Anemia Falciforme Complicações agudas Ana Cristina Silva Pinto Médica Hematologista do Hemocentro de Ribeirão Preto FMRP-USP Ribeirão Preto/2010 Introdução Anemia Falciforme No Brasil: prevalência heterozigoto: 2-8% No Sudeste: cerca de 2% >2 milhões de heterozigotos > 8.000 homozigotos Nosso serviço: 500 pacientes M. Saúde 3.500 nasc/ano (doença) 2007 Problema saúde pública Introdução • Fisiopatologia da vaso-oclusão: - Infecção - Desidratação hipóxia Falcização das hemácias adesão ao endotélio adesão leucócitos e plaquetas isquemia de órgãos - DOR vaso-oclusão Hemólise - anemia Falcização Complicações Agudas CVO Infecções / Septicemia Osteomielite Pneumonia / STA Ac. Vascular Cerebral Seqüestro esplênico Crise aplástica Priapismo Vasooclusão Lesão Crônica de Órgãos Insuficiência Cardíaca Insuficiência Renal Insuficiência Pulmonar Úlceras de Perna Asplenia Lesões Vasculares Lesões Oculares Crise vasooclusiva Definição • Eventos agudos de isquemia tecidual, podendo ser muscular, óssea, etc. Principal manifestação clínica = dor • Principal causa de atendimento e internação desses pacientes. Características: • Pode ter início aos 6 meses de idade e persistir durante toda a vida do paciente. • Intensidade da CVO muito variável e a duração ~ 4 a 6 dias, mas pode persistir por várias semanas. • Desencadeada por infecção, febre, acidose, desidratação, apnéia do sono, exercício físico e exposição ao frio. Crise vasooclusiva • • • Exames para diagnóstico: Hemograma completo, função renal, eletrólitos Exames complementares (por ex. radiografia de tórax, gasometria, urina rotina, etc). • Tratamento: • Hidratação: SF 0,9% 3-4 L/dia • Suplemento de O2: Quando satO2 < 90%. • Transfusão: raramente necessária (quadro clínico mais grave) • Tratamento de fatores desencadeantes: antibioticoterapia, repouso, etc. • Analgesia: baseada na intensidade da dor (leve, moderada, ou grave), controlando-a o mais rápido possível (na primeira hora). Crise vasooclusiva Dor leve Paracetamol VO: 500mg até de 4/4h ou 750mg até de 6/6h. Dipirona VO: 500-750mg até de 6/6h (20-30 gotas/dose). Ibuprofeno VO: 200-400mg/dose até de 4/4h. Diclofenaco sódico VO: 50mg até de 8/8h. Dor moderada Tramadol EV: 100mg até de 6/6h em infusão lenta. VO: 50mg, podendo ser repetida em 30-60min, não excedendo dose diária de 400mg. Cetoprofeno EV: 1 amp ev em 100 ml SF0,9% em 30 min, até de 12/12 hs Dor intensa Morfina EV: 0,1 mg/Kg a cada 20 min, até o controle da dor. Após o controle, manter 0,05-0,1mg/Kg a cada 2-4h. Não ultrapassar 10mg/dose. Atentar para depressão respiratória provocada pelos opióides.VO: 0,3-0,6mg/Kg/dose até de 4/4h. OBS: Meperidina: O emprego desta droga NÃO é recomendável, pois sua ação analgésica é inferior a da Morfina. Além disso, pode desencadear crises convulsivas e deve ser evitado em pacientes com disfunção renal, doenças neurológicas e em uso de inibidores da MAO. Acidente vascular cerebral • AVC é uma das complicações mais graves , ocorrendo em 6-12 % dos casos. • Em crianças, + comum AVCi, com alto índice de recorrência nos primeiros 2 anos após o evento. • AVC hemorrágico é mais freqüente no adulto. Fisiopatologia • Vasculopatia cerebral, podendo acometer pequenas e grandes artérias. Exames para diagnóstico • Anamnese e exame físico, incluindo avaliação neurológica completa. • Hemograma completo • Eletrólitos, glicemia • Exames de imagem (CT crânio, RNM) para confirmação do AVC. AVC: Tratamento Transfusão: deve ser realizada imediatamente após a confirmação do AVC!!!. • Objetivo : reduzir a HbS <30%. • Se