A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

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A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL PELO MINISTÉRIO PÚBLICO
Rogério Felipeto
Promotor de Justiça – MP/MG
Rodrigo Dias
Promotor de Justiça – MP/SP
“Cumpre imaginar possibilidades de
assegurar os Direitos fundamentais sem
inviabilizar a atividade investigatória. Estas
possibilidades na verdade já existem, nós é que
nos ocupamos muito pouco delas em nossas
guerras de crenças.” (Winfried Hassemer).1
1
– FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL
1.1 – O Ministério Público
A questão da legitimidade das investigações criminais promovidas
diretamente pelo Ministério Público tem despertado discussões no âmbito do Poder
Legislativo e do Poder Judiciário. A presente exposição tem por objetivo oferecer subsídios
para a compreensão dessa discussão.
A Constituição Federal de 1988 assegurou ao Ministério Público a
titularidade, exclusiva, da ação penal pública (art. 129, inc. I). Essa importante missão
constitucional não reflete a instituição de privilégio ao Ministério Público, mas é resultado do
aprimoramento do sistema processual de natureza acusatória, que proporciona ao
indivíduo a segurança de não ser julgado por aquele que também acusa. Assim, elegeu-se
instituição específica e distinta da que julga para o exercício da ação penal pública, o que
proporcionou a extinção, por exemplo, dos procedimentos judicialiformes.2
1
HASSEMER, Winfried. Segurança Pública no Estado de Direito. Revista Brasileira de Ciências
Criminais 05/68
2 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo Penal Constitucional. 2ª ed. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, p. 173.
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Se cabe ao Ministério Público provocar as conseqüências jurídicas
originadas da investigação criminal, como postulado de simples lógica, seria natural
concluir que a ele também incumbe, diretamente, investigar. A essa conclusão também se
chega, considerando que cabe ao Ministério Público a promoção do inquérito civil e da ação
civil pública (art. 129, inc. III), onde há plena e irrefutável capacidade investigatória
ministerial, no que diz respeito a interesses difusos e coletivos em geral. Por mais
relevantes que possam ser concebidos esses interesses, tutelados na esfera cível, não
poderão se sobrepor ao interesse maior de punição das condutas criminosas, porque mais
graves para a sociedade. Portanto, os interesses difusos e coletivos guardarão sempre
relevância inferior, se comparados àqueles outros interesses ou bens jurídicos, amparados
no campo penal. Não se pode conceber que a Constituição tivesse invertido valores, para
permitir a investigação direta quanto a interesses de menor valoração (interesses difusos) e
a tivesse proibido justamente quanto a interesses de maior importância social (crimes).
A mesma Constituição atribuiu ao Ministério Público a possibilidade de
expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando
informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva (art.
129, inc. VI); requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (art.
129, inc. VIII); e exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis
com sua finalidade (art. 129, inc. IX). Nesse contexto, incluem-se os poderes próprios de
investigação do Ministério Público, que não lhe podem ser negados, porque são inerentes
às suas funções constitucionais em matéria criminal.
A doutrina3 e a jurisprudência4 disso não discrepam. Por seu poder de
síntese, convém transcrever o magistério de HUGO NIGRO MAZZILLI: “O Ministério
3
MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 15ª ed. São Paulo: Ed. Atlas, 2003. p. 78/79, e “Código
de Processo Penal Interpretado”, 2ª ed., Ed. Atlas, 1995, nota 4.4 ao art. 4º, pág. 36; RENÉ
ARIEL DOTTI, O Ministério Público Direito e Sociedade, Sérgio Fabris Editor, Porto Alegre, p.
130; MARCELO POLASTRI LIMA, Ministério Público e Persecução Penal, Rio de Janeiro,
Editora Lúmen Juris, 1997, p. 84/92; PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN e JORGE ASSAF
MALULY, Curso de Processo Penal, São Paulo, Editora Atlas, 2001, 2ª ed., p. 104/108;
CARLOS FREDERICO COELHO NOGUEIRA, Comentários ao Código de Processo Penal,
Bauru, EDIPRO, 2002, vol. 1, p. 179-185; STRECK, Lênio Luiz & FELDENS Luciano. Crime e
Constituição: a legitimidade da função investigatória do Ministério Público. Rio de Janeiro:
Forense, 2003, p. 111.
2
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Público tem poder investigatório previsto na própria Constituição, poder este que não está
obviamente limitado à área não penal (art. 129, VI e VIII). Seria um contra-senso negar ao
único órgão titular da ação penal pública, encarregado de formar a opinio delicti e promover
em juízo a defesa do jus puniendi do Estado soberano (...), a possibilidade de investigação
direta de infrações penais, quando isto se faça necessário”.5
O artigo 129, inciso II, da Carta Magna atribuiu ao Ministério Público o zelo
pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos
assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia. A
compatibilidade entre o exercício da atividade investigatória e as funções institucionais do
Ministério Público pode ser verificada, também, pelo disposto no art. 129, inciso IX, que
possibilitou o exercício de outras funções típicas ou atípicas, desde que compatíveis com os
fins do Ministério Público (art. 127/CF).
