Distrofias Musculares

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Fonte: Centro de Estudos de Genoma Humano (IB-USP) http://www.genoma.ib.usp.br/
DISTROFIA MUSCULAR PROGRESSIVA
As Distrofias Musculares são um grupo de doenças de causa genética, que levam a uma
degeneração progressiva dos músculos esqueléticos. Atualmente, são conhecidos mais de
30 tipos de Distrofia Muscular, que se diferenciam entre si: na idade em que se
manifestam os primeiros sintomas ( desde o nascimento, na infância, na adolescência ou
na idade adulta ), na gravidade destes sintomas, na velocidade de progressão da doença,
nos músculos preferencialmente afetados e no mecanismo de herança genética.
DISTROFIA MUSCULAR DO TIPO DUCHENNE (DMD)
A Distrofia Muscular do tipo Duchenne (DMD) é a forma mais comum,com uma incidência
aproximada de 1 para cada 3.500 nascimentos masculinos.
Os primeiros sintomas se manifestam por volta dos 3 aos 5 anos : quedas freqüentes,
dificuldade para subir escadas, correr, levantar do chão e aumento do volume das
panturrilhas. O comprometimento muscular, que é simétrico, inicia-se pelos membros
inferiores e quadris, e, mais tarde, atinge os membros superiores. Ocorre uma
acentuação da lordose lombar e uma marcha anserina (andar de pato ). Contraturas e
retrações dos tendões levam alguns pacientes a andar na ponta dos pés. A fraqueza
muscular vai se agravando progressivamente, levando à incapacidade de andar, em geral
no início da adolescência.
A DMD é uma doença genética causada por um gene defeituoso ( que sofreu uma
mutação genética), localizado no braço curto do cromossomo X, em uma região
denominada Xp21. A mulher possui dois cromossomos X, enquanto o homem possui um
cromossomo X e um cromossomo Y. Se uma mulher tiver em um de seus cromossomos X
a mutação genética que provoca a DMD, o outro cromossomo X ( que não contém a
mutação), será capaz de protegê-la dos efeitos do gene defeituoso. Por isso, os afetados
pela DMD são sempre do sexo masculino e o gene defeituoso pode ser transmitido por
mulheres portadoras assintomáticas.
Em cerca de 2/3 dos casos de DMD, a mutação responsável pela doença já está presente
na mãe do paciente ( portadora assintomática ), que corre um risco de 50% de ter outros
filhos de sexo masculino afetados. Em 1/3 dos casos, a mutação ocorre no menino
afetado pela DMD, sem ter sido herdada de sua mãe. Nestes casos, dizemos que ocorreu
uma mutação nova, e o risco de recorrência para futuros filhos é desprezível .
As mutações responsáveis pela DMD e pela DMB (Distrofia Muscular do tipo Becker)
ocupam exatamente a mesma região no cromossomo X (a região Xp21 ). A partir de
1989, o antigo Laboratório de Genética da USP ( atual Centro de Estudos do Genoma
Humano da USP) passou a realizar exames de DNA para o diagnóstico das Distrofias de
Duchenne e Becker.
O gene da DMD/DMB é gigantesco e em aproximadamente 65 % dos pacientes afetados
por estas doenças ocorre a perda de um pedaço do gene. É o que chamamos de deleção
de DNA. Nos 35 % restantes dos casos, ocorrem outros defeitos, como duplicações ( 56% dos casos), pequenos rearranjos ou mutações de ponto.
O gene da DMD/DMB codifica uma proteína chamada Distrofina, que se localiza na
membrana da célula muscular, e que faz parte de um complexo de várias proteínas que,
em conjunto, participam da regulação da permeabilidade desta membrana. Hoje sabemos
que a Distrofina está ausente ou em quantidade muito reduzida nas células musculares
dos pacientes com DMD, e alterada, porém parcialmente funcional, nos músculos dos
afetados pela DMB.
Atualmente, o diagnóstico da DMD baseia-se no quadro clínico do paciente, na história
familiar e nos seguintes exames complementares: dosagem dos níveis sangüíneos da
enzima Creatinofosfoquinase (CK), que se encontram sempre muito elevados ; exame de
DNA para pesquisa de deleção no gene da Distrofina ; biópsia muscular para o estudo
qualitativo e quantitativo da proteína Distrofina no músculo do paciente, especialmente
nos casos em que o exame de DNA não identifica a deleção no gene da Distrofina.
Outra importante aplicação prática dos métodos de estudo de DNA é a detecção das
mulheres portadoras pertencentes às famílias dos afetados. Atualmente, através destes
métodos, é possível saber com certeza, na maioria dos casos, se uma mulher é portadora
do gene da DMD. Para isso, utilizamos duas estratégias de estudo :
1- se o paciente afetado apresenta uma deleção de DNA, podemos pesquisar diretamente
a mesma deleção no DNA da mulher em risco na família. Em caso positivo, ela terá risco
de 50% de ter filhos afetados e, se desejar, poderá se submeter a um diagnóstico prénatal em uma futura gravidez.
