Envolvimento renal na síndrome antifosfolípide Denise Segenreich e Sabrina de Castro Lorena Disciplina de Nefrologia - HCFMUSP Introdução I A síndrome foi descrita pela primeira vez em 1986 por Graham Hughes. É caracterizada pela associação de tromboses arteriais e/ou venosas ou perdas fetais recorrentes com a presença de anticorpos antifosfolípides. Pode ser primária, quando nenhuma associação com outra doença é encontrada ou secundária quando ocorre em associação. A associação com LES é a mais classicamente descrita. A associação com outras doenças reumáticas, exceto pela artrite reumatóide, é frusta e baseada em sua maioria em relatos de casos. Embora, também ocorra presença de anticorpos antifosfolípides associados a condições diversas incluindo: câncer, uso de drogas, infecções, estes são em sua maioria da classe IgM, em baixos títulos e não acompanhados de fenômenos trombóticos. Introdução II Critérios diagnósticos: critério clínico Tromboses vasculares: 1 ou mais episódios de tromboses venosas, arteriais ou de pequenos vasos. Obstétricos: 1 ou mais óbitos de fetos morfologicamente normais após 10º sem ou 1 ou mais partos prematuros de fetos morfologicamente normais antes da 34º sem ou ainda 3 ou mais abortos espontâneos antes da 10º sem de gestação. critério laboratorial Anticorpo anticardiolipina: IgG ou IgM em títulos moderados a alto em 2 medidas com intervalo de 6 semanas Anticoagulante lúpico: detectado em 2 ocasiões com intervalo de 6 semanas. o diagnóstico é dado com a presença de 1 critério clínico + 1 critério laboratorial. Envolvimento renal Incidência A verdadeira incidência é desconhecida, varia de 6 a 26% na maioria das séries, podendo chegar a 78% na síndrome catastrófica Lesões histopatológicas graves podem ocorrer na ausência de sintomas clínicos significativos SAF primária é uma causa rara de doença renal em estágio terminal. Doença vaso-oclusiva crônica que pode acometer toda vasculatura desde artéria renal principal até os capilares glomerulares e veias. Envolvimento renal Estenose/trombose de artéria renal Série de 62 casos diagnosticados de estenose de artéria renal revelaram presença de anticorpos anti-fosfolípedes em 27% dos casos, sendo destes 40% portadores de fibrodisplasia e 21% de aterosclerose. Infarto renal Secundário à trombose ou eventos embólicos. Essa complicação foi descrita em pacientes que desenvolveram trombose renal no pós-op imediato de transplante renal. Foi descrito também uma incidência maior de trombose de acesso vascular nesses doentes. Brunet et al mostraram uma correlação entre trombose de acesso vascular e anticoagulante lúpico, porém não com o anticardiolipina. Trombose de veia renal Envolvimento renal Lesões crônicas do parênquima renal: Descrita no passado como “perda insidiosa de função renal em pacientes portadores de anticardiolipina na ausência de nefrite” Nochy et al estudaram 16 pacientes com SAF primária quanto aos aspectos clínicos e histopatológicos de biópsia. Envolvimento renal Manifestações renais em 16 pacientes com SAF primária HAS IRC Proteinúria (0,2-7g/d) Hematúria Anemia microangiopática Sd. Nefrótica 93%(15) 87%(14) 75%(12) 56%(9) 6%(1) 6%(1) Envolvimento renal Achados histopatológicos em 16 casos de SAF primária: Arterioloesclerose 75%(12) Hiperplasia fibrosa de íntima (HFI) 75%(12) Tiroidização tubular 75%(12) Oclusão arteriolar(AO) 68%(11) Atrofia cortical focal (ACF) 62%(10) Trombose em organização 37%(6) Microangiopatia trombótica (MAT) 31%95) Envolvimento renal Arterioloesclerose não é específica da nefropatia da SAF. Ao contrário, a hiperplasia fibrosa da íntima, oclusão arteriolar e atrofia cortical focal são mais raramente vistas em outras nefropatias vasculares e são muito sugestivas dessa patologia quando em associação, na mesma biópsia, com atrofia tubular focal e fibrose intersticial Em nenhuma dessas biópsias foi caracterizadas lesões vasculares inflamatórias. Envolvimento renal Forma aguda da nefropatia da SAF Microangiopatia trombótica (MAT) com trombos de fibrina em arteríolas. Mesangiólise e interposisação mesangial difusa com numerosos duplos contornos podem aparecer. Imunofluorescência não mostra deposição de imunoglobulinas. Envolvimento renal Diagnóstico diferencial: Forma aguda: SHU/PTT; crise renal esclerodérmica e nefrangioesclerose maligna. Forma crônica: Hipertensão essencial com nefrangioesclerose intensa e nefropatia isquêmica (estenose de artéria renal) Associação com LES: Associação entre LES, microangiopatia trombótica e anticoagulante lúpico(AL) foi descrita 10 anos antes da SAF primária. Love et Santoro: 1000 pacientes com LES: 34% com AL e 40% com Anticorpo Anticardiolipina (ACL) positivos. Eventos trombóticos presentes em 30% dessa população. MAT foi a lesão mais frequente na associação LES- SAF Associação com LES: A nefropatia da SAF pode ser encontrada em qualquer classe do LES (WHO I a VI) As manifestações clínicas são principalmente insuficiência renal aguda com MAT associada a hipertensão grave (inclusive HAS maligna), o que ocorre devido principalmente a lesões fibróticas da SAF, e não decorrente da evolução do LES A presença da nefropatia da SAF associada ao LES confere maior morbidade renal e portanto está associada ao um pior prognóstico a longo prazo. Tratamento: Paciente com quadro prévio de tromboses arteriais ou venosas tem indicação precisa de anticoagulação sistêmica (INR~3)o que evitaria recorrência desses eventos. Pacientes assintomáticos ou somente com perda fetal devem ser avaliados individualmente quanto ao risco de anticoagulação e suas possíveis complicações. .Finazzi e cols mostraram que títulos de ACL persistentemente >40U seriam um fator de risco independente para trombose. Tratamento: O uso de corticóides ou outros imunossupressores não mostraram eficácia na SAF primária. Pacientes com eventos trombóticos podem se beneficiar do uso de corticóides se estiverem em atividade do LES O controle rigoroso da pressão arterial tem impacto decisivo na progressão da doença renal Pacientes transplantados devem receber anticoagulação, caso já tiverem apresentado evento trombótico no passado Bibliografia: Huang J, Chen M, Postpartum Haemolytic Uraemic Syndrome Associated with Antiphospholipid Antibody, NDT 13, 182 – 186 1998 Neto Cuvello A, Envolvimento renal na síndrome do anticorpo antifosfolípide, J Bras Nefrol 20 (1): 55-59, 1998 Nochy D, Daugas E, The Intrarenal Vascular Lesions associated with Primary Antiphospholipid Syndrome , JASN 10: 506 – 518, 1999 Daugas E., Nochy D. , Anthiphospholipid Syndrome Nephropathy in Systemic Lupus Erythematosus, JASN 13, 42 – 52, 2002. Jerrold S., Levine, The Antiphospholipid Syndrome. NEJM, Vol 346, nº10, 2002. Espinosa G, Bucciarelli R, Cervera R, Trombotic microangiopathic haemolytic anaemia and antiphospholipid antibodies, Ann Rheum Dis 63, 730 – 736, 2004 Teknidou M, Sotsou F, Antiphosphlipid Syndrome Nephropathy in Patients with Systemic Lupus Erithematosus and Anthiphospholipid Antibodies, Arthrits & Rheumtism, Vol 50, nº8 2569- 2579, 2004.