O tratamento do transtorno da personalidade borderline por meio da terapia dialética comportamental Azucena García Palacios Universidade Jaume I, Castellón (Espanha) Alunos: Aline Costa Marine Queiroz Paulo Henrique Rafaela Garcia Introdução O transtorno da personalidade borderline (TPB): um dos desafios mais complexos que um clínico pode enfrentar. Instabilidade na: cognição, afetividade, atividade interpessoal e controle dos impulsos. Instabilidade emocional estado de sofrimento quase constante. Impulsividade sentimentos de culpa. Parece que esses indivíduos não puderam formar um conjunto integrado de esquemas sobre si mesmos (Caballo,2001b). Desvalidos e incapazes de assumir as rédeas de suas vidas Altamente competente. Dicotomia cognitiva e emocional. Constitui um problema muito difícil de tratar. As conquistas terapêuticas são lentas e acontecem abandonos e recaídas com muita frequência. Terapia dialética comportamental: desenvolvida pela dra. Marsha Linehan da Universidade de Washington, nos EUA. Teoria dialética do TPB: Linehan propõe uma abordagem biossocial para explicar o TPB, enfatizando a interação entre influências biológicas e da aprendizagem social. Reorganiza os critérios diagnósticos do DSM-IV, com as seguintes áreas problemáticas: 1.Disfunção emocional 2. Disfunção interpessoal 3.Disfunção comportamental 4.Disfunção cognitiva 5.Alteração da identidade A perspectiva dialética Essência da terapia: o paciente e o terapeuta se encontram nos extremos opostos de uma gangorra e estão conectados pela prancha, conforme essa gangorra. Problema dos pacientes borderline: a gangorra é uma vara de bambu sobre um cabo no alto do cânion do Colorado, onde terapeuta e paciente estão nos extremos. O terapeuta deve ir para o centro , buscando a integração entre os pólos. Três características principais: 1.O princípio da inter-relação e globalidade 2. O princípio da polaridade 3. O princípio da mudança contínua O TPB pode ser entendido como um fracasso dialético. Eles costumam se mover entre tese e antítese, e não conseguem integrar, fazer a síntese. Mantêm posições rígidas e contraditórias. A terapia dialética comportamental busca integrar esses padrões opostos. Fracassam no princípio de globalidade e inter-relação, sentindo-se separados do ambiente, com problemas de identidade. Passividade ativa X Competência aparente O modelo biossocial Possuem uma disfunção do sistema de regulação emocional. Baixo limiar para reagir emocionalmente. O medo se transforma em pânico e a vergonha em humilhação. Dificuldades em identificar e rotular as emoções, apesar de experimentá-las de forma muito intensa. Isto leva à esquiva que leva a um desconhecimento das próprias emoções. O ambiente que invalida: padrões de criação que não validam as expressões emocionais da criança vulnerável. Ambientes intolerantes à expressão de afeto negativo. Consequências para o indivíduo vulnerável: 1.Pede-se que mude, mas não se ensina como. 2.“Não é tão difícil”. “Se quiser, pode controlar”. 3. Pune emoções negativas e reforça emoções muito extremas. 4. A criança não aprende a confiar em suas próprias emoções para interpretar acontecimentos pessoais. O modelo de Linehan se fundamenta na relação entre uma alta vulnerabilidade emocional e um ambiente que invalida como mecanismo chave do desenvolvimento de um TPB. Essa interação produz uma instabilidade emocional. As disfunções nas áreas comportamental, interpessoal, cognitiva e de identidade são tentativas de controlar a emoção ou de conseguir o apoio do ambiente. A Terapia Dialética Comportamental Centra-se no treinamento de habilidades e na validação das capacidades do paciente. Objetivos: - Modulação da emotividade intensa e redução dos comportamentos não adaptativos relacionados à variação do humor. - Confiança e validação das próprias experiências: reconhecer e validar as capacidades, crenças, emoções e recursos que o paciente possui. Aspecto inovador da terapia: diferentemente da TCC clássica, que visa a mudança comportamental e cognitiva, a TDC enfatiza a aceitação e validação para conseguir a mudança desejada. Segundo a autora, os indivíduos com esse transtorno são frequentemente incitados à mudança no ambiente em que vivem e um tratamento que enfatizasse a mudança poderia não surtir os efeitos desejados. TCC = Mudança Mudanças cognitivas Mudanças Mudanças comportamentais emocionais TDC Aceitação Mudança Exemplo: No suicídio, não adianta enfatizar os aspectos positivos da vida, pois muitas vezes eles não existem na vida conturbada do paciente. Demonstrar entendimento e valorizar o sofrimento podem ser mais eficazes. Pode-se explicar ao paciente que, para ele, o suicídio pode ser uma solução, mas que existem outras possíveis. Não se trata de uma atitude paternalista. A colaboração ativa do paciente é imprescindível. A validação e aceitação são aspectos usuais para o estabelecimento da boa relação terapêutica. O diferencial da TDC é que torna esse processo uma estratégia fundamental para o programa de tratamento. Visão geral do tratamento 1. 