Texto de apoio ao curso de Especialização Atividade física adaptada e saúde Prof. Dr. Luzimar Teixeira O ombro que dói". Bursite? Tendinite? Ou algo mais? José Francisco Bernardes Prof. Adjunto da Univ.Fed.Santa Catarina Mestre em Medicina pela USP/SP Coordenador do Grupo de Ombro e Cotovelo do HGCR Há aproximadamente 15 anos atrás o paciente portador de dor no ombro, que a propósito representa a segunda queixa mais freqüente no consultório ortopédico, invariavelmente ouvia um diagnóstico de bursite ou de peritendinite calcaria (se houvesse calcificações demonstráveis ao Raio x) e recebia como tratamento: uma infiltração com corticóide e 10 sessões de fisioterapia. A infiltração o mantinha assintomático por aproximadamente três meses, sendo que após os sintomas reapareciam e o "rosário" se repetia...Praticamente não existiam indicações de tratamento cirúrgico e os próprios ortopedistas desaconselhavam o procedimento por temer a "rigidez pós-operatória" do ombro que era extremamente freqüente. E este era o quadro que aguardava o paciente portador de dor no ombro, sem praticamente nenhuma expectativa de curar-se do problema. Vários foram os fatores que contribuíram para a manutenção deste estado de coisas por tanto tempo. A não valorização da fisiopatologia, já descrita das doenças do espaço sub-acromial, a falta de padronização do exame físico e radiográfico, a dificuldade em se realizar exames complementares devido a escassez de aparelhos de ultra-som e de ressonância ou falta de médicos habilitados para realizá-los, e finalmente a falta do ortopedista treinado nas patologias do ombro, seguindo uma tendência natural de todas as especialidade medicas de segmentar-se para melhor conhecer e atuar em uma única área da especialidade. A grande maioria dos pacientes, sofredores de dores crônicas no ombro, se situam na quarta década da vida e não sofrem de bursite, como se imaginava anteriormente. Na verdade a bursa sub-deltoidea/sub-acromial participa do quadro de dor por encontrar-se no espaço abaixo do acrômio, porém a gênesis desencadeadora do problema é o impacto entre a cabeça umeral e o arco coracoacromial (formado pelo acrômio, lig.coracoacromial e coracóide) no movimento de elevação do braço, que ocorre em função de vários fatores. Envelhecimento biológico dos tendões do manguito rotador, formato do acrômio, degeneração da articulação acromioclavicular, formação de esporão sub-acromial são os fatores causais mais citados que vão proporcionar o impacto da cabeça umeral contra a superfície inferior do acrômio, comprimindo a bursa, os tendões do manguito e o tendão da cabeça longa do bíceps, nesta ordem, que são os "ocupantes" do espaço sub-acromial. O impacto constante evoluindo sem tratamento leva a degeneração e ruptura da bursa e dos tendões do manguito, principalmente o supra-espinhal na chamada "área crítica de Codman", junto a sua inserção no tubérculo maior do úmero. Caracteristicamente estes pacientes tem dores ao realizar atos da vida diária como passar roupa, levantar panela, pegar objetos no banco de trás do automóvel e todas os movimentos em que o braço é elevado em rotação interna. Referem passar melhor durante o dia e pioram a noite, na cama não achando posição para acomodar o braço. Fato este justificado pela ação protetora da gravidade que, durante o dia, estando o paciente de pé, a gravidade puxa o braço para baixo afastando a bursa e o manguito "machucado" da ponta do acrômio. Ao deitar-se com o braço ao longo da corpo perde-se esta proteção, a cabeça umeral tende a aproximar-se do acrômio, que passa a tocar diretamente sobre as estruturas já comprometidas. A tendinite calcaria inicia-se provavelmente como uma defesa do organismo, procurando proteger a área crítica hipovascular do manguito, e a medida que a calcificação aumenta de volume passa a ser um fator a mais para a diminuição do espaço sub-acromial, favorecendo o impacto sobre a bursa e o manguito. Uma patologia quase nunca lembrada na época passada: a capsulite adesiva do ombro ou "ombro congelado", na sua fase inicial chamada de hiperalgica, foi freqüentemente confundida com a bursite aguda e tratada como tal aumentando o sofrimento dos pacientes. Hoje, com a melhora e acesso mais fácil aos métodos de diagnóstico por imagem, aliado ao treinamento específico de vários colegas na área da patologia do ombro, o enfoque do tratamento visa deter a síndrome de impacto, em última analise a desencadeadora das lesões mais graves tardiamente, através