Por sua vez, o art. 129, inciso VI, confere ao Ministério Público, a
possibilidade de expedir notificações e de requisitar informações e documentos nas
investigações que diretamente realizar, tanto na área cível como criminal. Esse dispositivo
constitucional, desta forma, assegura a possibilidade de instauração de procedimentos
administrativos próprios para a coleta de elementos de convicção destinados à formação da
opinio delicti. Não cabe a objeção de que o dispositivo cuida exclusivamente da esfera
extrapenal, como adverte HUGO NIGRO MAZZILLI: “se os procedimentos administrativos a
que se refere este inciso fossem apenas em matéria cível, teria bastado o inquérito civil de
que cuida o inc. III. O inquérito civil nada mais é que uma espécie de procedimento
administrativo de atribuição ministerial. Mas o poder de requisitar informações e diligências
não se exaure na esfera cível; atinge também a área destinada a investigações criminais”.
6
4
Cf., v.g., STF, 2ª Turma, HC n.º 77.371-3/SP, rel. Min. NELSON JOBIM, DJ 23/10/98; STF, RHC n.º
37.053, rel. Min. NELSON HUNGRIA, RF 197/298; STJ, 5ª Turma, RHC 3.457-2/SP, j. em
18/04/94, Rel. Min. FLÁQUER SCARTEZZINI; STJ, 6ª Turma, RESP n.º 223.395/RJ, rel. Min.
FERNANDO GONÇALVES, DJ 12/11/2001, p. 176; STJ, 5ª Turma, HC n.º 7.445/RJ, 5ª Turma,
rel. Min. GILSON DIPP, DJ 01/02/99; STJ, 5ª Turma, HC n.º 10.275/PB; TJRS, Câmara de
Férias, HC 690000351, j. 4.1.90, RT 651/314-321; TARS, JTAERGS 79/128.
5 Cf. O controle externo da atividade policial, Revista dos Tribunais vol. 664, p. 392; também, do
mesmo autor, “Regime Jurídico do Ministério Público”, 2ª Edição, Ed. Saraiva, 1995, p. 228.
6 Regime Jurídico do Ministério Público, São Paulo, Editora Saraiva, 2ª ed., 1995, p. 228; CARLOS
FREDERICO COELHO NOGUEIRA, Comentários ..., ob. cit., p. 181.
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1.2 – A Segurança Pública
As questões atinentes à segurança pública receberam trato constitucional
e o incremento incontrolável da criminalidade fez com que fosse guindada ao status de
política pública prioritária, merecendo do Estado brasileiro o mesmo nível de importância
reservado a outras áreas essenciais, tais como a saúde e a educação.
O Ministério Público se insere nesse contexto, como um órgão do sistema
de defesa social, participando através do exercício da persecução criminal, promovendo a
ação penal e acompanhando a investigação policial. Afirma RENÉ ARIEL DOTTI: “Como
órgão de promoção e fiscalização da lei, como parte instrumental que promove a ação
penal ou civil, que requisita os elementos de investigação e quaisquer diligências para a
descoberta da verdade material, o Ministério Público é uma das instâncias formais de
controle da criminalidade e da violência. A sua posição foi posta em destaque com muita
clareza por Sessar, lembrando que se a vítima é a instância mais importante no que toca à
iniciativa e controle do delito, o Ministério Público é, seguramente, a mais relevante no que
toca ao seu desfecho”. 7
Por essa razão também, a Constituição Federal, em seu artigo 127, definiu
o Ministério Público como uma instituição essencial à função jurisdicional do Estado,
impondo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, já que o exercício do direito de punir é instrumento de defesa
social contra o crime, que a sociedade exercita através do Ministério Público.
Não se pode subtrair do Ministério Público seu dever, como órgão
incumbido de defender a sociedade, de agir em prol da segurança pública, cumprindo-lhe,
pois, atentar para a prevenção da criminalidade. É de se considerar que os deveres
oriundos da necessidade de se guarnecer a segurança pública não advêm exclusivamente
de um ou outro órgão estatal ou mesmo do cidadão comum, de forma isolada, mas sim da
interação de todos esses atores que, em última análise, contribuem para se atingir o bem
comum.
4
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O exercício eficiente e responsável da ação penal pelo Ministério Público
faz parte da realização da segurança pública como dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos (art. 144, caput, CF). De fato, a prevenção e repressão da
criminalidade não interessa, apenas, aos órgãos de polícia. Essa também a afirmação de
JOSÉ AFONSO DA SILVA: “Mas a segurança pública não é só repressão e não é problema
apenas de polícia, pois a Constituição, ao estabelecer que a segurança é dever do Estado,
direito e responsabilidade de todos (art. 144), acolheu a concepção do I Ciclo de Estudos
sobre Segurança, segundo a qual é preciso que a questão da segurança seja discutida e
assumida como tarefa e responsabilidade permanente de todos, Estado e população”.8
Assim, não se pode excluir o Ministério Público da sistemática incorporada
pelo texto constitucional no sentido de estabelecer papéis destinados à realização da
segurança pública, de vez que a Instituição ministerial constitui um desses agentes, com
missão própria que só se realiza unida à acessória investigação criminal.