2- nas famílias onde não se identifica uma deleção no DNA do afetado, procuramos
diferenciar o cromossomo X que contém o gene defeituoso do outro X (normal), através
de marcadores polimórficos do cromossomo X. Este método é indireto e, por ser
comparativo, exige coleta de sangue de várias pessoas da família. Por isso, é um estudo
mais demorado e fornece resultados com uma confiabilidade de cerca de 95%.
Nos últimos meses, o Centro de Estudos do Genoma Humano da USP vem implantando
novos métodos de estudo para a detecção das mutações de ponto no gene da
Distrofina ( para aqueles 35 % dos casos onde não se detecta deleção de DNA ). Um
destes métodos, o Teste da Proteína Truncada ( PTT ), utiliza o RNA extraído dos
linfócitos do sangue. Este novo método permite identificar o ponto exato onde ocorreu o
erro (a mutação de ponto) dentro do gigantesco gene da Distrofina. Além da grande
utilidade para o diagnóstico da DMD/DMB, este método também pode ser utilizado para a
detecção de portadoras, em casos onde antes não se identificavam deleções de DNA.
Embora existam inúmeras pesquisas internacionais em andamento, com o objetivo de
encontrar a cura da DMD, ainda não existe um tratamento específico para esta doença e
a fisioterapia exerce um papel fundamental na melhora da qualidade de vida destes
pacientes.
DISTROFIA MUSCULAR DO TIPO BECKER (DMB)
A Distrofia Muscular do tipo Becker (DMB), assim como a Distrofia do tipo Duchenne
(DMD), afeta indivíduos do sexo masculino, e também é ligada ao cromossomo X). Sua
incidência é cerca de 10 vezes menor que a da DMD, ocorrendo um caso a cada 30.000
nascimentos masculinos.
Os sintomas e sinais da DMB são muito semelhantes aos da DMD, mas
consideravelmente mais leves. Seu início é mais tardio, e a evolução clínica da doença é
muito mais lenta. Os pacientes portadores da DMB são sempre capazes de andar após a
idade de 16 anos. O quadro clínico da DMB apresenta uma variabilidade muito maior que
o da DMD, podendo haver, em uma mesma família, pacientes que apresentam diferentes
graus de comprometimento. Alguns pacientes afetados pela DMB são capazes de andar
após os 50 anos de idade e alguns queixam-se apenas de câimbras ou de dores
musculares após exercícios físicos.
O tratamento fisioterápico de manutenção, em grande parte dos casos, pode dar aos
pacientes com DMB condições de levar uma vida social e familiar praticamente normal.
Cerca de 65% dos afetados pela DMB também apresentam deleções no gene da
Distrofina e esta proteína encontra-se alterada em seu músculo quantitativa ou
qualitativamente.
Os filhos de sexo masculino de um homem com DMB nunca serão afetados pela doença,
mas todas as suas filhas serão obrigatoriamente portadoras assintomáticas do gene, e
poderão transmitir a doença a seus descendentes do sexo masculino ( com uma
probabilidade de 50% ). Além disso, a mãe e as irmãs de um paciente com DMB também
poderão ser portadoras e transmitir o gene defeituoso para seus filhos homens.
DISTROFIA MUSCULAR DO TIPO CINTURAS (DMC)
As distrofias musculares do tipo Cinturas (DMC) constituem um grupo de doenças
bastante complexo e heterogêneo. A instalação dos primeiros sintomas pode ocorrer na
infância, adolescência ou na idade adulta, a progressão da doença é extremamente
variável e o quadro clínico pode ser muito semelhante ao das distrofias ligadas ao
cromossomo X (DMD e DMB). A DMC atinge indivíduos de ambos os sexos e várias
formas já foram identificadas, sendo que cada uma delas é causada por uma mutação
genética específica, que pode ocorrer em diferentes cromossomos. Estas formas foram
classificadas de acordo com a cronologia de sua identificação e com o mecanismo de
herança envolvido, que pode ser autossômico dominante ou recessivo .
As formas autossômicas dominantes ( classificadas como 1) correspondem a menos de
10% dos casos e foram classificadas até agora como formas 1 A a 1 G. As formas
autossômicas recessivas ( classificadas como 2) representam mais de 90% dos casos
diagnosticados. Até agora, foram identificadas 10 formas autossômicas recessivas
distintas (2 A a 2 J). Destas, as formas 2 A, 2 B, 2 G, 2 H , 2 I e 2 J são em geral mais
leves, enquanto que as formas mais graves são as chamadas Sarcoglicanopatias (formas
2 C, 2 D, 2 E, e 2 F) . As mutações genéticas responsáveis por cada uma das formas de
DMC levam à deficiência de proteínas musculares específicas, como : Sarcoglicanas,
Calpaína, Disferlina, Teletonina, Titina e outras.
