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MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
62ª PROMOTORIA DE JUSTIÇA DA COMARCA DE NATAL
Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca
de Natal, Estado do Rio Grande do Norte:
O MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL, pela Promotora de
Justiça que esta subscreve, em exercício nesta Comarca, com endereço para
notificações e intimações na rua Tavares de Lira, 102/104, Ribeira, Natal-RN –
Anexo II da Procuradoria Geral de Justiça -, no uso de suas atribuições legais,
conferidas pelo artigo 127, caput, da Constituição Federal c/c o artigo 6º do CPC,
em substituição processual, vem, a presença de Vossa Excelência, requerer
AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO DE GESTAÇÃO, pelos fatos e
fundamentos a seguir elencados:
SÍNTESE FÁTICA E FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
A Srta. Emanuela Cristina da Silva Gomes, brasileira, solteira,
com 16 anos de idade, residente e domiciliada na rua Luiza Dias, 517, Felipe
Camarão, nesta cidade, encontra-se na 26ª semana de gestação, tendo sido
identificado em exames de ultra-sonografias obstétricas - o último foi realizado em
23 de outubro próximo passado -, que o feto apresenta múltiplas malformações
fetais, com destaque para acrania/anencefalia (documento de fls.).
Em face do diagnóstico acima destacado, a gestação não
deve ser levada a termo, uma vez que a anencefalia constitui-se em uma
malformação fetal incompatível com a vida extra-uterina, além de representar riscos
à saúde da gestante.
A Srta. Emanuela vem realizando pré-natal com a equipe de
obstetrícia da Maternidade Escola Januário Cicco. Assim, submeteu o diagnóstico à
Comissão de Ética Médica do referido hospital, com pleito de interrupção da
gravidez subscrito pela própria paciente e seu companheiro, além de autorizado
pela mãe da gestante, em 23 de outubro de 2003. A comissão médica chegou as
conclusões seguintes:
“Diante do exposto, a Comissão de Ética
desta Maternidade, embasada em literatura
obstétrica, como Willians-Obstetrícia, na sua
20ª edição, pág. 812, que descreve ‘detecção
da
anencefalia
através
de
exame
ultra-
sonográfico em aproximadamente 100% dos
casos’.
Esse
autor
relata
ainda
que
a
anencefalia é caracterizada por ausência de
crânio,
juntamente
com
os
hemisférios
cerebrais, que são rudimentares ou estão
ausentes.
Podendo
polidrâmio
complicações
que
no
estar
associada
pode
ser
parto
e
fator
aumento
a
de
de
hemorragia no período pós-parto. Afirma,
ainda a incompatibilidade com a vida dos
fetos portadores de patologia supra referida”.
Ao lado do parecer da Junta Médica da Maternidade Escola
Januário Cicco, esta Promotoria de Justiça solicitou um segundo parecer técnico ao
médico REGINALDO ANTÔNIO DE OLIVEIRA FREITAS JÚNIOR, Professor-Doutor
em medicina pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP, uma vez que se
trata do profissional médico responsável pelo exame de ultra-sonografia obstétrica.
Em parecer muito bem fundamentado, em que teve o cuidado
de também abordar os aspectos ético-legais da questão, ao lado do aspecto médico
propriamente dito, o Dr. Reginaldo foi categórico em afirmar a impossibilidade de
vida extra-uterina do feto, ressaltando a alta precisão do exame ultra-sonográfico,
chamando atenção que o diagnóstico de anencefalia não é embasado em meras
suspeitas médicas.
Cita-se o trecho inicial do parecer, já que mais diretamente
interessa para o êxito do presente pedido:
“...Inicialmente esclarecemos ser a ancefalia a
mais grave malformação fetal envolvendo o
sistema nervoso central, na qual a ausência
da calota craniana e cérebro torna impossível
a vida fora do ambiente uterino. Como a
sensibilidade da ultra-sonografia em detectar
casos de anencefalia é de 100%, não há
dúvidas quanto à certeza do diagnóstico no
caso em questão. Sendo assim, trata-se da
solicitação de interrupção de gravidez diante
de
uma
incontestável
malformação
fetal
incompatível com a vida”.
Nesse ponto destaca-se um dos pilares fáticos deste pedido:
Diante da presença da ANENCEFALIA não existe perspectiva de vida extra uterina
para o feto que Emanuela carrega em seu útero.
Assim, ainda que não se evidencie iminente risco de vida para
a gestante, em que pese a presença da malformação fetal originar riscos extras em
relação a uma gestação cujo feto seja saudável, a interrupção da gravidez, através
do aborto, é a solução que se apresenta mais compatível com a preservação da
integridade física e psicológica dessa mãe-adolescente.
No contexto que ora se apresenta, ressalta-se a legitimidade
do Ministério Público para requerer o presente ALVARÁ DE AUTORIZAÇÃO
JUDUCIAL: a Promotoria da Saúde, através deste requerimento, atua em defesa do
direito fundamental do ser humano em manter hígida sua integridade física e
psicológica.
Com efeito, se os danos físicos já foram evidenciados nos
parágrafos acima, os prejuízos psicológicos advindo da manutenção desta gravidez
sem êxito, são inúmeros. Nesse sentido, o parecer técnico assinado pelo Dr.