2. 3. 4. 5. Preparar o cenário estabelecer metas e relação terapêutica. Estratégias essenciais estratégias de validação e solução de problemas. Outras estratégias também são usadas de acordo com as necessidades do paciente. Equilibrar estilos de comunicação estilo recíproco X estilo irreverente. Manifestação de empatia e argumentos absurdos até alcançar o equilíbrio. Combinar intervenção terapêutica intervenção com o paciente e no ambiente. Ex.: família. Tratar o terapeuta sessões clínicas em equipe para lidar com a complexidade dos casos. Aplicação do tratamento O modo de aplicação básico é a terapia individual. Cada paciente terá um terapeuta que o acompanhará. Sessões semanais de duração entre 50 e 60 min ou podem chegar de 90 a 110 min, dependendo das técnicas que forem treinadas. Como complemento da terapia individual realizase sessões em grupo com o objetivo de treinar habilidades. O treinamento consta de 8 sessões, uma por semana com duração de 2:30h. O grupo é constituído por 6 a 8 pacientes e 2 terapeutas. Após o treinamento em grupo, o paciente pode optar por participar de grupos de apoio junto a outros pacientes concomitantemente ao tratamento individual. São estabelecidas também consultas telefônicas visando reduzir o risco de comportamentos suicidas, aumentar a generalização de habilidades comportamentais e reduzir sentimentos de distância ou confrontação com o terapeuta. Pode-se utilizar tratamentos auxiliares como o farmacológico e internações hospitalares. O tratamento de problemas auxiliares, como vícios, problemas familiares e transtornos alimentares, podem também ser necessários. Acordos entre paciente e terapeuta Compromisso de frequentar a terapia durante um ano. No final, discute-se a necessidade de continuar. Compromisso de frequência às sessões. Se o paciente faltar a mais de 4 sessões sem justificativa, considera-se encerrada a terapia até o final do ano inicialmente acordado, podendo-se negociar o retorno após esse período. Compromissos com as metas do tratamento: diminuição de comportamentos suicidas, diminuição de comportamentos que interferem na terapia e na qualidade de vida do paciente e treinamento de habilidades sociais. Não cumprir compromissos é uma característica dos indivíduos com TPB, por isso, tem-se com eles uma certa flexibilidade avisando-os quando não estão cumprindo os compromissos. O terapeuta também assume o compromisso de se esforçar no tratamento, mas deixa claro que seu objetivo não é “salvar” o paciente. O paciente deve se esforçar e fazer sua parte. Deve-se abordar quais as expectativas do paciente em relação à terapia. O paciente com TPB podem, assim como fazer com as pessoas ao seu redor, ser pouco realistas e ser excessivas. O terapeuta deve declarar que seguirá condutas éticas, confidencialidade e respeito. Compromete-se a comparecer às sessões e a atender os telefonemas do paciente. Estrutura do Tratamento O tratamento consiste em 1 pré-tratamento e 3 fases de tratamento. Pré-tratamento: estabelecimento de relação terapêutica e orientação ao paciente sobre a terapia. Primeira fase: duração de 1 ano. Estudo das metas do tratamento. Terapias individual, em grupo e por telefone. Diminuição de comportamentos que interfiram na terapia e qualidade de vida. Segunda fase: sem duração determinada. Destinada ao tratamento do estresse pós-traumático causado por: perdas emocionais, maus-tratos sofridos, abuso sexual. São usadas técnicas cognitivocomportamentais. Terceira fase: consolidação de tudo o que foi aprendido visando prevenção de recaídas. Nesse momento o paciente já terá tido uma melhora e já é capaz de se comportar de uma maneira mais adaptativa. Momento de fazer planos realistas em variados âmbitos da vida como profissional, acadêmico, familiar. Redução