UMC – Pierre Schippers Conceitos de morte Morrer é o cessar irreversível: 1- da função de todos órgãos, tecidos e células; 2- do fluxo de todos os fluídos do corpo incluindo o sangue e o ar; 3- do funcionamento do coração e do pulmão; 4- do funcionamento espontâneo do coração e do pulmão; Conceitos de morte Morrer é o cessar irreversível: 5- do funcionamento de todo o cérebro, incluindo o tronco cerebral; 6- do funcionamento completo do neocórtex; 7- do funcionamento de todo o cérebro, mas com funcionamento parcial do neocórtex 8- da capacidade corporal de ser consciente. Quatro valores nucleares da Medicina 1- Prevenção da doença e do dano; promoção e manutenção da saúde. 2- Alívio da dor e do sofrimento causado pelas doenças. 3- Cura e cuidado dos doentes e cuidados para aqueles que não podem ser curados. 4- Evitar a morte prematura e procurar a morte tranqüila. Hastings Ctr Report,26:6,1996 Morte Prematura no momento errado Evitar a morte pelos motivos errados na maneira errada Morte Tranqüila “ Morte tranqüila é aquela em que a dor e o sofrimento são minimizados por paliação adequados, na qual os pacientes não são abandonados ou negligenciados, e na qual os cuidados com aqueles que não vão sobreviver são avaliados tão importantes como aqueles que são dispensados a quem irá sobreviver.” Hastings Ctr Report,26:6,1996 O bem do paciente 1- 0 bem médico, biomédico ou clínico O bem que pode ser atingido pela intervenção médica em um estado particular de uma doença. 2- 0 melhor interesse do paciente A alteração na qualidade de vida que uma intervenção médica pode produzir; concilia a ação médica com os planos, objetivos e metas dos pacientes. Pelegrino&Thomasma O bem do paciente 3- O bem do paciente como uma pessoa humana. O bem que busca a capacidade da pessoa em raciocinar, escolher e expressar suas vontades . 4- O bem último ou definitivo “Telos” (finalidade) da vida humana através da percepção do paciente: o sentido e o destino da existência humana. Pelegrino&Thomasma Questões para discutir: • O processo de morte, desde o ponto de vista de cuidados, de um velho é diferente do de uma criança, adolescente ou adulto ? • Quais os deveres associados ao paciente que está morrendo ? • Como lidar com um paciente que solicita que a sua vida não seja mantida ? Conselho Federal de Medicina Critérios para a Caracterização de Morte Encefálica RESOLUÇÃO N.º 1.480 8 DE AGOSTO DE 1997 Art. 1º. A morte encefálica será caracterizada através da realização de exames clínicos e complementares durante intervalos de tempo variáveis, próprios para determinadas faixas etárias. Art. 2º Os dados clínicos e complementares observados quando da caracterização da morte encefálica deverão ser registrados no termo de declaração de morte encefálica´´ anexo a esta Resolução. Parágrafo único. As instituições hospitalares poderão fazer acréscimos ao presente termo, que deverão ser aprovados pelos Conselhos Regionais de Medicina da sua jurisdição, sendo vedada a supressão de qualquer de seus itens. Art. 3º. A morte encefálica deverá ser conseqüência de processo irreversível e de causa conhecida. Conselho Federal de Medicina Critérios para a Caracterização de Morte Encefálica Art. 4º. Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia. Art. 5º. Os intervalos mínimos entre as duas avaliações clínicas necessárias para a caracterização da morte encefálica serão definidos por faixa etária, conforme abaixo especificado: a) de 7 dias a 2 meses incompletos - 48 horas; b) de 2 meses a 1 ano incompleto - 24 horas; c) de 1 ano a 2 anos incompletos - 12 horas; d) acima de 2 anos - 6 horas. Art. 6º. Os exames complementares a serem observados para constatação de morte encefálica deverão demonstrar de forma inequívoca: a) ausência de atividade elétrica cerebral ou, b) ausência de atividade metabólica cerebral ou, c) ausência de perfusão sangüínea cerebral. Conselho Federal de Medicina Critérios para a Caracterização de Morte Encefálica Art. 7º. Os exames complementares serão utilizados por faixa etária, conforme abaixo especificado: a) acima de 2 anos - um dos exames citados no Art. 6º, alíneas ``a’’, ``b’’ e ``c’’; b) de 1 a 2 anos incompletos: um dos exames citados no Art. 6º, alíneas ``a", ``b’’ e ``c’’. Quando optar-se por eletroencefalograma, serão necessários 2 exames com intervalo de 12 horas entre um e outro; c) de 2 meses a 1 anos incompleto - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 24 horas entre um e outro; d) de 7 dias a 2 meses incompletos - 2 eletroencefalogramas com intervalo de 48 horas entre um e outro. Art. 8º. O termo de Declaração de Morte Encefálica, devidamente preenchido e assinado, e os exames complementares utilizados para diagnóstico da morte encefálica deverão ser arquivados no próprio prontuário do paciente. Art. 9º. Constatada e documentada a morte encefálica, deverá o Diretor-Clínico da instituição hospitalar, ou quem for delegado, comunicar tal fato aos responsáveis legais do paciente, se houver, e à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos a que estiver vinculada a unidade hospitalar onde o mesmo se encontrava internado. Art. 10. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação e revoga a Resolução CFM nº 1.346/91. Parecer do CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA sobre Morte Encefálica Processo-consulta CFM nº7.311/97 INTERESSADO: Hospital São Lucas da PUCRS ASSUNTO: Morte encefálica – aspectos legais desligar os aparelhos RELATOR: Nei Moreira da Silva EMENDA: Os critérios para verificação de morte encefálica não se aplicam apenas às situações de transplantes de órgãos. Os médicos devem comunicar aos familiares a ocorrência e o significado da morte encefálica antes da suspensão da terapêutica. CONSULTA Em 13/11/97, o hospital da PUCRS protocolou junto a este Conselho Federal a seguinte Consulta: "Frente à resolução do Conselho Federal de Medicina nº1.480 de 1997, que normatiza e define critérios de morte encefálica em pacientes nas suas diversas faixas etárias, as unidades de tratamento intensivo (UTIs) Adulto Pediátrica e Neonatal do Hospital São Lucas da PUCRS, abaixo representadas por suas chefias, assim como o Comitê de Bioética deste Hospital vêm solicitar o Vosso posicionamento no que se refere a: Parecer do CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA sobre Morte Encefálica a – esta resolução refere-se à constatação de morte apenas para fins de transplante ou aplica-se a qualquer paciente internado em UTI, mesmo àqueles que não candidatos a doação de órgãos para transplante? b – Aplicando os critérios estabelecidos por esta resolução, constatando-se a morte encefálica de um paciente não candidato à doação de órgãos, os médicos, dentro dos aspectos legais, PODEM (estão amparados legalmente para) suspender a terapêutica de suporte (ventilação mecânica, vasopressores, etc.)? Neste caso, precisam da concordância da família? c- Dentro dos aspectos legais, morais e éticos, após constatada a morte encefálica, obedecendo os critérios estabelecidos por esta resolução, os médicos DEVEM suspender toda terapêutica de suporte (ventilação mecânica, vasopressores, etc.)? Se devem, como se conduzir se a família não concordar?" Parecer do CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA sobre Morte Encefálica PARECER A constatação da morte encefálica nos termos da Resolução CFM N.º 1.480/97 tem a sua maior motivação e aplicabilidade nos casos de transplante de órgãos, em vista da necessidade de retirada dos mesmos antes que se instale a degradação hemodinâmica que venha a comprometer o seu aproveitamento. No entanto, conforme se depreende da leitura dos seus considerandos, outras situações além dos transplantes estão contempladas. Assim, por exemplo, o descompasso entre a oferta e a demanda de leitos de terapia intensiva gera situações em que mesmo sem a perspectiva de transplante, a verificação de morte encefálica em um paciente permitirá a utilização daquele leito de UTI por outro paciente ainda viável quanto à sobrevida. Igual preocupação também se aplica ao prolongamento da dor que se impõem aos familiares dos pacientes em morte encefálica, submetidos a uma espera infrutífera que tem apenas um inexorável desfecho: a parada cardíaca. Nesses casos, indaga-se: têm os médicos o poder/dever de suspender a terapêutica de suporte? Necessitam de concordância da família? E se a família não concorda? Sobre o tema, existe manifestação deste Conselho Federal, no Parecer nº27/90, da lavra do Cons. Luis Carlos Sobânia, abaixo transcrito em parte: Parecer do CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA sobre Morte Encefálica "Quando um paciente for considerado em "Morte Encefálica", portanto considerado em óbito, o médico responsável pelo paciente, antes da suspensão dos meios artificiais de sustentação de funções vegetativas, deverá comunicar o fato à família, para que a mesma possa Ter tempo até de questionar o diagnóstico, pois essa prática ainda não entrou claramente na cultura do povo, e possa até solicitar outro profissional para confirmar o diagnóstico..." Pensamos ser esta a conduta acertada frente a estas situações: explicar a família a ocorrência e o significado da morte encefálica e a total impotência da medicina em reverter tal condição. A partir de então, prolongar os cuidados passa a configurar injustificável obstinação terapêutica, sem qualquer benefício para o "paciente" ou sua família. Fica ainda uma questão: se a família recusar-se a aceitar a interrupção dos cuidados, ainda que tal posição tenha sido referendada pelo médico de sua confiança, têm os médicos assistentes o poder de interrompê-lo? Pensamos que sim, pois a verificação da morte por quaisquer critérios é um ato de competência do médico. No entanto, deverão Ter os médicos a sensibilidade para que este seu poder não venha a constituir-se em uma causa adicional de dor àqueles que já passam pelo sofrimento da perda de um ente querido e que devem encontrar no médico uma mensagem de alívio e solidariedade. É o parecer, SMJ. Caso bebê anencéfalo O Serviço de Ginecologia solicita uma consultoria ao Comitê de Bioética do hospital. Uma paciente feminina, 23 anos de idade, no quarto mês de gravidez realiza exame ecográfico e é diagnosticada a presença de feto anencefálico. Ao ser informada do fato, a paciente e seu marido solicitam que seja interrompida a gravidez. Os membros do serviço de ginecologia tem pareceres diferentes com relação a melhor conduta a ser tomada e solicitam uma consultoria ao Comitê de Bioética com os seguintes questionamentos: a) é moralmente aceitável indicar o aborto nestas circunstâncias? b) é moralmente aceitável a alternativa de levar a gravidez a termo e eventualmente usar recém nascido após sua morte como doador de órgãos? Quando o caso é discutido no Comitê de Bioética seus membros apresentam posições contraditórias com relação a questão . Alguns defendem o direito da mãe em decidir com relação ao seu corpo ao mesmo tempo em que ela será protegida de algum acidente relacionado ao processo gravidez-parto, recomendando que aborto seja realizado enquanto que outros baseados no princípio moral de defesa incondicional da vida contra-indicam a realização do mesmo. Existe uma unanimidade por parte dos membros do Comitê em reprovar a alternativa de usar o recém-nascido com doador de órgãos. O médico assistente da paciente, baseado no seu sentimento do que representava os melhores interesse da paciente, decide interromper a gravidez. Caso (ano 2000) Gestação e Morte Encefálica Materna Uma senhora espanhola de 30 anos, que já havia preenchido o critério encefálico de morte a algum tempo, deu à luz um bebê de 1290 g. Esta senhora quando já estava gravemente doente, antes de ficar inconsciente, assegurou na Justiça Espanhola o direito de ser mantida viva, através de equipamentos de suporte vital, com a finalidade de prosseguir a gestação - recebia nutrição paraenteral e monitoramento assistido 24 horas por dia. Os meios de comunicação se referiam a ela como uma "espécie de incubadora natural". A criança nasceu, de parto cesáreo, com sete meses e uma semana, pois havia o risco iminente de ocorrer parto espontâneo. O estado de saúde do bebê pode ser considerado bom, ainda que tenha apresentado certa dificuldade respiratória. Os equipamentos de suporte vital da mãe foram desligados logo após o nascimento. No Brasil, uma gestante após um grave ataque de asma, teve também constatado o critério encefálico de morte. Como o bebe ainda não era viável, o esposo e os avós solicitaram à equipe médica que mantivesse esta senhora com equipamentos de suporte vital. Esta solicitação foi atendida. Após o nascimento do bebe a família solicitou que a paciente contiuasse a ser mantida por aparelhos, pois achavam que desligar os mesmo era matá-la deliberadamente. A equipe médica novamente atendeu à solicitação. Um Estudo das Representações Religiosas sobre Doações de Órgãos e Sangue e Influência da Definição do Momento da Morte. FUNDAMENTAÇÃO: Tendo em vista que o transplante de órgãos tem sido alvo de muita polêmica, especialmente agora com a regulamentação da nova lei n. 9.434 de fevereiro de 1997, onde ficou estabelecida a doação presumida de órgãos tornou-se particularmente importante discutir a questão com várias esferas da sociedade. Sendo o Brasil um país de grande misticismo com uma alta variedade de cultos e doutrinas religiosas, consideramos pertinente realizar uma pesquisa com líderes e fiéis de diversas religiões. OBJETIVOS: Avaliar a relação ou a influência entre práticas e crenças religiosas e adesão a determinadas práticas médicas tais como doação de sangue, transfusão e transplante. Um dos temas da pesquisa é a concepção de morte e vida que é de fundamental importância no entendimento da mobilização para as doações. MÉTODOS: Dividimos a pesquisa em duas fases, a primeira, que estamos finalizando, refere-se a abordagem dos líderes religiosos, a segunda fase diz respeito aos fiéis. A metodologia utilizada com os líderes religiosos tem sido de entrevistas abertas, onde focalizamos primeiramente a trajetória do líder religioso, num segundo momento, abordamos os fundamentos gerais de cada religião e finalmente o posicionamento da religião sobre questões relativas a saúde e mais especificamente a doação de sangue e órgãos. Com os fiéis partiremos do método de pesquisa etnográfica com a observação participante e posteriormente selecionaremos alguns fiéis para entrevistar. Um Estudo das Representações Religiosas sobre Doações de Órgãos e Sangue e Influência da Definição do Momento da Morte. RESULTADOS: A análise preliminar de 15 (quinze) entrevistas mostra uma grande diversidade das religiões sobre o entendimento do momento de morte, embora sendo ainda muito comum relacionar a morte física e ou o desligamento espiritual, com o momento da parada dos batimentos cardíacos. CONCLUSÕES: Apesar de haver uma forte recorrência por parte dos líderes religiosos em afirmarem-se favoráveis a doações de sangue e órgãos, durante o desenrolar de suas falas, observamos inúmeras contradições e mesmo exceções. Assim podemos concluir que para a maioria das religiões estudadas o transplante de cadáver não é visto como muito positivo pois causaria uma interferência negativa no desligamento do espírito do corpo. Com relação ao momento da morte, a maioria das religiões acredita que ela está vinculada à parada do coração. Além disso predomina a crença de que o espírito permanece por vários dias ligado ao corpo e a retirada de órgãos seria traumática para o espírito. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico A filosofia já foi considerada, no passado, o aprendizado da morte. Desde Sócrates, filósofo era aquele que sabia morrer. Função da filosofia seria preparar-nos para uma “boa morte”, e o termo grego genérico, no caso, era mesmo “eutanásia”. Supunha-se que aquele que sabe morrer aprendeu a viver, e assim a vida e a morte se iluminavam reciprocamente. No século XIX, época dos grandes sistemas, a morte saiu da temática central dos textos filosóficos, e foi talvez Kierkegaard quem inaugurou uma nova perspectiva, chamada depois “existencial”, descrevendo a morte como algo que para cada um de nós é certo, mas cuja hora é bem incerta. Os filósofos da existência, no século XX, aprenderam esse dado sob a fórmula mais genérica da experiência da “finitude humana”. Para Heidegger, um dos “existenciais” que caracterizariam o homem é o “ser-para-a-morte”: “Zum-Tode-sein”. Isto significaria que entre as diversas possibilidades do homem há uma que representa “a possibilidade da impossibilidade”, ou seja, quando esta ocorre, todas as demais possibilidades ficam excluídas. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Não é preciso ser nenhum filósofo para constatar, hoje em dia, que a gente não morre mais como antigamente. A hospitalização, as unidades de terapia intensiva e a invenção dos transplantes caracterizam três grandes tendências do século XX que alteraram totalmente o horizonte da morte e do morrer. A perspectiva de ir terminar seus dias num leito de hospital, preso a uma série de tubos e aparelhos, e como um eventual doador de órgãos a serem retirados ainda vivos quando o paciente estiver legalmente morto (aliás, numa definição de morte legal para fins precípuos de transplantes), não existia antes da última grande guerra mundial. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Técnicas extremamente artificiais que nos pareciam adequadas quando aplicadas a um jovem e forte soldado ferido gravemente no Vietnã e que só precisava de algumas horas para chegar ao Hospital de Frankfurt, de onde teria grandes perspectivas de sair capacitado a uma reintegração à vida normal dos cidadãos, chocaram terrivelmente os brasileiros quando aplicadas ao presidente eleito Tancredo Neves, com um quadro clínico totalmente diferente. Técnicas e procedimentos que dão aos profissionais da saúde novos poderes de retardar ao máximo a hora da morte implicam obviamente um acréscimo de responsabilidade na grave questão de definir afinal quando então seria preciso desistir, aceitando o irreversível. A tentativa de definir a “ortotanásia” como um “justo meio termo” entre a eutanásia (apressada), e a distanásia (obstinada), parece ser antes um sintoma do problema do que uma verdadeira e definitiva solução. Aliás, para quem aceitar um pluralismo de definições da morte, entendida de várias maneiras como “um processo”, parece que o conceito genérico da “irreversibilidade” continuará como o mais proveitoso ou operacional nos diversos casos. Nem todos preferem, é claro, a definição enunciada por H. Tristam Engelhardt, Jr. (Fundamentos da Bioética, 1998, p. 296) da pessoa que se consideraria morta “quando seu corpo começasse a cheirar mal sob o sol do verão do Texas”. E se os mais obstinados na recusa da hora da morte chegam a pedir para serem congelados, há um dado que mesmo eles deveriam levar em conta: ninguém, a rigor, pode dar garantia absoluta de que daqui a 50 ou 100 anos, quando a medicina tiver descoberto a cura da doença que os condenou, haverá lugar no planeta para (o retorno de) mais um indivíduo, na hipótese da superpopulação. De modo que o projeto da “conservação criônica” lembra a muitos filósofos o conceito da “má infinitude”, que lança para o puramente quantitativo algo que teria de ser resolvido em termos qualitativos. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Entre os filósofos que dão atenção às questões da Bioética, há dois nomes que muito se destacam no tratamento dos assuntos relacionados com a morte: Robert Veatch e Peter Singer. Por ser o primeiro bastante conhecido entre nós, especialmente pelo Prof. Carlos Fernando Francesconi, proponho-me a trazer agora para a discussão algumas das idéias do eticista australiano (de origem austríaca e judaica) Peter Singer, que inclusive publicou em 1994 um livro que, traduzido aos espanhol há cinco anos, intitulou-se “Repensar la vida y la muerte.El derrumbe de nuestra ética tradicional” (Paidós, Barcelona, Buenos Aires, México). Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Peter Singer faz jus à fama de pensador polêmico. Introduz as questões com exemplos de casos limites, como o de 1993, da assaltante drogada e grávida de 17 semanas que, ferida à bala na cabeça e com morte encefálica, foi mantida numa UTI norte-americana por mais de três meses, até a cesariana de um prematuro. Clinicamente morto, mas com o coração batendo graças aos aparelhos, este corpo materno serviu de suporte para a reprodução da vida. A despesa total de mais de 400 mil dólares dá a entender que os procedimentos adotados a fim de chegar a mandar esta criança para casa não valem para a prática usual, mas somente para uma experiência de ponta. Um corpo rosado e quente, ao qual se aplicam os cuidados da higiene, da ginástica e da fisioterapia, um corpo por onde circulam os diversos fluidos vitais, um corpo que está (ativa ou passivamente, - como definir?) gerando um novo ser humano, é uma pessoa viva, que deverá “morrer” quando o bebê nascer, ou apenas uma incubadora que será simplesmente “desligada” sem nenhum problema ético quando se alcançar o resultado desejado? Temos aqui um caso de respeito à vida que é sagrada, ou uma experiência talvez perversa com alto grau de manipulação desrespeitosa? Quem vai decidir? Num caso semelhante, ocorrido em 1992 na Alemanha, o assessor jurídico da clínica de Erlangen tentou decidir a questão nos seguintes termos: “O respeito por um corpo morto não é em absoluto uma exigência ética, enquanto que o direito à vida sim o é.” (Singer, op. cit., p. 27) - Mas houve quem mencionasse o Dr. J. Mengele como o predecessor de tais experiências. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Numa situação bem diferente, é verdade, ninguém comparou ao Dr. Mengele o pioneiro dos transplantes de coração, Dr. Christiaan Barnard, embora seu primeiro doador ainda não estivesse enquadrado na definição legal da morte encefálica, uma vez que em 1967 tal lei ainda nem existia. Podemos imaginar que a decisão de Barnard tenha exigido dele uma redefinição da questão ética, e que ele tenha agido como pioneiro também na ética, talvez até conhecendo a tese do Papa Pio XII, que em 1957 já definira que a definição da hora da morte é assunto para os médicos (“sobretudo o anestesista”), e não para os teólogos. O capelão do Hospital de Erlangen podia considerar, no segundo caso mencionado, que, “para ele”, uma mulher estaria morta quando “pálida e rígida”, mas pela jurisprudência alemã ela estava morta mesmo com o coração batendo. Pelas leis da Califórnia, no caso anterior, a mãe estava morta havia três meses, quando o filho chegou a nascer. Assim, nem ousamos dizer que “ela deu à luz”, pois um cadáver nem pode ser chamado propriamente de “ela” ou de “mãe”. Estranho é que as enfermeiras a tratavam como uma enferma em fase terminal, e não como um cadáver! E um jornal de San Francisco noticiava: “Mulher com morte cerebral dá à luz e logo morre. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico O problema da definição tradicional da morte é que ela, como muitas outras definições tradicionais, é circular. Morremos quando deixamos de viver, e deixamos de viver quando morremos. À medida que vamos morrendo, nossos diversos órgãos vão parando de funcionar, e na medida que os órgãos vão parando de funcionar, morremos. Mesmo definindo a morte no momento da parada definitiva das funções encefálicas (para assim evitar a circularidade), ficamos com um problema: como definir quando morre um bebê que jamais teve cérebro? Uma definição como a da morte encefálica, proposta pelo Comitê de Harvard e adotada em muitos países, é a alternativa técnica e prática para o problema dos transplantes. Talvez não seja muito mais do que isto, para quem não a reconhece como irreversível. Mas esta redefinição da morte, tal como foi proposta pelo Comitê de Harvard, baseada na perda irreversível do funcionamento do cérebro, criou um consenso entre os médicos, e assim revelou-se uma definição bem sucedida, adotada pela maioria dos países desenvolvidos. Um problema adicional é que o cérebro, além das funções da consciência e da vontade, funções que tanto dignificam o ser humano, também tem funções de regular o funcionamento do resto do corpo, as quais porém podem ser mantidas artificialmente. Ou seja, o cérebro, nesta função, é substituível. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico A maioria da população pode até pensar que os bebês que nascem sem cérebro são casos raríssimos, mas conforme Singer ocorre um a cada dois mil partos, de modo que nos Estados Unidos nascem por ano uns trezentos bebês anencefálicos. Mas se a parte superior do cérebro não funciona, a criatura não pode ver, nem ouvir e nem sentir, não pode sofrer nem ter emoções, não pode querer e nem pensar, embora possa respirar e seu coração possa bater, já que isso depende da parte inferior do cérebro. O caso da menina K, relatado por Singer (p. 51), parece ser o mesmo contado em Porto Alegre por Veatch, que participou dele como perito. Nascida anencefálica em Falls Church, Virginia, em outubro de 1992, sobreviveu mais de um ano porque sua mãe insistiu em mantê-la viva, o que era possível, aliás, com a ajuda ocasional de um respirador, que os médicos consideraram exagerado e fútil. A fé desta mãe, de resto solteira e negra, mandava-lhe proteger qualquer forma de vida humana, segundo a ética tradicional da santidade da vida. Para a maioria, provavelmente, a morte é a perda irreversível da capacidade de consciência. Consequentemente, uma criança que jamais atingirá os níveis mínimos de consciência, não precisa sobreviver mais do que aquele tempo necessário para a mãe trabalhar o sentimento desta perda. De um caso semelhante, diz Singer: “o bebê nascera demasiado prematuramente e sofrera uma grave hemorragia cerebral (...), padecia de morte cortical, e não podia ter nenhum futuro. Não havia esperanças e não havia nenhuma razão para continuar com um tratamento, mas os médicos estavam dando um tempo aos pais para que se adaptassem e chorassem a perda antes de tirar o bebê do respirador.” Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Colocar o acento da sacralidade da vida no desempenho atual ou potencial das faculdades digamos espirituais, como a autoconsciência, a vontade e a relação interpessoal, centraliza o debate no conceito de “pessoa humana”. Se este conceito eqüivale a uma dignidade que se adquire (analogamente à personalidade jurídica do Império Romano), podemos então até dizer que um bebê merece respeito pela solidariedade dos pais, e que um zigoto biologicamente humano merece este mesmo respeito, mas por uma espécie de “adscrição” que faz com que o consideremos “como se já fosse uma pessoa humana”, - porém a verdade é que ele ainda não o é. Se um feto abortado espontaneamente merecesse o mesmo respeito que uma criança, certamente as igrejas lhe dariam pompas fúnebres, o que não é o caso. Singer, surpreendentemente, considera que a definição de morte apenas pela parada irreversível das partes superiores do cérebro, embora prática e lógica, não deixa de ser errônea. Lembrando a Rainha Vermelha, de “Alice no País das Maravilhas”, que passava meia hora cada manhã tentando acreditar em coisas impossíveis, diz que seria preciso conseguir o mesmo para aceitar que estejam mortos pacientes com corpo quente, corado e flexível, que respiram e podem continuar respirando mesmo sem aparelhos. Sua sugestão, contudo, é de que não precisaríamos definir tais pacientes ou bebês anencefálicos como mortos para autorizar que sejam doadores, desde que o diagnóstico não deixasse lugar a dúvidas. Em termos brasileiros isto eqüivaleria a dizer que a morte encefálica só é morte para fins de transplantes, mas que de resto não é morte. Como, porém, a sugestão de Singer não foi adotada, os anencefálicos não podem morrer, para fins de transplantes, e portanto não servem como doadores. Só morrem quando começam a deteriorar-se, sendo então desligados do respirador. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico O Parlamento da Dinamarca criou em 1987 um Conselho de Ética, para assessorar o Ministério da Saúde. Como não utilizavam o conceito de morte cerebral, o Conselho consultou a população e propôs que o critério da morte continuasse sendo a interrupção total e irreversível da circulação e da respiração, porém admitindo que a parada de todas as funções cerebrais caracterizaria um “processo irreversível de morte” (Singer, p. 63). A partir daí, o paciente não teria mais direito a outros meios artificiais para manter-se vivo, pois o moribundo não tiraria nenhum benefício disto. Porém o Conselho de Ética Dinamarquês recomendou então que se utilizassem aqueles meios artificiais que retardariam a conclusão do processo de morte, por mais 48 horas, para que se pudessem extrair os órgãos, desde que a pessoa não tivesse registrado previamente sua recusa à doação. Tal solução, para Singer, tem o mérito de distinguir claramente três questões: “ 1) Quando morre um ser humano? 2) Quando é lícito deixar de intentar manter vivo um ser humano? 