Não é possível diferenciar as várias formas de DMC apenas por exame clínico. Por isso, é
importante identificar o defeito molecular primário ( a mutação genética responsável) ou
a proteína muscular deficiente em cada caso, pois os riscos de repetição da doença na
família serão muito diferentes, dependendo do mecanismo de herança envolvido.
DISTROFIA MIOTÔNICA DE STEINERT (DMS)
É a mais comum entre todas as distrofias musculares dos adultos. O gene da DMS tem
expressividade muito variável, o que resulta em grande variabilidade de quadros clínicos
entre os indivíduos afetados, dentro de uma mesma família e entre famílias diferentes. A
idade de instalação dos sintomas e a velocidade da evolução da doença são muito
variáveis. Muitas vezes, os pacientes têm dificuldade em precisar a época exata do início
dos sintomas, e podem passar longos períodos totalmente assintomáticos.
A DMS é classificada em três formas principais:
a) forma leve – com início, em geral, por volta dos 50 anos, caracterizada por catarata e
calvície frontal, com pouca ou nenhuma manifestação muscular;
b) forma clássica (juvenil) – atingindo adolescentes ou adultos jovens, é caracterizada
por fraqueza muscular, fenômeno miotônico (dificuldade no relaxamento muscular, mais
evidente nas mãos) e catarata. Podem ainda ocorrer ptose (queda) de pálpebras, calvície
precoce, dificuldade para falar e engolir, sonolência, alterações hormonais (diabetes,
infertilidade, distúrbios menstruais) e alterações cardíacas, especialmente distúrbios de
condução e arritmias;
c) forma congênita – é a mais grave, caracterizada por hipotonia muscular já ao
nascimento, pés tortos, retardo de desenvolvimento neuropsicomotor e problemas
respiratórios e alimentares. Embora a DMS atinja igualmente os dois sexos, a forma
congênita é sempre transmitida por mães portadoras.
A DMS é causada por um gene defeituoso autossômico dominante, que atinge igualmente
homens e mulheres, e o risco de um filho ou filha de um afetado apresentar a doença é
de 50%. Este risco independe da intensidade do quadro clínico do afetado e um portador
assintomático do gene também corre o mesmo risco de transmiti-lo a seus descendentes.
Dentro de uma mesma família, com o passar das gerações, a doença pode se manifestar
cada vez mais precoce e mais gravemente - fenômeno chamado de antecipação.
A mutação genética responsável pela DMS produz um fragmento de DNA de tamanho
aumentado, em uma região do cromossomo 19 denominada 19q13.3 e observou-se que
este fragmento aumenta de tamanho com o passar das gerações. Hoje sabemos que esta
expansão no gene da DMS é causada por uma repetição anormal de uma seqüência de
três pares de bases (CTG), na região 19q13.3. O número de repetições CTG tende a
aumentar com o passar das gerações, isto é, o gene tende a se expandir, o que explica o
fenômeno da antecipação clínica e, pelo menos em parte, a grande variabilidade clínica
da DMS.
DISTROFIA MUSCULAR TIPO FÁCIO-ESCÁPULO-UMERAL (FSH)
A distrofia muscular tipo Fácio-Escápulo-Umeral (FSH) é uma outra forma de distrofia
causada por um gene autossômico dominante, que atinge caracteristicamente os
músculos da face e da cintura escapular (ombros e braços). Existem diferentes padrões
na evolução clínica da doença, que dependem do comprometimento inicial.
A FSH é considerada uma das formas mais benignas de distrofia muscular. Na maioria
dos casos, o comprometimento muscular é leve e a evolução da doença, lenta – o que
permite que o paciente tenha vida quase normal, mesmo com o aumento gradativo de
suas dificuldades. Um terço dos pacientes não apresentam queixas nas fases iniciais,
embora seus parentes já possam observar alguma fraqueza. A dificuldade para assobiar
ou sorrir raras vezes é relatada espontaneamente. Em geral, a doença atinge
inicialmente os músculos da cintura escapular, de maneira assimétrica, causando
dificuldades para elevar os braços e fazendo com que as escápulas tornem-se salientes
(aladas). Estes sintomas, associados a uma fraqueza na musculatura abdominal,
provocam uma lordose lombar acentuada. Em 50% dos casos, ocorre algum
comprometimento da cintura pélvica, em geral mais tardio, causando fraqueza nos
membros inferiores. No entanto, apenas 10% dos pacientes tornam-se, em idades mais
avançadas, dependentes de cadeira de rodas.
