7. – O Novo Testamento Encontros de Formação Cristã Paróquia de Santa Maria de Carreço 7ª sessão – O Novo Testamento Sumário: 1. O Novo Testamento 1.1.– O Novo Testamento: sua importância e significado 1.2 – O Novo Testamento: a formação dos escritos e a fixação do cânone 1.3 – O Novo Testamento: o seu texto – manuscritos 1.4 – O Novo Testamento: sua composição 1.5 – O Novo Testamento: os géneros literários 2. Evangelhos e Actos dos Apóstolos 2.1 – «Evangelho» e Evangelhos. O género literário Evangelho. 2.2 – Os Evangelhos sinópticos e o problema sinóptico 2.3 – O Evangelho de S. Mateus 2.4 – O Evangelho de S. Marcos 2.5 – O Evangelho de S. Lucas 2,6 – O Evangelho de S. João 2.7 – Breve resenha comparativa dos Evangelhos 2.8 - Os Actos dos Apóstolos 3. As Cartas de S. Paulo (escritos paulinos) 3.1 – O género epistolar e as epístolas de S. Paulo 3.2 – As Cartas de S. paulo 4. Outras epístolas (Carta aos Hebreus e Cartas Católicas) 4.1 – A Epístola aos Hebreus e as Epístolas católicas 5. O Apocalipse 5.1 – O Apocalipse 6. Uma análise de um texto: Lc 15, 11-32 – O Filho Pródigo 7. Bibliografia recomendada (E.F.C. 7) 1. O Novo Testamento 1.1. – O Novo Testamento: sua importância e significado O adjectivo «novo», qualificativo da colectânea das escrituras cristãs, complemento do Antigo Testamento, não pretende evocar uma fractura com o que é «antigo», mas sim exprimir a novidade de JESUS CRISTO, o poder vivo do Seu ministério de paixão, morte e ressurreição, que preenche e cumpre o que a precede. A expressão «Novo Testamento» (do latim Novum Testamentum e do grego Kaine Diatheke) é equivalente a Nova Aliança ou Novo Pacto. Concerteza terá origem nas palavras do próprio Jesus, na Última Ceia, ao instituir a Eucaristia, chamou Nova Aliança a Seu sangue (cf. Mt 26,28; Mc 14,24; Lc 22,2o; 1 Cor 11,25). O NT, como cumprimento do AT, deve ser lido pelos cristãos com respeito e veneração que expressem a sua origem divina e destino salvífico. Também deve ser meditado com o mesmo espírito com que foi escrito. Como nos diz a Dei Verbum, nº 17: Excelência do Novo Testamento, 17. «A palavra de Deus, que é força de Deus para a salvação de todo aquele que crê (cfr. Rm 1, 16), apresenta-se e manifesta o seu poder de um modo eminente nos escritos do Novo Testamento. Com efeito, quando chegou a plenitude dos tempos (cfr. Gal 4, 4), o Verbo fez-se carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade. Cristo estabeleceu na terra o Reino de Deus, com palavras e obras manifestou o Pai e manifestou-se a Si mesmo e completou a Sua obra com a Sua morte, ressurreição e gloriosa ascensão e com o envio do Espírito Santo. Levantado da terra, atrai todos a Si (cfr. Jo 12, 32), Ele, que é o único que tem palavras de vida eterna (cfr. Jo 6, 68). Este mistério, porém, não foi revelado a outras gerações, como agora foi revelado aos seus santos Apóstolos e Profetas, no Espírito Santo (cfr. Ef 3, 4-6), para pregarem o Evangelho, despertarem a fé em Jesus Cristo e Senhor, e congregarem a Igreja, Os escritos do Novo Testamento são um testemunho perene e divino de todas estas coisas». Assim, o Novo Testamento não é uma simples continuação do Antigo, no Novo Testamento a Palavra de Deus torna-Se Pessoa, pela Encarnação de Cristo. O Novo Testamento não só resume o Antigo, mas é a razão de ser deste. A Palavra tem de ser proclamada a todas as gerações, essa Palavra é a Pessoa de Jesus Cristo. Por isso, Ele envia os Seus Apóstolos e continua a enviar hoje. MENSAGEM ESSENCIAL DO NT. O NT proclama a graça e a exigência de Deus, Todo-poderoso, Pai que ama Seus filhos, os homens, que enviou o Seu Filho para salvar-nos («cf. Credo Niceno-Constantinopolitano). Em Jesus Cristo, vemos o Pai; Jesus veio para fazer a vontade de Seu Pai, conduzir os homens a ser participantes da natureza e glória divinas: Ele é o Salvador, o Messias, o Senhor, o Filho de Deus. O NT revela-nos o mistério da Unidade e Trindade divinas. O poder de Deus manifesta-se na vida de Cristo, na Sua morte redentora e na Ressurreição; n’Ele fomos libertos do pecado, da morte e do demónio para vivermos em liberdade a glória dos filhos de Deus (Rom 8,21). O NT dá testemunho de JESUS CRISTO, testemunhando a Sua vinda, obras e ensinamentos. Os Evangelhos dão-nos a conhecer a maravilhosa a e amorosa vida de Jesus entre os homens, as Suas acções e palavras, a Sua morte redentora e a Sua Ressurreição gloriosa. Os Actos dos Apóstolos conservam a primeira eclosão do fruto do Evangelho de Jesus Cristo nas comunidades. As cartas ensinam as comunidades a viver com o Evangelho. O Apocalipse dá-nos a esperança nas tribulações: os filhos de Deus devem esperar no Senhor, adequando a sua vida à vinda glorioso de Jesus Cristo. 1.2. – O Novo Testamento: a formação dos escritos e a fixação do cânone O NT teve uma história da redacção semelhante à do AT, embora o período que medeia desde a tradição oral até à obra escrita fosse muito mais breve – um século aproximadamente – e o seu conteúdo mais unitário, por centrar-se numa só personagem: Jesus de Nazaré. Mais lenta foi a clarificação dos livros que haviam de formar parte do cânone, que durou vários séculos. I - A FORMAÇÃO DO NOVO TESTAMENTO. Passou por três etapas essenciais de formação, que podem ver-se no Prólogo de Lucas: «Visto que muitos empreenderam compor uma narração dos factos que entre nós se consumaram, como no-los transmitiram os que desde o princípio foram testemunhas oculares e se tornaram «Servidores da Palavra», resolvi eu também, depois de tudo ter investigado cuidadosamente desde a origem, expô-los a ti por escrito e pela sua ordem, caríssimo Teófilo, a fim de reconheceres a solidez da doutrina em que foste instruído». Estas três etapas podem-se resumir a duas grandes etapas: a tradição oral e a escrita.1ª - TRADIÇÃO ORAL. a) Fase da História (6a.C./30): «narração dos factos que entre nós se consumaram». É a fase em que Jesus vive e ensina; não escreveu nada, mas deixou o Seu testemunho a um grupo de discípulos; b) Fase da Transmissão (30 a 70): «como no-los transmitiram». À luz da Ressurreição e do Pentecostes, os Apóstolos compreendem plenamente os ditos e actos de Jesus, dos quais foram testemunhas. As comunidades cristãs primitivas recordavam o que Jesus disse e fez em três aspectos de vida: na pregação (destaque para o kerigma, primeiro anúncio, do género: «Aquele Jesus a quem vós crucificastes, Deus O ressuscitou e O constituiu Senhor de todas as coisas»), na catequese e no culto. 2ª – TRADIÇÃO ESCRITA. c) Fase da redacção ou da escrita (70/100): «resolvi eu também, … expô-los a ti por escrito». Baseando-se nas tradições orais, começa-se a escrever curtos escritos, como colectâneas de ditos, da Paixão, de milagres, parábolas, etc.; mais tarde, entre 70 (ou 65) a 100 cada evangelista redige o Evangelho de Jesus, inspirado pelo Espírito Santo, cada um com uma finalidade e características próprias.; mais tarde, esses escritos são retocados. Antes disso, Paulo tinha escrito as suas cartas (entre 51 e 63). Quadro extraído de «Para ler o Novo Testamento», Etienne Charpentier, Editorial Perpétuo Socorro. 1.2. – O Novo Testamento: a formação dos escritos e a fixação do cânone Datas aproximadas de alguns escritos do NT: 51-64: Escritos Paulinos: 511 e 2 aos Tessalonicenses; 56-58 – 1 e 2 aos Coríntios, Gálatas, Filipenses, Romanos; 61-63: aos Colossenses, Efésios, Filémon. 64 (?)-: 1ª Carta de Pedro 65-85: Evangelhos Sinópticos e Actos dos Apóstolos: 65-70 – Evangelho segundo S. Marcos 75-80- Evangelho segundo . Mateus, segundo S. Lucas e Actos dos Apóstolos 80 – Carta aos hebreus 85-100: Escritos Joaninos (Evangelho, Cartas e Apocalipse): -80-90 – Evangelho segundo S.João e Cartas de S. João (I, II e III) -95-100 – Apocalipse de S. João 100-125 – 2 Epístola de Pedro II – A FIXAÇÃO DO CÂNONE. A constituição do cânone do NT foi progressiva: admitia-se um livro, rejeitavam-se outros… Para tal, como vimos, admitiram-se os livros que obedeceram aos critérios: a sua origem apostólica (admitiram-se como canónicos aqueles escritos que surgem dos apóstolos, ou dos seus imediatos colaboradores, ou das comunidades directamente relacionadas com eles); a ortodoxia (a conformidade destes escritos com a pregação de Cristo, a Sua vida e anúncio; por isso se rejeitaram os apócrifos); e a sua catolicidade (o seu uso generalizado em quase todas as Igrejas, segundo testemunha o seu uso litúrgico). É um acto de fé no Espírito que guia a Igreja! a) Organizam-se colecções: primeiro uma colecção de cartas de Paulo, depois uma colecção dos evangelhos e das cartas católicas; b) No séc. II, dois tipos de heresias, aceleram, por reacção, a delimitação do cânone: os gnósticos (que juntava ao cânone numerosos escritos, como o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Filipe, etc); e a doutrina de Marcião (herege, que por volta de 150, em Roma, rejeita o AT e uma parte do NT, só conservando o Evangelho de S. Lucas, com supressões e as Cartas de Paulo sem os supostos “acréscimos” judaicos); além disso, Taciano leva a cabo o Diatessaron, que tentou reunir os quatro evangelhos num só, limitando a riqueza dos mesmos… c) Entre 150 e 300, o cânone actual está quase