3) Quando é lícito extrair órgãos de um ser humano com o fim de transplantá-los a outro ser humano? Apesar do mérito filosófico dessa proposta, ela não foi aceita, e a Dinamarca acabou alinhando-se, por uma lei de 1990, ao grupo dos países europeus que aceitam a morte cerebral como um critério da morte. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico É na Grã-Bretanha então que Singer vai procurar uma solução. Lá existem provavelmente entre 1000 e 1500 pessoas em estado vegetativo permanente (PVS), em hospitais e clínicas. O caso de Tony Bland (1989), pisoteado pela torcida de um jogo de futebol, parece-lhe emblemático. Se na multidão morreram 95 pessoas pisoteadas, Tony Bland não morreu, mas com o pulmão esmagado ficou sem oxigênio, e o córtex se destruiu. O juiz local não permitiu que se pusesse fim à vida de Tony Bland intencionalmente, pela interrupção da alimentação artificial. - Nos Estados Unidos, um caso semelhante, de Nancy Beth Cruzan, tivera como desfecho um epitáfio onde consta: “Nasceu em 20 de julho de 1957. / Morreu em 11 de janeiro de 1983. / Em paz em 26 de dezembro de 1990 (Singer, p. 72) - Ora, a decisão final inglesa, no caso de Tony Bland, levou em conta a qualidade de vida (e não a “santidade” da mesma): sua vida não valia mais a pena; e embora ele fosse inocente, era lícito provocar-lhe a morte, “negando-lhe a satisfação das necessidades vitais básicas, por razões humanitárias”. - O famoso caso de Karen Quinlan buscara apoiar-se, com a ajuda da igreja católica, no conceito de recursos “ordinários e extraordinários”, mas para Singer isso apenas disfarça a questão da intenção de interromper uma vida que já não tem mais nenhum sentido humano. No caso desta moça, aliás, o “recurso extraordinário” resumia-se a um respirador (que não pode ser considerado, a rigor, um tratamento penoso para a paciente). Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico No caso de Tony Bland, será que os juizes da Câmara dos Lordes teriam sancionado uma eutanásia não-voluntária? Se a lei britânica permite que um paciente deixe de ser alimentado artificialmente, a questão ética não está no fato de ser uma omissão ao invés de uma ação, mas se baseia na idéia de que a vida desses pacientes em estado vegetativo persistente não lhes traz mais nenhum benefício. Mesmo preservadas, são existências apenas biológicas, não são mais vida humana. (Aliás, se preferíssemos utilizar uma linguagem mais kierkegaardiana, bastaria inverter os substantivos: “mantêm apenas a vida biológica, sem um sentido, e não se realizam mais numa existência humana”.) Mas, provocador como é, Peter Singer pergunta então: “Se desconectar um tubo pode eventualmente ser legal, por que não o seria aplicar uma injeção letal?” Ele pergunta: “Que base ética tem tal distinção?” (p. 87) E conclui esta parte do livro considerando madura a necessidade de uma nova ética. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Tomando o caso do aborto, Singer critica o grupo “pro choise”, pois ele crê que às vezes uma boa política pode ser também má filosofia: se é verdade que o feto tem os mesmos direitos do bebê, então não cabe à mãe escolher, assim como a escravidão não pode depender de uma escolha do negreiro... (p. 93) Mas Peter Singer é mais do que um filósofo provocante. Para muita gente, ele é irritante, e talvez por uma razão principal: não sendo um idealista utópico a traçar ideais impossíveis de realizar na prática, embora absolutos na exigência, não sendo um deontologista partidário de uma ética de intenção, mas posicionando-se antes voltado para uma ética da responsabilidade, para as possibilidades reais e realizáveis, mesmo com recursos finitos, e assumindo assim a dimensão da finitude e a conseqüente necessidade de administrar de maneira sistêmica nossas ações, Singer relaciona todas as coisas, mostra as suas diversas implicações recíprocas, como quando escreve: “Para ser justo eu deveria acrescentar que descrever o movimento anti-abortista como ‘pró vida’ é tão errôneo como definir os defensores do aborto legal como ‘pró escolha’. Há poucos vegetarianos no movimento pró vida. A maioria dos seus membros traçam uma linha marcada entre os seres humanos, cujas vidas desejam proteger, e os animais não humanos, cujo assassinato defendem cada vez que comem. Por essa razão, o movimento deveria chamar-se ‘pró vida humana’. Mas isso não seria totalmente correto, porque o movimento não é contra os assassinatos nas guerras ou a pena de morte. Portanto, a definição que mais se ajusta é ‘pró vida humana inocente’. E nem sequer esta é muito exata, porque o movimento não faz nada para salvar as crianças da morte por desnutrição ou enfermidades evitáveis nas regiões mais pobres do mundo, embora esta seja - comparada com lutar contra o aborto - uma forma muito mais segura e eficaz de salvar vidas de seres humanos inocentes.”(p. 94) Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Embora nossa apresentação das idéias de Singer deva concentrar-se mais nas relacionadas com a morte, não resistimos a tentação de mostrar como ele, ao repensar a vida, em seus inícios, busca argumentos em favor de uma posição que começa a respeitar o embrião depois de duas semanas. Ele o faz com um curioso experimento mental (p. 101), o da possibilidade de subdivisão depois da fecundação. Se queremos tratar o conjunto de células como se fossem indivíduos, por que então não utilizar nomes próprios, para personalizar? Escreve ele: “Se considerarmos o embrião como um indivíduo desde a concepção - chamemo-lhe Marion -então, o que sucede a Marion se o embrião se divide? Os gêmeos recém formados são Marion e um novo gêmeo, por exemplo, Ruth? Ou se trata de dois novos gêmeos, por exemplo, Ruth e Esther? Ambas as respostas suscitam paradoxos. Se Marion ainda existe, qual dos dois gêmeos é ela? Não há nenhuma base para dizer que um deles esteja mais vinculado à Marion original do que o outro. Mas se nenhum dos dois novos gêmeos é Marion, o que terá sucedido a ela? Terá desaparecido? Deveríamos então lamentar a perda de um ser humano, como eu lamentaria a perda de uma de minhas filhas, mesmo que ela fosse substituída por outras duas?” Por isso, Singer conclui que só deveríamos falar de um indivíduo humano uns 14 dias após a concepção, quando o novo ser já não se divide mais, e ao menos neste sentido é realmente um indivíduo. - Isto, sem falar de que a expressão “o momento da concepção” hoje se revela extremamente vaga, a ponto de os cientistas alemães congelarem óvulos com o espermatozoide já dentro, mas ainda não fundidos: a concepção, só ela, dura umas 24 horas. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Um outro problema atual foi aludido pelo especialista em bioética alemão HansMartin Sass: Se a interrupção da vida cerebral é critério de morte, haveria algo inversamente proporcional no início, e a vida humana começaria com os primeiros sinais da atividade cerebral? De qualquer maneira, Singer acha que o critério da morte cerebral constitui “uma decisão ética, não uma decisão científica” (p. 110). Quanto a isso Singer pode estar certo, pois a ética trabalha com os dados existentes disponíveis, caso contrário teríamos de aceitar gerações inteiras sem ética, enquanto a ciência demorasse a fazer suas descobertas, o que não seria ético. Pois todos os homens de todas as épocas devem estar igualmente próximos da ética. Infelizmente, não cabe nesta comunicação introdutória a interessantíssima questão da necessidade de uma reclassificação zoológica do Homo sapiens, que levasse em conta nosso estreito parentesco com os chimpanzés, conforme as propostas de Richard Dawkins e Jared Diamond e que talvez nos definissem como “o terceiro chimpanzé”. Mas se pertencemos à mesma família e ao mesmo gênero dos chimpanzés e dos gorilas, o que isso altera em termos de definição da morte do homo sapiens? E o que muda em relação à problemática da “pessoa”? Existem pessoas não-humanas, em nosso planeta? Singer radicaliza sua posição perguntando: “Por que deveríamos considerar sacrossanta a vida de uma criança anencefálica e acreditar-nos com liberdade para matar gibões para utilizar seus órgãos?” (p. 182 Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Outra questão que irrita, e que é uma questão filosófica, mas que permanece aberta à discussão na obra de Singer, é a de saber se ações e omissões se eqüivalem. Nosso autor não fecha a questão. Até modula e modera suas respostas. Ao mesmo tempo em que libera o médico de escrúpulos nos casos de terem de escolher entre duas vidas, tal posição tem o seu preço ao aumentar a responsabilidade: “Num mundo com meios de transportes e de comunicação modernos, no qual algumas pessoas vivem à beira da inanição enquanto outras possuem enormes fortunas, sempre há algo que possamos fazer em alguma parte, para manter com vida uma pessoa enferma ou mal-nutrida. Que todos os que vivemos em países ricos, com rendas muito superiores às necessárias para satisfazer nossas necessidades, deveríamos estar fazendo muito mais para ajudar as pessoas de países mais pobres a ter um nível de vida que lhes permita enfrentar suas necessidades, é uma questão com a qual a maioria das pessoas sérias estará de acordo; mas o aspecto preocupante desta idéia de responsabilidade é que não parece haver um limite sobre o quanto devemos fazer. Se somos tão responsáveis pelo que deixamos de fazer quanto pelo que fazemos, estará errado comprar roupa da moda ou cear num restaurante caro quando este dinheiro poderia haver salvo a vida de um desconhecido que morre por não ter o suficiente para comer? O não doar dinheiro a organizações de ajuda é realmente uma forma de assassinato ou algo tão errado quanto matar?(p. 192s.) Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico Convém agora, resumidamente, esboçar as conclusões do autor que escolhemos, e que aparecem na terceira parte do livro. Para sermos brutalmente rápidos, há que enunciar dois pressupostos que para ele sustentam a ética tradicional. “O primeiro desses supostos é que somos responsáveis pelo que fazemos intencionalmente, mas de certo modo não somos responsáveis pelo que não impedimos deliberadamente. O segundo é que as vidas de todos os membros de nossa espécie, e somente deles, merecem maior proteção que a vida de qualquer outro ser.” (p. 215) Sem esses dois pressupostos a ética que Singer chama tradicional não pode sobreviver. - Por fim, Peter Singer enumera cinco mandamentos daquela que chama “ética tradicional” e a cada um vai antepondo um novo mandamento, na nova perspectiva. Diferentemente do livro, apresentaremos os cinco mandamentos tradicionais e depois os cinco mandamentos reformados. 1o. antigo mandamento: Considerar que toda vida humana tem o mesmo valor; 2o. antigo mandamento: Nunca pôr fim intencionalmente a uma vida humana inocente; 3o. antigo mandamento: Nunca tires tua própria vida e tenta evitar que outros tirem as suas; 4o. antigo mandamento: Crescei e multiplicai-vos; 5o. antigo mandamento: Considera qualquer vida humana sempre mais valiosa que qualquer vida não humana. Repensando a vida e a morte do ponto de vista filosófico 1o. novo mandamento: Reconhecer que o valor da vida humana varia; 2o. novo mandamento: Responsabiliza-te pelas conseqüências de tuas decisões; 3o. novo mandamento: Respeita o desejo de viver e de morrer de uma pessoa; 4o. novo mandamento: Trazer ao mundo apenas crianças que sejam desejadas; 5o. novo mandamento: Não discriminar em razão da espécie. Dissemos que Peter Singer é um filósofo. E ele o é inclusive ao buscar coerência em sua proposta e ao se recusar a entender a ética como um terreno de opiniões arbitrárias ou mesmo traçado apenas pelas emoções. Considera que essa seria uma visão conservadora da ética. Não é essa a dele, que se baseia em conceitos racionais, argumentos e discussões. Pois se alguém nos disser: “Muito bem, esta é a tua opinião, mas eu tenho a minha”, isto não deve jamais representar o final da discussão. Singer sabe também que a temática da vida e da morte é somente uma parte da ética, embora muito importante. Estágios do Processo de Entendimento de Más Notícias (incluindo morte) Muitas vezes um profissional de saúde fica com um conflito interno entre contar ou não uma má notícia para o seu paciente ou seus familiares. Na realidade, salvo algumas pouquíssimas exceções, a questão que deve ser colocada é "qual a melhor maneira de contar esta má notícia ?" ou ainda "como vou dividir estas informações ?" Os pacientes ou seus familiares normalmente passam pelos mesmos estágios quando recebem uma má notícia. Estes estágios foram classificados pela Dra. Kübler-Ross para pacientes que estavam morrendo. Inúmeras outras situações presentes na prática dos profissionais de saúde, como a comunicação de diagnósticos de doenças genéticas, por exemplo, podem fazer com que as pessoas passem por estágios semelhantes. Os estágios são os seguintes: Choque inicial; Negação e isolamento; Raiva; Barganha; Depressão; Aceitação Estágios do Processo de Entendimento de Más Notícias (incluindo morte) A compreensão deste processo pode auxiliar o profissional de saúde a entender estes sentimentos e a auxiliar estas pessoas de uma forma mais adequada a esta situação de crise. Muitas pessoas abordam as situações de crise apenas pelo seu lado ameaçador, pelo risco envolvido. Porém, desde os antigos chineses, a palavra crise também comporta uma interpretação de oportunidade, de uma chance de crescimento. Desta forma, uma má notícia pode ser também ser geradora de crescimento pessoal, às vezes associado a muito sofrimento, mas que pode ser suportado desde que entendido e elaborado adequadamente. O sentimento de esperança também pode estar presente, paralelamente, a partir do estágio da "Raiva". Os profissionais de saúde podem auxiliar os pacientes e familiares a associar a esperança, com base na realidade, a todos os demais estágios. Muitas vezes esta tarefa pode ser a de restituir ainda que seja uma "desesperançada esperança", ou melhor, uma "esperança de poder ter novas esperanças". Morte e Envelhecimento O envelhecimento trás consigo a perspectiva da morte. Mesmo com a aumento da sobrevida da população humana, a vida é sempre um período finito. Esta finitude passa a ser mais contundente com a chegada da velhice. A perda de amigos, familiares e de pessoas de referência social reforça esta característica. Quando existe uma doença grave ou outra condição de saúde, incluindo-se aspectos físicos, mentais e sociais, que gera sofrimento a morte passa a ser não só uma probabilidade, mas também uma alternativa. Esta possibilidade passa por um dilema básico: o ser humano é proprietário ou guardião da vida. Caso seja considerado proprietário pode dispor da sua própria vida, caso seja guardião deve zelar pela mesma. Esta