curso de extensão PARA LER DELEUZE

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Mini-curso
Deleuze e Educação:
conexões
Sílvio Gallo
Faculdade de Educação
UNICAMP
Deleuze: Filósofo
da Multiplicidade
Deleuze: filósofo da multiplicidade
Gilles Deleuze (1925-1995)
Filósofo francês
contemporâneo, investiu
numa filosofia das
multiplicidades, na criação de
uma filosofia atenta ao
mundo e ao tempo presente.
Uma filosofia do
acontecimento.
Deleuze: principais obras
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Empirismo e Subjetividade (1953);
Nietzsche e a Filosofia (1962);
A Filosofia Crítica de Kant (1963);
Proust e os Signos (1964);
O Bergsonismo (1966);
Apresentação de Sacher-Masoch (1967);
Diferença e Repetição (1968);
Spinoza e o Problema da Expressão (1968);
Lógica do Sentido (1969);
Francis Bacon, lógica da sensação (1981);
Cinema 1: A Imagem-movimento (1983);
Cinema 2: A Imagem-tempo (1985);
Foucault (1986);
A Dobra – Leibniz e o Barroco (1988)
Crítica e Clínica (1993)
Deleuze e Guattari: intercessores
Gilles Deleuze (1925-1995)
e
Félix Guattari (1930-1993)
Conheceram-se em 1969 e inventaram
um novo estilo em Filosofia.
Deleuze e Guattari: intercessores
“O essencial são os intercessores. A criação são os
intercessores. Sem eles não há obra. Podem ser pessoas
– para um filósofo, artistas ou cientistas; para um cientista,
filósofos ou artistas – mas também coisas, plantas, até
animais, como em Castañeda. Fictícios ou reais, animados
ou inanimados, é preciso fabricar seus próprios
intercessores. É uma série. Se não formamos uma série,
mesmo que completamente imaginária, estamos perdidos.
Eu preciso de meus intercessores para me exprimir, e eles
jamais se exprimiriam sem mim: sempre se trabalha em
vários, mesmo quando isso não se vê. E mais ainda
quando é visível: Félix Guattari e eu somos intercessores
um do outro.”
Deleuze, Conversações
Deleuze e Guattari: obras
Juntos, Deleuze e Guattari escreveram:
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O Anti-Édipo – capitalismo e
esquizofrenia (1972)
Kafka – por uma literatura menor
(1975)
Mil Platôs – capitalismo e
esquizofrenia (1980)
O que é a Filosofia? (1991)
Deleuze Professor
“As vidas dos professores raramente são interessantes. Claro,
há as viagens, mas os professores pagam suas viagens com
palavras, experiências, colóquios, mesas-redondas, falar,
sempre falar. Os intelectuais têm uma cultura formidável, eles
têm opinião sobre tudo. Eu não sou um intelectual, porque não
tenho cultura disponível, nenhuma reserva. O que sei, eu o sei
apenas para as necessidades de um trabalho atual, e se volto
ao tema vários anos depois preciso reaprender tudo. É muito
agradável não ter opinião nem idéia sobre tal ou qual assunto.
Não sofremos de falta de comunicação, mas ao contrário,
sofremos com todas as forças que nos obrigam a nos exprimir
quando não temos grande coisa a dizer. Viajar é ir dizer alguma
coisa em outro lugar, e voltar para dizer alguma coisa aqui. A
menos que não se volte, que se permaneça por lá. Por isso sou
pouco inclinado às viagens; é preciso não se mexer demais para
não espantar os devires.” (1988, em entrevista a F. Ewald e R. Bellour)
Gilles Deleuze, Conversações.
Deleuze Professor
“As aulas foram uma parte da minha vida, eu as dei com
paixão. Não são de modo algum como as conferências,
porque implicam uma longa duração, e um público
relativamente constante, às vezes durante vários anos. É
como um laboratório de pesquisas: dá-se um curso sobre
aquilo que se busca e não sobre o que se sabe. É preciso
muito tempo de preparação para obter alguns minutos de
inspiração. Fiquei satisfeito em parar quando vi que
precisava preparar mais e mais para ter uma inspiração
mais dolorosa /.../ Um curso é uma espécie de
Sprechgesang [canto falado], mais próximo da música que
do teatro. Nada se opõe em princípio a que um curso seja
um pouco até como um concerto de rock.”
