FILOSOFIA PATRÍSTICA E ESCOLÁSTICA • O helenismo fornece o pano de fundo político e cultural que permite a aproximação entre a cultura judaica e a filosofia grega, o que tornará mais tarde o surgimento de uma filosofia cristã. • O período helenístico é o último período da filosofia antiga, quando a polis grega desapareceu como centro político, deixando de ser a referência principal dos filósofos, uma vez que a Grécia encontrava-se sob o poderio do Império Romano. • O termo “helenismo” é derivado da obra do historiador alemão J.G. Droysen, Helenismus, e designa a influência da cultura grega em toda a região do Mediterrâneo oriental e do Oriente Próximo desde as conquistas de Alexandre (332 a.C.) – do estabelecimento de seu império e dos reinos criados após a sua morte (323 a.C.) por seus sucessores até a conquista romana do Egito em 30 a.C., que passa a marcar a influência de Roma nessa mesma região. A religião cristã, embora originária do judaísmo, surge e se desenvolve mo contexto do helenismo, e é precisamente da síntese entre o judaísmo, o cristianismo e a cultura grega que se origina a tradição cultural ocidental de que somos herdeiros até hoje. Como se justifica a relação entre o cristianismo, que por sua origem revelada é uma religião, e a filosofia grega que em seu próprio surgimento já pretendia romper com o pensamento míticoreligioso? Alexandria é uma cidade cosmopolita, onde convivem várias culturas; a egípcia característica da região, a grega dos fundadores da cidade, a romana dos que haviam recentemente conquistado o Egito; e a cultura judaica da grande comunidade dos judeus que lá viviam. Essas culturas convivem e se integram, há grande tolerância religiosa, inclusive um espírito de sincretismo típico da cultura greco-romana. E se falam várias línguas. A comunidade judaica, próspera e educada, fala fluentemente o grego. • Fílon de Alexandria, p.ex., é um judeu helenizado que viveu em Alexandria nesse período e produziu uma série de comentários ao Pentateuco (os cinco livros iniciais do Antigo Testamento), aproximando-o da filosofia grega. • Encontramos em Fílon uma aproximação entre a cosmologia platônica no Timeu e a narrativa da criação do mundo no Gênesis. • No Timeu Platão apresenta uma explicação da origem do cosmo, segundo a qual o demiurgo (um deus intermediário) olhando para as formas ou idéias que lhe servem de modelos, organiza a matéria e dá origem a todas as coisas. Na interpretação de Fílon, Deus (e não o demiurgo) cria o cosmo, porém a partir das idéias em sua mente e não contemplando-as fora dele. • Esta seria precisamente uma das origens da concepção que se desenvolverá progressivamente ao longo dessa tradição, segundo a qual as idéias deixam de ser independentes existindo em um mundo próprio como em Platão e passam a ser entendidas como entidades mentais, inicialmente na “mente de Deus”, posteriormente na mente humana. Este processo terá seu ponto culminante na teoria das idéias de Descartes. • Fílon, embora sem ser cristão, abre o caminho para a síntese entre cristianismo e filosofia grega, que ocorre ao longo dos três primeiros séculos da religião cristã que inicialmente não se distinguia do judaísmo, sendo vista como uma seita ou um movimento renovador ou reformista dentro da religião e da cultura judaica. • Fílon retoma o conceito grego de logos, interpretando-o como um princípio divino a partir do qual Deus opera no mundo. Essa visão influenciará fortemente o desenvolvimento da filosofia cristã e se encontra na abertura do quarto evangelho (de são João), escrito ao final do séc.I em Éfeso, em que se lê: “No princípio era o Verbo (logos)”. • O primeiro marco na constituição do cristianismo como religião independente e dotada de identidade própria é a pregação de são Paulo, outro judeu helenizado, funcionário do Império Romano, que se converte e passa a pregar e difundir a religião cristã em suas viagens por alguns centros do I.Romano. É em são Paulo que encontramos a concepção de uma religião universal, não só a religião de um povo, mas de todo o Império, de todo o mundo então conhecido. • Destaque-se que os fariseus pretendiam que