CÉLULAS TRONCO-EMBRIONÁRIAS E PESQUISA CIENTÍFICA Constitucionalidade da Lei de Biossegurança Brasileira: Estudo de Caso Julgado pelo Supremo Tribunal Federal (ADI 3510/2008) Prof. Dr. Fernando Horta Tavares Acção Directa de Inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança (ADI 3510) Art. 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança (Lei 11.105, de 24 de Março de 2005): “É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há mais de três anos Acção Directa de Inconstitucionalidade da Lei de Biossegurança (ADI 3510) Art. 5º e parágrafos da Lei de Biossegurança (Lei 11.105, de 24 de Março de 2005): § 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisas ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projectos à apreciação e aprovação dos respectivos comités de ética e pesquisa § 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo…. Lei de Biossegurança (ADI 3510): Argumentos do Procurador Geral da República A Lei 11.105/2005 não observa: Inviolabilidade do Direito à Vida: o embrião é vida humana Estado Democrático de Direito brasileiro tem fundamento na preservação da dignidade da pessoa humana Lei de Biossegurança (ADI 3510): Argumentos do Procurador Geral da República É inconstitucional o art. 5º, da Lei 11.105 porquê: a) A vida humana acontece na, e a partir da fecundação; b) O “zigoto” constituído por uma única célula, é um “ser humano embrionário”; c) É na fecundação que a mulher engravida acolhendo o zigoto, desenvolvendo-o; d) Pesquisas com células-tronco adultas são mais promissoras do que com células-tronco embrionárias Lei de Biossegurança (ADI 3510): Defesa pelo Presidente da República e pelo Parlamento a) b) c) d) É constitucional o art. 5º, da Lei 11.105 porquê: O Direito Fundamental à Saúde é dever do Estado na protecção à inviolabilidade do direito à vida; A Constituição garante a Livre Expressão da Actividade Científica e incentiva seu Desenvolvimento; É permitida a utilização de material embrionário em vias de descarte para fins de pesquisa e terapia; A lei de biossegurança coloca a Ciência em patamar de avanço para proporcionar Dignidade às pessoas acometidas de enfermidade ou vítimas de acidentes: As questões debatidas na Acção de Inconstitucionalidade 3510 Proteção ao indivíduo-pessoa também na legislação infraconstitucional brasileira: Direitos do Nascituro (Código Civil brasileiro) Vedação à gestante de dispor de tecidos, órgãos ou partes de seu corpo vivo e do ato de não oferecer risco à saúde do feto (Lei 9.434/97) Criminalização do aborto: tutela a um organismo ou entidade pré-natal e sempre no interior do corpo feminino (Código Penal brasileiro). As questões debatidas na Acção de Inconstitucionalidade 3510 Ponto Central: qual o início da vida? Art.2º Código Civil brasileiro: “a personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” As questões debatidas na Acção de Inconstitucionalidade 3510 Três teorias da protecção conferida ao nascituro: 1. natalista (não é considerado ser humano; tem expectativa de direito); 2. concepcionista (protecção desde a concepção) e, 3. personalidade condicionada (direitos desde a concepção, se nascer e funcionar aparelho cardio-respiratório) As questões debatidas na Acção de Inconstitucionalidade 3510 Nascituro: ser humano já concebido, em estado de fato, que ainda não veio à luz; tem vida intra-uterina e expectativa futura de nascimento Embrião: produto das primeiras modificações do ovo que resultou da fecundação, que pode ou não dar origem a um novo indivíduo, animal ou vegetal Embrião inviável (desenvolvimento não-continuado por ausência de divisão após 24 horas) ou há tempo congelado, que não irá se desenvolver em útero, que não se transformará em feto ou que não desaguará em nascimento, seria ser humano? As questões debatidas na Acção de Inconstitucionalidade 3510 Células-tronco embrionárias pluripontentes: capazes de originar todos os tecidos de um indivíduo adulto (tipologia celular que ofereceria melhores possibilidades de recuperação da saúde de pessoas naturais ou anomalias ou graves incómodos genéticos) Embrião não utilizado para fertilização, assim, poderia contribuir para o desenvolvimento de pesquisas científicas que resultassem em qualidade de vida das gerações futuras? As questões debatidas na Acção de Inconstitucionalidade 3510 Começo e fim da vida humana na Constituição para fins de pesquisa e tratamento