Gilles Deleuze, Conversações.
Por uma Filosofia
da Diferença
Por uma Filosofia da Diferença
Roberto Machado afirmou que “não há
dúvida de que a grande ambição de
Deleuze é realizar, inspirado sobretudo em
Bergson, uma filosofia da multiplicidade”.
E o próprio Deleuze iniciou um de seus
últimos escritos, O Atual e o Virtual,
afirmando que “a filosofia é a teoria das
multiplicidades”.
Por uma Filosofia da Diferença
A filosofia de Deleuze pode ser vista como um desvio:
“Se tivermos que ler a obra de Deleuze como um
ataque ou uma traição aos elementos da tradição
metafísica ocidental, temos que compreender tal
postura como uma afirmação de outros elementos
dessa mesma tradição. Em outras palavras, não
podemos ler a obra de Deleuze como se estivesse
‘fora’ ou ‘além’ da tradição filosófica, ou mesmo
como uma efetiva via de escape daquele bloco; ao
invés disso, devemos encará-la como a afirmação
de uma (descontínua, mas coerente) linha de
pensamento que permaneceu suprimida e latente,
mas, não obstante, profundamente embebida na
mesma tradição.”
Michael Hardt. Gilles Deleuze, um aprendizado em filosofia.
Por uma Filosofia da Diferença
A Filosofia da Multiplicidade está articulada
com uma “filosofia da diferença”, que
Deleuze exercitou em obras como Diferença
e Repetição e Lógica do Sentido, já no final
da década de 1960.
Ela foi marcada por uma tomada de posição
contra a filosofia hegemônica no Ocidente, o
platonismo, fundada na noção de
representação.
Por uma Filosofia da Diferença
Inspirado em Nietzsche, Deleuze quer
inverter o platonismo. Em lugar de buscar
as formas puras expressas numa única
Idéia, atentar para as miríades de detalhes
da sensibilidade; em lugar de buscar a
contemplação do Sol, divertir-se com as
múltiplas possibilidades do teatro de
sombras no interior da caverna.
Por uma Filosofia da Diferença
Em Diferença e Repetição, a tese central é que a
diferença não foi tomada em si mesma pela
tradição filosófica, mas foi assumida sempre como
representação, como conceito.
A tarefa a que se propõe Deleuze é a de buscar
elementos na história da filosofia, em filósofos
como Hume, Spinoza, Nietzsche e Bergson, para
pensar a diferença por si mesma.
Por uma Filosofia da Diferença
“Talvez o engano da Filosofia da diferença, de
Aristóteles a Hegel passando por Leibniz, tenha
sido o de confundir o conceito da diferença com
uma diferença simplesmente conceitual,
contentando-se com inscrever a diferença no
conceito em geral. Na realidade, enquanto se
inscreve a diferença no conceito em geral, não se
tem nenhuma Idéia singular da diferença,
permanecendo-se apenas no elemento de uma
diferença já mediatizada pela representação.”
Deleuze, Diferença e Repetição
Por uma Filosofia da Diferença
Para experimentar a diferença é preciso mudar os “óculos
filosóficos”. Deleuze propôs uma filosofia baseada na
diferença e não na identidade, que escapa ao âmbito da
representação. Segundo ele, a diferença é tratada na
filosofia da representação como uma espécie de “monstro”:
“E não é certo que seja apenas o sono da Razão a
engendrar monstros. Também a vigília, a insônia do
pensamento, os engendra, pois o pensamento é este
momento em que a determinação se faz una à força de
manter uma relação unilateral e precisa com o
indeterminado. O pensamento “faz” a diferença, mas a
diferença é o monstro /.../ Arrancar a diferença de seu
estado de maldição parece ser, pois, a tarefa da filosofia
da diferença.”
Deleuze, Diferença e Repetição
Por uma Filosofia da Diferença
Para Deleuze, o pensamento não é “natural”: é um
empreendimento difícil; ele é raro e só acontece
de maneira forçada.