fixado. Alguns testemunhos da éopoca: o Cânone de Muratori (do nome do seu descobridor), manuscrito do séc. VIII, reproduz a lista aceite em Roma por volta de 180; os escritos de Ireneu (morto por volta de 202), de Tertuliano (morto em 220), de Clemente de Alexandria (morto antes de 215), de Orígenes (morto em 254), São Hipólito (morto em 235), S. Cipriano (morto em 258), etc. Estas listas correspondem mais ou menos ao actual cânone; os livros, por evzes contestados, são Hebreus, Tiago, 1 e 2 Pedro; incluem-se por vezes a Didaché, o Pastor de Hermas, o Evangelho de Pedro… d) No séc. IV, o cânone está fixado, com alguns matizes conforme as igrejas. Na Igreja grega, Eusébio de Cesareia (morto em 340), reconhece o actual cânone, excepto o Apocalipse; mas em 367, Santo Atanásio, numa carta escrita na Páscoa, fixa o cânone do At e do NT tal como hoje o conhecemos. Na Igreja síria, a versão oficial, a Peshitta, não inclui 2 Ped, 2 e 3 Jo, Judas e Apocalipse. Na Igreja latina, Jerónimo que, de 384 a 395, traduz a Bíblia em latim (a Vulgata), adopta a lista de Santo Atanásio. e) A lista de Santo Atanásio foi aceite no Ocidente em 382, pelo decreto do Papa Dâmaso, a seguir ao Sínodo de Roma; os Sínodos de Hipona (393) e Cartago (397 e 419); na carta do Papa Inocêncio I ao Bispo de Toulouse (405), Sínodo de Trullan (692); e de maneira solene e universal, a 4/2/1442, na Bula Cantate Domino, do Concílio de Florença é definido o cânone actual; no Concílio de Trento, na sessão de 8 de Abril de 1546 é fixado o cânone da Bíblia, tanto do AT como do NT; o Concílio Vaticano I confirmou o de Trento. 1.3. – O Novo Testamento: o seu texto - manuscritos MANUSCRITOS DO NOVO TESTAMENTO. Não possuímos os originais (autógrafos) dos livros do NT, apenas cópias. Dos manuscritos do NT (cerca de 2500), destaca-se duas espécies: papiros e pergaminhos. Os mais importantes são os 266 códices maiúsculos e os 84 papiros. Alguns deles são do séc. II, muito perto da época da redacção do NT; muitas das obras da antiguidade clássica apenas remontam a versões da Época medieval, pelo que o NT é a obra da antiguidade sobre a qual temos maior segurança textual. Entre os manuscritos há pequenas variantes, papel da crítica textual apurar com a maior precisão o texto primitivo (por ex., o mais curto e difícil é o mais provável). PRINCIPAIS PAPIROS. Escritos em material de origem vegetal, mais antigos que os pergaminhos. Nome Sigla Data Lugar Conteúdo Observações Ryland’s P52 120130d.C. - Descoberto em Egipto; - Biblioteca Ryland’s Papiros «Chester Beatty» P45 P46 P47 Séc. III Adquiridos no Egipto por A. Chester Beatty em 1930-1931 - Papiro 45 (trechos dos 4 Evangelhos e Actos); - Papiro 46 (quase todas as cartas paulinas); - Papiro 47 (Apoc 9,10-17,2 com lacunas). «Bodemer II» P66 200d.C. Conservado na Biblioteca de Cologny (Suíça) Jo 1,1-14,26 (quase todo o Evangelho de João) partes de capítulos posteriores; Bodmer XV P75 mais antigo que o anterior Jo 18, 31-33.37-38 10 anos após a redacção do Evangelho de João Grande amplitude e antiguidade contem Lc 3,1824,53 e Jo 1,1-15,8. PERGAMINHOS. Podem ser: maiúsculos (compostos em caracteres maiúsculos, aproximadamente de uma polegada) ou minúsculos. PRINCIPAIS CÓDIGOS MAIÚSCULOS Vaticano B Séc. IV Sinaítico S Séc. IV Alexandrino A Séc. V Efrém C Séc. V Beza ou Cantabrigense D Séc. V Biblioteca Apostólica do Vaticano AT (versão dos LXX); NT (até Heb 8,14c) Descobertos no mosteiro de Santa Catarina (Sinai). Conservado no Museu Britânico desde 1933. AT e NT AT e NT (só algumas lacunas nos Evangelhos e II Cor) Bibloteca de Paris Universidade de Cambdridge Evangelhos e Actos; mais antigo bilingue (latim-grego) CÓDIGOS MINÚSCULOS: Os minúsculos foram escritos a partir do séc. IX. As duas grandes famílias são: a Ferrar e a Lake. Código Vaticano 1.4. – O Novo Testamento: sua composição O NT compõe-se de 27 livros: • Escritos em grego koiné ou comum; fala-se também, como hipótese, num original em aramaico do Evangelho de S. Mateus que se terá perdido…) • Escritos por variados autores; alguns livros da Bíblia são pseudónimos, isto é, atribuídos a uma personagem importante para terem maior aceitação pelo público; • Escritos num período entre 50 e 75 anos; a ordem histórica não é igual à ordem canónica (por exemplo, nos Evangelhos aparece na Bíblia o de Mateus em primeiro lugar, quando na verdade o mais antigo é de Marcos); as datas em que foram escritos não são certas; as Cartas tiveram uma escrita mais rápida, enquanto que os Evangelhos são o resultado de uma longa formação, como vimos. Os 27 livros podem dividir-se em grupos: 1º - LIVROS HISTÓRICOS: os quatro Evangelhos (sendo o de Mateus, Marcos e Lucas os chamados Sinópticos) e os Actos dos Apóstolos (segunda parte da obra lucana); 2º LIVROS DIDÁCTICOS (EPISTOLARES): As Epístolas (13 de S. Paulo, a Epístola aos Hebreus e as 7 católicas (dirigidas a toda a Igreja); por vezes, subdivide-se as Epístolas nestes três grupos); 3º LIVRO APOCALÍPTICO OU ESCATOLÓGICO (também chamado de profético): o Apocalipse. As Cartas de S Paulo são os chamados ESCRITOS PAULINOS; o Evangelho de S. João, a 1, 2 e Carta de João e o Apocalipse, são chamados de ESCRITOS JOANINOS (pertencem à «escola joanina»). 1.5. – O Novo Testamento: os géneros literários No NT podemos distinguir os seguintes géneros (tipo «moldes pré-fabricados») e estilos literários (maneira de se exprimir): 1) O género Evangelho (ver ponto seguinte) que se subdivide em: Evangelhos com tradições da palavra (ditos proféticos, sapienciais, - Parábolas: grande novidade, sem esquema fixo; fazer com que o ouvinte ou leitor, pecador, se reconheça protagonista dessa história. Para Mc, é quase tudo: Cristo falava mediante Parábolas (comparações; Mc 4, 30: “é como”; Mc não é modelo). Modelo é Lc, pois este é mestre na arte de contar Parábolas. Exemplo: A PARÁBOLA DOS DOIS FILHOS - O Filho Pródigo (Lc 15, 11-32). - Relatos de milagres: 1) Constatação da situação; 2) Pedido de intervenção: pessoa ou outrem; 3) Intervenção de Jesus: prova fé da pessoa; afirmação, gesto ou atitude variável; 4) Resultado produzido; 5) Atitude de louvor ou maravilha pela pessoa que é curada (reacção dos espectadores ou do próprio varia). Esquemas não rígidos (nos Sinópticos); Ex.: CURA DO CEGO BARTIMEU (Mc 10, 46-52):. - Relatos de vocação ou de chamamento (dos discípulos): breves; esquema: Cristo olha-os, olhar interpela, reage com a Pessoa; resposta por palavras, deixar tudo sinal de resposta positiva; e depois seguem-No, não fisicamente, mas aceitam-no como projecto de vida. - Relato de discursos: em Mateus os discursos de Jesus são longos (5 discursos como no Dt, como Moisés), noutros são mais breve. - Controvérsia: Discussão verbal (acesa) entre Jesus e escribas e fariseus; com os discípulos não há controvérsia; 1º momento: gesto ou palavra de Jesus (que provoca espanto); 2º momento: debate (formulação pergunta, resposta); 3º: opção: divisão entre as testemunhas: é a reacção (pode ser de admiração); noutros casos é a opção; Mc 12, 13-17: opção: “E ficaram admirados d’Ele”. - Sentença enquadrada (ou inclusão): é mais um procedimento literário; expressão no princípio e fim, ex. Jerusalém; no meio está um pequeno texto, a inclusão; ex. Mt, geração má; palavras flutuantes (ou texto errático): sem sequência lógica e para não se perder essa afirmação de Jesus, dita não se sabe em que contexto, encaixa-se onde se pode. preceitos, parábolas); com tradições da história (controvérsias, relatos de milagres, narrações históricas, história da paixão e outros relatos); 2) Género epistolar (Cartas, ver Cartas paulinas), no qual podemos distinguir: materiais litúrgicos (hinos, confissões de fé e textos eucarísticos), parenese (catálogo de virtudes e vícios, obrigações da família, catálogo das obrigações) e fórmulas (de fé, doxologias). 3) Género ou estilo apocalíptico: presente no Apocalipse de João, mas também nos evangelhos sinópticos (cf. Mc 13 e par.); revela planos Deus linguagem enigmática e codificada, mensagem escondida; simbolismo. 4) Estilo Midrash: presente nos evangelhos da Infância (cf. Mt 1-2 e Lc 1-2). Actualização de muitos textos do AT que se realizam nele. 5) Estilo teofânico e epifânico: Teofania: manifestação de Deus que Se revela. Elementos: “céus rasgaram-se”; Espírito Santo desce como pomba; voz vinda do céu. Epifania é à Revelação aos povos pagãos, personalizados pelos Reis Magos: manifestação de Cristo e de Deus. 6) Narrativização de ideias: os autores do NT, em vez de fazerem afirmações secas, fazem Narrativa: forma bonita de contar ideia, experiência de Cristo ressuscitado. 