o cristianismo fosse pregado apenas aos judeus, ao passo que Paulo defendia a necessidade de pregar a todos, tendo ficado por isso conhecido como o “apóstolo dos gentios”. Conforme lemos na Epístola aos gálatas (3,28), “Não há judeu, nem grego, nem escravo, nem homem livre, nem homem, nem mulher: todos sois um no Cristo Jesus”. • Considera-se são Justino como o primeiro filósofo cristão por se converter ao cristianismo, passando a admiti-lo como a “verdadeira filosofia”e a defender a idéia e a necessidade de uma filosofia cristã. Os pensadores desse período, filósofos e teólogos, que seguem essa via serão conhecidos como apologetas porque faziam a apologia, ou defesa do cristianismo, e seu pensamento será conhecido como patrística, ou seja, doutrina dos padres (pais) da igreja. Destacam-se, além de Justino e de tantos outros, sto.Ambrósio, Boécio e o maior de todos, sto.Agostinho. Sua influência na elaboração e consolidação da filosofia cristã na Idade Média, até a redescoberta do pensamento de Aristóteles no séc.XIII, foi imensa e sem rival. • A aproximação que elaborou entre a filosofia de Platão e o cristianismo constitui a primeira grande síntese entre o pensamento cristão e a filosofia grega, o assim chamado platonismo cristão. • Aurélio Agostinho nasceu em 354 em Tagaste na Numídia, província romana no norte da África, hoje localizada na Argélia, e faleceu em uma cidade próxima de Hipona, da qual era bispo, em 430. Segundo ele próprio nos narra em suas Confissões foi a leitura do diálogo de Cícero, Hortensius, que primeiro despertou seu interesse pela filosofia. Aderiu ao maniqueísmo, religião de origem persa fundada por Mani no séc.XIII como um desdobramento do cristianismo, e que apresentava uma visão dualista do mundo perpetuamente em luta entre dois princípios equivalentes, o Bem e o Mal. Em 386 converteu-se ao cristianismo sob a influência de santo Ambrósio e do platonismo cristão de Mário Vitorino. • Obras principais: o diálogo De magistro, dirigido a seu filho Adeodato; Confissões e A cidade de Deus. • Principais contribuições ao desenvolvimento da Filosofia: sua formulação das relações entre teologia e filosofia, entre razão e fé; sua teoria do conhecimento com ênfase na questão da subjetividade e da interioridade; e sua teoria da história elaborada na monumental Cidade de Deus. • Em suma, a filosofia patrística vai do séc.I ao séc.VII, com as Epístolas de são Paulo e o Evangelho de são João e pelos primeiros padres da igreja para conciliar a nova religião – o cristianismo – com o pensamento filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela. A filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. • A patrística foi obrigada a introduzir idéias desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a idéia de criação do mundo a partir do nada, de pecado original do homem, de Deus como trindade uma, de encarnação e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição, etc. Precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi criado por Deus que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com sto Agostinho e Boécio, a idéia de “homem interior”, isto é, da consciência moral e do livre-arbítrio da vontade, pelo qual o homem, por ser dotado de liberdade para escolher entre o bem e o mal, é o responsável pela existência do mal no mundo. • Para impor as idéias cristãs, os padres da igreja as transformaram em verdades reveladas por Deus (por meio da Bíblia e dos santos) que, por serem decretos divinos, seriam dogmas, isto é, verdades irrefutáveis e inquestionáveis. Com isso, surge uma distinção desconhecida pelos antigos, entre verdades reveladas ou da fé e verdades da razão ou humanas, isto é, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, sendo que as primeiras introduzem a noção de conhecimento recebido por uma graça divina, superior ao simples conhecimento racional. • Dessa forma, o grande tema de toda a filosofia patrística é o da possibilidade ou impossibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse respeito, havia três posições principais: • 1. Os que julgavam a fé e razão irreconciliáveis e a fé superior à razão (diziam eles: “Creio porque absurdo”.). • 2. Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé (diziam eles: “Creio para compreender”.). • 3. os que julgavam razão e fé inconciliáveis, mas afirmavam que cada uma delas tem seu campo próprio de conhecimento e não devem misturar-se (a razão se refere a tudo o que concerne à vida temporal dos homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à salvação da alma e à vida eterna e futura). • A filosofia medieval (do séc.VIII ao séc.XIV) abrange pensadores europeus, árabes e judeus. É o período em que a igreja romana domina a Europa, ungia e coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e criava, à volta das catedrais, as primeiras universidades ou escolas. E, a partir do séc.XII, por ter sido ensinada nas escolas, a Filosofia medieval também passa a ser conhecida com o nome de escolástica. • A filosofia medieval teve como influências principais as idéias de sto Agostinho, o neoplatonismo e o Aristóteles, conservado e traduzido pelos árabes, particularmente Avicena e Averróes. • Além dos problemas da patrística e do Problema dos Universais, um dos seus temas mais constantes são as provas da existência de Deus e da imortalidade da alma, isto é, demonstrações racionais da existência do infinito criador e do espírito humano imortal. • A diferença e a separação entre infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferença entre razão e fé (a primeira deve subordinar-se à segunda), a diferença e a separação entre corpo (matéria) e alma (espírito), o Universo como uma hierarquia de seres, onde os superiores dominam e governam os inferiores (Deus, serafins, querubins, arcanjos, anjos, alma corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da filosofia medieval. • ESSE FOI UM TEMPO DIVINO, TEOCÊNTRICO. • O RENASCIMENTO É A CRÍTICA AO DOMÍNIO DO SOBRENATURAL À RAZÃO. • A MODERNIDADE É A CONSTATAÇÃO DO PODER DA RAZÃO SOBRE A NATUREZA E A CAPACIDADE DESSA RAZÃO EXPLICAR O REAL INDEPENDENTEMENTE DE QUAISQUER DEUSES. • A CRISE DA MODERNIDADE (PÓSMODERNIDADE) É A EVIDÊNCIA DA IRRACIONALIDADE DA RAZÃO. • UMA POSSÍVEL IMPOSSIBILIDADE DE UMA RAZÃO ÉTICA. Francis Bacon y la formación del pensamiento moderno • FILOSOFIA MODERNA • É difícil determinar com clareza as diversas contribuições para a formação do pensamento moderno. Mas, se reduzirmos nosso interesse aos aspectos filosófico e científico –intimamente ligados nessa época- despertam de imediato em nossa mente três nomes: Descartes, Galileu e Francis Bacon. • Muito se tem discutido sobre a maior ou menor influência que esses três pensadores tiveram na formação da consciência filosófica e científica modernas. • A contribuição de cada um deles é de natureza muito distinta. • Por que havia tanta preocupação e debate em torno da Razão na época de Descartes? Por que a racionalidade humana se tornou um problema para o séc.XVII? • Na cultura do ocidente a racionalidade humana parecia uma coisa evidente desde o séc. IV a.C., quando Aristóteles elaborou essa definição de ser humano. • No entanto essa racionalidade deixa de ser considerada a marca humana entre os séculos V e XV, Idade Média, em que predomina o feudalismo, período em que tudo estava envolto numa aura de religiosidade e misticismo. • Na Idade Média, as sociedades européias giraram em torno da Igreja Católica e do cristianismo: a fé cristã passou a ser o principal guia da existência humana, a Razão perdeu sua posição de condutora privilegiada do homem. • O ponto de partida da Igreja era que Deus já se manifestara aos homens e apontado os caminhos para se alcançar a felicidade e a salvação • Na concepção medieval, era muito restrito o campo de ação live e autônoma da Razão, voltada apenas para ações consideradas secundárias. Quem se arriscasse a usar a Razão como ferramenta de conhecimento não poderia jamais deixar de lado a Revelação bíblica, e muito menos entrar em conflito com ela. Ensinava-se à força ou não, que confrontar Razão e Revelação era chocarse diretamente contra Deus (e a Inquisição). • Os bispos tinham ordem de assalariar informantes cujo dever era denunciar todos os cristãos