HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO Sandra Marinho Siqueira EDUCAÇÃO DO HOMEM ANTIGO -ROMA “Roma se enriqueceu e se inundou de escravos e de ouro;” “ A agricultura, a guerra e a política constituíam o programa que um romano nobre devia realizar;” “ Aos vinte anos, o jovem nobre, que já sabia arar a terra e já havia assistido algumas batalhas no exército, estava pronto para a vida pública,” “ O orador nas palavras de Quintiliano era o verdadeiro político, o homem nascido para a administração dos assuntos públicos e privados, capaz de reger um estado com os seus, de estabelecer-los mediante leis, e de reformá-lo pela justiça” “ Os escravos libertos e os pequenos proprietários arruinados pelos latifúndios, passaram a se dedicar ao comércio e as indústrias livres. “Apareceram em Roma uma turba de professores: os ludimagister, para a educação primária, os gramáticos, para a média, e os retores para a superior;” “ O ludimagister era um antigo escravo, um velho soldado ou um proprietário arruinado, que alugava um estreito compartimento chamado pergula e abria ali a sua loja de instrução”. Recebiam baixos salários e era uma profissão desprezada Não à toa, Sêneca e Cícero, dois grandes escritores romanos se negavam a incluir a profissão de professor entre as profissões liberais, isto é, dos “homens livres” “No mundo antigo, só podia ser homem livre o dono de um pedaço de terra que lhe fornecesse a matéria-prima necessária para produzir os objetos indispensáveis. E o homem que não possuía esse pedaço de terra era obrigado a se pôr a serviço dos que o possuíam” Nas escolas primárias, a situação era deplorável: mal instaladas, dispunham de uns bancos para os alunos e de uma cadeira para o mestre, alguns poucos recursos (como mapas, esferas e cubos), e o mestre repetia monótonas lições a respeito dos texto das Doze Tábuas (antiga legislação romana) Pagamentos baixos forçavam os mestres a praticar outras atividades paralelamente para sobreviver, recebiam eventualmente coisas das famílias dos alunos Já os mestres do ensino médio (gramáticos) e do ensino superior (retores) eram responsáveis pela instrução enciclopédica para o exercício da política, para os negócios e disputas nos tribunais. Ensinavam retórica, filosofia e cultural geral e uma cultura especializada para o acesso aos cargos públicos Essa educação só estava ao alcance dos homens ricos, que pudessem garantir a instrução para seus filhos Os oradores eram preparados desde crianças, em que se procurava desenvolver o raciocínio oratório, para o convencimento Com o desenvolvimento do comércio e fabricação, ocorrem mudanças importantes em Roma. A segurança, que era um encargo dos latifundiários para a defesa de sua propriedade, passa para o Estado, que cria um exército permanente. Os novos ricos também necessitam intervir na política e ter acesso à cultura A retórica, até então ensinado pelos gramáticos e retores em grego, uma língua que poucos romanos dominavam, passa a ser ensinada na língua de todos, o latim. Surgem novas escolas A reação dos proprietários de terra foi no sentido de defender a antiga estrutura do ensino. Diziam: “Nossos antepassados regulamentaram o que queriam que fosse ensinado às crianças, bem como quais as escolas que deveriam frequentar. No que tange às novidades que são contrárias aos hábitos e aos costumes dos nossos país, elas nos desgostam e achamo-las condenáveis”. As escolas foram fechadas, mas voltaram com toda força A aristocracia teve de ceder aos novos ricos comerciantes e fabricantes romanos. As escolas primárias e superiores eram para os novos ricos um modo de assegurar instrução para a direção políticas dos seus negócios. Escolas particulares foram abertas pelos retores A criança rica, que aos 7 anos havia entrado para a escola do magister, e que aos 12 começava a frequentar a do g´ramático, aos 16 anos se punha em contato com o ensinamento do retor, que exigia a vida inteira para ser assimilado com proveito O Império necessitava da formação de pessoas para a burocracia, um enorme exército de administradores, delegados, empregadores e secretários. A burocracia lhe garantia certa estabilidade, apesar da queda e ascensão dos