última é a perspectiva da maioria das religiões, pois consideram que a vida é um dom divino, sendo o ser humano responsável pela sua preservação. Um ponto fundamental a ser esclarecido é o que diz respeito ao estabelecimento limites de tratamento. Um tratamento pode ser considerado como uma medida ordinária, extraordinária ou fútil. As medidas ordinárias são mandatórias, devem ser propostas e trazem potencial benefício para a pessoa, mesmo com riscos associados. As medidas extraordinárias são procedimentos terapêuticos que não podem ser obtidos sem gastos excessivos, dor ou outro incômodo, ou, se utilizados, não oferecem uma possibilidade razoável de benefício. Entende-se por futilidade a ausência de motivo ou de resultado útil em um procedimento diagnóstico ou intervenção terapêutica. A determinação envolve, freqüentemente, juízos de valor, particularmente quando o objetivo é a qualidade de vida. A futilidade pode ser caracterizada como sendo um tratamento sem valor terapêutico. Cabe relembrar que os profissionais de saúde tem a obrigação de cuidar sempre, mas não de tratar sem que haja benefícios . Morte e Envelhecimento O limite de tratamento é muito mais facilamente aceito em pessoas muito idosas que em jovens e crianças. Nestas decisões o critério da idade serve como atenuante do impacto. Qual a justificativa para assumir que uma pessoa com mais de 65 anos tenha um prognóstico pior que um jovem em iguais condições ? Vários autores tem utilizado o critério de idade para justificar situações que poderiam ser caracterizadas não como a aceitação de limites terapêuticos, mas sim de abandono terapêutico. Em muitas reflexões sobre a morte o tema da eutanásia e do suicídio assistido estão presentes. A eutanásia foi muito utilizada em vários países do mundo, nas décadas de 1920 e 1930. Foi utilizada como uma medida eugênica matando doentes mentais, deficientes e também muitos velhos, com a justificativa de liberar a sociedade destas pessoas consideradas como um encargo. A partir da década de 1960, a discussão da eutanásia retornou, com outro enfoque, devido aos avanços tecnológicos postos à disposição das equipes de saúde, que mudaram inclusive a própria definição e critérios para o estabelecimento da morte. Morte e Envelhecimento A eutanásia em velhos assume uma importância muito grande, principalmente no que se refere às questões de respeito à autonomia. O importante é caracterizar que esta decisão é plenamente consciente, que ela não está sendo tomada devido a uma estado depressivo. Na legislação australiana sobre eutanásia, que foi revogada, havia a exigência de uma avaliação psiquiátrica para afastar esta possibilidade. O Prof. Lolas, da Universidade do Chile e do Programa Latino-Americano de Bioética da OPS, tem alguns relatos de pacientes que haviam solicitado aos seus médicos interrupção de seu tratamento ou a tomada de medidas diretas com o objetivo de causar a sua morte, uma vez tratados de sua depressão, agradeceram seus médicos por não terem atendido ao seu pedido. Modos de Morrer Não resposta a reanimação plena Morte que sobrevem mesmo com um manejo agressivo em Unidade de Terapia Intensiva incluindo tentativas de reanimação plena. Decisão de não reanimar Também denominada de ordem de não reanimação (do-not-ressucitate order DNR). É uma decisão prévia a ocorrência de uma parada cardiorrespiratória, devidamente discutida com toda a equipe, o paciente ou familiares, no sentido de não implantar as medidas de reanimação. Não implantação de medidas de suporte de vida Decisão de não implantar medidas de suporte de vida, que seriam medicamente apropriadas e potencialmente benéficas, pelo entendimento de que o paciente morrerá sem a terapêutica em questão. As medidas propostas são consideradas fúteis, por não alterarem o prognóstico do paciente. Retirada de medidas de suporte de vida Término ou retirada de medidas terapêuticas com a finalidade explícita de não substituir por um tratamento alternativo equivalente. Está claro que o paciente irá morrer no seguimento da alteração do processo terapêutico. Esta retirada está moralmente e tecnicamente justificada apenas quando as medidas forem consideradas fúteis. Modos de Morrer em Unidades de Tratamento Intensivo Vários autores tem se preocupado com a questão do modo de morrer dos pacientes internados em Unidades de Tratmento Intensivo. Lantos, Berger e Zucker publicaram em 1993 um artigo sobre a utilização de ordens para não reanimar pacientes pediátricos. Os resultados indicavam que 30% dos 54 pacientes pediátricos de uma UTI de Chicago/EEUU morreram sem que fossem feitas manobras de reanimação, devido a decisãos prévia neste sentido. Os dados referiam-se a um período de uma ano de acompanhamento. O estudo multicêntrico SUPPORT ( Study to Understand Prognoses and Preferences for Outcomes and Risks of Treatment), realizado nos Estados Unidos durante quatro anos, iniciou com a seguinte afirmação: "os médicos tratam seus pacientes doentes graves mais extensivamente do que eles escolheriam para si próprios". Os sentimentos decorrentes desta constatação, percebida por muitos médicos intensivistas mesmo antes deste estudo, fizeram com que várias pesquisas fossem realizadas em diferentes locais do mundo sobre os diferentes modos de morrer dos pacientes internados em Unidades de Tratamento Intensivo. Um estudo nacional realizado por Predengast, Claessens e Luce, com dados de 1997, nos Estados Unidos avaliou o modo de morrer de 6303 pacientes, após avaliar 74502 internações em UTIs. No HCPA foi realizado um estudo por Carvalho e colaboradores, avaliando o modo de morrer de 44 pacientes da UTI Pediátrica, no período de julho/96 a junho/97. Em ambos estudos foram considerados os mesmos critérios para avaliar o modo de morrer: morte encefálica, não resposta a manobras de reanimação cardiorrespiratória, decisão de não reanimar, não adoção de medidas de suporte de vida e retirada de medidas de suporte de vida. Modos de Morrer em Unidades de Tratamento Intensivo Modos de Morrer em Unidades de Tratamento Intensivo O estudo de Lantos e colaboradores não apresentou dados referentes a não adoção ou retirada de medidas de suporte de vida. Desta forma, a comparação entre os resultados, exceto o relativo à morte encefálica, fica prejudicado. Não foram verificadas diferenças significativas entre as casuísticas norte-americana e brasileira quanto a não resposta a manobras de reanimação, quanto a decisão de não reanimar e a não adoção de medidas de suporte. A ocorrência de morte encefálica foi significativamente maior na amostra brasileira (X2=55,19; p<0,000001), quando comparada com o estudo geral de várias UTIs norte-americanas. Quando comparada com o estudo de Lantos, a proporção de mortes encefálicas não apresentou diferenças significativas. A retirada de medidas de suporte de vida foi maior na amostra norte-americana (X2=6,33; p<0,01) comparativamente a amostra do HCPA. Eutanásia A palavra eutanásia tem sido utilizada de maneira confusa e ambígua, pois tem assumido diferentes significados conforme o tempo e o autor que a utiliza. Várias novas palavras, como distanásia, ortotanásia, mistanásia, têm sido criadas para evitar esta situação. Contudo, esta proliferação vocabular, ao invés de auxiliar, tem gerado alguns problemas conceituis. O termo Eutanásia vem do grego, podendo ser traduzido como "boa morte"ou "morte apropriada". O termo foi proposto por Francis Bacon, em 1623, em sua obra "Historia vitae et mortis", como sendo o "tratamento adequado as doenças incuráveis". De maneira geral, entende-se por eutanásia quando uma pessoa causa deliberadamente a morte de outra que está mais fraca, debilitada ou em sofrimento. Neste último caso, a eutanásia seria justificada como uma forma de evitar um sofrimento acarretado por um longo período de doença. Tem sido utilizado, de forma equivocada, o termo Ortotanásia para indicar este tipo de eutanásia. Esta palavra deve ser utilizada no seu real sentido de utilizar os meios adequados para tratar uma pessoa que está morrendo. Eutanásia O termo eutanásia é muito amplo e pode ter diferentes interpretações. Um exemplo de utilização diferente da que hoje é utilizada foi a proposta no século XIX, os teólogos Larrag e Claret, em seu livro "Prontuários de Teologia Moral", publicado em 1866. Eles utilizavam eutanásia para caracterizar a "morte em estado de graça". Existem dois elementos básicos na caracterização da eutanásia: a intenção e o efeito da ação. A intenção de realizar a eutanásia pode gerar uma ação (eutanásia ativa) ou uma omissão, isto é, a não realização de uma ação que teria indicação terapêutica naquela circunstância (eutanásia passiva). Desde o ponto de vista da ética, ou seja, da justificativa da ação, não há diferença entre ambas. Eutanásia Da mesma forma, a eutanásia, assim como o suicídio assistido, são claramente diferentes das decisões de retirar ou de não implantar um tratamento, que não tenha eficácia ou que gere sérios desconfortos, unicamente para prolongar a vida de um paciente. Ao contrário da eutanásia e do suicídio assistido, esta retirada ou não implantação de medidas consideradas fúteis não agrega outra causa que possa conduzir à morte do paciente. Esta, porém, não foi a interpretação da Suprema Corte de Nova Iorque, julgando o caso Quill, em 08 de janeiro de 1997, quando afirmou não haver diferenças legais e morais entre não implantar ou retirar uma medida extraordinária e o suicídio assistido. Em junho de 1997 a Suprema Corte Norte Americana, se pronunciou contrariamente a esta posição, afirmando que existem diferenças entre estas decisões, quer do ponto de vista médico quanto legal. A tradição hipocrática tem acarretado que os médicos e outros profissionais de saúde se dediquem a proteger e preservar a vida. Se a eutanásia for aceita como um ato médico, os médicos e outros profissionais terão também a tarefa de causar a morte. A participação na eutanásia não somente alterará o objetivo da atenção à saúde, como poderá influenciar, negativamente, a confiança para com o profissional, por parte dos pacientes. A Associação Mundial de Medicina, desde 1987, na Declaração de Madrid, considera a eutanásia como sendo um procedimento eticamente inadequado. Eutanásia Distanásia: Morte lenta, ansiosa e com muito sofrimento. Alguns autores assumem a distanásia como sendo o antônimo de eutanásia. Novamente surge a possibilidade de confusão e ambigüidade. A qual eutanásia estão se referindo? Se for tomado apenas o significado literal das palavras quanto a sua origem grega, certamente são antônimos. Se o significado de distanásia for entendido como prolongar o sofrimento ele se opõe ao de eutanásia que é utilizado para abreviar esta situação. Porém se for assumido o seu conteúdo moral, ambas convergem. Tanto a eutanásia quanto a distanásia são tidas como sendo eticamente inadequadas. Ortotanásia: é a atuação correta frente a morte. É a abordagem adequada diante de um paciente que está morrendo. A ortotanásia pode, desta forma, ser confundida com o significado inicialmente atribuído à palavra eutanásia. A ortotanásia poderia ser associada, caso fosse um termo amplamente, adotado aos cuidados paliativos adequados prestados aos pacientes nos momentos finais de suas vidas Eutanásia Mistanásia: também chamada de eutanásia social. Leonard Martin sugeriu o termo mistanásia para denominar a morte miserável, fora e antes da hora. Segundo este autor, "dentro da grande categoria de mistanásia quero focalizar três situações: primeiro, a grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos, não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico; segundo, os doentes que conseguem ser pacientes para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico e, terceiro, os pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos. A mistanásia é uma categoria que nos permite levar a sério o fenômeno da maldade humana". Breve Histórico da Eutanásia Diversos povos, como os celtas, por exemplo, tinham por hábito que os filhos matassem os seus pais quando estes estivessem velhos e doentes. Na Índia os doentes incuráveis eram levados até a beira do rio Ganges, onde tinham as suas narinas e a boca obstruídas com o barro. Uma vez feito isto eram atirados ao rio para morrerem. Na própria Bíblia tem uma situação que evoca a eutanásia, no segundo livro de Samuel. A discussão a cerca dos valores sociais, culturais e religiosos envolvidos na questão da eutanásia vem desde a Grécia antiga. Por exemplo, Platão, Sócrates e Epicuro defendiam a idéia de que o sofrimento resultante de uma doença dolorosa justificava o suicídio. Em Marselha, neste período, havia um depósito público de cicuta a disposição de todos. Aristóteles, Pitágoras e Hipócrates, ao contrário, condenavam o suicídio. No juramento de Hipócrates consta: "eu não darei qualquer droga fatal a uma pessoa, se me for solicitado, nem sugerirei o uso de qualquer uma deste tipo". Desta forma a escola hipocrática se já se posicionava contra o que hoje tem a denominação de eutanásia e de suicído assistido. Estas discussões não ficaram restritas apenas a Grécia. Cleópatra VII (69aC-30aC) criou no Egito uma "Academia" para estudar formas de morte menos dolorosas. Breve Histórico da Eutanásia A discussão sobre o tema, prosseguiu o longo da história da humanidade, com a participação de Lutero, Thomas Morus (Utopia), David Hume (On suicide), Karl Marx (Medical Euthanasia) e Schopenhauer. No século passado, o seu apogeu foi em 1895, na então Prússia, quando, durante a discussão do seu plano nacional de saúde, foi proposto que o Estado deveria prover os meios para a realização de eutanásia em pessoas que se tornaram incompetentes para solicitá-la. No século XX, esta discussão teve um de seus momentos mais acalorados entre as décadas de 20 e 40. Foi enorme o número de exemplos de relatos de situações que foram caracterizadas como eutanásia, pela imprensa leiga, neste período. O Prof. Jiménez de Asúa catalogou mais de 34 casos. No Brasil, na Faculdade de Medicina da Bahia, mas também no Rio de Janeiro e em São Paulo, inúmeras teses foram desenvolvidas neste assunto entre 1914 e 1935. Na Europa, especialmente, muito se falou de eutanásia associando-a com eugenia. Esta proposta buscava justificar a eliminação de deficientes, pacientes terminais e portadores de doenças consideradas indesejáveis. Nestes casos, a eutanásia era, na realidade, um instrumento de "higienização social", com a finalidade de buscar a perfeição ou o aprimoramento de uma "raça", nada tendo a ver com compaixão, piedade ou direito para terminar com a própria vida. Breve Histórico da Eutanásia Em 1931, na