1.3 – A princiopiologia constitucional
Pondera LÊNIO STRECK que: “Parece não restar qualquer dúvida que a
Constituição de 1988 representa uma ruptura paradigmática em nosso País. Trata-se de
uma Constituição que se alinha na contemporânea tradição das constituições dirigentes e
compromissárias, estabelecendo em seu texto – e em sua principiologia – os mecanismos
aptos ao resgate das promessas da modernidade insculpidas no seu núcleo político
essencial, que aponta para a construção de um Estado Social e Democrático de Direito. É
desses mecanismos que o Estado – e as Instituições encarregadas constitucionalmente da
consecução desse desiderato – não pode abrir mão, sob pena de ‘demitir-se de sua função
precípua’...”9
Então, quando o art. 127 da Constituição da República atribui ao Ministério
Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e
individuais indisponíveis, faz com que essas atribuições não se esgotem em si mesmas,
7
8
cf. O Ministério Público ..., ob. cit., p. 138.
“Curso de Direito Constitucional Positivo”, 17ª ed., Editora Revista do Tribunais, 2000, pág. 753.
5
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porque têm um objetivo maior, que é a viabilização de um Estado Democrático de Direito.
Dessa forma, o exercício, por exemplo, da ação penal pública, não é privilégio, mas
instrumento de realização dos fins insertos no art. 127, que por sua vez somente se
justificam, se considerados também como meios e não fins, pois que existem para se
realizar um Estado Democrático de Direito.
Some-se a isso, que para a realização desse Estado Democrático de
Direito é preciso que essa atividade seja vinculada aos valores constitucionalmente
assegurados. Para precisar esses valores, é preciso colhê-los do que se contém no
preâmbulo da Constituição Federal: “os direitos sociais e individuais, a liberdade, a
segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça”, valores esses que
devem inspirar a ação penal como instrumento de realização do Estado Democrático de
Direito.
Tendo como finalidade maior viabilizar esses valores, os dispositivos
constitucionais devem ser interpretados de modo a implementá-los de modo eficaz. Assim,
se o Ministério Público detém como privativa a ação penal pública, ela deve ser exercitada
para a consecução desses fins. E se ela depende de uma investigação preliminar, também
esta deve acontecer com vistas ao objetivo final maior. Mas se o Ministério Público, por si,
precisa investigar, essa atividade estará amparada pela Constituição, se vinculada ao
desiderato último referido.
Para cumprir seu munus constitucional, exercendo a ação penal pública e
contribuindo para a segurança pública, o Ministério Público, na maior parte das vezes, não
pode prescindir de uma prévia apuração, esclarecedora quanto à presença de ilícito, de
modo a limitar a possibilidade de injustiça, por submeter alguém a processo indevido.
Percebe-se, então, que o exercício dessa atividade atribuída ao Ministério Público
apresenta, geralmente, dependência das investigações preliminares, ou seja, o exercício
da atividade-fim (propositura da ação penal) está visceralmente ligado a realização da
atividade-meio (investigação preliminar).
9
STRECK, Lênio. Ob. cit., p. 106/107.
6
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Como por vezes há esse vínculo insuperável e como a Constituição exige
a realização daqueles valores maiores, não se pode conceber que o meio inviabilize a
realização do fim. Numa estreita percepção, não se pode conceber que a realização
decorrente do fim da ação penal seja inviabilizada porque terceiros não proporcionaram a
realização do fim da investigação penal. Portanto, para evitar que um meio possa frustrar
um fim, é forçoso reconhecer que a Constituição quando atribui um objetivo (ação penal),
atribui concomitantemente todos os meios para a sua consecução (investigação criminal).
Não se trata meramente da aplicação do aforisma quem pode o mais pode
o menos, mas sim de verdadeiro respeito à Teoria dos Poderes Implícitos, correntemente
aplicada entre nós e nascida na Suprema Corte Americana, no precedente MacCulloch
versus Maryland.10 Segundo essa teoria, a Constituição ao conceder uma atividade-fim a
determinado órgão ou instituição, culmina por, implicitamente e simultaneamente, a ele
também conceder todos os meios necessários para a consecução daquele objetivo.11
Comentando referida teoria, o constitucionalista americano JOSEPH
STORY diz que: “Na execução prática do governo, os agentes da autoridade pública devem
fruir de liberdade para exercer os poderes que a Constituição e as leis lhes cometeram.
Devem ter uma larga margem discricionária quanto à escolha dos meios; e o único limite a
essa esfera de discrição há de consistir na adequação dos meios ao fim (...). Se o fim for
legítimo e estiver dentro no escopo da Constituição, todos os meios apropriados e
claramente ajustados àquele fim, e não proibidos, podem ser constitucionalmente
empregados para levá-lo a bom termo.”12
Não há proibição de atuação do Ministério Público na primeira fase da
persecução penal (investigação), envolvendo essa Instituição de defesa da ordem jurídica,
do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127 da CF)
na responsabilidade própria à apuração de delitos.
10
FERREIRA, PINTO. Comentários à Constituição Brasileira. Saraiva. 1989. vol. 2, p. 132.
Cf. FELIPETO, Rogério. Monopólio da investigação criminal. Boletim do Instituto de Ciências
Penais – ICP, ano 3, nº 39, set/2003 e Disponível na internet: http://www.ibccrim.org.br, 18.09.2003.
12 Apud BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 13ª ed., 2ª tir. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 474.
11
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Em verdade, aqueles que preconizam o sistema no qual apenas a polícia
judiciária pode realizar diligências investigatórias transformam o Ministério Público em mero
repassador da prova colhida por outra Instituição. Tal procedimento está sujeito a graves
distorções e deficiências, que não asseguram uma perquirição da verdade real com a
necessária eficácia e agilidade, prejudicando o exercício da titularidade da ação penal
pública pelo Ministério Público, frustrando o fim maior almejado pela Constituição.
