A Gramática Tradicional (Clássica ou Normativa) decorre de uma tradição de estudos cuja orientação remonta aos gregos antigos. Estes estudos passam, ainda, pela cultura romana, pela Idade Média e Renascimento, e nos dias atuais, aparecem com finalidade acentuadamente didática. O termo gramática se prende ao étimo grego gramma (=letra). Até a época de Platão e Aristóteles, século III a.C., os estudos gramaticais faziam parte da especulação filosófica, não constituíam um corpo que justificasse estudos à parte. Então, gramamatikós referia-se às pessoas que tivessem conhecimento e técnica de uso das letras. Já a expressão techné grammatiké referia-se à técnica ou arte de ler e escrever. Só muito mais tarde os estudos gramaticais e a gramática normativa assumiram as proporções de hoje, como salienta Robins (1979). Platão foi o primeiro a identificar as partes do discurso e empregar uma nomenclatura específica aos estudos de linguagem. Compreendeu o discurso como uma totalidade máxima constituída por um componente designativo (nominal) e outro predicativo ou atributivo (verbal). Esses componentes foram designados, respectivamente, por ónoma e rhema. Na bipartição do discurso por Platão está o germe da classificação das palavras a partir do nome e do verbo e os componentes da oração em sujeito e predicado. Aristóteles vê mais um elemento no discurso, sydesmoy (termo com o qual recobria o que hoje é conjunção, artigo, pronome e preposição) tentando explicar os componentes relacionais do discurso. Aristóteles verificou tempos verbais, casos oblíquos, formas comparativas e superlativas de adjetivos, gênero dos nomes, advérbios derivados de adjetivos. Porém, não distinguiu o que conhecemos hoje como flexão ou derivação. Mas a primeira tentativa de sistematização dos estudos lingüísticos foi elaborada pelos estóicos, que distinguiram três campos: fonética, gramática e etimologia, correspondendo respectivamente em estudo do som das letras, das partes do discurso ou palavras e suas variações, das origens dos significados das palavras. Estabeleceram a distinção entre forma e sentido, utilizando o critério de flexão de caso a encontrar paradigmas regulares para diferenciar e definir as partes do discurso (classe de palavras). Então, subdividiram ónoma em classe de nomes próprios e classe de nomes comuns. Já para sydesmoy atribuíram características de unidades variáveis (pronomes e artigos) e invariáveis (preposição e conjunção). Com tais procedimentos, os estóicos perceberam seis classes distintas de palavras que poderiam encontrar-se no discurso oracional: ónoma (nome próprio), prosegoria (nome comum e adjetivos), mesótes (advérbio), ártha (pronome e adjetivo), sydesmoy (preposição e conjunção), rhema (verbo). A primeira gramática propriamente dita aparece com os alexandrinos, que mudaram a perspectiva com que eram tratados os estudos de linguagem, fazendo um trabalho empirista, ao contrário da tendência filosófica dos estóicos. A preocupação dos alexandrinos com a língua era literária, justificada por ser Alexandria um centro cultural muito importante para o mundo da época de Ptolomeu Sóter (367-383 a. C.) que criou a primeira universidade do mundo. Dentre as várias gramáticas de labor alexandrino sobressai a de Dionísio da Trácia (170-90 a.C.) que definiu a posição que permanece nas gramáticas tradicionais: a de que o discurso é uma unidade máxima (hoje frase) constituída por unidades mínimas significativas. Dionísio separou o princípio do verbo como uma classe que participa tanto funcionalmente tanto do verbo como do nome, distinguiu o artigo do pronome e separou a conjunção da preposição. Quanto às variações apresentadas pelas palavras, distingue gênero (masculino, feminino e neutro), tipo (primitivo e derivado), forma (simples e composta), número (singular, dual e plural) e caso (nominativo, acusativo, genitivo etc), modo, voz, tipo, forma, número, pessoa, tempo e conjugação. A sintaxe foi mais pormenorizada com Apolônio Díscolo (séc. II d.C.). Varrão organizou o estudo da gramática latina em etimologia, morfologia e sintaxe. Suas observações possibilitaram marcar os paradigmas de flexão e derivação. O paradigma flexão é de inventário fechado, visto não se poder introduzir neste novos elementos; ademais, é obrigatório. Ao passo que o paradigma derivação é de uso optativo, visto permitir ao usuário da língua criar novas palavras. Pode-se, por exemplo, optar por dizer “fiz e fiz o trabalho” ou “refiz o trabalho”, o que configura uma flexibilidade da derivação em relação à flexão. Quanto às formas nominais dos verbos – gerúndio, infinitivo, particípio – são assim denominadas por assumirem características de nomes. E o grau é marcado por sufixos e tido como elemento pertencente à derivação. Conforme as situações criadas, os sufixos de grau podem expressar: afetividade (filhinho), depreciação (povinho), valoração (carrão). O termo morfologia, criado por Goethe para referir-se a formas de organismos vivos, passou a ser usado em 1860 na designação das formas das palavras. E daí, a morfologia trata da estrutura das palavras (raiz, radical, tema, afixo, prefixo, sufixo, desinência nominal e verbal, vogal temática, cognato, formação de palavras por derivação, composição, hibridismo). A Gramática Expositiva, de Eduardo Carlos Pereira, fixa o estudo dos processos de Derivação e Composição no campo etimológico, afirmando caber à Gramática Histórica o estudo da origem e evolução dos vocábulos. Pereira (1926) define o tema, radical ou raiz como parte central da palavra quanto à significação e à forma material. Os afixos são por ele apresentados como sílabas agregadas ao início ou ao final do tema para modificação de sentido. Ainda considera os prefixos como responsáveis pelo processo de composição e a categoria grau como participativa da flexão e da derivação. Conforme Said Ali (1965), a gramática é o conjunto de regras recorrentes em um ou mais idiomas quanto a sons ou fonemas, formas de vocábulos e combinação destes em proposições, sendo estabelecidas tais regras de acordo com o uso dos letrados e cultos. Said contraria a posição de Pereira ao afirmar que os prefixos podem fazer parte da derivação. Ressalta Rocha Lima (1979), com conceitos próprios da Lingüística Estrutural (tanto européia quanto americana), que o morfema representa a menor unidade de significação na figuração de uma palavra. E baseado neste conceito define e explicita os elementos enumerados pela NGB: raiz, radical, desinência, vogal temática, tema. No processo de formação de palavras, ignora por completo a derivação imprópria. Rocha Lima considera o sufixo vazio de significado. Dentro da Nova Gramática do Português Contemporâneo, Cunha e Cintra compreendem o processo de derivação como resultante da utilização de sufixos igualmente de prefixos, dividindo a derivação em prefixal e sufixal, permitindo considerar os prefixos como originados de advérbios e preposições que têm ou que tiveram vida autônoma na língua, unidades integrantes do processo de Composição. Os sufixos são classificados em nominais, verbais e adverbiais. E no tocante ao processo de Derivação, Cunha e Cintra consideram a parassintética, a regressiva e a imprópria, além da prefixal e da sufixal. Como se pode perceber através da leitura da dissertação de mestrado apresentada por Sirlene Duarte, esta não trata de defender ou contrapor-se à Gramática Tradicional, mas sim de mostrar o desenvolvimento desta desde os tempos remotos (com os gregos e outros estudiosos) até os dias de hoje. E a Gramática Tradicional, mesmo apresentando imperfeições, falhas e contradições, prescreve a conduta lingüística dentro da norma da cultura letrada. Portanto, orientações e correntes lingüísticas modernas e contemporâneas a ela devem contribuição.