O modelo tradicional do pensamento é o da
recognição: o objeto do pensamento é sempre o
mesmo, não se sai do âmbito do platonismo.
Isto leva a uma “ortodoxia”, isto é, o não
rompimento com a doxa, com a opinião.
Por uma Filosofia da Diferença
A recognição implica em que sempre pensamos a
partir de uma “imagem do pensamento”, que
define, de antemão, o que se pode e o que não se
pode pensar.
Mas, para Deleuze, o pensamento é criação, é a
experiência de “pensar no próprio pensamento”;
isto só é possível se deixamos a ortodoxia e
experimentamos um “pensamento sem imagem”.
É ele que permite a criação e a diferença.
Por uma Filosofia da Diferença
Em Lógica do Sentido Deleuze explorou mais a
fundo a noção de Acontecimento, propondo o
pensamento como Acontecimento.
Mais tarde, em O que é a Filosofia?, voltaria ao
tema, apresentando o conceito – a experiência de
pensamento e seu produto – como um
Acontecimento.
Por uma Filosofia da Diferença
Acontecimento (Puro): não aquilo que chega
(o acidente), mas a parte eterna e inefetuável
de tudo aquilo que chega, entidade impassível
sempre já advinda, mas também ainda a vir,
subdividindo-se sem cessar em múltiplos
acontecimentos singulares, e os reunindo em
único e mesmo Acontecimento; o
enfrentamento de tudo aquilo que nos chega,
sendo digno disso, constitui a moral.
Sasso; Villani, Le Vocabulaire de G. Deleuze
“Uma introdução à
vida não fascista”
Uma introdução à vida não fascista
A obra produzida em conjunto por Deleuze e
Guattari:
O Anti-Édipo (1972)
 Kafka, por uma literatura menor
(1975)
 Mil Platôs (1980)
 O que é a Filosofia? (1991)
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Pode ser lida como uma Política e como uma
Ética.
Uma introdução à vida não fascista
Uma Política, pois trata-se de uma leitura do
panorama social e um ensaio de possibilidades de
intervenção, desde uma perspectiva
transformadora e revolucionária;
E como uma Ética, na medida em que implica em
um trabalho do indivíduo sobre si mesmo, na
perspectiva de produzir uma outra forma de vida,
para além dos mecanismos autoritários do poder.
Uma introdução à vida não fascista
Segundo Foucault, a obra deleuzo-guattariana
opunha-se a três adversários: os ascetas políticos,
que ele chama de “burocratas da revolução” e
“funcionários da Verdade”; os técnicos do desejo,
isto é, psicanalistas e semiólogos; e, por fim, o
maior dos inimigos: o fascismo, este fascismo que
habita todos nós, para além de qualquer fascismo
histórico, como o de Hitler ou de Mussolini.
Foucault faz uma analogia com o título de um livro
de São Francisco de Sales, do século XVII, a
Introdução à vida devota, e afirma que O AntiÉdipo é uma introdução à vida não fascista.
Uma introdução à vida não fascista
“O sistema político moderno é um todo global, unificado e
unificante, mas porque implica um conjunto de
subsistemas justapostos, imbricados, ordenados, de modo
que a análise das decisões revela toda espécie de
compartimentações e de processos parciais que não se
prolongam uns nos outros sem defasagens ou
deslocamentos. A tecnocracia procede por divisão do
trabalho segmentário (inclusive na divisão internacional do
trabalho). A burocracia só existe através de suas
repartições e só funciona através de seus “deslocamentos
de meta” e os “desfuncionamentos” correspondentes. A
hierarquia não é somente piramidal: o escritório do chefe
está tanto no fundo do corredor quanto no alto da torre. Em
suma, tem-se a impressão de que a vida moderna não
desistiu da segmentaridade, mas que ao contrário a
endureceu singularmente.”