O
Ministério
Público
deve
assumir
uma
posição
dicotômica,
acompanhando a investigação criminal e promovendo em juízo a persecução penal. A
atuação do Ministério Público nestas fases (investigatória e processual) é independente e
determinada pelas regras do ordenamento jurídico que as orientam. Desta forma, é mais do
que razoável que o Ministério Público pesquise diretamente a prova que lhe servirá como
base para a promoção da ação penal, quando necessário. Aliás, este aspecto da
persecução penal foi analisado por RENÉ ARIEL DOTTI: “Este é um problema permanente
e tortuoso não somente no campo das relações entre o Ministério Público e a Polícia como
também no quadro dos interesses sociais. A instrução preparatória que seria o objetivo
essencial do inquérito policial geralmente perde esse caráter quando a investigação é mal
dirigida ou se extravia de rumo. Ao titular da ação penal se sobrepõe o titular do inquérito.
Este deveria servir àquela porém a colisão de concepções em torno do fato delituoso, seus
agentes e suas circunstâncias fazem de ambos os senhores os protagonistas principais de
um litígio não declarado mas nem tanto encoberto a prenunciar o confronto entre o réu e a
vítima. Em síntese: a denúncia que deveria transmitir a convicção pessoal do agente do
Parquet, extraída de um contato direto com os meios de provas, se converte na síntese de
uma presunção de culpa decorrente da leitura das peças de informação. E quantas vezes o
registro do interrogatório, das declarações e dos depoimentos é uma ficção diante do que
efetivamente foi dito pelo indiciado, pela vitima e pelas testemunhas?”. 13
Com a mesma orientação, HÉLIO PEREIRA BICUDO assevera que no
sistema pelo qual o Ministério Público se limita a iniciar a ação penal, esta Instituição perde
a dimensão que deve ter, em detrimento do bom funcionamento de todo o aparelhamento
judiciário: “Transformado em mero repetidor da prova nos pretórios, o órgão do Ministério
Público não cumpre, adequadamente, as suas tarefas, dando-se à ação penal uma
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configuração menos fiel ao seu sentido, porque deixa ela de refletir, na sua pureza, a
pretensão punitiva do Estado, para transformar-se em veículo das imperfeições policiais”. 14
Compete,
então,
ao
Ministério
Público
a
tarefa
que
lhe
foi
constitucionalmente confiada de não só fiscalizar as atividades da polícia judiciária, no
curso da investigação policial, bem como promover as medidas necessárias para a
diminuição da criminalidade, aprimorando a apuração da infração penal e especialmente
atuando de modo a reprimir as irregularidades ou abusos cometidos por agentes públicos.
Outrossim, a exclusividade das investigações criminais a cargo das
polícias, significa o controle do Poder Executivo sobre todas as atividades apuratórias dos
ilícitos penais, e em última análise, sobre um dos primordiais instrumentos de política de
segurança pública, o que não se coaduna com o comando do artigo 144, caput, da
Constituição Federal, segundo o qual, “a segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da
incolumidade das pessoas e do patrimônio (...)”. Além disso, perde-se a perspectiva
constitucional de controle entre os entes estatais, posto que a instituição de exclusividade
afasta qualquer possibilidade de controle, obrigando a sociedade a anuir com o que foi
produzido unilateralmente pela autoridade policial, ainda que divorciado da busca da
verdade real.
Dentre os princípios constitucionais existentes, temos que o Estado
Democrático de Direito se orienta pelo implemento de sistemas de pesos e contra-pesos,
de molde que a filosofia de controle se encontra exposta na própria opção pela tripartição
dos poderes da república, onde cada Poder autônomo exerce harmônico controle sobre
outro. Essa filosofia que proporciona segurança e eficiência das funções estatais se espraia
pelo restante do ordenamento. O sistema de controle também assume feições peculiares,
ora de controle direto, como o controle externo da atividade policial pelo Ministério Público
(art. 129, VII), ora de controle indireto, como o exercício da investigação criminal pelo
Ministério Público. Essa segunda concepção se justifica como instrumento de controle, já
13
14
Cf. O Ministério Público. ob. cit., pp. 140-141.
Cf. Justitia 60 anos, 1939-1999, Número especial 1999, pp. 520/521.
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que exercitada excepcionalmente, quando frustrada a investigação patrocinada pela polícia
judiciária.
O fenômeno do controle não incide exclusivamente sobre a polícia.
Referendando essa afirmativa, tome-se como parâmetro o Ministério Público no exercício
da ação civil púbica. Embora esteja constitucionalmente encarregado da tutela de
interesses de ordem difusa e coletiva, essa responsabilidade não é excluisiva, posto que
compartilhada por outros segmentos sociais legalmente legitimados para o mesmo fim, que
podem, concorrentemente lançar mão da ação civil pública (art. 5º, Lei 7.347/85). Ainda sob
a ótica ministerial, o próprio exercício da ação penal pública, da qual o Ministério Público
seria o dominus litis, também se sujeita a controle externo. Quando não ajuizada a tempo,
permite-se que o particular exercite a ação penal privada subsidiária da pública (art. 5º,
LIX/CF), suprindo a inércia ministerial e dando efetividade ao princípio da indisponibilidade,
incidente sobre a ação penal pública. Sendo assim, se a investigação criminal também
incide sobre crime que se processa mediante ação penal pública, não se pode falar em
exclusividade que impeça o controle e tal qual ocorre com a ação penal privada subsidiária,
o princípio da indisponibilidade da ação permite o exercício de investigação por outro que
não a polícia, assumindo essa ação foros de supletividade ou subsidiariedade.