de Comportamentos Suicidas Atos suicidas. Comportamentos parassuicidas: causar dano a si mesmo, sem intenção de morte. Idéia Suicida e comunicação da intenção de fazê-lo. Meta primária da terapia: Redução do suicídio. Entender que o paciente vê o suicídio como solução de seus problemas. O terapeuta deve fazê-lo entender que o suicídio não é uma solução, mas problema a mais. A terapia oferece ajuda ao paciente para construir uma vida que valha a pena ser vivida. As habilidades que serão aprendidas na terapia ajudarão o paciente a substituir formas desadaptativas de solução dos problemas por maneiras mais eficazes. Substituir o valor reforçador das contingências do comportamento suicida por outras que pertençam às habilidades treinadas na terapia. Quando a terapia é aceita como solução alternativa ao suicídio, afirma-se o compromisso de que, durante o tempo da terapia, o paciente deve tentar respeitar o acordo de não cometer comportamentos suicidas. Três regras básicas com relação à intervenção de crises suicidas: - Os atos sempre devem ser analisados em profundidade; - O paciente que realiza um ato suicida não pode chamar o terapeuta dentro de 24 horas. Mas pode recorrer aos serviços de urgência; - Aos pacientes potencialmente suicidas não serão prescritos medicamentos potencialmente perigosos. Após ocorrer um ato suicida: - O comportamento não pode ser reforçado com o apoio imediato (dentro de 24 horas) do terapeuta, já que isso poderia produzir um aumento desses atos. - Discute-se sobre possíveis comportamentos alternativos que poderiam ter sido realizados. - Atenção aos efeitos negativos do ato. - Ressaltar que ele não serviu para solucionar problemas. - Validar o sofrimento do paciente e analisar os antecedentes e conseqüentes do ato, com a intenção de preveni-lo no futuro. Ameaça de um ato suicida - Avaliar fatores como disponibilidade de meios. - Pedir para desfazer de objetos letais (medicamentos, álcool). - Instruir de forma enfática para que não se realize o ato (aspectos negativos e soluções alternativas) “Agora é uma boa oportunidade para pôr à prova o que você está aprendendo em terapia. Vamos analisar o que você pode fazer...” Comportamento parassuicida na presença do terapeuta - Chamar a emergência, se necessário. - Manter o contato até chegar o suporte médico. - Manter a regra de não contatar o terapeuta em 24 horas. Redução de Comportamentos que Interferem no Processo de Terapia Não comparecimento a sessões. Não colaborar com os conteúdos da sessão. Não cumprir com as tarefas para casa. Na terapia em grupo, comportamentos que prejudicam outros pacientes. Ligações inoportunas para o terapeuta e exigências excessivas. Esclarecer que eles são problemas do próprio tratamento e não são evidências de traços indesejáveis no paciente. Ressaltar que para o bom funcionamento da terapia é necessário solucionar esses problemas. Definir o comportamento que interfere; Analisar fatores relacionados ao comportamento; Planejar a solução do problema. Se o paciente não estiver disposto a modificar, discutir novamente os objetivos da terapia. Se não for possível solucionar, encaminhar o paciente ou abandonar a terapia por um certo tempo. Não culpar o paciente ou inferir que ele não quer melhorar. Avaliar possíveis responsabilidades do terapeuta. Redução de Comportamentos que Interferem na Qualidade de Vida Avaliar os Eixos I e IV do DSM Se problemas nesses eixos ameaçarem a terapia, planejar tratamentos auxiliares. Problemas econômicos, profissionais, familiares. Abuso de álcool e outras substâncias, comportamentos sexuais de alto risco, comportamentos ilegais, problemas alimentares, depressão, ansiedade, transtorno do controle dos impulsos, etc. Treinamento de Habilidades Comportamentais Aprender a aplicar na vida diária novas habilidades, com o fim de mudar padrões comportamentais, interpessoais, emocionais e cognitivos, que causem mal-estar ao paciente. É realizado durante a primeira fase do tratamento. Pode ser em grupo ou individual. É muito difícil para esses pacientes levar o que aprendem na terapia para a vida diária. A instabilidade emocional pode prejudicar o processo de aprendizagem. Objetivo do treinamento: generalização das destrezas adquiridas. Praticá-las em diversos contextos. Habilidades de Tomada de Consciência Baseadas na filosofia oriental Zen. Meta: aprender a assumir o controle de sua