Deleuze e Guattari, Micropolítica e Segmentaridade
Uma introdução à vida não fascista
“Diremos, da mesma forma, que o fascismo implica um regime
molecular que não se confunde nem com os segmentos moleculares
nem com sua centralização. Sem dúvida, o fascismo inventou um
conceito de Estado totalitário, mas não há porque definir o fascismo
por uma noção que ele próprio inventa: há Estados totalitários sem
fascismo, do tipo estalinista ou do tipo ditadura militar. O conceito de
Estado totalitário só vale para uma escala macropolítica, para uma
segmentaridade dura e para um modo especial de totalização e
centralização. Mas o fascismo é inseparável de focos moleculares, que
pululam e saltam de um ponto a outro, em interação, antes de
ressoarem todos juntos no Estado nacional-socialista. Fascismo rural e
fascismo de cidade ou de bairro, fascismo jovem e fascismo excombatente, fascismo de esquerda e de direita, de casal, de família, de
escola e de repartição: cada fascismo se define por um microburaco
negro, que vale por si mesmo e comunica com os outros, antes de
ressoar num grande buraco negro central generalizado. Há fascismo
quando uma máquina de guerra encontra-se instalada em cada
buraco, em cada nicho.”
Deleuze e Guattari, Micropolítica e Segmentaridade
Uma introdução à vida não fascista
Fenômeno de massa, molecular, o fascismo
estende rizomaticamente seus tentáculos pela teia
social. São os microfascismos, os fascismos do
cotidiano, aqueles cristalizados nas relações de
casal, nas relações entre irmãos, entre pais e
filhos, nos locais de trabalho, nas relações
pedagógicas, que tornam o fascismo um
fenômeno socialmente forte. São os fascismos
moleculares que puderam, em alguns momentos
históricos, fazer emergir um fascismo molar, um
Estado fascista.
Uma introdução à vida não fascista
“É uma potência micropolítica ou molecular que
torna o fascismo perigoso, porque é um
movimento de massa: um corpo canceroso mais
do que um organismo totalitário. O cinema
americano mostrou com freqüência esses focos
moleculares, fascismo de bando, de gangue, de
seita, de família, de aldeia, de bairro, de carro e
que não poupa ninguém. Não há senão o
microfascismo para dar uma resposta à questão
global: por que o desejo deseja sua própria
repressão, como pode ele desejar sua
repressão?”
Deleuze e Guattari, Micropolítica e Segmentaridade
Uma introdução à vida não fascista
Na filosofia política que desenvolveram em Mil
Platôs Deleuze e Guattari opõem (não em sentido
formal ou dialético) as figuras do Estado e da
máquina de guerra. O Estado é uma invenção dos
sedentários, dos povos que vivem em cidades. O
Estado age sobretudo pelo estriamento do espaço
e das relações, isto é, criando normas, regras,
técnicas, burocracias, modelos, contenção e
direcionamento de fluxos. O Estado age pela
territorialização.
Uma introdução à vida não fascista
Mas o Estado encontra-se permanentemente
ameaçado por outra invenção política,
completamente alheia a ele: a máquina de guerra,
que por sua vez é uma invenção dos nômades. A
máquina de guerra procede por
desterritorizalizações, pelo alisamento do espaço,
isto é, pela liberação dos fluxos, pelo desvio, pelo
escapar às normas e burocracias. A máquina de
guerra consiste em uma outra maneira de viver o
espaço e as relações.
Uma introdução à vida não fascista
A máquina de guerra pode ser capturada pelo
Estado; a máquina de guerra pode devir em
Estado, deixando de ser máquina de guerra. Mas
ela também pode alojar-se no interior do Estado,
escavando trincheiras e vivendo nele e dele, como
verdadeiro parasita, sem no entanto territorializarse no Estado. Aí está o fenômeno do fascismo:
alojar-se no interior do Estado, utilizar-se dele,
sem no entanto tornar-se estritamente estatal;
nisso reside seu poder e sua força.
Uma introdução à vida não fascista
Enquanto aparelho de Estado, a instituição
escolar é também espaço de proliferação
dos fascismos.
Mas, do próprio interior da escola, podemos
criar focos de resistência e de criação,
máquinas de guerra que invistam na
invenção de um modo de vida não fascista,
que trace linhas de fuga e possibilite a
emergência de “vacúolos de liberdade”.
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