Reginaldo traz abordagem segura e precisa:
“São inegáveis as repercussões psicológicas
causadas à gestante e seu núcleo familiar, em
decorrência
de
uma
malformação
fetal
gravidez
dessa
com
natureza.
A
descoberta de uma patologia ou malformação
fetal marca a relação que os pais estabelecem
com seus filhos ao nascer. O filho real, com
problemas ou sabidamente destinado à morte,
afasta-se do filho idealizado e não mais
preenche o papel que lhe era destinado no
imaginário familiar. Não pode mais ser o filho
perfeito, sonhado passaporte dos pais para a
plenitude
pessoal,
felicidade.
Pode,
a
gratificação
inclusive,
e
a
dificultar
a
aceitação social dos pais, que passam a
também
incorporar
sentimentos
de
imperfeição: “Boas árvores dão bons frutos”,
sentencia a sabedoria popular.
Notadamente
sofrimento
ansiedade
merece
ser
psicológico
com
relação
destacado
acarretado
ao
término
o
pela
da
gravidez, em uma situação onde não há as tão
esperadas
recompensas
da
maternidade.
Adicionalmente, à luz dos direitos humanos e
reprodutivos, torna-se necessário garantir a
essas mulheres condições dignas e seguras
para a resolução da gestação. Sobre esse
último aspecto destacado, é importante que
se ressalte que o final da gravidez representa
um período de risco gestacional particular,
associado a situações de elevado risco de
vida materno, como por exemplo a préeclâmpsia e as hemorragias da segunda
metade da gestação”.
Desse modo, o pleito ora versado busca amparo legal em uma
interpretação analógica do disposto no artigo 128, I, do nosso Código Penal, que
prever o aborto necessário. Sabe-se que o Código Penal é da década de 40 e,
como a legislação não consegue acompanhar o ritmo mais acelerado dos fatos
sociais, imprescindível privilegiar uma exegética harmonizada com as conquistas
humanitárias e científicas evidenciadas neste início de século 21.
Assim é que se defende ser compatível com o atual estágio dos
direitos humanos, não criminalizar o aborto em situações como a vivenciada por
Emanuela, uma vez será extremamente penoso física e emocionalmente, para ela,
levar a cabo uma gravidez onde o bebê não terá reais chances de vida extra uterina.
Nesse compasso, traz-se à baila comentários de três renomados
penalistas brasileiros acerca do aborto eugênico. CELSO DELMANTO1, JULIO
FABRINNI MIRABETE2 e ALBERTO SILVA FRANCO3, respectivamente:
“Note-se que o CP, a nosso ver, de forma
errônea, não legitima o aborto chamado
eugenésico, ainda que seja provável, ou até
mesmo certo, que a criança nasça com
deformidade ou enfermidade incurável”.
..............................................................................
“Não prevê a lei a exclusão da ilicitude do
aborto eugênico, que é executado ante a
prova ou até suspeita de que o filho virá ao
mundo com anomalias graves ou fatais
(anencefalia ou acrania, p. ex.) embora haja
movimentos,
a
nosso
ver
totalmente
justificados, em favor da legalização dessa
1
CÓDIGO PENAL ANOTADO. 4ªed., Renovar, São Paulo: 1998, pág. 236.
CÓDIGO PENAL INTERPRETADO. Atlas, São Paulo:2000, pág. 698.
3 CÓDIGO PENAL E SUA INTERPRETAÇÃO JURISPRUDENCIAL. 6ªed., RT, São Paulo: 1997,
pág. 2128.
2
prática. Já há precedentes jurisprudenciais no
sentido de que, prova a anomalia grave, o
aborto deve ser autorizado, mas os alvarás
concedidos ainda não encontram apoio nem
no direito material nem no direito processual”.
..............................................................................
“...Três são os requisitos
específicos da
indicação eugênica: a) a presunção de que o
feto nascerá com graves enfermidades físicas
ou psíquicas; b) o prazo para a realização do
aborto eugenésico; e c) o parecer emitido por
dois especialistas”.
(...) Assim é a hipótese do aborto em que haja
constatação da impossibilidade de vida extrauterina do feto por malformação física, como
ocorre no caso de acrania (ausência de
crânio).
Ainda na citada obra de ALBERTO SILVA FRANCO, pág.
2128, encontra-se informações acerca de artigo publicado no IBCRIM (dez/93, nº
11) pelo juiz GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, cujo título é “Impossível
a vida do feto, deve ser autorizado o aborto”, a partir de um caso concreto em que o
magistrado apreciou pedido igual ao caso ora em destaque e, após perícia médica,
autorizou a interrupção da gravidez.
Por todo o exposto e, em vista dos documentos que instruem
o pedido, Órgão Ministerial vem requerer ALVARÁ JUDICIAL PARA INTERRUPÇÃO
DE GESTAÇÃO, em favor de Emanuela Cristina da Silva Gomes, com amparo legal
no artigo 128, I, do CP, em aplicação analógica.
Nestes termos, pede e espera deferimento.
Natal/RN, 03 de dezembro de 2003.
Iara Maria Pinheiro de Albuquerque
Promotora de Justiça, em substituição legal
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