2. Evangelhos e Actos dos Apóstolos 2.1. – «Evangelho» e «Evangelhos». O género literário Evangelho. EVANGELHO: de origem grega, significa «boa nova», «boa notícia», «notícia que traz felicidade», «anúncio de uma boa nova». De onde vem a palavra «evangelho»? Do AT! O verbo grego «evangelizein» já se usa no AT com o sentido de «anunciar a salvação que Deus concede» (Is 40, 9; 52,7; 60,6; 61,1); é o Deutero-Isaías (profeta do exílio) o primeiro a empregá-la para anunciar o regresso a Jerusalém dos Judeus exilados e deportados para a Babilónia. Apoiando-se neste significado religioso judaico e no uso, também religioso, que então tinha a palavra referida a oráculos ou ao culto imperial, os autores do NT empregam o substantivo grego «evangelion», com o significado de «boa nova»; S. Paulo fá-lo por 60 vezes; mais tarde, no séc. II, emprega-se a palavra «evangelhos» para designar certos escritos («as recordações dos apóstolos»). No NT, «evangelho» significa então: a) a pregação de Jesus ou dos Apóstolos; b) O conteúdo dessa pregação, a «boa nova, o anúncio da chegada do Reino de Deus»). Como esta notícia é única, é evidente que há só um Evangelho. Posteriormente, aos quatro escritos que contêm a pregação dos Apóstolos chama-se «evangelhos». Portanto, há um só Evangelho (uma só «boa nova») escrito de quatro maneiras diferentes a que chamamos «os quatro evangelhos». Cristo é sujeito: é o autor da proclamação da Boa notícia e seguido pelos Seus discípulos; Cristo é objecto ou o conteúdo: Ele é a Boa Notícia, a Sua Morte e Ressurreição. O Evangelho torna-se livro (s): o que foi proclamado oralmente foi passado a livro e o que está em livro remete para a proclamação oral de Jesus Cristo. O Evangelho de Jesus é a totalidade da Boa Notícia de Jesus. GÉNERO EVANGELHO: - Mais do que um relato, são uma mensagem; a preocupação dos Evangelhos não é descrever a vida de Jesus em todos os pormenores (não são Biografia, pois há aspectos poucos ou nada falados, ex. Infância de Jesus e não há compromisso do autor para com o que escreve), mas uma selecção de coisas adequadas ao plano dos Evangelistas; nasce com Marcos; a) São textos teológicos e confessionais: teológicos, porque quem escreve é teólogo (pessoa que fala de Cristo) e vai metendo no meio dos textos seu ponto de vista, que obedece a um plano seu de Fé (não se compara com a reflexão teológica actual, pois reflectem Lei da Vida, as experiências herdadas de Jesus Cristo); cada evangelista é um autor que tem o seu plano pessoal para dar uma visão teológica de Jesus; e são confessionais quem escreve se compromete com o que escreve, pois é cristã. Não se equiparam a nada, nem no AT , nem literatura greco-romana. b) «Que formosos são sobre os montes as pés do mensageiro que anuncia a paz, que apregoa a boa-nova, e que proclama a salvação! Que diz a Sião: «O rei é o teu Deus!» Is 52, 7 «E disse-lhes: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura». Mc 16,15 O EVANGELHO É A BOANOVA, É O PRÓPRIO CRISTO. 2.2. – Os Evangelhos sinópticos e o problema sinóptico Dos quatro evangelhos contidos no Novo Testamento só o de João tem uma orientação, vocabulário e estrutura peculiares; os outros três (os de Mateus, Marcos e Lucas) são tão parecidos e seguem o mesmo esquema, a mesma matéria e até a mesma expressão literária, que se se editassem os seus textos em três colunas paralelas, poderíamos com um relance de olhos encontrar as coincidências e as divergências. A palavra grega «sinopsis» - sinopse - significa «olhadela», «visão de conjunto»; é em virtude das características destes três evangelhos que se lhes chama «sinópticos». A existência destas semelhanças e diferenças entre os três evangelhos constitui o «facto sinóptico». Uma Sinopse é o instrumento mais importante para um trabalho com os três Evangelhos. Pode-se tentar harmonizar os evangelhos num só; contudo, os textos de um evangelho não podem ser ofuscados por trechos de outros Evangelhos, pois têm particularidades. Têm o mesmo esquema (preparação, Galileia, viagem a Jerusalém, Jerusalém, prisão, morte e ressurreição), muito material comum e coincidências textuais, mas o objectivo de cada um é diferente. Alguns números : Marcos é o mais breve: dos 673 versículos, só uns 30 são exclusivamente seus e cerca de 80% se encontram em Mateus e 65% em Lucas; Mateus tem um total de 1068 versículos, tendo de propriamente seus uns 330 (30%); coincide com Marcos em 503 (48%) e com Lucas em 235 (22%); Lucas é o mais longo dos três, pois tem 1149 versículos; deles 548 (48%) só se encontram neste evangelho; uns 350 (31%) também estão em Marcos e 235 (21%) são comuns a Mateus. Todos têm material próprio que não se encontra nos outros Evangelhos. Por exemplo, os relatos do nascimento e da infância de Jesus encontram-se apenas em Mateus e Lucas, e são muito diferentes um do outro. O Sermão da Montanha, que começa com as Bem-aventuranças, é muito extenso em Mateus, breve em Lucas e está ausente em Marcos. O relato da Paixão é essencialmente idêntico nos três. Que explicação têm essas coincidências e diferenças? É o Problema Sinóptico. A princípio pensava-se que o evangelho mais antigo seria o de Mateus e Marcos seria uma síntese dele.. Mas a hipótese mais aceite é a da «teoria das duas fontes (ou quatro)», que tem os pressupostos: a) Marcos é a base dos outros dois, pois é o inventor do género «evangelho». E Marcos baseia-se numa fonte que lhe antecede: «Proto-Marcos», que conteria as acções de Jesus, pois Marcos contém quase só factos e não discursos do Senhor (excepto: Mc 4, 3-34; 13, 227); b) Que o que não está em Marcos, mas em Mateus ou Lucas, consiste quase tudo em discursos recolhidos praticamente da mesma forma, o que faz pensar que os dois beberam na mesma fonte. Esta fonte de informação, diferente de Marcos, é «Q» (do alemão Quella, «fonte»), que conteria uma colecção de ditos de Jesus (os logia), do género “Jesus disse”. Alguns consideram Q uma tradução grega de uma redacção primitiva aramaica cujo autor seria Mateus; c) Que se tem de admitir, outra fonte desconhecida de cada evangelho, especialmente do de Lucas (a fonte Q2), textos independentes que circulavam. Mateus e Lucas têm alguns textos próprios (no gráfico M para Mateus, e L para Lucas), mas Marcos muito poucos. A tradição dum mestre costumava-se reunir em dois blocos: um que narrava os factos, outro que apresentava os ditos ou sentenças. O mesmo teria acontecido com a tradição de Jesus. - Textos de Tradição simples (presente só num; ex.: o Filho pródigo em Lc). -De tradição dupla (estão em Mt e Lc e não em Mc, ex: o sinal de Jonas, Mt 12,38-42; Lc 11,2932); -De tradição tripla (presentes nos três; por ex.: a parábola do semeador: Mt 13,3-23; Mc 4,3-9); Lc 8,5-15). 2.2. – Os Evangelhos sinópticos e o problema sinóptico UM EXEMPLO DE SINOPSE: o texto da cura da sogra de Pedro. Mt 8 14. E entrando Jesus na casa de Pedro, viu a sua sogra no leito, com febre. 15. Tocou-lhe com a mão e a febre deixou-a. E, levantando-se, pôs-se a servi-Lo. Mc 1 29. Saindo da sinagoga. foram para casa de Simão e André. 30. Ora, a sogra de Simão estava de cama com febre. E imediatamente Lhe falaram dela. 31. Aproximando-se. tomou-a pela mão e levantou-a. A febre deixou-a. e ela começou a servi-los. Lc 4 38. Deixando a sinagoga, entrou em casa de Simão. Ora, a sogra de Simão estava com muita febre, e intercederam junto d’ Ele em seu favor. 39. Inclinando-se sobre ela, ordenou à febre e esta deixou-a. Erguendo-se, imediatamente, começou a servi-los. Algumas conclusões: -é um relato com três tradições textuais diferentes, pois cada Evangelista tem a sua visão das coisas, influenciado pelas comunidades cristãs em que se inseriam. - Quanto ao conjunto do texto, Mateus é sucinto, vai directo à questão sem rodeios (não diz donde Jesus vem); Marcos, que costuma ser mais breve, diz de onde Jesus vem e para onde vai; entre Marcos e Lucas as diferenças são poucas. - Em Marcos, Jesus «levantou-a», ou seja a capacidade das curas remete para capacidade de ressuscitar, foi Cristo quem a levantou (o verbo em grego é o mesmo utilizado na Ressurreição de Jesus, sendo alusão a esta; Marcos quer preparar o leitor para esse facto). - Lucas apresenta um texto mais literário, pois é mestre arte de contar (de narrar); utiliza o advérbio «imediatamente» para sublinhar o carácter imediato intervenções Jesus, ficando a pessoa logo curada; é o que mais utiliza “hoje” nos discursos, pois a Salvação em Cristo não é algo do passado, mas é algo acontece agora. -Em Mateus temos só duas personagens, suprime detalhes da cura, os nomes (excepto o de Pedro) e a intercessão da família, centrando a atenção em Jesus e a pessoa curada; «pôs-se a servi-Lo» e não a «servi-los» como nos outros, pois a cura foi completa e aqueles que são salvos por Cristo terão de se entregar a Seu serviço. 