mente. Técnicas “Que” - Observar acontecimentos, emoções, comportamentos, experiências. Técnica: Perceber o frio/quente com o tato, centrar-se na respiração. Perceber os dois primeiros pensamentos que venham à mente como em uma esteira rolante, observando sem descrevê-los e sem parar a esteira. - Descrever o que se observa. Diferenciar e classificar as experiências. Continuar com o exercício da esteira. Experiências similares seguem um caminho diferente das outras e são armazenadas em caixas diferentes. - Participar da experiência. Tomar consciência de que é agente dos pensamentos, sentimentos e ações. Técnicas “Como” Aplicadas ao mesmo tempo que as “Que” Como observar, descrever e participar? - Sem julgar - Experimentando os acontecimentos um a um. Diferenciação julgamento/realidade. Destacar as vantagens de ser mais consciente de nossas experiências para poder aceitá-las ou mudar o que trouxer problemas. Praticadas durante todo o treinamento em habilidades. Sempre no fim das sessões, visto que têm um efeito benéfico sobre a ativação emocional e produzem um estado de bem-estar, adequado para finalizar a sessão de terapia. Habilidades para Tolerar o Mal-Estar Encontrar significado também no sofrimento. Ele faz parte da vida e não aceitá-lo traz mais sofrimento. Se nego, inibo ou evito o mal-estar, não posso conhecê-lo, nem conhecer os fatores associados a ele, portanto, não poderei mudá-lo. Perceber o que rodeia sem a pretensão de que seja diferente. Aceitar a realidade não é o mesmo que aprovála. Meta: Tolerar o que ocorre em ocasiões em que é muito difícil que elas mudem. Aprender a enfrentar uma situação negativa sem piorá-la. - - Tática de distração Reduz o contato com os estímulos emocionais para poder tolerar melhor a resposta emocional. Confortar a si mesmo Autocuidado, explorando os sentidos. - Melhorar o momento Reestruturar o significado do que aconteceu. Analisar prós e contras de tolerar x não tolerar Habilidades de Regulação Emocional Conhecer e compreender as emoções - Identificar a emoção - Entender a utilidade e as funções da emoção Identificar obstáculos para a mudança emocional Reduzir a vulnerabilidade emocional - Mudança de hábitos disfuncionais - Aumentar emoções positivas Reduzir o sofrimento emocional - Utilizar as técnicas de tomada de consciência. - Mudar as emoções dolorosas mediante comportamentos opostos. Habilidades Sociais Os pacientes possuem boas habilidade sociais, mas possuem expectativas errôneas sobre como ele e os outros têm que se comportar nas relações sociais. O tratamento visa questionar as expectativas negativas que os pacientes têm sobre a vida ao seu redor, suas relações sociais e sobre eles mesmos. - Ocupar-se das relações com os outros; - Equilibrar desejos e obrigações; - Respeitar a si mesmo; - Aumento da competência social. Conclusões O modelo biossocial indica como mecanismo etiológico chave do TPB a interação entre uma vulnerabilidade emocional e um ambiente invalidante. Ele é descrito como um fracasso dialético. Aspecto inovador do tratamento: validar as experiências dos pacientes. Forma: tratamento em formato individual, grupal, grupos de auto-ajuda, consultas telefônicas e tratamentos auxiliares. Conteúdo: tratam da vulnerabilidade e instabilidade emocionais, dos comportamentos suicidas e impulsivos, as relações interpessoais, da rigidez cognitiva e das alterações na identidade. Esta terapia recebeu apoio empírico e existem alguns estudos que comprovam sua eficácia. Mas é recomendável que se realizem mais estudos sobre sua eficácia em outros ambientes terapêuticos. Um Caso de Transtorno de Personalidade Borderline Atendido em Psicoterapia Dinâmica Breve Paulo Jannuzzi Cunha Universidade de São Paulo Maria Alice Salvador B. de Azevedo Universidade Estadual Paulista - Bauru RESUMO - Trata-se de um caso de Transtorno de Personalidade Borderline, encaminhado para a área de Psicoterapia Dinâmica Breve (PDB) do Centro de Psicologia Aplicada da UNESP - Bauru/SP. O foco delimitado consistiu em trabalhar as características depressivas do paciente, buscando ajudá-lo a elaborar o luto pela perda de sua mãe. A análise deste caso veio corroborar a hipótese de que pacientes com transtorno de personalidade borderline também podem ser beneficiados com a PDB. A peculiaridade desta modalidade de atendimento está relacionada ao estabelecimento de objetivos terapêuticos (foco) condizentes com as