2 – FUNDAMENTO INFRACONSTITUCIONAL
O exercício da ação penal pública foi conferido ao Ministério Público de
forma privativa. Desta forma, quando vislumbrar suficientes indícios de autoria e prova da
materialidade, é obrigado a oferecer a denúncia. Para conferir justa causa à ação penal, o
Ministério Público se utiliza sobretudo do inquérito policial. Contudo, em atinência ao
Código de Processo Penal (arts. 12, 27, 39, §5º, e 46, §1º), a doutrina sempre se referiu ao
inquérito como um instrumento facultativo e dispensável15 para o exercício da ação penal
pública 16 . Depois de dizer que o inquérito se destina a possibilitar o exercício do jus
persequendi in judicio, FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO conclui que: “Se essa é
15
O inquérito policial e o termo circunstanciado nas infrações penais de menor potencial ofensivo
são apenas obrigatórios para a autoridade policial.
16 Cf. FERNANDO DA COSTA TOURINHO FILHO – Processo Penal. 6ª ed., São Paulo: Saraiva,
1982, p. 175-176; JOSÉ FREDERICO MARQUES – Elementos..., cit., vol. I, 76 e 79, p. 143 e
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a finalidade do inquérito, desde que o titular da ação (Ministério Público ou ofendido) tenha
em mãos as informações necessárias, isto é, os elementos imprescindíveis ao
oferecimento de denúncia ou queixa, é evidente que o inquérito será perfeitamente
dispensável. Vejam-se, a propósito, os arts. 12, 39, §5º, e §1º do art. 46, todos do CPP.”17 E
assim se alinhou a jurisprudência, inclusive no Supremo Tribunal Federal18.
Na verdade, o poder de investigação próprio é instrumento inerente ao
dever de ajuizar a ação penal pública, pois esta fica comprometida quando a fase
pré-processual não é desenvolvida com a necessária eficiência. Como bem observa JOSÉ
FREDERICO MARQUES 19 , o Código de Processo Penal sempre conferiu a outras
autoridades administrativas os poderes para investigar amplamente a respeito dos delitos
que possam interferir na sua órbita de atividade. Em outras palavras, não se pode conceber
um Promotor de Justiça inerte, colocado na posição de mero espectador das investigações
que se sucedem, aguardando, ao talante da autoridade policial, que o inquérito seja
relatado, para só então decidir se propõe a ação penal (e em que termos), se arquiva o
procedimento investigatório ou se requisita outras diligências. Aliás, é intuitivo que o
Ministério Público deva dispor de mecanismos técnico-jurídicos que o permitam exercer
plenamente a sua função primordial, isto é, a persecutio criminis em juízo.
Corroborando tal entendimento, o Ministro Joaquim Barbosa, do Colendo
Supremo Tribunal Federal, em voto proferido no julgamento do HC 83.157 (01/07/03),
consignou que “A Constituição não criou o Ministério Público para ser um órgão inerte”,
acrescentando que “o Ministério Público deve investigar sempre que fatos delituosos
cheguem ao seu conhecimento”.
146-147; HÉLIO TORNAGHI – cit., p. 138; EDUARDO ESPINOLA FILHO – Código de Processo
Penal Brasileiro Anotado, Rio de Janeiro, Editora Rio, 1980, vol. 1, n. 37, p. 246-248.
17 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva,
2002, p. 64
18Cf., v.g, RTJ 76/741 e 64/343; também HC 41.205, Pleno, j. em 10/3/65, Rel. Min. VICTOR NUNES;
RHC 58.644, j. em 10/3/81, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 22/5/81, pág. 4.736, RTJ
101/571; RHC 58.743, j. em 10/3/81, Rel. Min. MOREIRA ALVES, DJU de 8/5/81, pág. 4.117,
RTJ 101/580; RHC 62.300-RJ, j. em 13/12/84, Rel. Min. ALDIR PASSARINHO, j. em 13/12/84,
DJU de 15/3/85, pág. 3.137.
19 Cf. Elementos ..., ob. Cit., vol. 1, p. 140.
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A investigação criminal é uma atividade de autodefesa da sociedade e, por
isto, compreende-se que o Estado se organize para exercê-la, atribuindo-a à polícia
judiciária. Porém, se esta não proceder a uma adequada apuração do fato delituoso, em
prejuízo da persecução penal, a interferência do Ministério Público verificar-se-á para
assegurar o sucesso dessa atividade, na qual o dominus litis tem evidente interesse.
Sobre esse aspecto, ainda se considere que à míngua de proibição, o próprio particular, em
regra a vítima ou seus familiares, procedem a apurações paralelas àquelas encetadas pela
polícia judiciária, principalmente em situações em que a atividade investigatória se mostra
lenta ou ineficiente e não raro, subsidia-se o Ministério Público diretamente com o fruto
dessa atividade complementar (art. 27/CPP).
Assim, com vistas a possibilitar a investigação criminal pelo Ministério
Público, foram-lhe outorgados os instrumentos bastantes para tanto, como se colhe do art.