Hb <8,0 g/dL, transfusão simples (Ht de 30%) • Se Hb >8g/dL, transfusão de troca é indicada. Transfusão de troca: 2 sangrias de 5-10 ml/Kg intercaladas pela infusão de SF0,9% em volume igual ou superior ao removido na primeira sangria. • Em seguida, transfundir 5-10 ml/Kg mantendo Ht<30%. • Esquema repetido diariamente até que HbS < 30% (HbS diariamente). Seguimento • Após o tratamento do evento agudo, o paciente deve ser incluído no programa de transfusão crônica (profilaxia 2ária). • Profilaxia primária: transfusão crônica em pacientes com doppler transcraniano alterado. Síndrome Torácica Aguda • • STA é complicação relativamente freqüente das doenças falciformes (DF), Caracteriza por febre, sinais e sintomas respiratórios, hipoxemia e Rx de tórax com infiltrado pulmonar novo. Fisiopatologia • Fatores etiológicos mais associados: – Infecção (30% dos casos) bacteriana, viral e por clamídia e micoplasma – Embolia gordurosa (necrose da medula óssea- cvos graves) – Hipoventilação (uso de narcóticos) Quadro clínico • Crianças abaixo de 10 anos: febre, sibilos e tosse com maior freqüência. • 80% dos pacientes têm febre, 60% tosse, 45% dor torácica e taquipnéia. • Mais da metade tem dor óssea e 1/3 dor abdominal. • Rx tórax: velamento principalmente em lobos inferiores, mas, em crianças, não é raro acometimento isolado de lobos médio ou superior. • STA pode ocorrer em pacientes internados por outros motivos, como a CVO e pós-operatório. A mortalidade é alta. Causas da STA NEJMed, vol 342, n. 25, 1855-65 Síndrome Torácica Aguda Exames para diagnóstico: Rx de tórax (velamento alveolar); Hemograma (Hb mais baixa, e neutrofilia); Gasometria arterial (diminuição da pO2); Hemocultura 5. Tratamento: - Internação hospitalar - Hidratação (2-3 L/dia; não exagerar) - Analgesia (opióides; evitar uso de meperidina, melhor morfina); - Suplementação de oxigênio: se pO2 < 60 mmHg ou satO2 < 90%; - Broncodilatadores em pacientes com broncoespasmo; -Antibioticoterapia: associação de cefalosporina (ex.: ceftriaxona) associado a macrolídeo (ex.: eritromicina, claritromicina); -Nos casos mais leves: amoxacilina+clavulanato Síndrome Torácica Aguda Transfusão: Tx simples se Hb < 9,0g/dL até Ht 30-33%. Transfusão de troca se Hb >9,0 g/dl, quadro clínico grave (ventilação mecânica, insuficiência de órgãos, comprometimento neurológico). 2 sangrias de 8-10 ml/Kg intercaladas pela infusão SF e Tx de 5-10 ml/kg. Esquema repetido até melhora clínica do paciente. Não há necessidade de monitorar a HbS. Seguimento Profilaxia de novos eventos: uso de hidroxiuréia a nível ambulatorial Outras medidas para profilaxia de STA: - Uso cauteloso de opiódes para o tratamento da dor; - Estímulo à deambulação precoce e exercícios respiratórios pacientes pós-op. - Evitar hiper-hidratação; - Imunização para pneumococo, hemófilo e influenza; - Monitorização cuidadosa dos pacientes internados Seqüestro esplênico • Definição Queda de >2g/dL níveis basais Hb, elevação dos níveis de reticulócitos e aumento agudo do baço (dor em HE). Casos mais graves: óbito. • Fisiopatologia Retenção aguda das hemácias no baço, causando queda abrupta Hb e da volemia, podendo resultar em choque. Mais freqüente em crianças de 2 meses a 3 anos de idade. Adultos com outras doenças falciformes (ex: SC, Sβ) cujo baço está preservado até idades mais avançadas também podem sofrer essa complicação. Seqüestro esplênico • Exames para diagnóstico - Hemograma + contagem de reticulócitos - Ultrassonografia de abdome, se disponível. - Medir o tamanho do baço na entrada