reais possibilidades e limites de cada paciente. Palavras-chave: psicoterapia dinâmica breve; transtorno de personalidade borderline. O que permitiu o desenvolvimento da psicoterapia psicanalítica (Alexander & French, 1946/1965) e, posteriormente, da psicoterapia breve de orientação psicanalítica ou Psicoterapia Dinâmica Breve (PDB) foram os avanços dos estudos psicanalíticos (Knobel, 1986), aliados às mudanças sociais e econômicas, que exigiram uma maior flexibilidade nos modelos de assistência à saúde mental estabelecidos até então (Azevedo, 1988). A PDB, no entanto, não pode ser considerada uma psicanálise abreviada, já que as suas características configuram-lhe uma estrutura própria (Azevedo, 1983). É uma técnica psicoterápica ativa, de objetivos e tempo limitados, com a aplicação consciente e planejada de conceitos psicanalíticos, dentro de uma abordagem flexível e individualizada (Azevedo, 1985). Mas, quem pode ser beneficiado com a PDB? Para vários autores, há critérios psicodiagnósticos específicos, indicando os que podem ou não ser beneficiados com uma psicoterapia breve (Yoshida, 1990). Relato do Caso Identificação e descrição geral do paciente - Batista (os nomes são fictícios), 21 anos, mulato, brasileiro, solteiro, cursava o terceiro grau, era prestador autônomo de serviços, de origem católica. O paciente tinha estatura e peso médios e, geralmente, vestia-se com simplicidade. Motivo da consulta e sintomas apresentados Batista apresentava as seguintes queixas: sentia-se deprimido, caótico e um "vazio"; auto-agredia-se, chegando a machucarse; mudava de estado de ânimo sem razão aparente; indecisão; falhas de memória e atenção; dificuldade em lidar com as perdas; buscava uma razão para tudo isso. Resumo da história pregressa e atual Batista era um menino que se considerava feliz até os 4 anos, época de muitas brigas entre seus pais. Sua mãe, após trair seu pai, apanhou do mesmo e foi expulsa de casa. O paciente disse que não conseguia sentir nada ao lembrar de tudo isso, mas pensava que deveria sentir. O paciente tinha o costume de brincar com insetos mortos, os quais gostava de enterrar. Quando criança ajudava seu pai no trabalho, a quem gostava muito de fazer perguntas. Batista era chamado de "CDF" pelos colegas e outros garotos da escola, fato que odiava. Até uma certa idade, urinava na calça, o que fazia-o sentirse inferior ao seu irmão. Nesta época, seu pai penteava o seu cabelo com bastante força, para que ele não fosse discriminado na escola por sua ascendência materna negra. Evolução do paciente durante o processo O paciente veio ao CPA por iniciativa própria. No início, mostrava-se pouco cooperativo. (...) O primeiro objetivo psicoterapêutico foi, basicamente, conscientizar Batista sobre a sua necessidade de atendimento e os benefícios que ele poderia ter com a psicoterapia. Após este objetivo ter sido alcançado, o processo transcorreu melhor e, a cada sessão, o paciente mostrou-se mais envolvido com o tratamento. As expectativas imediatistas de cura do paciente foram trabalhadas, e as intervenções do psicoterapeuta pautavam-se na clarificação de que a psicoterapia não é como um tratamento médico tradicional. É um processo, que se constrói com o decorrer do tempo, no qual se reelaboram aspectos da vivência pessoal, e para atingir tal objetivo ela exige esforço, paciência e empenho do paciente. A participação de Batista foi modificando-se, desde o início até o final da psicoterapia. Num processo lento e gradual, sua participação e seu envolvimento no trabalho foram aumentando; o paciente foi "abrindo"-se, soltando-se e colaborando com a psicoterapia. O paciente demonstrou possuir uma boa capacidade de insight durante o processo psicoterápico A questão da ambivalência, sempre presente no discurso do paciente, foi trabalhada também: ele amava, mas odiava; ele queria, mas não queria; ele gostava, mas não gostava; não sabia se era negro ou branco: Eu sou sempre indefinido...quando o assunto é de raça, me incomoda: porque eu não sou nem preto, nem branco; psicologicamente, eu não sei quem sou. Ele era mestiço, filho de uma mãe negra e de um pai branco. Além deste aspecto, a sua história de vida mostrava indícios de como isso foi sendo construído. Sua mãe foi uma mãe boa e carinhosa no início (Eu era o xodó dela e ela me defendia), mas Batista também achava que ela foi muito má, por ter traído o pai e abandonado