2.3. – O Evangelho de S. Mateus SÍMBOLO. Homem, narra a genealogia de Jesus Cristo (tirado de Ez 1,5s e Ap 4,6s, fixado por S. Jerónimo) enquanto homem: por isso, lhe deu um rosto humano. Transformando depois em anjo, evocando talvez a cena da anunciação do nascimento de Jesus. AUTOR. Tradicionalmente é o Apóstolo Mateus. O testemunho mais antigo desta tradição é o de Papias, bispo de Hierápolis (actual Turquia), por volta de 130: «Mateus ordenou (compôs) as palavras (logia) do Senhor em língua hebraica (aramaico) e cada um as interpretou como pôde» (Eusébio, H.E., III, 39). Seria um homem que redigiu as palavras recolhidas por Mateus? Indícios internos que poderiam indicar S. Mateus como autor são: o facto de só em Mt 9,9 se dar ao cambista convertido o nome de Mateus e o título nada honroso de «publicano» (Mt 10,3); além disso, é ele que fala mais frequentemente em dinheiro, indicando com maior exactidão técnica as classes de moedas ou tributos. De qualquer forma é um homem culto, de origem judaica, um escriba habituado a explicar as Escrituras e a redigir documentos; escreve num grego melhor do que o de Marcos e parece mais uma adaptação da redacção aramaica (a que Papias se refre) do que uma tradução do aramaico para o grego. A sua ligação cronológica não costuma ter valor temporal. ONDE, QUANDO E PARA QUEM FOI ESCRITO? Foi escrito, quase de certeza, em Antioquia da Síria; data: entre 80-90 (embora outras teorias mais antigas digam que foi composto em 68, data bastante improvável); dirige-se a crentes provenientes do judaísmo (judeocristãos). Uma análise interna do Evangelho leva a concluir isso: refere-se constantemente às Escrituras («Isto aconteceu para que se cumprisse…»); o seu modo de se exprimir é judeu (fala do Reino dos céus, 51 vezes, e não do Reino de Deus, porque os judeus não gostam de pronunciar o nome de Deus; gosta de repetições e paralelismos, agrupamentos numéricos (7 parábolas, 7 pães e 7 cestos, etc…); encontramos inúmeras alusões a costumes judaicos («oferta perante o altar», «orar para ser visto»…) DIVISÃO DO LIVRO. Esquema clássico sinóptico; O ponto culminante é o Sermão da Montanha, começando pelas Bem-aventuranças. e o instrui em 5 discursos como 5 são os livros da lei que se atribuíam a Moisés Tem 5 secções: Começa por um prólogo (nascimento e infância de Jesus, 1-2), o anúncio do Reino dos céus (3-7), os segredos do Reino dos céus (11,1-13,52), a Igreja como sinal do Reino dos céus (13,53-18,35), a última vinda do Reino dos céus (19-25) e o epílogo (Paixão e Ressurreição de Jesus, 26-28). Cada uma das partes inclui um trecho narrativo e um discurso. Não existe oposição entre Galileia e Jerusalém; Jesus prega só aos judeus; na Galileia começa a expansão pelo mundo. CARACTERÍSTICAS DE MATEUS. É o mais judaico dos evangelhos, como vimos; Mateus é um docente; a sua preocupação é mostrar que Jesus é o novo Moisés ou Messias (Emmanuel: Deus connosco) que organiza o seu povo (a comunidade dos crentes); Jesus veio para cumprir as Escrituras: «Assim se cumpriu o oráculo de…»; Há uma monotonia na narração de milagres: apenas aparece Jesus e a pessoa em causa, para centrar a cena em Jesus e realçar Sua grandeza; É o «evangelho eclesial»: desenrola-se num ambiente litúrgico: os discípulos que adoram o seu Senhor na comunidade estão presentes nos discípulos que acompanham Jesus pelos caminhos da Palestina; além disso, centra-se no Reino de Deus e no seu esboço da Igreja (que na terra, é a projecção visível do Reino dos céus, simbólica e provisória: é o único evangelho onde aparece a palavra ekklésia («assembleia» ou «Igreja», Mt 16,18; 18,18); É o evangelho mais famoso, o mais longo e o mais comentado de sempre. «Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela.» Mt 16,18 2.4. – O Evangelho de S. Marcos SÍMBOLO. Por causa de começar o seu evangelho por João baptista, poderosa voz que clama no deserto, o seu símbolo é o leão. AUTOR. Tradicionalmente é João Marcos de quem fala os Actos (Act 12,12); parte em missão com o seu tio Barnabé e Paulo, mas «abandona-os» quando embarcam para a Ásia Menor e prefere voltar para a casa da mãe (Act 13,5.13); mais tarde, Paulo recusar-se-ia a levá-lo para a segunda missão e este incidente será o motivo de separação de Barnabé (Act 15,36s); mas voltarão a fazer as pazes, pois vamos encontrar Marcos ao lado de Paulo durante o seu cativeiro em Roma (Col 4,10) e Pedro refere na sua carta que Marcos, seu filho, está com ele em Roma (1 Ped 5,13). É ele que cria a forma literária «Evangelho», palavra com a qual inciia a sua obra: «Princípio do Evangelho de Jesus cristo, Filho de Deus» (1,1). ONDE, QUANDO E PARA QUEM FOI ESCRITO? Foi escrito em Roma; foi o primeiro dos quatro evangelhos a ser escrito, entre os anos 64 e 70, isto é, depois da morte de Pedro e antes da destruição de Jerusalém; dirige-se aos cristãos não-judeus de Roma; por isso, Marcos explica-lhes os costumes judaicos (Mc 7,3-4…), traduz as palavras originais aramaicas (Mc 3,17-22…), usa termos romanos (Mc 4,21…), cita pouco o At, desconhecido dos pagãos e não é por acaso que é nele que um centurião romano confessa ao pé da cruz que Jesus é o Filho de Deus. DIVISÃO DO LIVRO. 1ª parte: revelação progressiva de Jesus-Messias (1,14-8,26); a cena central é o testemunho de Pedro: «Tu és o Cristo» (8,27-30); 2ª parte – Que Messias? (8,31-10,52); 3ª parte: ministério em jerusalém e cumprimento da missão (11-13-14-16). Há contrastes entre Galileia e Jerusalém: na Galileia, região influenciada pelo paganismo, Jesus anuncia a Boa Nova e é escutado, ao contrário de Jerusalém; assim, a geografia é teológica e cheia de significado. CARACTERÍSTICAS DE MARCOS. O seu estilo é popular, não teme as repetições, certas frases são pouco correctas, parece ser um judeu que se exprime mal em grego com um vocabulário pouco variado; os discursos de Jesus são breves, com poucas parábolas, mas as narrações são mais desenvolvidas; de facto, Marcos é um contador maravilhoso: os seus relatos são concretos e vivos, suscita a emoção; vinca o segredo messiânico, a pessoa de Jesus é rodeada por um certo enigma (Jesus recusa dizer quem é e proíbe que o divulguem); de facto, não queria ser compreendido como o Messias que esperavam, como um rei que os libertaria dos romanos! A sua preocupação fundamental é: «Quem é este?», a sua revelação progressiva. Jesus é apresentado como muito humano (come, dorme, fala, ora, zanga-se no Templo, irrita-se com os discípulos, realça o olhar de Jesus, de cólera, de interrogação, de amor; Jesus não sabe tudo, está angustiado com a morte, morre desesperado..); Jesus não deixa ninguém indiferente; é muitas vezes incompreendido, está só; Jesus é o Filho do homem (título mais frequente em Marcos): em si significa homem, mas quando se relaciona com Dn 7 toma o sentido elevado de Ser celestial a quem Deus entrega o seu julgamento; é o Filho de Deus, que aparece como vértice da fé à qual Marcos quer conduzir o seu leitor, dito logo na introdução (1,1) e proclamado pelo centurião ao pé da cruz (Mc 15,39) «Jesus partiu com os discípulos para as aldeias de Cesareia de Filipe. No caminho, fez aos discípulos esta pergunta: «Quem dizem os homens que Eu sou?» Disseram-lhe: «João Baptista; outros, Elias; e outros, que és um dos profetas.» «E vós, quem dizeis que Eu sou?» - perguntou-lhes. Pedro tomou a palavra, e disse: «Tu és o Messias.» Ordenou-lhes, então, que não dissessem isto a ninguém». Mc 8,27-30 2.5. – O Evangelho de S. Lucas SÍMBOLO. Começa pelo sacrifício de Zacarias; o seu símbolo é um touro, animal por excelência dos sacrifícios. AUTOR. Tradicionalmente, desde o séc. II, reconhece-se em Lucas o «caríssimo» médico (Col 4,14) que acompanha Paulo de Tróade a Filipos onde permanece, entre 50 e 58; junta-se a Paulo em Mileto, segue-o até Cesareia e depois até Roma (segundo Actos onde emprega «nós»); talvez originário de Antioquia, é de ascendência pagã (ou helenista?); culto, maneja com certa elegância a língua grega então falada (a «koiné»). Por ser médico é natural que o seu vocabulário em questões médicas seja muito técnico. A originalidade deste autor seria a de ter escrito a obra em dois volumes: o Evangelho de Lucas e os Actos dos Apóstolos; e como era costume entre os greco-latinos, dedica as duas partes a um tal Teófilo. ONDE, QUANDO E PARA QUEM FOI ESCRITO? O lugar em que se escreveu é muito incerto: Grécia, Alexandria, Antioquia, Filipos ou até Roma! A data mais aceite é à volta do ano 80; é dirigido a cristãos não-judeus, antigos pagãos de mentalidade helenista; usa palavras mais próximas deles e evita as expressões judaicas difíceis de compreender para os gregos; evita a palavra «transfiguração» , que em grego se diz «metamorfose» para que não se confunda com as metamorfoses dos deuses gregos. DIVISÃO DO LIVRO. Introdução (1,1-4,13), Ministério na Galileia (4,14-9,50), Jesus a caminho de Jerusalém (19,29-24,53) e Jesus em Jerusalém (19,29-24,53), com a ceia pascal, paixão, ressurreição, aparições e ascensão. É em Jerusalém que tudo começa (anúncio do nascimento de João Baptista ao sacerdote Zacarias) e acaba: o plano da narração é a subida da Galileia a Jerusalém. CARACTERÍSTICAS DE LUCAS. É o mais completo e preciso dos evangelistas. É o mais «moderno» dos evangelhos; da sua cultura grega o autor conserva o gosto pela clareza, maneja com elegância a língua grega; o seu estilo harmonioso leva-o a suprimir algumas repetições (por exemplo, temos uma só multiplicação de pães), o seu estilo delicado leva-o a suprimir cenas de violência ou palavras duras e ofensivas: por exemplo, a morte de João Baptista e os insultos durante a Paixão; além disso, o Jesus de Lucas comporta-se com grande delicadeza com os pobres, os marginalizados, as mulheres ou os pecadores; apresenta parábolas de grande riqueza: a do Pai misericordioso, a do Bom samaritano, etc: é o Evangelho da misericórdia e do perdão. Para Lucas, Jesus é o Senhor (é o único que chama Senhor a Jesus); é o Salvador, o Profeta. Por outro lado, o Espírito Santo é o verdadeiro protagonista do Evangelho de Lucas (presente em jesus na sua concepção, no Baptismo, o Espírito conduz