de medidas conservadoras como medicação anti-inflamatória e analgésica para que o paciente possa iniciar o tratamento de reabilitação que é quase sempre longo ( em torno de 4 meses) e depende grandemente da confiança do paciente no médico que deve explicar o melhor possível a gênesis de doença para obter a total colaboração e fidelidade do paciente ao tratamento. A falha do tratamento conservador, em um tempo que deva estar precisado no protocolo adotado, ou a constatação de uma ruptura completa já a época do diagnóstico, levam o paciente ao tratamento cirúrgico, em que se fará o tratamento da lesão existente associada à descompressão do espaço sub-acromial que compreende três tempos: bursectomia parcial, ressecção do ligamento coracoacromial e a osteotomia antero-inferior do acrômio. A evolução das técnicas e materiais cirúrgicos permitem hoje acenar com uma excelente perspectiva de cura das lesões e melhora fantástica da qualidade de vida, permitindo a volta as atividades da vida diária quando o paciente procura tratamento com lesões ainda reparáveis. Paciente reticentes ao tratamento cirúrgico por um longo período, quando se decidem pela operação ou quando já não suportam mais a dor e é constatado lesão irreparável do manguito rotador, é necessário o desbridamento e retencionamento dos tendões restantes na tentativa de estabilizar a progressão do quadro que, invariavelmente evolui para uma situação conhecida como "artropatia do manguito rotador", constituindo-se em situação sem solução. Um parte expressiva das lesão do manguito, ou a descompressão sub-acromial levada a efeito na falha do tratamento conservador, podem ser realizadas hoje por técnica artroscópica com a vantagem da menor agressão ao músculo deltóide e menor desconforto no pós-opertório, embora a literatura demonstre que o resultado final das cirurgias artroscópicas e abertas tradicionais se equivalem após 1 ano. As tendinites calcarias são tratadas com bons resultados pelo método da iontoforese com acido acético na forma de gel, que fragmenta a calcificação e facilita a sua reabsorção pelo organismo. As capsulites adesivas respondem em grande parte aos bloqueios seriados do nervo supraescapular realizados ambulatorialmente e quando temos falha deste método empregamos a distensão hidraulica associada a manipulação sob anestesia geral, técnica com a qual obtivemos um grande experiência no HGCR. Vale lembrar a melhora de qualidade e maior disponibilidade dos serviços de fisioterapia em nosso meio, que constitui-se em fator fundamental para a reabilitação dos pacientes com problemas no ombro. Portanto, existe realmente algo mais na área da patologia do ombro do que os diagnósticos de bursite e tendinite, e das infiltrações do passado. Existe fundamentalmente um entendimento muito maior dos processos etiopatogenicos das diversas doenças do ombro, que permitiu desenvolver um vasto arsenal de recursos terapêuticos. E existe principalmente a esperança de que este conhecimento e experiência sendo passado aos jovens médicos, durante a sua formação na residência médica, permitam criar uma geração de ortopedista capazes de identificar e tratar corretamente as doenças primárias do ombro. Resumo O autor tece comentários acerca da mudança do enfoque das patologias do ombro doloroso, comparando com a visão de 15 anos atrás, quando a maioria dos pacientes recebia o diagnóstico de bursite ou tendinite e era invariavelmente tratado com infiltrações e sessões de fisioterapia, que apenas aliviavam os sintomas. Considera que a melhoria das formas de tratamento decorreram de um melhor entendimento da fisiopatologia das doenças do ombro, dando ênfase ao impacto sub-acromial e lesão do manguito rotador, que por muito tempo o tratamento cirúrgico foi desaconselhado pelo próprios ortopedistas pelo risco da rigidez pósoperatória. Além da síndrome do impacto são feitas considerações sobre a tendinite calcária e capsulite adesiva do ombro, que são patologias freqüentemente confundidas com bursite. O tratamento conservador permanece como a principal opção para as lesões do manguito rotador, em fase inicial ou incompleta, e na sua falha ou em lesões completas, o tratamento cirúrgico é a opção correta, seja por via aberta tradicional ou através de procedimento artroscópico. Finaliza destacando a melhoria dos métodos e técnicas fisioterápicas, bem como a importância da formação do jovem médico ortopedista para o correto entendimento das patologias que provocam dor no ombro.