os filhos (minha mãe aprontava com um vendedor que passava lá em casa, por isso fiquei do lado do meu pai e é como se ela tivesse merecido o que aconteceu). Por outro lado, o seu pai foi mau, pois não perdoou a sua mãe, expulsando-a de casa, e, ainda, porque não tinha Batista como seu xodó; mas, também foi muito bom, pois foi ele quem cuidou dos filhos. Apresentava em certos momentos idéias confusas e lapsos de memória, principalmente quando o assunto era um pouco mais delicado para ele: Onde é que eu estava? ou Por que eu estava falando disto?. O curso do pensamento era então interrompido, e isto ocorria mais no início da terapia, ao falar do abandono da sua mãe e/ou de brigas com a namorada atual. Foi-lhe apontado que este bloqueio cognitivo parecia estar mais ligado a uma defesa, ao deparar-se com situações e vivências difíceis de suportar, intervenção esta que lhe trazia maior controle e permitia uma continuidade da reflexão. Da mesma forma, suas ideações paranóides vinham em momentos em que o paciente falava de assuntos mais profundos e ansiógenos, porém à medida em que estas questões eram clarificadas, o paciente voltava à realidade. Era também nos momentos mais complicados da vida de Batista que suas "crises" apareciam, como após uma discussão com a namorada. Relatava ter dificuldade em descrever o que sentia em suas "crises". Término do processo A visão de Batista sobre a terapia foi se modificando com o decorrer das sessões. Eis o que ele verbalizou no final: “É bom fazer terapia, pois nessas horas eu me sinto melhor. Agora, eu sei mais quem eu sou. Eu me apoiei em alguma coisa...e isso me dá alívio; Eu estou contente por ter passado um tempo e agora eu vir para cá, sem ficar achando que não vale a pena. Antes, eu entendia bem menos o que estava fazendo aqui. Você vai se descobrindo.” Tratamentos psicodinâmicos para os pacientes borderline Hegenberg (2000) considera a psicanálise uma esperança para os borderline. Embora a psicanálise seja uma possibilidade de atendimento, nem todos os pacientes têm condições econômicas para se submeter à mesma. Os profissionais que têm experiência de trabalho em clínicas comunitárias em nosso país conhecem a realidade brasileira e a dificuldade de uma grande parcela da população para pagar um atendimento psicológico. Muitos dos pacientes atendidos nessas clínicas têm dificuldade financeira até para pagar a condução para poderem comparecer às suas sessões. Conclusões Como foi possível observar neste relato, o atendimento ao paciente borderline é desafiante. Coloca em xeque a capacidade técnica, teórica e de tolerância do terapeuta, bem como o próprio sistema de atendimento em saúde mental. Como afirma Hegenberg (2000), o paciente borderline tem algo a nos ensinar, colocando uma lente de aumento nos problemas humanos e sabendo como ninguém o que é o intangível e assustador "nada" (ídem). Não raramente, o borderline induz o profissional ao enfrentamento de suas próprias situações-limite, em que os seus sentimentos vêm à tona de um modo muito intenso e particular, proporcionando-lhe uma experiência clínica e de crescimento pessoal incomparável. A análise deste caso veio corroborar a hipótese de que é possível atender pacientes com transtorno de personalidade borderline dentro da PDB. No caso relatado foram alcançados vários objetivos, dentre os quais destacam-se: 1) a conscientização do paciente no tocante a sua patologia e necessidade de tratamento; 2) elaboração da perda de sua mãe; 3) compreensão de alguns aspectos significativos de sua história de vida TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE: ESTRATÉGIAS NÃO MEDICAMENTOSAS EM UM CASO DE DIFÍCIL CONTROLE MARCELO NIEL TEIXEIRA , MAURO ARANHA DE LIMA. , MARSAL SANCHES. RESUMO: Objetivo: Os autores relatam a experiência de manejo em enfermaria de um caso de transtorno de personalidade borderline. Método: Foram adotados padrões de conduta no manejo da paciente durante a internação, tais como: (a) ênfase em atividades extra hospitalares visando estimular condutas saudáveis; (b) não supervalorização das atuações da paciente; (c) estimular a expressão das emoções da paciente em substituição às atuações. Resultados: As técnicas empregadas se demonstraram eficazes na evolução da paciente. Conclusões: Diante dos resultados positivos, os autores propõem que tais técnicas de manejo possam ser utilizadas em outros pacientes Relato