imperadores. Desempenhava tarefas essenciais para a expansão do Império Os retores ensinavam aos seus ricos alunos tudo o que era essencial para a burocracia do império Os alunos eram instruídos dos assuntos governamentais. O ensino prático era dividido em três graus: o primeiro se chamava tesis, que eram as questões gerais; o segundo se intitulava causas, sobre os processos judiciais; o terceiro chamava controvérsias, em que se discutiam temas da arte de governar. Assumiam cargos como Secretários de Estado, governadores de Província e Prefeito O crescimento do Império levava à concorrência entre os professores que prepavaram candidatos aos cargos oficiais. O ensino passou a ser uma verdadeira atividade comercial da qual dependia a prosperidade das cidades. Os professores disputavam entre si futuros alunos Tal como na Grécia, em Roma a “liberdade de ensino” não implicava necessariamente a “liberdade de doutrina”. Existia inclusive um censor, que tinha a função de “examinar a vida e os costumes Um ensino e um professor, em Roma, que não se ajustasse às crenças religiosas e às práticas consagradas, os velhos costumes sobre os quais se assentava a organização romana, atraía de imediato a atenção de um censor A partir de um certo período os professores de gramática, de retórica e de filosofia foram liberados das funções públicas e encargos com o Estado como a obrigação de prestar serviço militar ou desempenhar o sacerdócio e passaram a se dedicar ao ensino superior. Esse mesmo privilégio era negado aos magister da escola primária. Os governantes romanos reconheciam o ensino superior como necessário ao seu domínio O estado passou a dar subsídio aos retores do ensino superior, enquanto o negavam aos professores primários. O ensino dividiu-se em duas partes: um ensino superior, cada vez mais protegido, e um ensino primário submetido à concorrência e a condições inferiores Somente no século III d.C., é que o ensino a carga do Estado surgiu pela primeira vez na história da humanidade. Em sua base estava a necessidade que a classe dominante tinha de preparar funcionários para o Estado Com a crise do Império romano, a impossibilidade de manter a estrutura política de dominação através do trabalho escravo, a educação tal como todos os fenômenos da superestrutura se modificam com a desagregação da economia e do Império Anibal Ponce fala da desagregação de Roma: “O sistema de trabalho por meio do escravo consumia tantos homens quanto os nossos altos-fornos devoram carvão. Dependia, portanto, do fornecimento regular de escravos para o mercado de trabalho, e deveria cessar no momento em que o “carvão” se acabou, ou em que passou a ser inutilizável. Além disso, à medida que os povos conquistados deixavam de fornecer escravos e riquezas, mais aumentavam os impostos, as taxas, as requisições. A miséria foi crescendo de tal forma, que a exploração dos domínios enormes – latifundia em latim – por verdadeiros exércitos de escravos já não produzia rendas compensadoras. O cultivo em pequena escala voltou a ser o único que compensava, o que é a mesma coisa que dizer que a escravidão se tornou desnecessária. O escravo passou a produzir menos do que custava a sua manutenção e a partir desse momento ele desapareceu como um sistema de exploração em grande escala”. Fora isso, ocorreram inúmeras rebeliões de escravos, entre as quais a liderada por Espártacus foi a mais conhecida. A EDUCAÇÃO DO HOMEM FEUDAL Dos escombros do Império romano nasce a nova economia feudal. As relações de escravidão são substituídas pelas relações de servidão. Os trabalhadores continuaram sendo explorados pela classe dominante (proprietários ou senhores de terra, dos feudos), mas há diferenças substantivas. Enquanto o escravo era considerado um objeto e o proprietário nobre lhe assegurava uma existência miséria, mas segura enquanto existisse, o servo não era escravo, mas trabalhava nas terras do senhor para sua família e para o senhor, fornecendo-lhe trabalho excedente na forma de corvéia (dias de trabalho), de produtos ou, no final do feudalismo, em dinheiro A economia feudal era baseada na produção camponesa nos feudos, que eram responsáveis por tudo, desde a agricultura, como