Inglaterra, o Dr. Millard, propôs uma Lei para Legalização da Eutanásia Voluntária, que foi discutida até 1936, quando a Câmara dos Lordes a rejeitou. Esta sua proposta serviu, posteriormente, de base para o modelo holandês. Durante os debates, em 1936, o médico real, Lord Dawson, revelou que tinha "facilitado" a morte do Rei George V, utilizando morfina e cocaína. O Uruguai, em 1934, incluiu a possibilidade da eutanásia no seu Código Penal, através da possibilidade do "homicídio piedoso". Esta legislação uruguaia possivelmente seja a primeira regulamentação nacional sobre o tema. Vale salientar que esta legislação continua em vigor até o presente. A doutrina do Prof. Jiménez de Asúa, penalista espanhol, proposta em 1925, serviu de base para a legislação uruguaia. Em outubro de 1939 foi iniciado o programa nazista de eutanásia, sob o código "Aktion T 4". O objetivo inicial era eliminar as pessoa que tinham uma "vida que não merecia ser vivida". Este programa materializou a proposta teórica da "higienização social". Breve Histórico da Eutanásia Em 1954, o teólogo episcopal Joseph Fletcher, publicou um livro denominado "Morals and Medicine", onde havia um capítulo com título "Euthanasia: our rigth to die". A Igreja Católica, em 1956, posicionou-se de forma contrária a eutanásia por ser contra a "lei de Deus". O Papa Pio XII, numa alocução a médicos, em 1957, aceitou, contudo, a possibilidade de que a vida possa ser encurtada como efeito secundário a utilização de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportáveis, por exemplo. Desta forma, utilizando o princípio do duplo efeito, a intenção é diminuir a dor, porém o efeito, sem vínculo causal, pode ser a morte do paciente. Em 1968, a Associação Mundial de Medicina adotou uma resolução contrária a eutanásia. Em 1973, na Holanda, uma médica geral, Dra. Geertruida Postma, foi julgada por eutanásia, praticada em sua mãe, com uma dose letal de morfina. A mãe havia feito reiterados pedidos para morrer. Foi processada e condenada por homicídio, com uma pena de prisão de uma semana (suspensa), e liberdade condicional por um ano. Neste julgamento foram estabelecidos os critérios para ação do médico. Breve Histórico da Eutanásia Em 1980, o Vaticano divulgou uma Declaração sobre Eutanásia, onde existe a proposta do duplo efeito e a da descontinuação de tratamento considerado fútil. Em 1981, a Corte de Rotterdam revisou e estabeleceu os critérios para o auxílio à morte. Em 1990, a Real Sociedade Médica dos Países Baixos e o Ministério da Justiça estabeleceram uma rotina de notificação para os casos de eutanásia, sem torná-la legal, apenas isentando o profissional de procedimentos criminais. Em 1991, houve uma tentativa frustrada de introduzir a eutanásia no Código Civil da Califórnia/EEUU. Neste mesmo ano a Igreja Católica, através de uma Carta do Papa João Paulo II aos bispos, reiterou a sua posição contrária ao aborto e a eutanásia, destacando a vigilância que as escolas e hospitais católicos deveriam exercer na discussão destes temas. Os Territórios do Norte da Austrália, em 1996, aprovaram uma lei que possibilita formalmente a eutanásia. Meses após esta lei foi revogada, impossibilitando a realização da eutanásia na Austrália. Breve Histórico da Eutanásia Em 1996, foi proposto um projeto de lei no Senado Federal (projeto de lei 125/96), instituíndo a possibilidade de realização de procedimentos de eutanásia no Brasil. A sua avaliação nas comissões especializadas não properou. Em maio de 1997 a Corte Constitucional da Colombia estabeleceu que "ninguém pode ser responsabilizado criminalmente por tirar a vida de um paciente terminal que tenha dado seu claro consentimento". Esta posição estabeleceu um grande debate nacional entre as correntes favoráveis e contrárias. Vale destacar que a Colombia foi o primeiro país sul-americano a constituir um Movimento de Direito à Morte, criado em 1979. Em outubro de 1997 o estado do Oregon, nos Estados Unidos, legalizou o suicídio assistido, que foi interpretado erroneamente, por muitas pessoas e meios de comunicação, como tendo sido autorizada a prática da eutanásia. Em novembro de 2000 a Câmara de Representantes dos Países Baixos aprovou, com uma parte do plenário se manifestando contra, uma legislação sobre morte assistida. Esta lei permitirá inclusive que menores de idade possam solicitar este procedimento. Falta ainda a aprovação pelo Senado, mas a aprovação é dada como certa. Esta lei apenas torna legal um procedimento que já era consentido pelo Poder Judiciário holandês. A repercussão mundial foi muito grande com forte posicionamento do Vaticano afirmando que esta lei atenta contra a dignidade humana. Eutanásia: direito de matar ou direito de morrer O ato de promover a morte antes do que seria de esperar, por motivo de compaixão e diante de um sofrimento penoso e insuportável, sempre foi motivo de reflexão por parte da sociedade. Agora, essa discussão tornou-se ainda mais presente quando se discute os direitos individuais como resultado de uma ampla mobilização do pensamento dos setores organizados da sociedade e quando a cidadania exige mais direitos. Além disso, surgem cada vez mais tratamentos e recursos capazes de prolongar por muito tempo a vida dos pacientes descerebrados, o que pode levar a um demorado e penoso processo de morrer. A medicina atual, na medida em que avança na possibilidade de salvar mais vidas, cria inevitavelmente complexos dilemas éticos que permitem maiores dificuldades para um conceito mais ajustado do fim da existência humana. Além disso, "o aumento da eficácia e a segurança das novas modalidades terapêuticas motivam também questionamentos quanto aos aspectos econômicos, éticos e legais resultantes do emprego exagerado de tais medidas e das possíveis indicações inadequadas de sua aplicação". O cenário da morte e a situação de paciente terminal são as condições que ensejam maiores conflitos neste contexto, levando em conta os princípios, às vezes antagônicos, da preservação da vida e do alívio do sofrimento. Eutanásia: direito de matar ou direito de morrer Desse modo, disfarçada, enfraquecida e desumanizada pelos rigores da moderna tecnologia médica, a morte vai mudando sua face ao longo do tempo. A cada dia que passa maior é a cobrança de que é possível uma morte digna e as famílias já admitem o direito de decidir sobre o destino de seus enfermos insalváveis e torturados pelo sofrimento físico, para os quais os meios terapêuticos disponíveis não conseguem atenuar. O médico vai sendo influenciado a seguir os passos dos moribundos e a agir com mais "sprit de finesse", orientado por uma nova ética fundada em princípios sentimentais e preocupada em entender as dificuldades do final da vida humana; uma ética necessária para suprir uma tecnologia dispensável. Neste instante, é possível que a medicina venha rever seu ideário e suas possibilidades, tendo a "humildade" de não tentar "vencer o invencível". Apesar do avanço da ciência, se auscultarmos mais atentamente a realidade sociológica atual nas comunidades de nossa convivência cultural, certamente vamos entender a complexidade e a profundeza do tema. Casabona, sobre isso, afirma que "tem de deixar-se assentado que a realidade se apresenta com uma complexidade muito superior, que dificulta a valorização da oportunidade da decisão a tomar. Afirmações como ‘incurável’, ‘proximidade de morte’, ‘perspectiva de cura’, ‘prolongamento da vida’, etc., são posições muito relativas e de uma referência em muitas ocasiões, pouco confiáveis. Daí a delicadeza e a escrupulosidade necessárias na hora de enfrentar-se com o caso concreto". Eutanásia: direito de matar ou direito de morrer O "direito de matar" ou o "direito de morrer" sempre teve em todas as épocas seus mais extremados defensores. Na Índia de antigamente, os incuráveis eram jogados no Ganges, depois de se lhes vedar a boca e as narinas com a lama sagrada. Os espartanos, conta Plutarco em Vidas Paralelas, do alto do monte Taijeto, lançavam os recém-nascidos deformados e até anciãos, pois "só viam em seus filhos futuros guerreiros que, para cumprirem tais condições deveriam apresentar as máximas condições de robustez e força". Os Brâmanes eliminavam os velhos enfermos e os recém-nascidos defeituosos por considerá-los imprestáveis aos interesses do grupo . Em Atenas, o Senado tinha o poder absolutos de decidir sobre a eliminação dos velhos e incuráveis, dando-lhes o conium maculatum – bebida venenosa, em cerimônias especiais. Na Idade Média, oferecia-se aos guerreiros feridos um punhal muito afiado, conhecido por misericórdia, que lhes servia para evitar o sofrimento e a desonra. O polegar para baixo dos césares era uma indulgente autorização à morte, permitindo aos gladiadores feridos evitarem a agonia e o ultraje. Eutanásia: direito de matar ou direito de morrer Há até quem afirme que o gesto dos guardas judeus de darem a Jesus uma esponja embebida em vinagre, antes de constituir ato de zombaria e crueldade, teria sido uma maneira piedosa de amenizar seu sofrimento, pois o que lhe ofereceram, segundo consta, fora simplesmente o vinho da morte, numa atitude de extrema compaixão. Segundo Dioscorides, esta substância "produzia um sono profundo e prolongado, durante o qual o crucificado não sentia nem os mais cruentos castigos, e por fim caía em letargo passando à morte insensivelmente" Assim admitida na antiguidade, a eutanásia só foi condenada a partir do judaísmo e do cristianismo, em cujos princípios a vida tinham o caráter sagrado. No entanto, foi a partir do sentimento que cerca o direito moderno que a eutanásia tomou caráter criminoso, como proteção irrecusável do mais valioso dos bens: a vida. Até mesmo nos instantes mais densos, como nos conflitos internacionais, quando tudo parece perdido, face as condições mais precárias e excepcionais, ainda assim o bem da vida é de tal magnitude que a consciência humana procura protegê-la contra a insânia, criando regras para impedir a prática de crueldades irreparáveis. Outras vezes, a ciência, de forma desesperada, intima os cientistas do mundo inteiro a se debruçar sobre as mesas de seus laboratórios, na procura dos meios salvadores da vida. Tipos de Eutanásia Atualmente a eutanásia pode ser classificada de várias formas, de acordo com o critério considerado. Quanto ao tipo de ação: Eutanásia ativa: o ato deliberado de provocar a morte sem sofrimento do paciente, por fins misericordiosos. Eutanásia passiva ou indireta: a morte do paciente ocorre, dentro de uma situação de terminalidade, ou porque não se inicia uma ação médica ou pela interrupção de uma medida extraordinária, com o objetivo de minorar o sofrimento. Eutanásia de duplo efeito: quando a morte é acelerada como uma conseqüencia indireta das ações médicas que são executadas visando o alívio do sofrimento de um paciente terminal. Quanto ao consentimento do paciente: Eutanásia voluntária: quando a morte é provocada atendendo a uma vontade do paciente. Eutanásia involuntária: quando a morte é provocada contra a vontade do paciente. Eutanásia não voluntária: quando a morte é provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela. Esta classificação, quanto ao consentimento, visa estabelecer, em última análise, a responsabilidade do agente, no caso o médico. Esta discussão foi proposta por Neukamp, em 1937. Tipos de Eutanásia Historicamente, a palavra eutanásia admitiu vários significados. Destacamos, a título de curiosidade, a classificação proposta na Espanha, por Ricardo RoyoVillanova, em 1928: Eutanásia súbita: morte repentina; Eutanásia natural: morte natural ou senil, resultante do processo natural e progressivo do envelhecimento; Eutanásia teológica: morte em estado de graça; Eutanásia estóica: morte obtida com a exaltação das virtudes do estoicismo; Eutanásia terapêutica: faculdade dada aos médicos para propiciar um morte suave aos enfermos incuráveis e com dor; Eutanásia eugênica e econômica: supressão de todos os seres degenerados ou inúteis (sic); Eutanásia legal: aqueles procedimentos regulamentados ou consentidos pela lei. Tipos de Eutanásia No Brasil, também em 1928, o Prof. Ruy Santos, na Bahia propôs que a eutanásia fosse classificada em dois tipos, de acordo com quem executa a ação: Eutanásia-homicídio: quando alguém realiza um procedimento para terminar com a vida de um paciente. Eutanásia-homicídio realizada por médico; Eutanásia-homicídio realizada por familiar; Eutanásia-suicídio: quando o próprio paciente é o executante. Esta talvez seja a idéia precursora do Suicídio Assistido. Tipos de Eutanásia Finalmente, o Prof. Jiménez de Asúa, em 1942, propôs que existem, a rigor, apenas três tipos: Eutanásia libertadora, que é aquela realizada por solicitação de um paciente portador de doença incurável, submetido a um grande sofrimento; Eutanásia eliminadora, quando realizada em pessoas, que mesmo não estando em condições próximas da morte, são portadoras de distúrbios mentais. Justifica pela "carga pesada que são para suas famílias e para a sociedade"; Eutanásia econômica, seria a realizada em pessoas que, por motivos de doença, ficam inconscientes e que poderiam, ao recobrar os sentidos sofrerem em função da sua doença. Estas idéias bem demonstram a interligação que havia nesta época entre a eutanásia e a eugenia, isto é, na utilização daquele procedimento para a seleção de indivíduos ainda aptos ou capazes e na eliminação dos deficientes e portadores de doenças incuráveis. Declaração sobre Eutanásia World Medical Association Madrid/Espanha – 1987 Eutanásia, que é o ato de deliberadamente terminar com a vida de um paciente, mesmo com a solicitação do próprio paciente ou de seus familiares próximos, é eticamente inadequada. Isto não impede o médico de respeitar o desejo do paciente em permitir o curso natural do processo de morte na fase terminal de uma doença. Quando a Holanda, em fevereiro de 1993, instituiu a nova legislação, que permite que o médico realize eutanásia ativa, sob certas condições, a Associação Mundial de Medicina, no dia seguinte, chamou a atenção para o texto desta Declaração, que foi aprovada, por unanimidade, na 39a. Assembléia Mundial de Medicina. Caso Debbie – eutanásia ativa Um residente de Ginecologia, que estava de plantão em um grande hospital privado norte-americana, foi chamado a meia-noite, para atender uma paciente de 20 anos, em estágio terminal, com câncer de ovário. A paciente não respondeu à quimioterapia e estava recebendo apenas medidas de suporte. Ela estava acompanhada pela mãe quando o médico chegou. Há dois dias que não conseguia comer ou dormir. Estava com 34 kg de peso corporal e com vômitos