Jesus ao deserto, é prometido aos Apóstolos, etc.). A salvação é universal, para todos os povos, judeus ou pagãos e comunicá-lo a todos os pagãos é obra da Igreja (por isso, a genealogia de Jesus não começa em Abraão como diz Mateus, mas sim remonta a Adão); a salvação não é algo que aconteceu, mas que acontece agora: é o «hoje» de Lucas. É o evangelho da oração: Jesus ora antes das etapas fundamentais da Sua vida (antes da eleição dos Doze, antes da confissão de Pedro, etc.), os discípulos devem rezar à imitação de Jesus, com insistência, confiança… ; oferece à piedade cristã três cânticos de louvor: o Benedictus, o Manificat e o Nunc dimittis, sem esquecer o Gloria in excelsis da missa! Outra característica é a alegria: a alegria messiânica está presente pela salvação, é o sinal da plenitude e felicidade do discípulo que segue o Senhor. Realça-se ainda o papel de Maria. «Jesus, lembra-te de mim, quando estiveres no teu Reino.» Ele respondeu-lhe: «Em verdade te digo: hoje estarás comigo no Paraíso.» Lc 23, 43 2.6. – O Evangelho de S. João SÍMBOLO. Começa com uma página sublime sobre a geração eterna do Verbo; o seu símbolo é a águia, animal das alturas, que distingue João evangelista, pelos altos voos do seu pensamento. AUTOR. Tradicionalmente, atribui-se ao apóstolo João, sendo provável que na sua origem esteja a sua personalidade; mas a obra foi-se formando em várias etapas até à sua redacção final pelos anos 95-100. Podemos pensar numa «escola joanina», grupo de discípulos que meditavam e aprofundavam os ensinamentos do apóstolo. ONDE, QUANDO E PARA QUEM FOI ESCRITO? Foi escrito numa comunidade da Ásia Menor, provavelmente em Éfeso. Na sua redacção actual a sua data deve ser próximo do ano 100; no entanto, a primeira versão poderia ter aparecido ao mesmo tempo que Mateus e Lucas. João escreve para os cristãos de Éfeso, cidade-encruzilhada das diferentes influências culturais gregas e judaicas (para judeus e pagãos), influenciada pela filosofia grega, pela tentação do gnosticismo, familizarizada pelos grandes temas do AT (Êxodo, cordeiro pascal, maná, água, vinha, etc.) e conhecedora da espiritualidade dos Essénios (oposição luz-trevas, verdade-mentira…). DIVISÃO DO LIVRO. Em termos muito gerais pode dividir-se em três partes: o Prólogo (1,1-18), hino sobre Cristo que anuncia os grandes temas do Evangelho: «No princípio já existia o Verbo; o Verbo estava em Deus; o Verbo era Deus…» (1,1); o livro dos sinais (Jo 1,19-12,50): Jesus dirige-se às multidões; expõe os temas da fé, da luz, da vida; e o livro da paixão ou da Hora (Jo 13,1-21,25): Jesus convive muito de perto com os discípulos; o tema do amor é central; nesta parte destaca-se o Mandamento do Amor e a Oração sacerdotal (17). João, apesar de conhecer bem a geografia do país, não dá nenhum significado teológico aos lugares. CARACTERÍSTICAS DE JOÃO. Não é sinóptico, segue uma estrutura e linguagem própria, é o evangelho mais teológico, fruto de um amadurecimento mais demorado da fé. Dentre o que Jesus fez, escolhe o que pode servir ao leitor para se convencer de que Jesus é o Filho de Deus (Jo 20,30-31). Tem um vocabulário especial (amor, verdade, conhecer, vida, testemunho, mundo, pai, luz, enviar, judeus…), mas ao mesmo tempo pobre; parte de realidades concretas, mas mostra como nos podem fazer ascender a uma realidade superior, são simbólicas. Por vezes a linguagem é feroz: especialmente nas disputas com os fariseus, por ex.: «Vós tendes por pai o diabo (…) Quem é de Deus escuta as palavras de Deus; vós não as escutais porque não sois de Deus» (Jo 8,44 e 47); isto deve-se em grande parte a que os judeus, por volta do ano 80 expulsam os judeo-cristãos das sinagogas. João prefere os grandes conjuntos unificados: nada de relatos rápidos de milagres como nos sinópticos, tem discursos abundantes, ocasiões de catequese. O pensamento progride em espiral: em cada conjunto encontramos todo o seu pensamento, mas quando o reatamos, com o conjunto seguinte, somos levados a aprofundá-lo. Fala muitas vezes em «judeus», mas não se refere à raça, mas àqueles que não aceitaram Cristo; João, como judeu de raça, não é «judeu»; mas um pagão que recusa Cristo podia ser apelidado de «judeu». Fala muitas vezes na hora, à qual Jesus caminha durante grande parte do Evangelho: chega na Sua Última ceia. «Assim como o Pai me tem amor, assim Eu vos amo a vós. Permanecei no meu amor. Se guardardes os meus mandamentos, permanecereis no meu amor, assim como Eu, que tenho guardado os mandamentos do meu Pai, também permaneço no seu amor. Manifestei-vos estas coisas, para que esteja em vós a minha alegria, e a vossa alegria seja completa. É este o meu mandamento: que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei». Jo 15,9-12 2.7. – Breve resenha comparativa dos Evangelhos EVANGELHO SINÓ PTI CO S MATEUS Símbolo Homem (ou Anjo) Autor Onde, quando e para quem? -Antioquia Mateus da Síria -Entre 80-90 -Para cristãos provenientes do judaísmo -Em MARCOS Leão João Marcos Roma; -Entre 64 e 70; -Para nãojudeus de Roma. -Local LUCAS Touro (ou boi) Lucas incerto; -Por volta de 80; -Para cristãos provenientes do helenismo. -Em JOÃO Águia João Éfeso?; -Por volta de 100; -Comunidade com influências diversas Características -O mais «judaico» dos evangelhos (Reino dos céus e não de Deus, expressões semitas, conhece bem os ritos judaicos…); -O mais longo, mais famoso e mais comentado; -Jesus é o novo Moisés, que veio para cumprir as Escrituras; -Único onde aparece a palavra «Igreja»; -«Evangelho eclesial»: desenrola-se num ambiente litúrgico. -O mais breve dos evangelhos; -Estilo popular, linguagem pobre, poucos discursos, mas é um contador maravilhoso que suscita a emoção; -Preocupação: «Quem é Jesus?»: revelação progressiva: segredo messiânico, Jesus proíbe de dizer quem é; no final o centurião diz que é o Filho de Deus; -Retrata um Jesus muito humano (dorme, irrita-se, tem medo…), que é incompreendido e está muitas vezes só; -Jesus é o Filho do Homem e o Filho de Deus. -Maneja com elegância o grego; -É o evangelho da misericórdia e do perdão; Evangelho dos pobres, marginalizados, doentes… evangelho da alegria; Universalidade da salvação; a salvação acontece agora «hoje»; -O Espírito Santo é protagonista; -Evangelho da oração; -Evangelho de Nossa Senhora; -É o mais elaborado teologicamente, não é sinóptico; -O objectivo é levar a reconhecer que Jesus é o Filho de Deus; -Vocabulário pobre, mas com significado especial (luz, vida, amor, pão…), simbolismo que leva para realidades mais elevadas; o pensamento é muito elaborado; -Os fariseus são mal retratados em virtude das condicionantes históricas (exemplo: a expulsão dos cristãos das sinagogas). 2.8. – Os Actos dos Apóstolos AUTOR. Desde o séc. II é considerado a segunda parte da obra de Lucas. O livro inicia por aquilo com que termina o Evangelho de Lucas: o relato da Ascensão em Jerusalém; a dedicatória inicial é a mesma (ao tal Teófilo, «amigo de Deus»); o estilo é o mesmo; as secções «Nós» nos Actos referir-se-ia ao período de cativeiro de Paulo, em Roma, durante o qual Lucas «nosso caríssimo médico» (cfr. Col 4,14) acompanhou o Apóstolo das gentes. ONDE, QUANDO E PARA QUEM FOI ESCRITO? Foi escrito na qualquer lugar da Ásia Menor, Acaia ou Antioquia, ou até Roma, entre os anos 75 e 80; destina-se a cristãos provenientes do mundo greco-romano; quer demonstrar-lhes que a origem da missão universal da Igreja radica no testemunho da primeira comunidade judaico-cristã de Jersualém. DIVISÃO DO LIVRO. Pode-se dividir em duas grandes partes: 1ª parte (Act 1,1-15,35): das origens ao Concílio de Jerusalém (é uma parte sem grande coerência, sendo um mosaico de diversos episódios, em que o único traço que os une é que todos dão exemplo do progresso do cristianismo nascente); 2ª parte (Act 15,36-28,31): de Jerusalém a Roma: Paulo (é o relato de uma viagem que conduz Paulo de Tarso de Antioquia até Roma, onde morre). Na 1ª parte predomina a figura de Pedro e a Igreja de Jerusalém; na 2º, a figura de Paulo e atinge dimensão universal. COMPOSIÇÃO. Para a elaboração dos Actos, Lucas inspira-se em modelos historiográficos utilizados já por Políbio, Tácito, Tito-Lívio, Flávio Josefo, etc. O relato é dramatizado: a finalidade é prender a atenção do leitor (por exemplo: o Pentecostes, o martírio de Estêvão, a conversão de Cornélio, o Concílio de Jerusalém, etc.); os discursos inseridos nas sequências narrativas como diálogos directos entre o herói e o leitor, que exprimem a profunda lição da história contada; os sumários ou sínteses preenchem as lacunas existentes nos episódios relatados, sobretudo nos cinco primeiros capítulos, para cuja redacção o autor só dispõe de informações fragmentárias. FINALIDADE E TEOLOGIA. Não pretendem ser a história da Igreja primitiva, nem um tratado de apologética, nem o «catálogo» dos feitos apostólicos de Pedro e Paulo. São a narração da origem e difusão vitoriosa do cristianismo, sob a acção do Espírito Santo; o cristianismo, nascido sob matriz judaica torna-se acontecimento universal. Assim, o grande protagonistas dos Actos é o Espírito Santo: por isso pode ser chamados de «o Evangelho do Espírito». Há uma continuidade entre o «tempo de Jesus» e o «tempo da Igreja»: o Espírito Santo, que esteve presente nos momentos mais importantes da vida e ministério de Jesus ,está agora também presente nos momentos decisivos da vida da Igreja. O «tempo da Igreja» é também tempo de salvação, de decisão, pois a Igreja continua agora o hoje salvífico inaugurado em Jesus. A tarefa principal deste tempo é a missão entre os pagãos, tempo de cumprimento enquanto realiza tudo o que Jesus tinha prometido, tempo de alegria e consolação, de dores e perseguições, em que está presente o Espírito Santo. «Entretanto, a Igreja gozava de paz por toda a Judeia, Galileia e Samaria, crescia como um edifício e caminhava no temor do Senhor e, com a assistência do Espírito Santo, ia aumentando». Act 9, 31 3. As Cartas de S. Paulo (Escritos Paulinos) 3.1 – O género epistolar e as epístolas de S. Paulo AS CARTAS NA BÍBLIA. Dos 27 livros do NT, 21 são chamados épistolai, “cartas”; nenhum livro do AT é assim designado; esta forma impôs-se amplamente com Paulo de tarso. A carta é um género de comunicação e de expressão bem atestada na Antiguidade, como no Egipto, Babilónia; no At há resumos de correspondência oficial (2Sam 11, 14-15…), há a Carta de Jeremias aos exilados e as cartas nos Macabeus, etc. CARTA OU EPÍSTOLA. CARTA: comunicação ocasional e privada entre duas pessoas, sendo um documento pessoal, confidencial, com estilo livre, habitualmente familiar; pode haver cartas oficias destinadas a um grupo de indivíduos. EPÍSTOLA: peça de literatura, assemelha-se ao diálogo e ao drama; a sua mensagem destina-se a ser divulgada e tem por destinatário um público que pode ser muito alargado; muitas das cartas do NT foram em primeiro lugar Cartas em sentido estrito: mas a sua inserção num conjunto instituído transforma-as em peças públicas e literárias, adquirindo o estatuto de epístolas. É o género epistolar, o mais antigo e mais abundante do NT. ESTRUTURA E REDACÇÃO DAS CARTAS. As cartas do mundo greco-romano têm três partes: 1ª - Fórmula de abertura ou praescriptio: uma frase com o nome do expedidor e o endereço, bem como uma breve saudação; por ex. em 1Mac10, 18: «O rei Alexandre ao nosso irmão Jónatas, saúde» ou Actos 23,26, etc.; 2ª - corpo; 3ª - Saudação final: o equivalente ao latim vale. Nas cartas oficiais acrescentam-se muitas vezes a data; na Antiguidade existiam quatro maneiras diferentes de escrever cartas: pessoalmente; ditar palavra por palavra; ditar-se o sentido a um secretário que seguidamente a redige; encarregar alguém de escrever em seu nome. S. Paulo parte sempre de uma experiência pastoral concreta, relacionada com as dificuldades e problemas existentes nas comunidades cristãs (contexto vivencial); daí S. Paulo desenvolve a teologia e as orientações pastorais; são um instrumento de apoio à missionação. PLANO DAS CARTAS DE PAULO. Paulo escreve como na sua época: endereço (Fulano, saudações!) Paulo escreve o seu nome e de seus colaboradores; nomeia os seus correspondentes e cumprimenta-os; Oração: uma breve prece; Corpo da carta: compõem-se de duas partes: a doutrinal (Paulo desenvolve um ponto doutrinal importante ou mal compreendido dos cristãos; Paulo esclarece e forma) e a exortação (parénese, que deduz a maneira de se comportar, a moral advinda da doutrina que explicou); Saudações: termina contando novidades dos seus colaboradores e saudando os cristãos; concluí com uma breve fórmula de bênção. Por exemplo a Carta aos Romanos, começa com uma longa saudação inicial e exortação; dos VV 11 a 36 é a parte doutrinal; Paulo começa por dar formação, por dar doutrina; nos Actos Paulo não faz nada sem consultar os Apóstolos, pois não convinha remar contra eles; as formas verbais que mais se repetem são os imperativos (ordens), o conjuntivo e o verbo exortar; tudo para agir no sentido de uma vida condigna, adaptada ao Evangelho; na Conclusão retoma o objectivo da Carta (o tema é o Evangelho) e no cap. 16 são as recomendações, ou seja os cumprimentos e saudações finais. «Paulo, apóstolo de Cristo Jesus, por mandato de Deus, nosso Salvador, e de Cristo Jesus, nossa esperança, a Timóteo, verdadeiro filho na fé: graça, misericórdia e paz da parte de Deus Pai e de Cristo Jesus, Nosso Senhor». 1 Tm, 1-2 3.2. – As Cartas de S. Paulo CRONOLOGIA DAS CARTAS DE PAULO. Os seus escritos são os primeiros do NT; escreveu a partir da tradição oral já desenvolvida e depois a partir de alguns textos escritos. Entre 51 e 63, escreve inúmeras Cartas às comunidades que visitava, ficando a fazer parte do cânone do Novo Testamento. As datas aproximadas de redacção são as seguintes: 51 - 1 e (?) 2 Tessalonicenses; 55 - 1 Coríntios; 56-57 - Filipenses, 2 Coríntios; 57 – Gálatas; 58 – Romanos; 60 - (?) Efésios; 61-63 - Filémon, Colossenses; 63-64 - 1 e 2 Timóteo e Tito. Assim, no Novo Testamento, 13 cartas são atribuídas a Paulo. Uma décima quarta, foi-lhes por vezes agrupada (aos hebreus). 5 conselhos para a leitura das cartas. A sua vida: conhecer a vida de São Paulo (EFC 3); O contexto: histórico, social e cultural de Paulo e das comunidades a que se dirige; O enredo da narrativa: identificar a corrente narrativa de cada documento; O desenvolvimento do seu pensamento: as cartas reflectem o amadurecimento do seu pensamento, da sua teologia; Os herdeiros de Paulo: confrontar o seu pensamento com as épocas sucessivas à sua morte. EPÍSTOLA AOS ROMANOS. Temas fundamentais: necessidade universal de salvação e da fé; o pecado e a redenção pela fé que transforma o homem em “filho de Deus”; a graça que Deus comunica àqueles que crêem na sua “justiça”, adquirida pela obediência a Cristo, fonte da vida. «Mas agora, que estais libertos do pecado e vos tornastes servos de Deus, produzis frutos que levam á santificação, e o resultado é a vida eterna. É que o salário do pecado é a morte; ao passo que o dom gratuito que vem de Deus é a vida eterna, em Cristo Jesus, Senhor nosso». Rm 6, 22-23 EPÍSTOLAS AOS CORÍNTIOS: 1 e 2. Em Corinto funda uma comunidade forte; é berço de cultura grega, onde se confrontam correntes filosóficas e religiosas muito fortes, onde a depravação dos costumes ficou célebre; para resolver problemas daí advindos, Paulo escreve duas cartas; 1ª Carta: celebração da “refeição do Senhor” (11,17-34); hino à caridade (13); ressurreição dos mortos (15); 2ª Carta: apelo à solidariedade fraterna entre cristãos (8, 115). «Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver caridade, de nada me aproveita». 1 Cor 13, 3 Classificam-se em três categorias: a) As cartas efectivamente escritas por Paulo: 1 Tessalonicenses, Gálatas, Filémon, 1 e 2 Coríntios, Romanos e Filipenses; b) As cartas cuja redacção directa por Paulo é duvidosa: 2 Tessalonicenses, Colossenses e Efésios, talvez imputáveis a um discípulo; c) As cartas de que Paulo pode ser talvez o pseudónimo: 1 e 2 Timóteo e Tito. Estas dúvidas em relação á sua autenticidade em nada retira o valor de livros inspirados. -Cartas Pastorais (Tito, Filémon e 1 e 2 Timóteo), que não se dirigem às comunidades, mas sim a pastores das mesmas; - Cartas Comunitárias (aos Coríntios, Efésios, Romanos, etc.), que se dirigem a uma comunidade específica; há cartas que são do punho de Paulo e noutras diz-se que o seu secretário escreveu; -Grandes Epístolas (Romanos, 1 e 2 Coríntios, Gálatas); -Cartas de Cativeiro (foram escritas por Paulo na prisão; encontra-se aí por causa do Evangelho de Jesus Cristo são as endereçadas aos Filipenses, Filémon, Colossenses e Efésios, ). Paulo dá a entender que é autor de mais algumas cartas, que se perderam: por exemplo, haveria uma outra carta aos Coríntios, de que fala a 1 Cor 5, 9; em Colossenses 4, 16, evoca uma carta aos cristãos de Laodiceia. A ordem das cartas de Paulo no Novo Testamento explica-se pela ordem decrescente de extensão. 3.2. – As Cartas de S. Paulo EPÍSTOLA AOS GÁLATAS. O perigo vem da intransigência dos convertidos do judaísmo: dizem que não podem salvar-se sem a circuncisão; Paulo diz que a Lei “antiga” tem os limites de uma etapa provisória; a salvação vem pela fé em Jesus Cristo e pela prática da verdadeira liberdade cristã. «Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem e mulher, porque todos sois um só em Cristo Jesus. E se sois de Cristo, sois então descendência de Abraão, herdeiros segundo a promessa». Gl 3, 28-29 EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS. Síntese admirável do pensamento de Paulo; fala das insondáveis profundidades da redenção (Ef 3,18); Cristo é princípio e cabeça de uma nova humanidade (5, 23); na Igreja, Corpo de Cristo, restabelece-se a unidade da humanidade (4,3-16); o que está na Igreja, está em Cristo. EPÍSTOLA AOS FILIPENSES. Escreve três bilhetes de exortação, depois reunidos numa única carta, em resposta à ajuda financeira que a comunidade de Filipos lhe envia. De assinalar um cântico litúrgico belo em honra de Cristo (2, 6-11). «Ele, que é de condição divina, não considerou como uma usurpação ser igual a Deus; no entanto, esvaziou-se a si mesmo, tomando a condição de servo. Tornando-se semelhante aos homens e sendo, ao manifestar-se, identificado como homem… ». Fl 2, 6-7 EPÍSTOLA AOS COLOSSENSES. Dá resposta a uma crise da Igreja de Colossos (Ásia Menor). Paulo aproveita a ocasião e aprofunda a doutrina sobre a pessoa e a função de Cristo, “chefe” da Igreja e da Criação inteira. Reflecte as pregações por ocasião do baptismo dos cristãos. É um texto por vezes difícil. Fixa os preceitos da vida cristã (3, 5-17). EPÍSTOLAS AOS TESSALONICENSES: 1 e 2. São os documentos mais antigos do NT. Paulo conforta uma comunidade desconcertada após a sua partida precipitada. Reflecte profundamente sobre a Ressurreição, o “dia do Senhor”, sobre a esperança cristã. Nota-se a exortação á disciplina e ao trabalho enquanto se aguarda a parusia ou regresso do Senhor no fim do mundo. «Na verdade, quando ainda estávamos convosco, era isto que vos ordenávamos: se alguém não quer trabalhar também não coma». 