suspeitos, isto é, todos aqueles cuja maneira de viver divergia da dos católicos. Os bispos, então, examinavam estes cristãos e os puniam como achavam conveniente. • Os bispos que deixassem de contribuir com suas quotas de hereges queimados eram, por ordem do papa, depostos de seus cargos. Em alguns casos, quando mostravam muita clemência com suas vítimas, eram ameaçados de prisão, sob a acusação de heresia. (Henry Thomas, A história da raça humana,2.ed.,Porto Alegre, globo,1959.) • A idéia de modernidade está estreitamente relacionada à ruptura com a tradição, ao novo, à oposição à autoridade da fé pela razão humana e à valorização do indivíduo, livre e autônomo, em oposição às insittuições. Essas idéias terão uma importância central no desenvolvimento do pensamento de Descartes. A crença no poder crítico da razão humana individual, a metáfora da luz e da clareza que se opõem à escuridão e ao obscurantismo, e a idéia de busca do progresso que orienta a própria tarefa da filosofia são alguns dos traços fundamentais da modernidade de Descartes. • Descartes é antes de tudo um filósofo. Com ele se inicia um novo modo de filosofar que caracterizará o pensamento moderno e que se pode denominar idealismo, num sentido amplo. Viu na matemática o paradigma do conhecimento e definiu a estrutura racional e mecânica da natureza, princípio que serviu de sustentação para todo o desenvolvimento posterior da ciência moderna. Sua preocupação metodológica é fundamental e está baseada na crença do poder e da razão. • Galileu, pelo contrário, é um homem de ciência. Seus descobrimentos são fundamentais; a concepção de Newton torna-se incompreensível sem a mecânica de Galileu. Sua produção científica se constitui numa série de descobrimentos científicos concretos e no princípio central que inspirou suas investigações pessoais e que se converteu num postulado fundamental da ciência moderna: o mundo físico é uma interação de forças calculáveis e de corpos medíveis. • Descartes foi um filósofo; Galileu, um homem de ciência. Bacon não é, a rigor, nem uma coisa nem outra. Em suma, Bacon é um metodólogo. É o primeiro que expõe de forma sistemática o método indutivo que tanto tem contribuido no desenvolvimento das ciências da natureza. • Num mundo em que se quer avançar, criar novos caminhos para nada serve o silogismo (aristotélico), torna-se infecundo por ser incapaz de descobrir novas verdades. • O problema do método é, por conseguinte, a questão inicial e básica da filosofia moderna. Descartes e Bacon são seus máximos expositores. • O aumento do conhecimento é o objetivo imediato dos esforços de Bacon. Ele não busca o saber pelo saber. Ele vê no conhecimento um instrumento para ação. • O homem pode na medida que sabe. O aumento do conhecimento implica a ampliaçào de seu domínio, de seu poderio. • O fundamento pragmático de sua concepção se encerra no seu conhecido aforismo: “saber é poder”. A subordinação do conhecimento à ação. • A verdadeira e legítima meta das ciências é a de dotar a vida humana de novo inventos e recursos que ampliem o domínio do homem sobre a natureza. Porém, é bom saber que se domina a natureza, conhecendo-a. • Ao refutar a dedução aristotélica considera a experiência como fonte originária do nosso conhecimento. Todo o saber está encerrado no livro da natureza. • • A etapa seguinte que precede a exposição de seu método indutivo consiste no exame dos obstáculos que impedem ou perturbam a busca da verdade. Referimo-nos a sua doutrina dos “idolas”. • O entendimento humano é uma espécie de espelho que altera e deforma as imagens dos objetos que pretendemos que conhecer, pois mistura, mescla seu próprio modo de ser com a imagem dos objetos. • Os homens não se preocupam em examinar a natureza das deformações inatas ou adquiridas do intelecto, ao contrário, têm preferido exaltar suas qualidades. • A primeira tarefa consistirá, portanto, no exame das falsas noções que se apoderam do espírito do homem. De tal modo, o pesquisador, o investigador, o intelectual, tomará consciência de tais deficiências, seja para eliminá-las ou para tê-las em contas no seu trabalho de investigaçào.