferentes, mas as suas justificativas foram muito semelhantes. Isso se deve
porque uma questão de múltipla escolha contendo apenas três alternativas não é suficiente para a
orientação de uma resposta de uma concepção tão subjetiva.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vimos que não foram somente filósofos que contribuíram para o enriquecimento do debate
epistemológico, mas também muitos cientistas, expondo suas opiniões e fornecendo muitas
interpretações intrínsecas à essência da ciência. Apesar dos campos de estudo e a forma como isso é
feito, as diferenças entre essas duas esferas do conhecimento humano não é tão grande quanto
aparenta. Segundo Hessen (2005), entre alguns dos filósofos da antiguidade, a filosofia e a ciência
consistiam na mesma coisa. Immanuel Kant, um dos filósofos que influenciou profundamente os
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pensamentos de Einstein, propunha uma filosofia baseada naquilo que as ciências naturais tinham
alcançado até então.
Embora Kant não tome as ciências como objeto natural do seu estudo, para chegar a resposta do
seu problema ele constrói, passo a passo, seus argumentos e entre estes cumpre mostrar
(filosoficamente falando) o quanto a física e a matemática são conhecimentos universais e
necessários. (DAHMEN, 2006, p. 5)
Vimos também como a mecânica quântica buscou a solução para muitas perguntas em uma
ruptura com o realismo até então vigente, mudando de forma substancial a forma como se dá a
interação do sujeito com o objeto. Filosofia e ciência se alimentam mutuamente, às vezes a ciência
influencia a filosofia, outras a filosofia influencia a ciência, sem contar às vezes que esse processo não
ocorre simultaneamente.
Podemos perceber nos grandes cientistas uma visão de mundo completa, bem diferente de um
estereótipo que os vêem como indivíduos alienados e completamente desligados do convívio social.
Tais mentes não se preocupavam somente com seus experimentos e teorias, mas também, com os
vários aspectos envolvidos por trás da ciência e como isso iria refletir no mundo. Tomemos Einstein
novamente como exemplo, uma visão superficial que seja de seus pensamentos e idéias, revela a
identidade de um grande espírito que vivia preocupado com o mundo de uma forma geral. Tais
preocupações incluíam os problemas relativos à paz, a condição moral dos homens, uma crítica
profunda às religiões tradicionais, e outras mais.
Então acreditamos que os pesquisadores não devem ser formados para se preocupar somente
com questões técnicas e conceituais no seu campo especifico. Hoje a sociedade deposita uma grande
fé na ciência para a solução dos problemas atuais e futuros. Os indivíduos que terão a capacidade de
resolverem esses problemas, precisam além do conhecimento técnico, saber como sua obra irá refletir
nas diferentes esferas da sociedade. Um dos primeiros passos para a formação crítica e uma reflexão a
respeito da filosofia por trás de todo esse processo.
Então esse projeto foi somente uma parte muito pequena de um desafio bem mais abrangente.
Inicialmente é necessário que se faça uma análise para se saber como os estudantes vêem a filosofia
da ciência, o que eles pensam diante de tais visões, para depois serem realizados outros projetos,
como um maior espaço concedido ao tema na formação do bacharel. Isso pode ser conseguido talvez
adicionando uma disciplina de filosofia da ciência, ou que o tema seja mais bem explorado em uma
disciplina de história da química por exemplo. Apesar de todos eles possuírem uma visão
epistemológica, com certeza, uma fundamentação adequada serviria como uma forma de colocar em
prova todos as suas concepções sobre o assunto, e conseqüentemente, ocasionaria em uma formação
de uma postura mais madura.
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6. REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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