frequentes. "Debbie" disse ao médico, que não a conhecia até este momento, apenas a seguinte frase: "terminemos com isto". O médico foi até a sala de enfermagem e preparou 20mg de morfina. Voltou ao quarto e disse às duas mulheres que iria dar uma injeção que possibilitaria a Debbie descansar e dizer adeus. A paciente nada disse, nem sua mãe. Em 4 minutos a paciente morreu. A mãe se manteve erguida e pareceu aliviada. Caso Debbie – eutanásia ativa Crítica ao Caso Debbie A publicação do Caso Debbie no JAMA, de 1988, gerou uma enorme discussão a respeito de duas questões éticas importantes: a preservação do nome do autor do relato e a eutanásia ativa feita sem maiores critérios. Anônimo. Its over, Debbie. JAMA 1988;259(2):272. O direito do editor da revista em publicar este tipo de relato, mantendo o anonimato do autor e sem um editorial que comentasse o assunto ou repreedesse a conduta do médico foi duramente criticado em diversos artigos. Vários bioeticistas, entre eles Edmond Pellegrino, levantaram a questão da violação de normas éticas e legais praticadas pelo residente. Estes autores afirmaram que o debate sobre a eutanásia ativa atinge o centro moral da Medicina. Os médicos devem repudiar aqueles profissionais que intencional e ativamente matam seus pacientes. Gaylin W, Kass LR, Pellegrino ED, Siegler M. Doctors must not kill. JAMA 1988;259(14):2139-2140. Kenneth Vaux, em outro artigo, rebateu a interpretação de que este caso seria um exemplo de eutanásia por duplo-efeito. Vaux acredita que a eutanásia, por princípio, deve ser proscrita. Questionou, contudo, que apesar do objetivo da Medicina ser salvar e preservar a vida e nunca causar danos ou a morte de forma intencional, em casos excepcionais, a eutanásia pode ser, certamente, tolerada. Vaux KL. Debbie's dying: mercy killing and the good death. JAMA 1988; 259(14):2140-2141. Eutanásia - Alemanha Nazista 1939-1941 Em outubro de 1939, a Alemanha Nazista implantou a "Aktion T 4", que era um programa de eliminação de recëm-nascidos e crianças pequenas, até 3 anos, que tinham uma "vida que não merecia ser vivida". Os médicos e parteiras tinham o dever de notificar a autoridade sanitária de casos de retardo mental, deformidades físicas e outras condições limitantes. Uma junta médica de três profissionais examinava cada caso e a eliminação somente era realizada quando houvesse unanimidade. O programa logo se extendeu para adultos e velhos. Os pacientes que deveriam ser notificados eram portadores de esquizofrnia, epilepsia, desordens senis, paralisias que não respondiam a tratamento, sífilis, retardos mentais, encefalite, doença de Huntington e outras patologias neurológicas. Eram também incluídos os pacientes internados a mais de 5 anos ou criminalmente insanos. Foram acrescidos os critérios de não possuir cidadania alemã, ou ascendência alemã, discriminando especialmente negros, judeus e ciganos. Eutanásia - Alemanha Nazista 1939-1941 Em seis centros de extermínio foram executadas cerca de 100.000 pessoas em menos de dosi anos que o Programa foi mantido. Um sermão do bispo católico Clemens von Galen, feito em 3 de agosto de 1941 denunciou de forma contundente e definitiva este extermínio. Em 23 de agosto, Hitler suspendeu a Aktion T 4, devido as repercussões deste sermão. A tecnologia de extermínio desenvolvida neste Programa foi utilizada nos campos de concentração para a eliminação em massa, não mais de doentes, mas com finalidade de "purificação racial". A designação Eutanásia para esse tipo de procedimento é incorreta, pois não havia o interesse de minorar o sofrimento de uma pessoa capaz e informada de sua condição de saúde. Eutanásia - Austrália Nos Territórios do Norte da Austrália esteve em vigor, de 1o. de julho de 1996 a 24 de março de 1997, a primeira lei que autorizou a eutanásia ativa, que recebeu a denominação de Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais. A lei foi derrubada por uma pequena diferença de votos (38 a 34), apesar das pesquisas de opinião referirem que 74% dos australianos serem contra esta revogação. Esta lei estabelecia inúmeros critérios e precauções até permitir a realização do procedimento. Estas medidas, na prática, inibiam as solicitações intempestivas ou sem base em evidências clinicamente comprováveis. Isto foi possível de ser comprovado no primeiro paciente a obter autorização foi Robert Dent, que morreu em 22/09/96. Eutanásia - Austrália Critérios estabelecidos pela Lei dos Direitos dos Pacientes Terminais (1996): 1) Paciente faz a solicitação a um médico. 2) O médico aceita ser seu assistente. 3) O paciente deve ter 18 anos no mínimo. 4) O paciente deve ter uma doença que no seu curso normal ou sem a utilização de medidas extraordinárias acarretará sua morte. 5) Não deve haver qualquer medida que possibilite a cura do paciente. 6) Não devem existir tratamentos disponíveis para reduzir a dor, sofrimento ou desconforto. 7) Deve haver a confirmação do diagnóstico e do prognóstico por um médico especialista. 8) Um psiquiatra qualificado deve atestar que o paciente não sofre de uma depressão clínica tratável. 9) A doença deve causar dor ou sofrimento. 10) O médico deve informar ao paciente todos os tratamentos disponíveis, inclusive tratamentos paliativos. 11) As informações sobre os cuidados paliativos devem ser prestadas por um médico qualificado nesta área. 12) O paciente deve expressar formalmente seu desejo de terminar com a vida. Eutanásia - Austrália 13) O paciente deve levar em consideração as implicações sobre a sua família. 14) O paciente deve estar mentalmente competente e ser capaz de tomar decisões livre e voluntariamente. 15) Deve decorrer um prazo mínimo de sete dias após a formalização do desejo de morrer. 16) O paciente deve preencher o certificado de solicitação. 17) O médico assistente deve testemunhar o preenchimento e a assinatura do Certificado de Solicitação. 18) Um outro médico deve assinar o certificado atestando que o paciente estava mentalmente competente para livremente tomar a decisão. 19) Um interprete deve assinar o certificado, no caso em que o paciente não tenha o mesmo idioma de origem dos médicos. 20) Os médicos envolvidos não devem ter qualquer ganho financeiro, além dos honorários médicos habituais, com a morte do paciente. 21) Deve ter decorrido um período de 48 horas após a assinatura do cretificado. 22) O paciente não deve ter dado qualquer indicação de que não deseja mais morrer. 23) A assistência ao término voluntário da vida pode ser dada. Caso Robert Dent Roberto Dent, 66 anos, carpinteiro, natural e residente em Darwin/Austália, com câncer de próstata desde 1991, estava anêmico e emagreceu 25kg, foi a primeira pessoa no mundo a obter uma autorização para eutanásia com amparo legal. Morreu, após conversar longamente e almoçar com sua esposa, utilizando injeção letal no dia 22/09/96. Eutanásia - Bélgica A Bélgica legalizou a eutanásia em 16 de maio de 2002. A sua vigência iniciou em 22 de setembro de 2002. A lei belga foi derivada de uma diretriz emanada pelo Comitê Consultivo Nacional de Bioética daquele país, Diferentemente da lei da Holanda que surgiu de uma longa trajetória de casos, ou seja, de uma jurisprudencia prévia, a lei belga surgiu de um debate sobre a sua necessidade e adequação. A lei belga é mais restritiva que a holandesa. Uma diferença fundamental é a garantia do anonimato presente na legislação belga. Outra é a exclusão da possibilidade de menores de 18 anos solicitarem este tipo de procedimento. Na Bélgica é dada a garantia de que uma pessoa que não tenha recursos possa ter a sua disposição os meios fornecidos pelo Estado para a realização da eutanásia. Uma situação prevista é a possibilidade de solicitação de eutanásia por uma pessoa que não esteja em estado terminal. neste caso será necessária a participação de um terceiro médico para dar a sua opinião sobre o caso. Todos os procedimentos são revistos por um comitê especial que acvalia se os critérios legais foram efetivamente cumpridos. Eutanásia no Brasil No Brasil a eutanásia é considerada como sendo homicídio. Está tramitando na Senado Federal, um projeto de lei 125/96, elaborado desde 1995, estabelecendo critérios para a legalização da "morte sem dor". O projeto prevê a possibilidade de que pessoas com sofrimento físico ou psíquico possam solicitar que sejam realizados procedimentos que visem a sua própria morte. A autorização para estes procedimentos será dada por uma junta médica, composta por 5 membros, sendo dois especialistas no problema do solicitante. Caso o paciente esteja impossibilitado de expressar a sua vontade, um familiar ou amigo poderá solicitar à Justiça tal autorização. O projeto de lei é bastante falho na abordagem de algumas questões fundamentais, tais como o estabelecimento de prazos para que o paciente reflita sobre sua decisão, sobre quem será o médico responsável pela realização do procedimento que irá causar a morte do paciente, entre outros itens. Também está tramitando o Anteprojeto de Lei que altera os dispositivos do Código Penal e dá outras providências, legislando sobre a questão da eutanásia em dois itens do artigo 121. Eutanásia no Brasil Homicídio Art. 121. Matar alguém: Pena - Reclusão, de seis a vinte anos. ... Eutanásia Parágrafo 3o. Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe o sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave: Pena - Reclusão, de três a seis anos. Exclusão de Ilicitude Parágrafo 4o. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão. Eutanásia no Brasil A redação dos parágrafos deixa margem a interpretações diversas. Alguns autores estão denominando, equivocadamente, a situação prevista no parágrafo 4o. de Ortotanásia. e não atinge a questão principal que é a de estabelecer critérios uniformes de morte torácica ou encefálica para todas as situações, e não apenas para a doação de órgãos, neste último caso. Esta alteração poderia levar em conta alguns itens das legislações vigentes no Uruguay e na Holanda. Nesteas duas leis ocorre a exoneração de castigo, sem deixar de caracterizar o ato como o de matar alguém. Estas propostas tem como base as propostas de Jiménes de Asua, feitas na década de 1920. A legislação da Austrália, que não está mais vigindo, também poderia orientar, principalmente no que se refere aos condicionantes do processo Caso Eutanásia em São Paulo Na publicação "Vidas em Revista", de 08 de março de 2004, foi publicada uma reportagem onde um cirurgião, Carlos Alberto de Castro Cotti, de São Paulo, relatou ter realizado várias eutanásias, inclusive involuntárias, em seus pacientes, desde 1959. 1o Relato - 1959: Um paciente com icterícia, que não conseguia se alimentar e recebia alimentação "artificialmente". O paciente tinha dores e recebia morfina. "Era um absurdo mantê-lo vivo naquelas condições", afirmou o cirurgião. 2o Relato - 1964: Um paciente com metástases cerebrais, pulmonares e intestinais generalizadas. Quando as metástases ósseas o atingiram a dor era "violenta". 3o Relato - sem data especificada: Um paciente com carcinomatose, com bloqueio de rim. "Foi muito triste porque era meu amigo, tinha 52 ou 54 anos." Caso Eutanásia em São Paulo 4o Relato - sem data especificada: Uma paciente, com idade entre 65 e 68 anos, foi operada quatro vezes em dois anos. Na primeira vez foi feita uma jejunostomia. No início ela tinha 70 kg, após a quarta cirurgia, quando teve uma perfuração intestinal devida a carcinoma, teve uma peritonite, já estava com apenas 25 kg. Nesta ocasião o cirurgião da paciente solicitou ao médico que relatou o fato, que fizesse uma injeção de "M1" (solução a base de fenergan, morfina e outras substâncias) na paciente. Isto foi feito na própria residência da paciente, após ter sido comunicado aos filhos. "Eu fui buscar a medicação e nós dois colocamos no soro. Ficamos aguardando, conversando, por que nós resolvemos que deveríamos estender o mais que pudéssemos o sono, porque a paciente estava muito consciente. E foi feito." Uma das repórteres perguntou se a paciente sabia a havia concordado com o procedimento. A resposta foi a seguinte: "Ela sabia que não podia mais ser operada, mas não sabia que ia receber o "M1". Quem decidiu isso foi a família." Caso Eutanásia no Rio de Janeiro Na publicação "Vidas em Revista", de 08 de março de 2004, foi publicada uma reportagem onde há o relato da eutanásias realizadas no hospital Salgado Filho, no Rio de Janeiro, pelo auxiliar de enfermagem Edson Isidoro Guimarâes, em 1999. Ele afirmava que fazia isto por compaixão, para aliviar o sofrimento dos pacientes, que podiam ser jovens ou velhos. O método utilizado consistia na injeção de cloreto de potássio ou no desligamento do equipamento que fornecia oxigênio aos pacientes. Foram apuradas 153 ocorrências deste tipo em seus plantões, com as mortes ocorrendo entre as duas e as quatro horas da manhã. Destas, quatro foram comprovadas e assumidas pelo auxiliar de enfermagem, que foi julgado e condenado a 76 anos de prisão, em 19/02/2000. A sua pena já foi reduzida duas vezes, primeiro para 69 anos e depois para 31 anos e oito meses. Havia o envolvimento de empresas funerárias que pagaram entre 40 e 60 dólares norte-americanos por paciente encaminhado. Eutanásia - Estados Unidos Nos Estrados Unidos a eutanásia não é permitida por lei. A justiça americana possibilitou algumas outras situações que envolvem o final de vida como a interrupção de tratamento que apenas prolongue o processo de morrer de pacientes e o suicídio assistido. Em 1990, no caso Nancy Cruzan a justiça do estado de Missouri assegurou o direito dos familiares solicitarem a interrupção de tratamentos que apenas prolonguem a morte de uma paciente em estado vegetativo persistente. Em 1991, foi feita uma proposição de alteração do Código Civil da Califórnia/EEUU (Proposição 161), não aceita em um plebiscito, de que uma pessoa mentalmente competente, adulta, em estado terminal poderia solicitar e receber uma ajuda médica para morrer. O objetivo seria o de permitir a morte de maneira indolor, humana e digna. O médicos teriam imunidade legal destes atos. Em abril de 1996, o juiz Stephen Reinhardt, do 9o, Tribunal de Apelação de Los Angeles Califórnia, estabeleceu que a Constituição Americana garante o direito ao suicídio assistido a todo paciente terminal. Caso Nancy Cruzan retirada de tratamento Em 11 de janeiro de 1983, Nancy Cruzan, de 25 anos, casada, perdeu o controle de seu carro quando viajava no interiro do estado de MIssouri;EUA. O carro capotou e ela foi encontrada voltada com rosto para baixo em um córrego, sem respiração ou batimento cardíaco detectável. Os profissionais de emergência que a atenderam foram