2 Ts 3, 10 «Há um só Corpo e um só Espírito, assim como a vossa vocação vos chamou a uma só esperança; um só Senhor, uma só fé, um só baptismo; um só Deus e Pai de todos, que reina sobre todos, age por todos e permanece em todos. Mas, a cada um de nós foi dada a graça, segundo a medida do dom de Cristo. ». Ef 4, 4-7 «Portanto, já que fostes ressuscitados com Cristo, procurai as coisas do alto, onde está Cristo, sentado à direita de Deus. Aspirai às coisas do alto e não às coisas da terra». Cl 3, 1-2 EPÍSTOLAS A TIMÓTEO: 1 e 2. EPÍSTOLA A TITO. Semelhantes entre si quanto ao fundo, forma e situação que deixam entrever. São dirigidas a personalidades a quem Paulo confiou muitas vezes missões especiais junto das Igrejas. Contêm instruções práticas para a organização e animação das comunidades cristãs. O estilo é diferente das outras cartas e pensa-se ter sido algum discípulo a escrevê-las. Paulo preocupa-se em conservar a “sã doutrina” e “guardar o depósito” da fé. EPÍSTOLA A FILÉMON. Curta mensagem; Paulo reenvia ao seu destinatário o escravo fugitivo que baptizou; apesar da lei, pedelhe que o receba como irmão. «Para que o recebas para sempre, não já como escravo , mas muito mais do que um escravo: como irmão querido». Flm 15-16 «Virão tempos em que o ensinamento salutar não será aceite, mas as pessoas acumularão mestres que lhes encham os ouvidos, de acordo com os próprios desejos. Desviarão os ouvidos da verdade e divagarão ao sabor de fábulas». 2 Tm 4,3-4 4. Outras Epístolas (Carta aos hebreus e Cartas Católicas) 4.1. – A Epístola aos Hebreus e as Epístolas católicas EPÍSTOLA AOS HEBREUS. A tradicional “carta de São Paulo aos Hebreus” não é uma carta, não é de Paulo e não é dirigida aos Hebreus! Pensou-se que seria de Paulo, mas pela forma de raciocínio, mais judaico, não espelha o pensar de Paulo; será posterior, de algum dos seus discípulos. O género literário é homilético e não epistolar e os seus destinatários não são apenas os judeo-cristãos, mas sim toda a comunidade de crentes. É uma síntese da doutrina cristã, pondo em confronto o AT e o NT e demonstrando a insuficiência do sacerdócio, da aliança e do culto – que só atingem a sua plenitude na paixão, morte e ressurreição de Jesus. É nesta oferta pessoal e perfeita, realizada de uma vez por todas, que assenta a novidade e força do culto cristão destinado a transformar a vida dos crentes. «Muitas vezes e de muitos modos, falou Deus aos nossos pais, nos tempos antigos, por meio dos profetas. Nestes dias, que são os últimos, Deus falou-nos por meio do Filho». Heb 1,1-2 CARTAS CATÓLICAS. Dirigidas a toda a Igreja (católico = universal) e não a comunidades ou pessoas concretas. São 7: EPÍSTOLA DE TIAGO. O seu ensinamento é sobretudo moral. É uma síntese dos preceitos bíblicos e das palavras de Jesus, sobretudo do Sermão da Montanha. É sublinhada a importância das “obras” como expressão da verdadeira fé. Os seus temas são: o acolhimento da Palavra; a fé activa; e o justo relacionamento entre ricos e pobres. EPÍSTOLAS DE JOÃO: 1, 2 e 3. Escritas em Éfeso por um autor anónimo (ou por João?) pertencente à escola joanina, previnem os cristãos contra os riscos da «gnose». Ao submeter a debate a plena humanidade de Cristo, a gnose acaba por iludir o homem como se já vivesse num estado de iluminação e perfeição. A 1ª atira-se a esses erros, reafirmando a importância da união entre o crente e Deus, por meio de Jesus Cristo. A 2ª é um convite ao amor mútuo e à protecção contra os falsos doutores; e a 3ª é um “bilhete” dirigido ao presbítero Gaio, com o objectivo de o apoiar no seu serviço à verdade. «De que aproveita, irmãos, que alguém diga que tem fé, se não tiver obras de fé? Acaso essa fé poderá salvá-lo?» Tg 3, 14 «Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama nasceu de Deus e chega ao conhecimento de Deus. Aquele que não ama não chegou a conhecer a Deus, pois Deus é amor» 1 Jo 4, 7-8 EPÍSTOLAS DE PEDRO: 1 e 2. A primeira é obra do apóstolo, ou antes, do seu secretário Silvano. O seu objectivo é fortalecer a fé dos destinatários no meio das provações que estão a passar. Encontra-se um resumo do ensinamento cristão da época, centrado no baptismo. A segunda não é do apóstolo, sendo o escrito mais tardio do NT (entre 100 e 125). Alerta os cristãos para os erros que podem minar a sua fé. Retoma o tema dos maus doutores e falsos mestres. «Assim como houve entre o povo de Israel falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres; introduzirão disfarçadamente heresias perniciosas e, indo ao ponto de negar o Senhor que os resgatou, atrairão sobre si mesmos uma rápida perdição. » 2 Pe 2, 1 EPÍSTOLA DE JUDAS. Traça um breve projecto de vida cristã em tonalidade negativa (contra as heresias, especialmente o gnosticismo), mas também positiva (convite à fé e à coerência de vida). Nela estigmatiza os maus doutores, pregadores ambulantes que querem corromper a fé das Igrejas. «Vós, porém, caríssimos, edificando-vos uns aos outros sobre o fundamento da vossa santíssima fé e orando ao Espírito Santo, mantende-vos no amor de Deus, esperando que a misericórdia de Nosso Senhor Jesus Cristo vos conceda a vida eterna» Jd 20-21 5. O Apocalipse 5.1. – O Apocalipse AUTOR E DATA. Desde a primeira metade do séc. II, atribuem a sua autoria ao apóstolo S. João; mas mais tarde (a partir do séc. XVI) esta autoria foi posta em causa; o que podemos dizer é que há tantas razões para responder afirmativamente como positivamente! Mas a questão é no fim de contas secundária. Foi escrito à volta dos anos 95-100, mas o autor parece escrever numa época anterior… Estrutura: uma das possíveis, a divisão em três partes principais. 1ª - A Igreja encarnada (1-3): João dirige-se às 7 cartas de Ásia (Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia); 2ª - A Igreja empenhada (4-20): Os 7 selos, as 7 trombetas, o dragão e o Cordeiro, as 7 taças, o juízo e a ruína de Babilónia e a vinda de Cristo e o cumprimento da história. Os problemas são de duas espécies: a Igreja com o judaísmo e o confronto com os poderes totalitários. A Igreja é o «pequeno resto»m de Israel, os que são fiéis a Deus, mas um povo aberto a todos; o Cordeiro, Cristo imolado tem o poder de abrir 7 rolos do AT, cada um selado com um selo; os eleitos vêm de dois horizontes: do judaísmo (144000) e do paganismo (multidão impossível de contar). 7 toques das trombetas: efeitos terrestres dos acontecimentos; as Bestas são os sistemas totalitários, etc. 3ª - A Igreja transfigurada (21-22). A Igreja desce do céu; recriada por Deus torna-se o Reino cósmico onde todos os povos estão em sua casa e onde Deus é tudo e em todos. GÉNEROS LITERÁRIOS. 1º apocalíptico; 2º profético; 3º Epistolar e litúrgico. APOCALÍPTICO. Do grego apokalypsis (revelação ou descobrimento). Este livro e o de Daniel são os únicos apocalipses da Bíblia, mas então era um género muito corrente no judaísmo. Liga-se à corrente veterotestamentária. A mensagem fundamental é a luta cósmica que desembocará na vitória escatológica; O autor recua no tempo, buscando neste a explicação do tempo presente, deduzindo leis para o futuro. A diferença principal com a apocalíptica do AT é a característica cristocêntrica: Cristo, em íntima relação com Deus-Pai, é o Cordeiro que remiu o Seu povo e o guiará á vitória final. Género repleto de simbolismo (das figuras, das cores, números…): figuras: a mulher simboliza o povo, os chifres simbolizam o poder, os olhos o conhecimento, o mar significa a fonte da insegurança e da morte, o dragão simboliza o povo… números: o 7= nº da perfeição, o 3 e ½ é metade de 7, significa imperfeição, sofrimento (um tempo, dois tempos e um meiotempo, ou 42 meses, ou 1260 dias…); 12= Israel (totalidade), 4=o mundo (quatro pontos cardeais), 1000= uma quantidade impossível de contar, 144000=144.000 (Ap 14, 1-5): multiplicando 12x12x1000 = 144 000, número simbólico das 12 tribos (ÂT)x 12 Apóstolos (NT) x 1.000 (tempo de Deus). Significa multidão incontável, totalidade do Povo de Deus. 6 e 666: 6 é metade de 12 e não atinge 7 (não chega a ser perfeito). 