Glomerulonefrite Membranosa Endrigo Donadi Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto Disciplina de Nefrologia A glomerulonefrite membranosa é uma das principais causas de síndrome nefrótica em adultos e se caracteriza pela presença de lesão da membrana basal glomerular. Anatomia patológica A GNM caracteriza-se por espessamento difuso da membrana basal glomerular devido a depósitos elétron-densos subepiteliais e/ou intramembranosos que, à microscopia de imunofluorescência, representam depósitos difusos de IgG e C3, com padrão granular, nas alças capilares. Microscopias Óptica Características Espessamento difuso da MBG Imunofluorescência Depósitos granulares difusos de IgG e C3 em alças capilares Eletrônica Depósitos elétron-densos epi e/ou intramembranosos Patogenia Três são as principais hipóteses, para explicar a formação dos depósitos imunes subepiteliais observados na GNM: - depósito de imunocomplexos circulantes; - reação de anticorpos circulantes com componentes da membrana citoplasmática dos podócitos; - reação de anticorpos circulantes com antígenos adsorvidos à membrana basal glomerular. Epidemiologia Estima-se que em torno de 20 a 40% dos pacientes adultos com síndrome nefrótica apresentam GNM. Em crianças, essa lesão é menos freqüente, oscilando entre 1 e 11% das biópsias. Na maioria das séries publicadas há predomínio do sexo do sexo masculino (60%), da raça branca e a idade média em torno de 35 – 45 anos. Etiologia Em torno de 60 a 80% das vezes, a etiologia da GNM não pode ser determinada. Várias condições mórbidas têm sido relatadas associadas ao seu desenvolvimento. Doenças auto-imunes: lúpus eritematoso sistêmico, artrite reumatóide, tireoidite de Hashimoto, doença de Graves, doença mista do tecido conjuntivo, espondilite anquilosante, dermatite herpetiforme, síndrome de Sjögren, pênfigo bolhoso, cirrose biliar primária. Infecções: hepatite B, hepatite C, lues, malária quartã, hidatidose, esquistossomose, endocardite por enterococos, brucelose, mal de Hansen, HIV. Drogas: captopril, sais de ouro, mercúrio, penicilamina. Miscelânea: neoplasias, transplante renal, trombose de veia renal, sarcoidose. Neoplasias Vários são os tipos de tumores associados a GNM, exemplos: esôfago, estômago, cólon, células renais, mama e ainda menos comum linfomas, LLC, melanoma e sarcoma de Kaposi. GNM relacionado a infecções virais As infecções poderiam dar origem à GNM, quer porque o agente infectante poderia liberar antígenos que se ligariam à membrana basal glomerular, quer por induzir a produção de anticorpos dirigidos contra componentes da membrana citoplasmática dos podócitos. Infecções por vírus B (VBH), vírus C (VCH) e HIV Em estudos epidemiológicos, a casuística em adultos pode chegar a 41% da associação entre GNM e VBH. A relação em VCH e GNM é menos clara devido sua menor incidência, cerca de 1 a 5%, com a presença do VHC no tecido renal. A presença de GNM com o vírus HIV é mínima, cerca de 1 a 2% dos casos, ocorrendo principalmente o depósito de imunocomplexos na membrana basal glomerular. Apresentação clínica Idade Média Sexo masculino Média Síndrome nefrótica Média Hematúria microscópica Média Hipertensão arterial Média Aumento de creatinina Média 35 - 45 anos 40% 60 – 70% 66% 50 – 90% 70% 30 – 70% 50% 0 – 70% 50% 4 – 50% 30% Fatores de pior prognóstico: - Idade maior que 60 anos; - Sexo masculino; - Hipertensão arterial; - Proteinúria > 3,5g/24h; - Creatinina > 1,5mg/dl; - Intensidade da lesão tubulointersticial avaliada pela biópsia renal. 1) Tratamento GNM 2) Tratamento Inespecífico: - Restrição de ingestão de sal; Diuréticos; Inibidores da ECA e ARA II Vacinação. 3) Tratamento Específico Efeito dos corticosteróides – estudos prospectivos. Cameron et. al. Esquema Perda da terapêutico função Nº Proteinúria (prednisona por via renal oral) 16 30mg/dia durante 3 Não alterou Não alterou Csains 72 Cattran et. al. Cameron et. al. Autor semanas, seguido por 20mg/dia por 8 semanas Não alterou Diminuiu a velocidade 179 45mg/m² de Não alterou Não alterou 103 100-150mg/dias Não alterou Não alterou 150mg/dias alternados durante 2 meses superfície corporal em dias alternados durante 6 meses alternados Efeito de drogas citostáticas – estudos prospectivos. Autor Nº Esquema terapêutico Proteinúria Perda da função renal Donadio et. al. 22 Ciclofosfamida Não alterou Não alterou Murphy et. al. 40 Ciclofosfamida + dipiridamol + warfarina Diminuiu Não alterou MRCWP 14 Azatioprina + corticosteróides Não alterou Não alterou Ponticelli et. al. 100 Clorambucil + corticosteróide Diminuiu Diminuiu Ponticelli et. al. 87 Ciclofosfamida + corticosteróide x Clorambucil + corticóide Diminuiu Não alterou Efeito do tratamento sobre a função renal em pacientes com diminuição da filtração glomerular. Autor Nº Droga utilizada/via Evolução da função renal Short et al. 15 Metilprednisona, IV Melhora transitória Jindal et. al. 9 Diminuição da velocidade de queda da filtração glomerular 17 Ciclofosfamida VO x “Controle” Bruns et. al. 11 Ciclofosfamida, VO Melhora Williams e Bone 10 Ciclofosfamida, VO, ou azatioprina, VO Melhora Falk et. al. 18 Não houve diferença 18 Metilprednisolona, IV X Ciclofosfamida, IV Mathieson et. al. 8 Clorambucil, VO + corticóide Melhora Brunkhorst et. al. 9 Clorambucil, VO + corticóide Melhora Bransten et. al. 17 Clorambucil, VO + corticóide X Ciclofosfamida, VO Não alterou Ciclosporina, VO X Controle Diminuição da velocidade de queda da filtração glomerular 15 Cattran et. al. 9 8 Melhora ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO Cattran (HDCN julho de 2005) ► Baixo Risco: ► Médio Risco: ► Alto Risco: - Função renal normal - Proteinúria < 4g/dia - Função renal normal - Proteinúria 4 a 8g/dia - Função renal alterada - Proteinúria > 8g/dia PROPOSTA TERAPÊUTICA Baixo Risco: - Redução de proteinúria - Controle pressórico - Uso de inibidores da ECA e/ou ARA. Tratamento para pacientes de Alto e Médio Risco: - Corticóide isolado = inefetivo - Corticóide + droga citotóxica = efetiva - Ciclosporina = efetiva Recomendações da SBN (junho de 2005) Fatores de bom prognóstico em GNM: 1) Sexo feminino, criança ou adulto jovem; 2) Doença secundária ao uso de drogas; 3) Proteinúria inferior a 3,5g/dia; 4) Função renal normal nos primeiros 3 anos da doença. Recomendação 1: ● Corticosteróides VO não devem ser usados isoladamente. Recomendação 2: ● Azatioprina não deve ser usada no tratamento de GNM. Azatioprina é ineficaz em induzir remissão isolada ou combinada com corticóide. Recomendação 3: ● Tratamento com agente alquilante induz remissão prolongada em GNM. Recomendação 4: ● Ciclosporina é uma opção para pacientes com GNM que têm risco elevado de IR progressiva. BIBLIOGRAFIA - Glomerulopatias: Patogenia, Clínica e Tratamento. Barros RT, Alves MAR, Kirztajn GM, Sens YAS, Dantas M, 2ª edição, São Paulo, Sarvier, 2006. - Kawasaki, Y. Secundary nephrotic syndrome induced by infection. Japonese journal of clinical medicine. Volume 62, Issue 10, October 2004, Pages 19251929. - Gopalani, A, et al. Prevalence of glomerulopathies in autopsies of patients infected with the hepatitis C virus. American Journal of the Medical Sciences. Volume 322, Issue 2, 2001, pages 57-60. - Tillmann, H, et al. Virus associated glomerulonephritis. Internist. Volume 44, Issue 9, 1 September 2003, Pages 1098-1106. - Szczech, L.A. et al. The Uncertain Significance of Anti-Glomerular Basement Membrane Antibody Among HIV-Infected Persons With Kidney Disease. American Journal of Kidney Diseases. Volume 48, Issue 4, October 2006, Pages 55-59. - Cheng, J. et al. Hepatitis C virus-associated glomerular disease in patients with human immunodeficiency virus coinfection. Journal of the American Society of Nephrology. Volume 10, Issue 7, July 1999, Pages 1566-1574. BIBLIOGRAFIA - Sabry, A. et al. HCV associated glomerulopathy in Egytian patients: Clinicopathological analysis. Virology. Vol 334, Issue 1, 30 March 2005, Pages 10-16. - Rodriguez, P. et al. Membranous nephropathy associated with autoimmune thyroiditis. Nefrologia. Volume 16, Issue 6, 1996, Pages 558-561. - McGuire BM, et al. Brief communication: Glomerulonephritis in patients with hepatitis C cirrhosis undergoing liver transplantation. Ann Intern MED. 2006 May 16;144 (10): 735-41. - Newell GC. Cirrhotic glomerulonephritis: incidence, Morphology, clinical features, and pathogenesis. Am J Kidney Dis 1987 Mar; 9 (3): 183-90. - Beaufils H, et al. HIV-associated IgA nephropathy—a post-mortem study. Nephrol Dial Transplant 1995; 10 (1): 35-8. - Katz A, et al. IgA nephritis in HIV-positive patients: a new HIV-associated nephropathy? Clin Nephrol 1992 aug; 38 (2): 61-8. - Kimmel PL, et al. Brief report: idiotypic IgA nephropathy with human immunodeficiency virus infection. N Engl J Med 1992 Sep 3; 327 (10): 702-6.