129, inciso VI, da Constituição Federal; do art. 26, inciso I, letras “a” e “b”, da Lei n.º
8.625/93, quando há a previsão de expedição de notificações para colher depoimentos ou
esclarecimentos, bem como a requisição de informações, exames periciais e documentos
de autoridades e órgãos públicos. Semelhante dispositivo está previsto na Lei Orgânica do
Ministério Público da União (artigos 7.º, inciso I; 38, inciso I; e art. 150, inciso I, todos da Lei
Complementar n.º 75/93), o mesmo ocorrendo nas Leis Orgânicas dos Ministérios Públicos
Estaduais.
3 – AUSÊNCIA DE MONOPÓLIO
Do que se expôs, vem a conclusão inarredável de que o sistema
constitucional brasileiro contempla o chamado “princípio da universalização da
investigação criminal”, segundo o qual as polícias não são os únicos órgãos autorizados a
proceder a investigação criminal. Segundo lição de WALTER FOLETO SANTIN: “O
princípio é da universalização da investigação, em consonância com a democracia
participativa, a maior transparência dos atos administrativos, a ampliação dos órgãos
habilitados a investigar e a facilitação e ampliação de acesso ao Judiciário, princípios
decorrentes do sistema constitucional atual. O reconhecimento do monopólio investigatório
da polícia não se coaduna com o sistema constitucional vigente, que prevê o poder
investigatório das comissões parlamentares de inquérito (art. 58, § 3.º, Constituição
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Federal), o exercício das ação penal e o poder de investigar do Ministério Público (art. 129,
I, III e VI, CF), o direito do povo de participar dos serviços de segurança pública (art. 144,
caput, CF), função na qual a investigação criminal se inclui (art. 144, § 1.º, I e § 4.º, CF), o
acesso ao Judiciário (art. 5.º, XXXV, CF) e o princípio da igualdade (art. 5.º, caput e I, CF)”
20
O constituinte originário não pretendeu conferir a único e determinado
órgão estatal o monopólio da investigação criminal, tanto que as comissões parlamentares
de inquérito estão autorizadas a desenvolver referida atividade, com amplos poderes,
“próprios das autoridades judiciais”, sendo inegáveis os resultados positivos advindos da
atuação investigativa levada a efeito pelos parlamentos brasileiros.
Do mesmo modo, o art. 28 da Lei n.º 7.492/86 atribui à comissão de
Valores Mobiliários e ao Banco Central do Brasil o dever de informar ao Ministério Público a
ocorrência de crime, o que, decerto, somente acontecerá no bojo de alguma apuração. É o
que também ocorrerá com os agentes fiscais tributários, que no desenvolvimento de suas
típicas funções, podem até mesmo ultrapassar a garantia do sigilo financeiro (art. 6.º da Lei
Complementar n.º 105/2001). O Instituto Nacional do Seguro Social somente desvenda os
chamados crimes previdenciários na apuração de eventuais fraudes.
Aliás, o art. 4.º, parágrafo único, do Código de Processo Penal,
recepcionado pela Constituição da República, já previa a possibilidade de investigação
também por outras autoridades administrativas, emparelhando à investigação policial
outras realizadas em diversas esferas.
O raciocínio da exclusividade da investigação policial exclui não só o
Ministério Público, mas também outras instituições, sendo injustificável e incompreensível o
entendimento de que as polícias possam deter o monopólio das atividades de investigação.
O argumento único no sentido de se sustentar a exclusividade da
investigação criminal para os órgãos policiais reside no fato de que a Constituição diz que a
20
SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na Investigação Criminal. Edipro, São Paulo: 2001. 1.a
ed. p. 60.
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função de polícia judiciária da União é exclusiva da Polícia Federal e que às polícias civis
cabem as apurações das infrações penais (art. 144). A leitura rasa do dispositivo
constitucional pode conduzir a essa conclusão, porque fruto de método de interpretação
usual: a interpretação gramatical. Todavia, a exegese constitucional não pode ficar adstrita
ao mais pobre dos métodos de hermenêutica, porque como disse JHERING, referido por
CARLOS MAXIMILIANO: “O apego às palavras é um desses fenômenos que, no Direito
como em tudo o mais, caracterizam a falta de maturidade do desenvolvimento intelectual.”21
Portanto, é preciso buscar retirar das palavras o verdadeiro sentido que contêm,
independentemente da forma adotada, pois de modo contrário seria o império do que
sintetiza o brocardo in claris cessat interpretatio, há muito banido do Direito.
É de se ver que a Constituição, quando usou a expressão “privativa” ou
seus cognatos, o que aconteceu, por exemplo, no art. 129, I, no que diz respeito à ação
penal pública, não proibiu que outro a exercitasse (ação penal pública subsidiária); ou ainda
no seu art. 22, quando fixa competência sobre matéria legislativa e admite que a lei autorize
os Estados a legislar sobre matérias específicas ali arroladas (parágrafo único). Ao
contrário, poder-se-ia argumentar que quando a Constituição se valeu da expressão
“exclusividade”, estaria tornando infenso o exercício da missão outorgada.