do caso Paciente de 25 anos, sexo feminino, raça amarela, segundo grau completo e com formação técnica em instrumentação cirúrgica, com diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline, segundo os critérios diagnósticos do DSM-IV. Embora houvesse relatos de padrões disfuncionais desde o início da adolescência, a mesma foi encaminhada para seguimento psiquiátrico apenas aos 18 anos, em razão de cefaléias crônicas sem etiologia orgânica explicável. Na época, foi submetida a exaustiva investigação diagnóstica, inclusive com realização de tomografia computadorizada de crânio e punção liquórica. Passado algum tempo, evoluiu com atitudes pueris, crises de choro freqüentes, dificuldade de deambulação (passando a engatinhar pelo chão constantemente) e ideação suicida constante. Sua primeira internação psiquiátrica se deu aos 19 anos, após episódio de intoxicação exógena auto infligida com ácido valpróico. Última internação Em outubro de 2000, a paciente foi trazida ao pronto-socorro de nosso serviço por policiais e pela família após auto-lesão intencional em punhos com objeto cortante. Apresentava aparência pessoal descuidada, higiene precária, discurso perseverante com idéias autoagressivas, agitação psicomotora importante. Tão logo a paciente foi internada, diversos comportamentos disfuncionais passaram a ser observados pela equipe. No período da noite, a paciente sistematicamente acordava outros pacientes para que a auxiliassem a conseguir seu intento, que informava ser o de se enforcar utilizando o lençol. Uma postura de excessiva dependência da paciente às demais pessoas, particularmente à equipe, foi constatada, com a paciente se recusando a realizar atos de higiene pessoal (apenas tomava banho se auxiliada pela equipe de enfermagem) e se recusava a comer caso não lhe dessem a comida na boca. Além dessas atitudes, a paciente batia constantemente a cabeça contra a parede, e também engolia objetos metálicos. Em razão de tais crises de agitação, constantemente a paciente recebia medicações injetáveis (midazolan) Estratégia de Manejo Nas reuniões clínicas com a equipe multidisciplinar, optou-se por adotar algumas condutas que facilitassem o manejo da paciente: (1) não supervalorizar as suas atuações no momento em que ocorressem e em momento oportuno interpretar o significado “oculto” dessas atuações; (2) estimular a sua autonomia, diminuindo sua dependência em relação às outras pessoas; (3) valorizar os aspectos positivos, saudáveis do seu comportamento e estimular a perpetuação desses, através de “reforço positivo”. Como forma de colocar em prática essas novas condutas de uma forma mais dinâmica com a paciente, optou-se por dar preferência a atividades externas ao hospital, procurando deslocar a paciente da posição de paciente psiquiátrico, estimulando atividades de uma pessoa normal, através de idas ao supermercado, realização de atividades culinárias, passeios em parques e avenidas, sempre valorizando os seus comportamentos saudáveis. Quando a paciente insistia com a temática das auto-lesões intencionais como forma de prazer, procurava-se ressaltar outras atividades prazerosas que estavam acontecendo naquele momento e que poderiam substituir as atitudes que a paciente sugeria. Outro fator importante foi a conduta de não supervalorizar suas atuações, pois percebia-se que, quanto mais importância a elas, mais ela atuava. Evolução e Resultados Com as técnicas empregadas no manejo desse caso, pode-se verificar resultados excelentes da evolução da paciente: (a) a paciente não precisou mais receber medicação injetável; (b) foi possível a diminuição gradual das medicações em uso, como a suspensão da Gabapentina e do Clonazepam.; (c) houve diminuição da freqüência e da duração das atuações;(d) ocorreu aprimoramento na expressão verbal das suas emoções, dificuldades e angústias; (e) houve um progresso importante na participação da família, que foi a aproximação do pai da paciente, outrora ausente, que passou a realizar tais atividades junto da paciente, onde foi possível mostrar atitudes positivas e saudáveis da paciente, ressaltar a sua condição real de autonomia e fortalecer um vínculo saudável com alguém da sua família. Conclusão O caso descrito acima ilustra a importância de se elaborar uma estratégia terapêutica adequada para o paciente, procurando sempre conservar a clareza dos propósitos na instituição do tratamento.