Mini Paper Series Ano 12 Abril, 2017 – No 284 Sistemas cognitivos que salvam vidas Hélvio de Castro Machado Homem ão seis da manhã de um feriado em um chalé no meio da Serra da Mantiqueira. Acordo com uma mão batendo em minhas costas e quando me dou conta, vejo minha esposa tentando se comunicar. Olho para ela, pergunto o que está acontecendo e a única coisa que sai de sua boca é um resmungo impossível de ser interpretado. Seus olhos começam a virar e pergunto: “é hipo?”. Ela mal consegue balançar a cabeça, mas é o suficiente para eu entender que sim, é uma hipoglicemia. Levanto desesperado, pego uma lata de refrigerante e com alguma dificuldade, faço-a beber. Encontro o glicosímetro, checo sua glicemia e me assusto: algo em torno de 25mg/dl. Depois de cerca de vinte minutos, de dar a ela a lata inteira de refrigerante, e de explicar onde estávamos e o que havia acontecido, é que me dou conta do que tinha se passado ali: eu quase havia ficado viúvo. Embora esse tenha sido o pior episódio de hipoglicemia de minha esposa que presenciei, inúmeros outros já aconteceram ao longo do nosso relacionamento. Ela tem diabetes tipo 1, ou seja, seu pâncreas não produz insulina e, portanto, ela faz aplicação dessa substância para evitar a hiperglicemia, que é alta taxa de glicose no sangue e que, quando frequente, causa sérios danos no longo prazo, como deficiência visual, renal, cardíaca, entre outras. A hipoglicemia, por outro lado, acontece quando o nível de açúcar no sangue fica abaixo de 70 mg/dl e se se continuar caindo, pode levar a morte instantânea. Atualmente, mais de 400 milhões de pessoas têm diabetes ao redor do mundo. Estima-se que anualmente, mais de 3 milhões de mortes são causadas pela diabetes ou por doenças desencadeadas por ela. O controle do nível de glicose no sangue do diabético é fundamental para evitar situações de hipo e hiperglicemia e, nos tratamentos mais modernos, o paciente calcula, com base em orientação médica, a quantidade de carboidratos ingeridos em uma determinada refeição e os converte em doses de insulina a serem aplicadas. Parece simples, mas há outras variáveis que afetam o resultado final. Embora existam tabelas de referência, determinar de forma precisa o peso do que está se ingerindo não é trivial, principalmente para alimentos não industrializados que não contam com uma tabela nutricional. Infecções geralmente elevam a glicemia e atividades físicas alteram o metabolismo, mudando a forma como o corpo reage à insulina. Acrescente a essas variáveis os erros humanos, e a chance de descontrole aumenta muito. Há vários anos, novos tratamentos e tecnologias vêm sendo desenvolvidos para melhorar a qualidade de vida dos pacientes S diabéticos e a eficácia dos tratamentos. Um grande exemplo disso são os chamados Sistemas de Infusão Contínua (SIC) de insulina, popularmente conhecidos como bombas de insulina. Seu conceito é um tanto quanto simples: um aparelho similar a um pager, com um mecanismo extremamente preciso, capaz de injetar micro doses de insulina através de um cateter aplicado no subcutâneo do paciente. É possível configurar para cada paciente, de acordo com a prescrição médica, a quantidade basal de insulina que deve ser injetada ao longo do dia e também os bolus, aquele racional de quantidade de insulina para quantidade de carboidrato ingerido. Configurações avançadas permitem, entre outras coisas, a variação da insulina basal a cada hora do dia e diferentes tipos de bolus, de acordo com o tipo de alimento ingerido. Essas funcionalidades permitem que se obtenham resultados mais satisfatórios, com um tratamento personalizado para cada paciente. Outra tecnologia que vem sendo trabalhada por fabricantes de bombas de insulina são os sensores para monitoramento da glicemia. Também conectado ao subcutâneo do paciente, o sensor é capaz de detectar tendências de glicemia e com isso, alertá-lo sobre eventos de hipo e hiperglicemia. A grande novidade nessa área é a introdução de aplicativos de smartphones que se conectam com a bomba e o sensor, coletam seus dados e, utilizando sistemas cognitivos, conseguirão ser muito mais eficientes na análise do tratamento e na predição de eventos, detectando-os com antecedência de até 2 horas. Uma vez detectado, o aplicativo poderia tomar uma ação, como suspender imediatamente a infusão de insulina e também alertar o paciente e pessoas próximas ou mesmo serviços de emergência, afinal, o paciente pode estar em sono profundo, já estar inconsciente ou ser um bebê. Já em desenvolvimento há mais de 10 anos, o pâncreas artificial é a grande aposta de especialistas no aperfeiçoamento de tratamento de pacientes diabéticos. Toda a tecnologia já desenvolvida é, certamente, uma grande base para seu sucesso. Esse é um dos exemplos de como a tecnologia, em especial com o advento de sistemas cognitivos, pode ajudar no desenvolvimento da área de saúde e melhorar a qualidade de vida de pacientes com doenças crônicas. Para saber mais http://www.diabetes.org.br/publico/ Medtronic Sugar.IQ with Watson http://www.jdrf.org/research/artificial-pancreas/ Hélvio de Castro Machado Homem é arquiteto de soluções em Cloud na IBM, entusiasta do tema de tecnologia em saúde, membro do TLCBR desde 2011 e seu atual líder. Tem 20 anos de experiência em tecnologia de informação, Bacharel em Sistemas de Informação e Pósgraduação em Gestão Empresarial pela FGV. O Mini Paper Series é uma publicação quinzenal do TLC-BR e para assinar e receber eletronicamente as futuras edições, envie um e-mail para [email protected].