e diariamente • Tratamento - Transfusão: Objetivo da Tx : manter Hb basal (antes do episódio). - Tx 5-6ml/Kg diária até reversão do quadro. - Expansores volêmicos: albumina ou amino hidroxietílico, gelatina e dextran caso hipovolemia pós Tx. • • • Seguimento Após a estabilização do quadro clínico, é indicada esplenectomia eletiva. Caso a esplenectomia seja contraindicada, o paciente deve ser incluído num programa de Tx crônica (antes dos 3 anos de idade). Crise aplástica • Definição Queda de ±3g/dL nos níveis basais de Hb e reticulocitopenia importante. O agente mais comumente implicado é o parvovírus B19. • 2. Fisiopatologia - O vírus infecta precursores eritróides e megacariócitos, podendo cursar com plaquetopenia, além da piora intensa da anemia. - Mais freqüente em crianças com doença falciforme, mas adultos e pacientes com outras patologias que cursam com anemia hemolítica crônica (talassemia, esferocitose, etc). - O principal diagnóstico diferencial se faz com seqüestro esplênico (anemia+reticulocitose+esplenomegalia). Crise aplástica • Exames para diagnóstico História clínica (pródromo viral, diarréia, irmãos acometidos...) e exame físico. Hemograma + contagem de reticulócitos Sorologia e/ou PCR para parvovírus B19 • Tratamento Transfusão: objetivo da transfusão é manter Hb basal. Tx inicial de 5-6ml/kg. Se o quadro clínico persistir, outras transfusões de CH podem ser indicadas. • OBS: Administração de Imunoglobulina: o uso de IgG é reservado para pacientes imunossuprimidos com quadro clínico prolongado. Priapismo • Definição Ereção não desejada, dolorosa, de duração variável que acomete a maioria dos pacientes do sexo masculino AF. A média de idade do aparecimento do priapismo é de 12 anos, e após os 20 anos, cerca de 89% dos pacientes já terão apresentado pelo menos um episódio. • Fisiopatologia vasooclusão dos vasos que drenam o sangue venoso do órgão. • Classificação: Priapismo prolongado: duração de mais de 2 horas. Priapismo intermitente: duração de alguns minutos até menos de 2 horas. Priapismo- tratamento • Priapismo intermitente: • Estimular a hidratação e orientar analgesia oral no domicílio. Caso não melhore em cerca de 2 horas, procurar assistência médica. • Priapismo prolongado: • Primeiro passo: hidratação endovenosa vigorosa (3-4 L/dia) e analgesia eficaz (vide CVO). Caso não resolva em 1 hora, continuar protocolo. Segundo passo: aspiração do sangue represado no corpo cavernoso e irrigação local com solução de epinefrina diluída em salina (1:1.000.000). Terceiro passo: caso a aspiração não resolva, considerar, juntamente com a equipe de urologia, a realização de shunt corpo cavernoso-esponjoso (cirurgia de Winter). Quarto passo: caso o shunt não possa ser realizado, considerar a realização de eritrocitaférese ou transfusão de troca (vide protocolo STA). Atentar para síndrome ASPEN (associação anemia falciforme, priapismo, eritrocitaférese e sintomas neurológicos). • • • Tratamento doença de base • Tratamentos disponíveis: - Curativo: TMO alogênico Terapia gênica (futuro) análogos nucleosídeo (5-azacitidina) Inibidores histona deacetilase (butirato de sódio) Indutores HbF - Controle: Inibidor da ribonucleotídeo redutase (Hidroxiuréia) Bloqueadores desidratação celular Inibidores cotransporte KCl (magnésio) Inibidores canal Gardos (clotrimazol) Hidroxiuréia • Profilaxia de novos episódios: 15-30 mg/kg/dia • STA • CVO • Priapismo • No priapismo, a Hidroxiuréia (HU) em doses elevadas (30-35 mg/kg/d) por tempo indeterminado. • Já na profilaxia AVC transfusão crônica