A conclusão é parcialmente verdadeira, porquanto a Constituição, em seu
art. 144, na única alusão que faz ao termo “exclusividade” (inciso IV do § 1.º), tão somente
pretendeu afastar a superposição de atribuições entre a Polícia Federal e as Polícias
Rodoviária e Ferroviária – também vinculadas à União, mas que têm funções de simples
patrulhamento ostensivo das rodovias e ferrovias federais, respectivamente -, bem como
entre a Polícia Federal (propriamente dita) e as Polícias Civis dos Estados, impedindo que
haja a invasão das respectivas esferas de atuação. Em outras palavras, a “exclusividade” a
que o texto constitucional se refere, dirige-se ao exercício da polícia judiciária da União,
que recai sobre a Polícia Federal e essa função não é compartilhada pelos demais órgãos
policiais mantidos pela União. Assim é, que ao se referir às polícias civis, o termo que tem
suscitado celeuma não foi repetido, mas foi substituído por expressão que preserva a
competência administrativa da Polícia Federal. Isso autoriza a ilação de que a expressão se
21
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 11ª ed. Rio de Janeiro: Forense,
1991, p. 121.
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destinou a estabelecer as competências entre as polícias da União e não impedir o
exercício da atividade investigatória por outros órgãos.
Também os demais órgãos policiais não estão impedidos de investigar. A
restrição está no exercício da polícia judiciária, ressalvada novamente para os crimes
militares. A destinação específica da Polícia Federal e das polícias civis para apuração de
crimes e exercício da polícia judiciária não quer dizer que as demais polícias não possam
investigar, porque o objetivo estatal é o exercício da segurança pública, que pressupõe a
preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (art. 144,
caput, CF). No trabalho ostensivo é visível a atividade de investigação para a detecção da
preparação ou início da execução de crime e para a sua imediata repressão, que se encaixa
no exercício de atividade de apuração de crimes. As atividades de prevenção, repressão e
investigação são interligadas e a busca do interesse público exige que todas exerçam estas
funções; a posição restritiva afrontaria a finalidade de prestação de segurança pública
integral pelo Estado (art. 144, caput, CF) e de forma eficiente (art. 37, caput, CF). O
interesse social deve sobrepor-se ao interesse corporativo de algumas das polícias de
monopolizar determinadas atividades.
No mesmo sentido PEDRO HENRIQUE DEMERCIAN22: “A Constituição
de 1988 não alterou esse quadro institucional: dentre os diversos órgãos que o Estado
mantém para propiciar segurança pública, limitou-se a indicar qual deles tem a incumbência
específica de investigar as infrações penais e de exercer a polícia judiciária (C.F., art. 144, §
4º). Daí não se pode extrair a exclusividade para o seu exercício. É que a norma não
pode ser interpretada fora do contexto em que foi concebida, em dissonância com
os demais princípios da Constituição Federal”. 23
22
cf. O Monopólio da Ação Penal Pública, tese de doutorado da Faculdade de Direito da Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Prof. Hermínio Alberto Marques Porto,
Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica, 2001.
23 Cf. ANTONIO SCARANCE FERNANDES – Constituição da República. Código de Processo Penal
e sua reforma, in Justiça penal: críticas e sugestões. São Paulo: Centro de Extensão
Universitária - Revista dos Tribunais. 1984, p. 63; JULIO FABBRINI MIRABETE - Processo
Penal, cit., p. 77; VICENTE GRECO FILHO – Manual de Processo Penal. São Paulo: Saraiva,
1991, p. 82.
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No que diz respeito ao art. 144, §4º, da Constituição Federal, novamente
não se retira proibição do exercício da atividade investigatória por outros, mesmo se
considerado o argumento de que a presidência do inquérito policial somente pode incidir
sobre delegados de carreira.
FERNANDO DA COSTA TOURINHO, comentando o entendimento de que
somente a autoridade policial poderia presidir o inquérito, aduz que o argumento levaria à
inconstitucionalidade do art. 43, RISTF e do art. 58, RISTJ, bem como dos artigos 103 a
108, da Lei de Falências e explica que: “O preceito constitucional, a nosso aviso, quis,
apenas e tão-somente, dizer o que compete à Polícia Civil. O que o referido preceito quis,
também, foi excluir aqueles delegados que não eram de carreira, muito comum nos Estados
do Norte e Nordeste, onde Cabos e Sargentos da PM, até hoje, normalmente, exercem as
funções de Polícia Civil.”24
Não se trata de disputa sobre a presidência de inquérito, que realmente é
da autoridade policial, como afirmam LÊNIO LUIZ STRECK e LUCIANO FELDENS: “Sobre
isso não resta dúvida alguma, pela singela razão de que se o inquérito fosse conduzido pelo
Ministério Público já não mais se poderia qualificá-lo como ‘policial’, senão que teria outra
designação (procedimento administrativo, procedimento criminal, etc.).”25
Dessa
forma,
demonstrada
à
saciedade
a
inconveniência,
a
irrazoabilidade e inconstitucionalidade de qualquer tipo de monopólio acerca da atividade
persecutória criminal.
4 – INVESTIGAÇÃO SUPLETIVA
Não pretende o Ministério Público tomar para si a tarefa exercida pelas
polícias, porque seria reivindicar para o Ministério Público uma exclusividade que não se
quer admitir seja conferida a mais de um a vários órgãos.
24
25
Ob. Cit., p. 61.
Ob. Cit., p. 79/80.