o artesanato. A vida se volta fundamentalmente para o campo, ao contrário da Roma e Grécia antigas com sua cidade-estado O mundo feudal repousava sobre “os servos, da mesma forma que o mundo antigo era sustentado pelos escravos. O que o servo produzia por meio de um trabalho sem descanso ia passando, como tributo, de mão em mão”, do senhor feudal ao barão, do barão à Igreja A Igreja católica constitui um poder imenso durante o feudalismo, não material, pois dona da maior parte das terras, como espiritual, por dominar a educação e controlar as universidades recém criadas. Estabelecimentos de economia fechada, os monastérios já eram, nos começos do século VIII d.C postos avançados de comércio e da indústria embrionária. O controle das terras dava à Igreja um poder espiritual e políticos indescritível no sistema feudal Marx diz em O Capital que: “A igreja proibiu os empréstimos mediante juros, mas não proibiu a venda das propriedades para saldar dívidas, nem a cessão dessas propriedades em garantia...A Igreja e as corporações religiosas obtiveram desse modo grandes benefícios, especialmente no tempo das cruzadas”. Os monastérios foram, apesar da proibição de empréstimos a juros (usura) fortes instituições rurais de crédito durante o período. Era desse poder material que provinha o poder espiritual da Igreja. Daí a sua força. Tal como ocorria nas propriedades dos senhores feudais, nos monastérios da Igreja havia uma divisão bem clara: os monges dedicavam-se ao culto e ao estudo; os servos ao trabalho. Desaparecidas as escolas pagãs com a desagregação do Império Romana, a Igreja tomou em suas mãos a instrução pública, que se divida em suas escolas: as escolas para a formação dos monges e as escolas para a plebe. Nelas não se ensinava a ler e a escrever. A finalidade não era instruir os camponeses, mas familiarizar as massas campesinas com as doutrinas cristãs e, ao mesmo tempo, mantê-las dóceis e conformadas diante da miséria e da opressão a que estavam submetidas. À medida em o tempo passava, a Igreja criou além da escola para a plebe camponesa e para a formação de monges, internatos para instrução da nobreza. Tinham uma disciplina férrea e se ensinavam Gramática, Retórica e Dialética, entendidas como discursos e réplicas, e se ensinavam os alunos a redação de cartas, documentos e escritos de caráter mercantil. Produziam pessoas capazes de ser Juristas doutos, secretários práticos e dialéticos hábeis capazes de aconselhar e convencer imperadores a pagar rigidamente pelos seus serviços Os senhores feudais desprezavam a instrução e a cultura. Estavam interessados em suas terras, em guerras e saques. O xadrez e a poesia, a equitação e o tiro, o arco e a caça eram toda a ocupação da nobreza. O jovem nobre vivia sob a tutela materna até os 7 anos, ocasião em que se tornava aprendiz de um cavaleiro experiente, depois se tornava escudeiro e acompanha o cavaleiro em guerras, torneios e caçadas. Aos 21 anos se tornava cavaleiro Até o século X, as cidades medievais não passavam de miseráveis vilas. Sua população era composta por artesãos e domésticos, que trabalhavam como os servos para o senhor feudal. A partir do século XI começa um florescimento do comércio e a circulação de dinheiro. Avançam guildas e corporações de ofício. As cidades se transformam em feiras onde se trocavam produtos. Surgiam os mercados, os burgos, que originaram mais a frente os burgueses Começava um processo de ruína explícita do modo de produção feudal e de desenvolvimento das relações mercantis, do trabalho assalariado e do capital, que seriam a base para o surgimento do capitalismo Essas transformações na cidade e no campo, com o fortalecimento das cidades e dos burgueses, leva a Igreja a fundar escolas nas catedrais. As escolas monásticas perdidas nos campos já não eram suficientes. Eram divididas as escolas catedralícias em escolas para leigos e escolas para o clero. O centro das preocupações era a teologia, o canto era ministrado, mas por exigências da nova classe social, a burguesia, as escolas tiveram de se acomodar à nova situação econômica, social, cultural e política em transição. Essas escolas já determinadas pelas novas necessidades das cidades foram