666, é três vezes 6, máximo da imperfeição; indica a fraqueza dos poderes totalitários; o número da besta é obtido de várias formas: a) da soma das letras hebraicas de Nero César, grande perseguidor: Nrwn qsr =50+200+6+50+100+60+200= 666; b) Império Romano: Lateinos: 30+1+300+5+10+50+70+200=666; c) ou número triangular de 36: soma dos números de 1 a 36; 36 é a soma dos nºs de 1 a 8; 8, designa a Nero redivivus (Ap 17, 11), etc. PROFÉTICO. João apresenta-se como profeta, pois recebeu, mediante um chamamento especial a mensagem ouvida; é também uma «profecia»; João tenta interpretar a história presente, descobrir nela o sentido oculto. Género epistolar. O livro apresenta o esquema tradicional das cartas cristãs. Há também o litúrgico. Longe de ser uma previsão de «desastres» é uma mensagem de esperança, escrita em tempos de crise e de perseguição, para incutir o ânimo, que no fim Cristo e o Seu povo serão vitoriosos. Deus é o único Senhor da História. «Eis que Eu venho em breve e trarei a recompensa para retribuir a cada um conforme as suas obras. Eu sou o Alfa e o Ómega, o Primeiro e o Último, o Princípio e o Fim. Felizes os que lavam as suas vestes, para terem direito à árvore da Vida e poderem entrar nas portas da cidade» Ap 22, 12-14 6. Uma análise de um texto: Lc 15, 11-32 – O Filho Pródigo 6. – A Parábola do Filho Pródigo Lc 15, 11-32 S. Lucas é o evangelista da misericórdia de Deus; nesta parábola iremos descobrir o rosto do Deus da ternura, da misericórdia; é uma parábola exclusiva de Lucas. A parábola do Filho pródigo também é chamada de parábola dos dois filhos ou do Pai misericordioso. SITUAÇÃO DO EPISÓDIO NO CONJUNTO DO EVANGELHO. Notemos três aspectos: 1º - A parábola situa-se na secção central do Evangelho de Lucas (divide-se em três secções), que é a mais extensa; Jesus nesta secção ensina os discípulos a serem verdadeiros discípulos: a oração, o amor, a misericórdia… Jesus faz-se Palavra; uma Palavra que semeia no coração dos apóstolos a frutífera semente do Reino; 2ª - A parábola está mais ou menos no centro dessa secção central: é o centro do seu ensinamento, que é a descrição do rosto de Deus; o autêntico protagonista desta história não é o filho pródigo, mas o pai; a maneira de ser de Deus é percebida pela maneira de ser do pai; o nosso Deus é Pai de ternura e misericórdia; 3ª - É uma parábola: o objectivo é obrigar a quem escuta a ser protagonista da história; de um lado coloca-se-nos a mesquinhez e a traição dos filhos e do outro a ternura e a misericórdia do pai. Algumas vezes somos o filho mais velho, outras vezes o mais ELEMENTOS DO TEXTO. Confronto entre duas atitudes opostas: a dos dois irmãos e a do pai. O FILHO MAIS NOVO… 1. A decisão de deixar a casa do pai. No direito israelita só os filhos varões têm direito à herança; entre eles, o mais velho tem uma posição de privilégio e recebe o dobro dos restantes na distribuição dos bens patrimoniais (Dt 21,17). Contudo aqui é o filho mais novo que pede ao pai a sua parte na herança; mais do que «pedir» ele «exige»; é como se enterrasse o seu pai antes de morrer! o pai respeita a sua liberdade e reparte os bens entre os dois irmãos. Depois abandona a casa de seu pai e dirige-se para um país longínquo… ATITUDE DOS DOIS FILHOS… 2. A experiência de uma vida que se destrói. As condições tornam-se adversas: «foi colocar-se ao serviço de um dos habitantes daquela terra»: o filho mais novo está a sujeitar-se às condições de um desconhecido, num país estrangeiro e em tempo de fome. «…o qual o mandou para os seus campos guardar porcos». Era o máximo da adversidade: guardar porcos era uma actividade que para os judeus era impura, porque eram considerados animais impuros. A situação do filho mais novo é pior do que a dos porcos: aqueles ainda podem comer as bolotas e este nem isso! É como se trocasse o pai pelos porcos! Quando abandonámos os preceitos de Deus e nos adaptamos ás leis do mundo, a vida torna-se dura. O filho mais novo é a imagem do pecador preso às tentativas de se realizar longe de Deus. 6. – A Parábola do Filho Pródigo Lc 15, 11-32 3. A decisão de refazer a sua vida. Quando a sua situação é desesperante decide voltar para casa do pai. Por que razões? -A primeira razão é a fome. Não é o amor do pai nem o querer reconstituir a unidade familiar. «Não tem onde cair morto»: «Quantos jornaleiros de meu pai tem pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome». -Depois desta razão aparece uma segunda reflexão, em que o filho mais novo reconhece que pecou, que a sua situação não é fruto do acaso, mas do seu pecado que desordenou e arruinou a sua vida; despedaçou o projecto de Deus para connosco e destroçou a relação com os irmãos; arruinou o projecto do pai a seu favor. -Descobre-se um paralelismo com as primeiras etapas do Sacramento da Reconciliação: a) Exame de consciência ou da Vida: «E caindo em si» (Lc 15, 17): O pecador tem de entrar em si, reconhecer as suas infidelidades; b) Arrependimento: «Levantar-me-ei e irei ter com meu pai» (Lc 15, 18); não basta só confessar os pecados, é necessário o arrependimento, com o propósito firme de mudar de vida, de conversão; c) Declaração sincera dos pecados ao confessor (acusação dos pecados): «Irei ter com meu Pai e dir-lhe-ei: Pai, pequei contra o Céu e contra ti» (Lc 15, 18); deve-se ter a coragem de se chamar pelo nome os pecados; pecar contra o céu é pecar contra Deus. - O filho mais novo estava convencido que nada seria como dantes, mas aspira apenas a sobreviver; não imagina que a misericórdia do pai está muito acima do pecado e da traição que ele cometeu. Vamos dar um “salto” na história e confrontemos a sua atitude com a do filho mais velho: 1. «Ora o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se de casa…». O filho mais velho tinha segundo a legislação de Israel a preferência dos direitos da herança; constata que o mais novo pede a herança, delapida a fortuna num país estrangeiro, continua as tarefas árduas na cada do pai, sem nunca desobedecer uma «ordem» do pai e sem fazer uma festa com os amigos; mas vê que o mais novo é festejado com um vitelo gordo. O filho mais velho era trabalhador, justo e obediente, mas a sua vida descreve a rotina de uma existência triste e fechada à bondade do pai. Além disso, o mais velho considera o pai o ditador das ordens, não transgredi nenhuma ordem tua, não o vê como um pai que o ama. 2. «Encolerizado, não queria entrar». Numa perspectiva primeira o filho mais velho teria razão: deveria exigir dos outros aquilo que sempre se bateu, a justiça e a obediência e a rectidão. Mas tornou-se incapaz de aceitar o regresso do irmão e o amor do pai que o acolheu; indignado não participa na alegria; estava no campo, parece que não se importou com o irmão e continua sua vida normal; rejeita o irmão, diz «esse teu filho» e não “o meu irmão”; O FILHO MAIS VELHO… O filho mais velho é a imagem de um homem justo, mas que lhe falta a capacidade de amar o próximo e acolher o irmão que anda marginalizado. 6. – A Parábola do Filho Pródigo Lc 15, 11-32 ATITUDES DO PAI… COM O FILHO MAIS NOVO… «Estava ainda longe e o pai viu-o»: o pai não se conformou com a situação, dava a impressão que só tinha estado à espera dele desde que partiu; «correu» o que para um oriental não ficava nada bem! Superando as expectativas do filho mais novo, «enchendo-se de compaixão…», «cobriu-o de beijos»; e fez um banquete. O coração do pai nunca renegou o filho; «compaixão»: sofrer com, desce à condição do filho para o elevar; «estava morto e reviveu»: estar perdido, em pecado; «e começaram a festa»:; a atitude interior de compaixão tem uma intensa correlação exterior. Em todos os gestos externos se manifesta o amor paternal com o filho; o pai volta a outorgar a categoria correspondente no seio da família; a túnica, os criados que o vestem, o anel no dedo, as sandálias nos pés, descrevem como o pai restitui ao filho a dignidade perdia. O pai não pede razões do seu comportamento nem lhe censura a traição, mas acolhe-o como um filho e como um amigo. Corresponde à absolvição no Sacramento da Reconciliação. COM O FILHO MAIS VELHO… Bartolomé Estebán MURILLO, O regresso do filho pródigo (1667-70) Tendo estado sempre rodeado do carinho do pai, nunca percebeu a ternura do seu carinho. «Tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu!» o pai tenta convencê-lo em aceitá-lo: «Meu filho... reconhece e aceita “esse teu irmão”»; «Mas tínhamos»: o ter em Lucas tem muita força; «alegrar-nos»: é o tema da alegria em Lucas. Finalidade: Jesus apela para escribas e fariseus (são como filho mais velho: criticam Jesus por acolher o mais novo), reconhecendo e superando a hipocrisia, participem na alegria de Deus pelo regresso dos pecadores marginalizados à dignidade da vida (são como o filho mais novo: publicanos e pecadores públicos). Nem a mesquinhez do mais velho, nem a traição do mais novo têm poder para derrotar a força do amor do pai. A finalidade desta parábola é apresentar-nos a intimidade de Deus que convida a segui-l’O; é Ele que gera a vida, porque é amor; o nosso Deus é o Senhor da vida; quando nos afastamos dele, como o mais novo, sai-nos ao encontro a experiência do abandono; quando nos fechamos a Ele, como o mais velho, acontece-nos a rotina sem sentido e a tristeza. O rosto de Deus é misericórdia e ternura e cuja opção nos faz viver. Deus perdoa aos homens, problema é o homem aceitar isso e perdoar seu irmão; o filho perdido e encontrado gera alegria, e é sinal de Salvação. 7. Bibliografia recomendada (E.F.C. 7) Outros… Da Editorial Perpétuo Socorro