científicos: se é autorizada a remoção de tecidos e órgãos humanos para fins de transplante e pesquisa, uma vez constatada a morte encefálica (art. 199, par. 4º CRFB e Lei 9434/97) igualmente, seriam justificáveis pesquisas do ente absolutamente incapaz de qualquer resquício de vida encefálica (embrião que trata o art. 5 da Lei da Biossegurança) As posições da Academia Brasileira de Ciências • Início da vida individual: “ovo fecundado, ou embrião em fase de desenvolvimento, somente será considerado ser humano em potencial se tiver a possibilidade de ser implantado em útero” • A necessidade de pesquisa em células-tronco embrionárias (pluripotentes): comprovada capacidade de dar origem a tecidos adultos • Situação de outros países: tendência à aprovação de pesquisas em células-tronco de embriões; reprovação à clonagem de seres humanos, mas admitida a clonagem terapêutica em Inglaterra Do Julgamento pelo STF: Pontos Importantes da Fundamentação As pessoas naturais seriam aquelas que sobreviveram ao parto (personalidade civil) A Constituição Brasileira se refere a dignidade da pessoa humana, isto é, do indivíduo-pessoa: o bem jurídico protegido é da vida de uma pessoa concreta (natitiva), cuja inviolabilidade diz respeito exclusivamente a um indivíduo já personalizado Um casal de adultos tem liberdade para recorrer às técnicas de reprodução assistida que incluísse a fertilização in vitro, fruto do planeamento familiar e da paternidade responsável, inexistindo o dever jurídico de aproveitar todos os embriões eventualmente formados, mesmo viáveis, porque não imposto por lei (5º, II) Do Julgamento pelo STF: Pontos Importantes da Fundamentação Direito Fundamental â Saúde está vinculado à Livre Expressão da Actividade Científica: encontro constitucional do Direito com a Ciência Saúde é direito de todos e dever do Estado, garantida por meio de acções e serviços públicos relevantemente qualificados Embriões derivados da fertilização artificial, não implantados no útero materno, e o emprego de células-tronco embrionárias para fins de pesquisa científica não implicaria em aborto, nem feriria o Direito á Vida CÉLULAS TRONCO-EMBRIONÁRIAS E PESQUISA CIENTÍFICA: O debate filosófico O embrião pode ser descrito como um estagio prematuro de desenvolvimento como “um amontoado de células” OU é todo exemplar biologicamente determinável e considerado como uma pessoa em potencial portador de direitos fundamentais? “A individualização da história de vida realiza-se por meio da socialização (forma de vida intersubjectivamente compartilhada)” (Habermas) CÉLULAS TRONCO-EMBRIONÁRIAS E PESQUISA CIENTÍFICA: O debate filosófico - O ser geneticamente individualizado no ventre materno não é uma pessoa “já pronta”, que só se transforma em pessoa dotada de razão em uma esfera pública da comunidade linguística (Habermas) - A pluralidade é o traço fundamental da existência da pessoa humana: “para as pessoas vida quer dizer o mesmo que ´estar entre os homens (inter homines esse), e morte o mesmo que ´deixar de estar entre os homens” (Hannah Ahrendt) - A igualdade não é um fato, mas um ideal político baseado em uma decisão moral (Karl Popper), que pode ser deontologicamente constitucionalizada CÉLULAS TRONCO-EMBRIONÁRIAS E PESQUISA CIENTÍFICA: considerações epistemológicas em Karl Popper Como avaliar os limites do conhecimento humano? O racionalismo crítico propõe a defesa da teoria de que o conhecimento é o instrumento de que dispõe o ser humano para evitar as indesejadas conseqüências irrevogáveis e incontroláveis de nossas ações intencionais O conhecimento humano se desenvolve através da construção de soluções com as quais tentamos resolver os problemas que nos propomos, daí a necessidade de fundamentação racional para as condutas humanas CÉLULAS TRONCO-EMBRIONÁRIAS E PESQUISA CIENTÍFICA: considerações epistemológicas em Karl Popper - “Com cada passo adiante, com cada problema que resolvemos, nós não somente descobrimos novos problemas irresolutos, mas descobrimos que, ali onde pensávamos estar assentados salvos em chão firme, todas as coisas são, na verdade, inseguras e em estado de transição”, por isto, nossa ignorância permanece infinita - O conhecimento humano avança por meio de conjecturas e eliminação de erros: raras vezes sabemos que o conteúdo do que afirmamos é verdadeiro (“o conhecimento permanece provisório para sempre”, porque é falseável)