o embrião das Universidades modernas e no início não passavam de reuniões livres de homens que cultivavam a ciência. A Universidade de Bolonha, na Itália, tinha esse significado. As universidades funcionavam assim: “O jovem que desejava estudar artes liberais deveria adquirir passo a passo, em um processo semelhante, os graus de bacharel, de licenciado e de doutor. Mas a universidade ainda apresentava uma característica só sua, que a transformou na primeira organização francamente liberal da idade média. Não só eram os estudantes que determinavam quando deviam ter início as aulas, qual deveria ser a sua duração etc., como também o próprio grupo governante só tinha poderes delegados” A fundação das universidades permitiu que a burguesia em ascensão participasse de muitas das vantagens da nobreza e do clero, que até então lhe tinham sido engadas Por esse fato, desde a origem das universidades, a Igreja e os reis procuraram manter um certo controle sobre elas. O reitor da Universidade de Bolonha era um eclesiástico erudito, solteiro e de batina Mas, apesar dos controles, o conflito que se desenvolvia no plano econômico, social e política entre a burguesia e a nobreza, se expressava também no campo cultural, nas Universidades. Essas lutas se manifestavam na críticas dos dogmas e na perseguição aos livres pensadores O simples fato do ensino ser paga já indicava a origem dos alunos, que pertenciam evidentemente à nobreza, ao clero e a alta burguesia. Tanto o ingresso na universidade, quanto a sua permanência e formatura exigiam muitos gastos Enquanto a burguesia triunfava nas universidades, a pequena-burguesia (pequenos comerciantes, logistas, artesãos, pequenos proprietários, etc) invadia as escolas primárias mantidas pelas municipalidades e pelos próprios alunos. Os salários dos professores eram aviltantes. Já se ensinavam o idioma nacional, noções de Geografia, Aritmética, História e Ciências Naturais. Continuavam sendo escolas para privilegiados da classe burguesa e pequeno-burguesa Nas cidades comercial de Bolonha, Gênova e Florença fizeram-se necessárias escolas para comerciantes e banqueiros, verdadeiras escolas de contabilidade. Essas cidades são também palco de transformações culturais importantes, como o Renascimento da arte, da literatura, da pintura e da escultura Entretanto, apesar de todas essas mudanças progressivas, a plebe, o povo, a população pobre do campo e da cidade permanecia completamente alheia à cultura oficial, à educação e ao renascimento. Os homens que criaram o renascimento eram desconfiados em relação ao pobre: “Escrevo para os eruditos, não para a plebe” (Poligiano); “Sempre suspeitei das multidões” (Leonardo Bruni); “Quem diz povo, diz louco, porque o povo é um monstro cheio de confusões e erros” (Guicciardini) Todos os pedagogos do Renascimento, como Agrícola (1444-1485), como Melanchton (1497-1560) e Vittorino da Feltre (1378-1446) eram filhos de burgueses e ricos e foram preceptores de nobres e burgueses. E mesmo assim, o Renascimento representou um progresso frente aos dogmas e ao controle do ensino pela Igreja Enquanto o ideal de virtude do feudalismo era a submissão ao nobre, a Igreja e a Providência; o ideal de virtude dos renascentistas era a individualidade triunfante, a afirmação da própria personalidade e do humanismo. O objetivo do Renascimento e dos seus pedagogos era formar homens de negócio que também fossem cidadãos cultos e diplomados hábeis. Dominando cada vez mais as condições econômicas, a burguesia passa a financiar os monarcas e a lutar contra a nobreza e o clero. Por isso, teve de incentivar as artes, os ofícios e as ciências. Precisava de armas espirituais e materiais para transformar a sua dominação econômica em dominação política. Promoveu a unificação dos Estados Nacionais, comprou terras, financiou as grandes navegações, explorou as riquezas das novas colônias, fez a Igreja se curvar diante de seu poderio. Do século XVI ao XVIII presenciamos a transição ao capitalismo e com ele a uma nova etapa no desenvolvimento da história da educação. O capitalismo sepultaria o feudalismo, se tornaria internacional, mas criaria as bases materiais e humanas para a sua própria superação.