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Na oportunidade em que se demonstrou a absoluta pertinência das
investigações criminais efetuadas pelo Ministério Público, bem como a constitucionalidade
dos dispositivos legais que legitimam e fornecem os meios indispensáveis ao exercício
desse encargo, é de fundamental importância que se atente para a imperiosa necessidade
de se somar esforços no sentido de assegurar à sociedade brasileira o direito constitucional
à segurança pública, o que só poderá ser alcançado com a cooperação entre todas as
instituições envolvidas, de alguma forma, na repressão da criminalidade.
Finalmente, no momento em que se assiste ao desmedido incremento da
delinqüência em nosso país, mormente do chamado crime organizado, que ameaça a
própria integridade dos Poderes constituídos, não parece ser o melhor caminho a ser
trilhado o da dispersão das iniciativas indispensáveis ao enfrentamento de tão grave
problema, que está a desafiar, isto sim, a atuação coordenada e solidária de todos, na
busca do objetivo comum de se alcançar a paz social.
Se o disposto no art. 129 da Constituição Federal autoriza a investigação
direta pelo Ministério Público e se também o art. 144 o faz, poderia surgir certa
perplexidade, pois inútil seria o tratamento da matéria em dispositivos distintos, ou seja,
haveria quem enxergasse uma incongruência no texto constitucional que ora regraria a
investigação, restringindo-a e depois a permitiria a terceiro. Mas não é o que efetivamente
ocorre. Não há dicotomia ou antinomia na Constituição e isso está garantido por uma
interpretação que harmoniza o art. 129 e o art. 144, o que se dá com o reconhecimento da
investigação supletiva do Ministério Público.
O Ministério Público não almeja, não tem estrutura e não pode assumir
integralmente a investigação criminal, pela simples razão de não ser essa, na sua essência,
sua missão constitucional. Por outro lado, não pode ficar sujeito às manobras que
eventualmente possam ocorrer, comprometendo a busca da verdade real. Então, é forçoso
reconhecer que somente atuará investigando, quando o aparato policial, de alguma forma,
não conseguir desempenhar o seu papel a contento. A investigação ministerial é, então,
supletiva.
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Percebe-se, então, que não há antinomia entre o disposto no art. 144, § 4º
e o que traz o art. 129, I, todos da Constituição da República, porque se deve buscar a
compreensão desses dispositivos orientada por uma interpretação conforme a constituição,
vale dizer, conforme seus princípios reitores. Além de obediência à norma constitucional,
isso garante a existência de um diploma constitucional desprovido de antinomias que
possibilita o desenvolvimento de todo um ordenamento jurídico íntegro e coerente, como
propõe Norberto Bobbio.
A crítica de que o Ministério Público então “escolheria” suas investigações,
orientando-se por critérios políticos ou que lhe garantissem visibilidade na imprensa é
desprovido de sustentáculo jurídico. O objeto dessas investigações seria, invariavelmente,
aqueles em que o aparato estatal normalmente se mostra ineficiente para investigar. Essa
atuação supletiva proporciona a efetivação de uma das finalidades previstas no preâmbulo
da Carta de Direitos, comum a todas as instituições, que é a realização da igualdade. Essa
igualdade não abrange a igualdade meramente formal, mas a igualdade material, isto é, o
implemento de medidas que proporcionem um tratamento igual aos iguais, mas desigual
aos desiguais. O princípio da igualdade, para evitar a impunidade, viabiliza a investigação
criminal direta pelo Ministério Público, que atuaria em situações excepcionais, sempre que
os órgãos tradicionais não possam desempenhar seu papel como deles se espera. A
visibilidade perante os órgãos de comunicação social, nessa situação, é conseqüência e
não causa da atuação ministerial que afasta o mal da impunidade.
Saliente-se, ainda, como bem asseverado por WALTER FOLETO
SANTIN, que “o reconhecimento do monopólio investigatório das polícias fere o princípio da
igualdade (art. 5.º, caput e I, CF), tendo em vista que a polícia é dependente do Executivo, o
qual pode exercer direta influência sobre o trabalho de investigação e impedir a apuração
de crimes de pessoas influentes social ou politicamente.” 26
Nesse contexto, o enfrentamento às organizações criminosas ou ao
fenômeno do crime organizado é algo emblemático. É que nessas situações fica evidente a
necessidade de atuação supletiva, para suprir a ineficiência estatal que pode caracterizar a
manifestação desse tipo de atividade, como lembra WINFRIED HASSEMER: “Propondo
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portanto usar a expressão ‘criminalidade organizada’ somente quando o braço com o qual
pretendemos combater toda e qualquer forma de criminalidade seja tolhido ou paralisado:
quando Legislativo, Executivo ou Judiciário se tornem extorquíveis ou venais.”27 Por isso,
se o Estado, por qualquer uma de suas formas de manifestação está comprometido,
autorizada estará a investigação supletiva, sob pena de prevalecer a impunidade para a
macrocriminalidade.
5 – CONCLUSÃO
Essas breves digressões autorizam a singela conclusão de que o art. 129
da Constituição Federal autoriza o Ministério Público a realizar diretamente investigações
criminais, veiculadas através de procedimentos de natureza administrativa, sem que haja
invasão da função policial de presidir os inquéritos policiais, porque o art. 144 da
Constituição Federal não impede essa investigação, que é suplementar, na medida em que
se justifica quando a atividade policial puder Ter, de alguma forma, comprometida a sua
ideal atuação.
26
Op. cit. p. 64
HASSEMER, Winfried. Três temas de direito penal. Porto Alegre. AMP/Escola Superior do
Ministério Público, 1993, p. 65
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