capazes de recuperar as funções respiratória e cardíaca, sendo a paciente transportada inconsciente para o hospital. Um neurocirurgião diagnosticou a possibilidade de dano cerebral permanente devido a falta de oxigênio. O período de tempo de anóxia foi estimado em 10 a 12 minutos. Em média se estima que ocorram danos cerebrais permanentes com anóxia de 6 minutos ou mais. A paciente ficou em coma por três semanas. O quadro evoluiu para um estado de inconsciência onde a paciente podia se alimentar parcialmente por via oral. Com a finalidade de facilitar a sua alimentação, foi introduzida uma sonda de alimentação. O seu marido autorizou este procedimento. Em outubro de 1983, ou seja, dez meses após o acidente, ela foi internada em um hospital público. Todas as tentativas de reabilitação foram mal sucedidas, demonstrando que ela não teria possibilidade de recuperar a vida de relação. Os seus pais, que também eram considerados como seus representantes legais, em conjunto com o esposo, solicitaram ao hospital que retirassem os procedimentos de nutrição e hidratação assistida, ou seja a sonda que havia sido colocada. Os médicos e a instituição se negaram a atender esta demanda sem autorização judicial. Caso Nancy Cruzan retirada de tratamento Os pais entraram na justiça do estado do Missouri solicitando esta autorização em junho de 1989. Um representante legal foi indicado para atuar durante o julgamento. O tribunal, em junho de 1990, após realizar audiências, ordenou à instituição que atendesse a demanda da família. Esta decisão se baseou em três argumentos básicos: no diagnóstico, na previsão legal desta demanda e na manifestação prévia da vontade pessoal da paciente. O diagnóstico de dano cerebral permanente e irreversível, em conseqüência do longo período de anóxia, foi confirmado e não questionado. A lei do estado do Missouri e da Constituição norte-americana permitem que uma pessoa no estado da paciente pode recusar ou solicitar a retirada de "procedimentos que prolonguem a morte". considerando que ela, aos vinte anos, tinha manifestado em uma conversa séria com uma colega de quarto, que se estivesse doente ou ferida, ela não gostaria de ser mantida viva, salvo que pudesse ter pelo menos metade de suas capacidades normais. Esta posição sugeriu que ela não estaria de acordo com a manutenção da hidratação e da nutrição nas suas condições atuais. No túmulo de Nancy Cruzan consta a seguinte indicação: Nascida em 20 de julho de 1957 Partiu em 11 de janeiro de 1983 Em paz em 26 de dezembro de 1990 Eutanásia no Canadá TORONTO. 2/02/98. O fazendeiro canadense Robert Latimer, de 44 anos, foi condenado a dois anos de prisão ontem por causar a morte de sua filha Tracy, de 12 anos. Latimer havia sido condenado à prisão perpétua, mas a sentença foi revista. Ele virou símbolo do debate sobre a eutanásia ao confessar ter provocado a morte de sua filha, que sentia fortes dores devido a uma paralisia cerebral. Foi a primeira condenação de um assassino à pena mínima pela Justiça canadense. Depois de um ano na prisão, Latimer poderá cumprir o outro ano em liberdade condicional, em sua fazenda. O juiz disse que a prisão perpétua seria uma punição cruel e incomum. Latimer fora condenado em 1994 por homicídio em segundo grau, sem direito a recorrer da sentença durante dez anos. O veredito foi, porém, revisto pela Suprema Corte porque a polícia havia questionado jurados sobre a atitude deles diante da morte por piedade, o que é ilegal. Mês passado, houve uma segunda condenação por homicídio em segundo grau, em que o juri recomendou tolerância em relação ao réu. No Canadá, juízes têm autoridade para rever sentenças se acharem que estas não estão de acordo com o código de direitos humanos do país. Enquanto sua mulher e seus outros três filhos estavam numa igreja, Latimer levou Tracy para fora de casa durante uma nevasca e a observou morrer em sete minutos. Tracy não podia andar, falar ou comer sozinha, pesava menos de 18 quilos e tinha idade mental de três meses. O caso acirrou debates entre defensores da eutanásia e grupos que lutam por direitos de pessoas inválidas. A decisão de ontem abrirá um debate sobre a lei canadense. Eutanásia - Colombia Em 15 de maio de 1997 A Corte Constitucional da Colombia julgou uma demanda judicial contra o artigo 326 do Código Penal Colombiano. Esta demanda queria considerar a possibilidade de ser realizado homicídio por misericórdia, retomando a proposta do jurista Jiménez de Asúa. A Colombia é o único país da América Latina, ao que se tem conhecimento, a possuir um forte Movimento pelo Direito a Morrer com Dignidade, criado em 1979 por Beatriz Kopp de Gomez. Esta senhora teve como motivação a morte de um parente com câncer cerebral. O seu Movimento já auxiliou mais de 10000 pessoas na Colombia a elaborarem documentos de vontades antecipadas ("living will") sobre o uso ou não de terapias de suporte vital. O magistrado que propos a discussão, Carlos Gaviria, é ateu e defensor da eutanásia. Ele aceita que o médico pode terminar com a vida de um paciente que esteja em intenso sofrimento. O juíz Jorge Arango propos que a liberdade é o direito maior, a vida sem liberdade não tem sentido. Outro juíz, Eduardo Cifuentes, propos que a liberdade e a vida não se opõem. Acrescentou que esta proposta somente opderia ser levada a cabo em pacientes terminais, plenamente informados sobre sua condição de saúde. Os demais juízes - Alexander Martinez, Fabio Moro e Antonio Barrera - acompanharam o voto dos juízes Jorge Arango e Eduardo Cifuentes, de apoio à proposta de Carlos Gaviria. Desta forma, a possibilidade de não ser processado por homicídio, quando for misericordioso, foi aprovada do 6 votos contra 3. Eutanásia - Colombia Em 29 de maio de 1997 os seis juízes que aprovaram a proposta se reuniram para o texto final da sentença. O juíz Cifuentes discordou do texto aprovado. Este posicionamento abriu a possibilidade para a anulação de todo o processo. O Congresso Colombiano ainda tem que regulamentar a proposta que despenaliza o homicídio misericordioso. A rigor a Colombia não está legalizando a Eutanásia, mas sim seguindo o exemplo do Uruguay e da Holanda. A única proposta que legalizava a Eutanásia foi a que vigorou na Austrália, mas atualmente foi revogada. Na Colombia existe uma forte influência da Igreja Católica na sociedade. Isto tem gerado inúmeras manifestações em contrário ao que foi aprovado na Corte Constitucional. Eutanásia - Espanha Na década de 1920, a Espanha foi um dos primieros países a discutir a questão da regulamentação da eutanásia. Por influência do Dr. Jiménez de Asúa, famoso penalista espanhol, foi estudada a proposta de dar o status de "homicídio piedoso" à eutanásia, isto é, não descaracterizar o delito, mas impedindo a punição do agente, desde que o mesmo tenha bons antecedentes. As outras condições seriam as de haver motivo de piedade no ato e súplica reiterada da vítima para a sua realização. Este modelo foi proposto e nunca implantado na Espanha. Serviu, contudo, de base para as legislações do Uruguay e da Holanda sobre eutanásia. Na Espanha a eutanásia e o suicídio assistido constituem-se em crimes. O auxílio a uma pessoa que deseja se suicidar pode ter uma pena de seis meses a seis anos de prisão. O caso Ramón Sampedro, que solicitou à justiça espanhola, durante cinco anos, o direito de morrer, devido a tetraplegia que o acometia por mais de 20 anos, teve um desfecho em janeiro de 1998. Nesta data este senhor foi auxiliado por algumas pessoas a morrer, caracterizando uma eutanásia voluntária ativa, apesar de toda a legislação contrária vigente. Caso Ramón Sampedro Suicídio Assistido Ramón Sampedro era um espanhol, tetraplégico desde os 26 anos, que solicitou à justiça espanhola o direito de morrer, por não mais suportar viver. Ramón Sampedro permaneceu tetraplégico por 29 anos. A sua luta judicial demorou cinco anos. O direito à eutanásia ativa voluntária não lhe foi concedido, pois a lei espanhola caracterizaria este tipo de ação como homicídio. Com o auxílio de amigos planejou a sua morte de maneira a não incriminar sua família ou seus amigos. Em novembro de 1997, mudou-se de sua cidade, Porto do Son/GalíciaEspanha, para La Coruña, 30 km distante. Tinha a assistência diária de seus amigos, pois não era capaz de realizar qualquer atividade devido a tetraplegia. No dia 15 de janeiro de 1998 foi encontrado morto, de manhã, por uma das amigas que o auxiliava. A necropsia indicou que a sua morte foi causada por ingestão de cianureto. Ele gravou em vídeo os seus últimos minutos de vida. Nesta fita fica evidente que os amigos colaboraram colocando o copo com um canudo ao alcance da sua boca, porém fica igualmente documentado que foi ele quem fez a ação de colocar o canudo na boca e sugar o conteúdo do copo Caso Ramón Sampedro Suicídio Assistido A repercussão do caso foi mundial, tendo tido destaque na imprensa como morte assistida. A amiga de Ramón Sampedro foi incriminada pela polícia como sendo a responsável pelo homicídio. Um movimento internacional de pessoas enviou cartas "confessando o mesmo crime". A justiça, alegando impossibilidade de levantar todas as evidências, acabou arquivando o processo. A questão do suicídio em pacientes com lesões medulares já foi estudada epidemiologicamente, evidenciando um aumento em relação à população em geral. Inúmeros outros casos, em diferentes locais do mundo tem trazido este tema à discussão, porém sempre com alguma confusão ou ambigüidade entre os conceitos de suicídio assistido e eutanásia. Em 2003 foi rodado um filme espanhol sobre este caso, com o diretor espanhol Alejandro Amenábar. O título do filme é Mar Adentro. O diretor caracterizou o seu filme como sendo "una visión de la muerte desde la vida, desde lo cotidiano, lo natural, desde un lado muy luminoso". Eutanásia - França O código penal francês diferencia a eutanásia ativa da passiva. A eutanásia ativa é considerada homicídio, enquanto que a passiva é considerada como omissão de atendimento. Em 26/01/1999, foi apresentado o projeto de lei 166 no Senado Francês que estabelece a despenalização da eutanásia. Esta lei possibilitaria a utilização de diretivas avançadas na França, ou seja, a possibilidade do paciente deixar por escrito quais as medidas que julga aceitável para a condução de seu caso. Era uma proposta semelhante a da Holanda. Caso Vincent Humbert Eutanásia Ativa Voluntária Vincent Humbert, um jovem bombeiro voluntário de 20 anos teve um grave acidente automobilístico em uma estrada francesa no dia 24 de setembro de 2000. Ele ficou em coma por nove meses. Posteriormente, foi constatado que ele havia ficado tetraplégico, cego e surdo. O único movimento que ainda mantinha era uma leve pressão com o polegar direito. Através destes movimentos conseguia se comunicar com a sua mãe. A comunicação, ensinada pelos profissionais de saúde do hospital, era feita com uma pessoa soletrando o alfabeto e ele pressionava com o polegar quando queria utilizar esta letra. Desta forma, conseguia soletrar as palavras. Desde que conseguiu se fazer entender, solicitava os médicos praticassem a eutanásia, como forma de terminar com o sofrimento que estava tendo, pois o mesmo, segundo seu depoimento, era insuportável. Os médicos recusaram-se a realizá-la, pois na França a eutanásia é ilegal. Ele também solicitou a sua mãe que fizesse o procedimento. "Meu filho me diz todo dia: 'Mãe, não consigo mais suportar esse sofrimento. Eu imploro a você, ajude-me'. O que você faria? Se tiver de ir para a prisão, irei." Caso Vincent Humbert Eutanásia Ativa Voluntária Ele fez inúmeras solicitações, inclusive ao próprio presidente francês, através de uma carta, no sentido de dar uma exceção legal para o seu caso. O argumento é de que o presidente francês tem a prerrogativa de indultar prisioneiros, simetricamente poderia isentar de culpa quem o matasse por compaixão. A frase que encaminhou ao presidente Jacques Chirac, em dezembro de 2002, foi a seguinte: "A lei dá-lhe o direito de indultar, eu peço-lhe o direito de morrer". Ele terminou a sua carta com a frase: "O senhor é a minha última chance"..A resposta do presidente, após alguns contatos, inclusive com o próprio Vincent, por telefone, foi negativa e acompanhada de uma recomendação de que o jovem deveria "retomar o gosto pela vida". Nesta época foi feita uma pesquisa de opinião na França sobre a questão do suicídio assistido que resultou em 88% de aprovação pela população, mas não da eutanásia. Vale destacar que esta solicitação não teria como ser enquadrada como suicídio assistido, mas sim como eutanásia ativa voluntária. Caso Vincent Humbert Eutanásia Ativa Voluntária Vincent escreveu um livro, de 188 páginas, intitulado "Peço-vos o direito de morrer" (Je vous demande le droit de mourir) lançado pela editora Michel Lafon, em 25 de setembro de 2003. Neste livro argumenta o seu pedido e termina dizendo: "A minha mãe deu-me a vida, espero agora dela que me ofereça a morte. (...) Não a julguem. O que ela fez para mim é certamente a mais bela prova de amor do mundo", Marie Humbert, mãe de Vincent, de 48 anos, foi considerada por todos como sendo uma mãe admirável, que se dedicou integralmente aos cuidados do filho, tendo inclusive se mudado de cidade. No final da tarde de quarta-feira, 24 de setembro de 2003, Marie estava sozinha com o seu filho no quarto do Centre Hélio-marin de Berck-sur-Mer, na costa norte da França. Nesta ocasião administrou uma alta dose de barbitúricos através da sonda gástrica. Este procedimento tinha sido combinado com seu filho, que não queria estar vivo quando o seu livro fosse lançado, o que ocorreria no dia seguinte. "Eu nunca verei este livro porque eu morri em 24 de setembro de 2000 [...]