A FSH também é causada por um gene autossômico dominante que atinge os dois sexos
e tem expressividade variável. Portanto, também aqui qualquer indivíduo afetado pela
FSH (independente da intensidade de seu quadro clínico) apresenta 50% de risco de
transmissão do gene defeituoso a seus descendentes .Entretanto, cerca de 1/3 dos casos
são originados de mutações novas – nos quais não há risco de repetição da doença em
irmãos do afetado.
Na FSH também existe grande variabilidade clínica intra e interfamilial, e também ocorre
o fenômeno da antecipação (manifestação mais precoce e mais grave com o passar das
gerações). Porém, ao contrário da DMS, a caracterização da mutação genética causadora
da FSH não conseguiu explicar satisfatoriamente estas diferenças clínicas.
O gene defeituoso responsável pela grande maioria dos casos de FSH localiza-se no braço
longo do cromossomo 4, numa região denominada 4q35.
Atualmente, através da técnica de Southern-Blot, é possível identificar em cerca de 90%
dos afetados pela FSH uma banda de DNA de tamanho reduzido na região 4q35. Em
pessoas normais, esta banda mede de 35 a 300 Kb; nos afetados, os fragmentos são
menores que 35 Kb. É interessante observar que nos afetados pertencentes a uma
mesma família os fragmentos têm sempre o mesmo tamanho, embora seus quadros
clínicos possam ser bastante diferentes.
DISTROFIA MUSCULAR CONGÊNITA
A Distrofia Muscular Congênita é, na realidade, um grupo heterogêneo de doenças cujos
sintomas principais (hipotonia e fraqueza muscular) já se manifestam ao nascimento, ou
logo nos primeiros meses de vida da criança (são os bebês “molinhos”).
Todas as formas de distrofia muscular congênita até o momento descritas obedecem ao
padrão de herança autossômico recessivo. Uma das formas conhecidas é a distrofia
muscular congênita do tipo Fukuyama, mais comumente encontrada no Japão. Esta
doença provoca intensa fraqueza dos músculos faciais e dos membros, hipotonia
muscular generalizada, contraturas articulares, e geralmente se manifesta antes dos
nove meses de idade. A maioria das crianças apresenta retardo mental, distúrbios de fala
e convulsões. O gene defeituoso responsável por esta forma foi localizado no
cromossomo 9.
Na sua chamada “forma clássica” ou “forma ocidental”, os pacientes, embora com
sintomas semelhantes aos do tipo Fukuyama, geralmente têm inteligência normal.
Descobriu-se que em cerca de 50% destes casos a doença é causada por mutação em
um gene localizado no cromossomo 6. Esta mutação resulta na deficiência de uma
proteína chamada Merosina, que tem ligação com o complexo Distrofina-glicoproteínas
associadas. Estes pacientes costumam apresentar alterações da substância branca do
cérebro, observadas por exames tomográficos ou de ressonância magnética.
A maioria dos pacientes com distrofia muscular congênita merosina-negativa nunca
chega a andar. O diagnóstico da distrofia muscular congênita merosina-negativa é
estabelecido por biópsia muscular.
Mais recentemente, descobriu-se que uma forma de distrofia muscular congênita,
classificada como CMD-1C ( congenital muscular dystrophy –1C ), é causada por
mutações no mesmo gene FKRP, responsável pela Distrofia Muscular do tipo Cinturas 2I
(DMC-2I ). Isto significa que mutações neste gene podem causar desde formas graves,
inclusive com retardo mental, até formas muito leves, ou até ausência de sintomas em
alguns portadores de mutações neste gene.
A etiologia dos outros 50% dos casos (distrofia muscular congênita merosina-positiva)
ainda é desconhecida. Estes pacientes apresentam quadro clínico em geral mais benigno,
com evolução mais branda. Muitas pesquisas têm sido desenvolvidas com o objetivo de
identificar o defeito primário (a mutação) responsável por esse tipo de distrofia.
Em crianças com história de hipotonia e fraqueza muscular já evidentes ao nascimento,
ou logo nos primeiros meses de vida (principalmente naquelas com inteligência normal),
é importante que se estabeleça um diagnóstico diferencial entre a distrofia muscular
congênita e a atrofia espinhal progressiva (AEP) do tipo I (ou doença de WerdnigHoffmann). Para isso, recomendamos que seja feito inicialmente um exame de DNA para
pesquisa de deleção no gene SMN (Sobrevida do Neurônio Motor). Uma vez encontrada a
deleção, o diagnóstico de AEP ficará confirmado e a criança será poupada da realização
de uma biópsia muscular desnecessária. Se não for encontrada deleção, é importante
excluir o diagnóstico de síndrome de Prader-Willi (também com análise de DNA), onde
também ocorre hipotonia nos primeiros meses de vida.
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