. Desde aquele dia, eu não vivo. Me fazem viver. Sou mantido vivo. Para quem, para que, eu não sei. Tudo o que eu sei é que sou um morto-vivo, que nunca desejei esta falsa morte", Caso Vincent Humbert Eutanásia Ativa Voluntária A equipe médica detectou a deterioração do quadro de saúde do paciente e interveio, fazendo manobras de reanimação. O paciente ficou em coma profundo, vindo a falecer na manhã do dia 27 de setembro de 2003. A equipe médica do hospital expediu um comunicado, após uma reunião clínica, que havia decidido suspender todas as medidas terapêuticas ativas. O comunicado era o seguinte; " A equipe médica que acompanhou o paciente por três anos tomou esta decisão coletiva e difícil, de forma totalmente independente". Posteriormente o médico chefe da equipe, Dr. Frederic Chaussoy, assumiu publicamente que foi ele quem desligou o respirador do paciente. O médico afirmou que este procedimento não é incomum, mas que habitualmente não é asumido pelas equipes. A mãe foi presa por tentativa de assassinato e posteriormente libertada pelo Ministério Público, que se manifestou no sentido de que ela seria processada no momento oportuno. A mãe foi encaminhada para o Centre hospitalier de l'arrondissement de Montreuil (CHAM), onde ficou internada por 24 horas. O pai de Vincent, Francis Humbert, aprovou a atitude de sua ex-esposa. Caso Vincent Humbert Eutanásia Ativa Voluntária O advogado da família, Hughes Vigier, disse, em uma entrevista a TV LCI, que "Ela fez a coisa mais terrível que uma mãe pode fazer e ainda assim considera isso uma coisa maravilhosa porque ele queria tanto fazer isso". A maneira pela qual ocorreu a morte do paciente não foi como havia sido inicialmente divulgada. Em 14 de janeiro de 2004, a mãe de Vincent, Marie Humbert, foi acusada pela justiça francesa de "administração de substâncias tóxicas" e o médico Frédéric Chaussoy foi acusado formalmente por "envenenamento com premeditação", que pode resultar em uma pena de prisão perpétua. Os advogados do médica declararam que esta acusação caracterizaria um "erro de direito", por basear-se no direito penal geral e não na questão médica em particular. Eutanásia - Holanda Na Holanda a eutanásia é legalizada. Até a aprovação final da nova lei de Eutanásia, os artigos do Código Penal continuaram tendo validade. A nova lei, já aprovada na Câmara Baixa e no Senado holandês, torna a morte assistida (eutanásia ou suicídio assistido) um procedimento legalizado nos Países Baixos, alterando os artigos 293 e 294 da lei criminal holandesa. A legalização foi aprovada em 10 de abril de 2001, entrando em vigor em abril de 2002. A Eutanásia vem sendo debatida na Holanda desde a década de 1970. Inúmeras situações ocorridas com pacientes e seus médicos geraram questionamentos quanto aos seus aspectos morais e legais. Elas começaram em 1973, com o caso Postma. Desde 1990 o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica Holandesa (RDMA) concordaram em um procedimento de notificação de eutanásia. Desta forma, o médico fica imune de ser acusado, apesar de ter realizado um ato ilegal. A Lei Funeral (Burial Act) de 1993 incorporou os 5 critérios para eutanásia e os 3 elementos de notificação do procedimento. Isto tornou a eutanásia um procedimento aceito, porém não legal. Estas condições exímem o médico da acusação de homicídio. Eutanásia - Holanda Os cinco critérios, propostos em 1973, duranto o julgamento do caso Postma, e estabelecidos pela Corte de Rotterdam, em 1981, para a ajuda à morte não penalizável, por um médico, são os seguintes: 1) A solicitação para morrer deve ser uma decisão voluntária feita por um paciente informado; 2) A solicitação deve ser bem considerada por uma pessoa que tenha uma compreensão clara e correta de sua condição e de outras possibilidades. A pessoa deve ser capaz de ponderar estas opções, e deve ter feito tal poderação; 3) O desejo de morrer deve ter alguma duração; 4) Deve haver sofrimento físico ou mental que seja inaceitável ou insuportável; 5) A consultoria com um colega é obrigatória. O acordo entre o Ministério da Justiça e a Real Associação Médica da Holanda, estabelece 3 elementos para notificação: 1) O médico que realizar a eutanásia ou suicídio assistido não deve dar um atestado de óbito por morte natural. Ele deve informar a autoridade médica local utilizando um extenso questionário ; 2) A autoridade médica local relatará a morte ao promotor do distrito; 3) O promotor do distrito decidirá se haverá ou não acusação contra o médico. Eutanásia - Holanda Se o médico seguir as 5 recomendações o promotor não fará a acusação. Em um estudo publicado em fevereiro de 2000, foi apresentado um levantamento 649 casos de eutanásia (535) e de suicídio assistido (114). Muitas solicitações de suicídio assistido acabaram tornando-se eutanásia pela necessidade do médico intervir diretamente na administração da droga em dose letal, devido a inabilidade dos pacientes em executar o procedimento ou intervalo de tempo muito longo entre a administração do medicamento e a morte. Em 3% dos casos de eutanásia e em 6% dos casos de suicídio assistido ocorreram complicações com os pacientes antes de sua morte. A nova lei, aprovada com 104 votos favoráveis e 40 contrários, em 28 de novembro de 2000, incorpora algumas novas questões, tais como a possibilidade de realizar este tipo de procedimento em menores de idade, a partir dos 12 anos. Dos 12 aos 16 anos a solicitação do paciente deve ser acompanhada pela autorização dos pais. Além dos critérios, já previamente em vigor, mais um foi incluído, o que estabelece que o término da vida deva ser feito de uma maneira medicamente apropriada. Em 11 de abril de 2001 o senado aprovou esta mesma lei. Houve protestos populares contra esta medida, apesar de haver uma maioria expressiva da população ter se manifestado favoravelmente a este respeito em pesquisas de opinião pública. Os novos critérios legais estabelecem que a eutanásia só pode ser realizada: Quando o paciente tiver uma doença incurável e estiver com dores insuportáveis. O paciente deve ter pedido, voluntariamente, para morrer. Depois que um segundo médico tiver emitido sua opinião sobre o caso. Holanda legaliza a eutanásia Zero Hora 11/04/2001 Apesar de alguns protestos, cerca de 90% dos holandeses aprovam a medida, conforme as pesquisas Haia A Holanda tornou-se ontem o primeiro país do mundo a legalizar a eutanásia. Por 46 votos a favor e 28 contra, o Senado aprovou a lei que permitirá aos médicos abreviar a vida de doentes terminais. Do lado de fora do parlamento, com sede em Haia, cerca de 10 mil manifestantes protestaram contra a aprovação da lei, que já havia passado pela Câmara dos Deputados em novembro de 2000. Eles cantavam hinos religiosos e liam passagens da Bíblia. Apesar dos protestos, pesquisas indicam que cerca de 90% dos holandeses apóiam a eutanásia. A nova legislação, que deverá entrar em vigor em meados do ano, formalizará uma prática que já vinha sendo adotada há décadas em hospitais holandeses. – Isso permitirá que as pessoas façam suas próprias escolhas – elogiou Tamora Langley, da Voluntary Euthanasia Society, uma organização britânica pró-eutanásia. Os médicos terão que obedecer regras rigorosas para praticar a eutanásia (veja no quadro abaixo). O caso também deve ser submetido ao controle de comissões regionais encarregadas de fiscalizar se os requisitos foram cumpridos. As comissões serão integradas por um médico, um jurista e um especialista em ética. Holanda legaliza a eutanásia Zero Hora 11/04/2001 Os menores de idade, entre 12 e 16 anos, também poderão recorrer à eutanásia, desde que tenham o consentimento de seus pais. Segundo a nova lei, a prática só poderá ser realizada por médicos que acompanhem de perto – e há muito tempo – a saúde de seus pacientes. A nova lei também permite que pacientes deixem um pedido por escrito. Isso dará aos médicos o direito de usar seus próprios critérios quando seus pacientes não puderem mais decidir por eles mesmos por conta de doenças. O texto da lei foi aprovado oficialmente ontem, mas, na prática, a eutanásia já era tolerada sob condições especiais desde 1997. Apenas no ano passado, houve 2.123 casos oficiais de eutanásia na Holanda – 1.893 doentes de câncer pediram a um médico que terminasse com suas vidas, o que representa 89% do total das eutanásias realizadas no país em 2000. Depois, aparecem pacientes com doenças neurológicas, pulmonares e cardiovasculares. Nas semanas que precederam o debate da lei, o Senado recebeu mais de 60 mil cartas, a maioria delas pedindo que os parlamentares votassem contra a aprovação da lei. O grupo contrário à eutanásia Cry for Life, por exemplo, juntou 25 mil assinaturas em um abaixo-assinado. Egbert Schuurman, parlamentar da União Cristã, classificou a aprovação da lei de “erro histórico”. Holanda legaliza a eutanásia Zero Hora 11/04/2001 – Ser o primeiro país a legalizar a eutanásia é algo para se ter vergonha – disse Schuurman. As organizações contrárias à prática alegam motivos religiosos e éticos. Ontem, cerca de 8 mil pessoas se reuniram em frente ao Senado, em um protesto silencioso contra a aprovação da medida. A manifestação foi convocada por um organização que agrupa 30 associações religiosas. – Somos contra o assassinato deliberado de pacientes – disse Alex van Vuren, do grupo Cry For Life. REQUISITOS A eutanásia será permitida na Holanda se forem cumpridos os seguintes requisitos: • Quando o paciente tiver uma doença incurável e estiver com dores insuportáveis. • O paciente deve ter pedido, voluntariamente, para morrer. • Depois que um segundo médico tiver emitido sua opinião sobre o caso. Eutanásia - Uruguai O Uruguai, talvez, tenha sido o primeiro país do mundo a legislar sobre a possibilidade de ser realizada eutanásia no mundo. Em 1o. de agosto de 1934, quando entrou em vigor atual Código Penal uruguaio, foi caracterizado o "homicídio piedoso", no artigo 37 do capítulo III, que aborda a questão das causas de impunidade. De acordo com a legislação uruguaia, é facultado ao juíz a exoneração do castigo a quem realizou este tipo de procedimento, desde que preencha três condições básicas: ter antecedentes honráveis; ser realizado por motivo piedoso, e a vítima ter feito reiteradas súplicas. A proposta uruguaia, elaborada em 1933, é muito semelhante a utilizado na Holanda, a partir de 1993. Em ambos os casos, não há uma autorização para a realização da eutanásia, mas sim uma possibilidade do indivíduo que for o agente do procedimento ficar impune, desde que cumpridas as condições básicas estabelecidas. Esta legislação foi baseada na doutrina estabelecida pelo penalista espanhol Jiménez de Asúa. Vale destacar que, de acordo com o artigo 315 deste mesmo Código, isto não se aplica ao suicídio assistido, isto é quando uma pessoa auxilia outra a se suicidar. Nesta situação há a caracterização de um delito, sem a possibilidade de perdão judicial. Comentários sobre a Declaração sobre Eutanásia Vaticano 1980 Nada nem ninguém pode de qualquer forma permitir que um ser humano inocente seja morto, seja ele um feto ou um embrião, uma criança ou um adulto, um velho ou alguém sofrendo de uma doença incurável, ou uma pessoa que está morrendo. O Princípio do Duplo Efeito está proposto no item III deste documento. É admissível utilizar medicação analgésica com o objetico de reduzir dor insuportável, mesmo que um efeito colateral não intencional seja a morte do indivíduo. O importante é caracterizar a intenção da ação. Esta colocação se baseia na Ética das Virtudes. Se vista dentro de uma perspectiva Consequencialista a aplicação deste conceito poderia ser discutível. Este documento da Igreja Católica admite que medidas extraordinárias, de acordo com o risco, sofrimento ou custo associado podem não ser implantadas em pacientes com morte iminente. Faculta, igualmente, a utilização e retirada de medidas experimentais, quando procedimentos terapêuticos usuais não estejam disponíveis. Futilidade A futilidade deve ser definida em função da relação existente entre tratamento, terapêutica e cuidado. Um tratamento é considerado fútil quando não tem boa probabilidade de ter valor terapêutico, isto é, quando agrega riscos crescentes sem um benefício associado. Vale salientar que ações que visam o cuidado do paciente nunca são fúteis. As medidas de conforto básico, alimentação, hidratação e controle de dor são exemplos de cuidados que podem ser denominados de medidas de conforto, que não podem ser chamadas de fúteis. Schneiderman LJ, Jecker NS. Wrong medicine: doctors, patients and futile treatment. Baltimore: Johns Hospkins, 1995:8. Futilidade é a ausência de uma finalidade útil ou resultado útil em um procediemnto diagnóstico ou intervenção terapêutica. A determinação da futilidade algumas vezes envolve um julgamento de valor, particularmente quando a qualidade de vida é o objetivo. Categorias de Tratamento Glenn McGee estabeleceu cinco categorias possíveis para os tramentos: Tratamento terapêutico é aquele que visa reduzir sintomas, bloqueando a evolução da doença ou promovendo condições para o reestabelecimento do organismo; Tratamento paliativo é aquele que visa reduzir os sintomas, sem alterara a evolução da doença ou situação de anormalidade que se encontra o indivíduo; Tratamento para avaliação é aquele utilizado para estabelizar uma condição do paciente visando possibilitar a realização de exames diagnósticos; Tratamento fútil aceitável é aquele que não gera qualquer benefício para o paciente, mas o preserva vivo por motivos imperiosos, por exemplo, até aguardar a chegada de um familiar; Tratamento preventivo é aquele que visa impedir que uma situação ainda não existente no organismo se instale, como por exemplo as imunizações. Critérios para Abordagem do Processo de Retirada de Tratamento O Prof. Gail Povar propôs que a retirada de tratamento, quando justificada moral e técnicamente, deva seguir alguns critérios essenciais, que são clareza, comunicação, cuidado e fechamento. Clareza Compreensão clara do envolvimento de todas as partes interessadas no diagnóstico, prognóstico, objetivos terapêuticos e critérios utilizados para a retirada do tratamento. Comunicação Troca contínua de informações entre os profissionais que estão atendendo o paciente, atualizando mudanças e permitindo o acompanhamento da evolução do caso, com suas diferentes perspectivas pessoais. Cuidado Reconhecimento dos impedimentos emocionais em retirar o tratamento e responder a esta proposta de maneira sensível. Envolve o paciente, familiares e membros da equipe, que podem estar ambivalentes sobre a retirada do tratamento. Fechamento Processamento das informações, após a morte do paciente, com a finalidade de revisar o atendimento prestado, refletir sobre os aspectos éticos envolvidos e permitir que o processo de luto ocorra. Esta proposta contempla desde as situações iniciais, envolvidas no proceso de tomada de decisão, até a finalização do caso como um todo. Esta abordagem abrangente tem um forte conteúdo preventivo, evitando desgastes entre todos os participantes em uma situação tão difícil. Caso Karen Ann Quinlan Karen Ann Quinlan, tinha 22 anos de idade. Em 15/04/75 entrou na emergência do Newton Memorial Hospital, de New Jersey/EEUU, em estado de coma, de etiologia nunca esclarecida. Dez dias após, foi transferida para o Hospital St. Clair de New Jersey . Os pais adotivos, Joseph e Julia Quinlan, tendo as informações da irreversibilidade do caso e após conversarem com seu pároco, Pe. Trapasso, solicitaram, em 01/08/75, a retirada do respirador. O Dr. Morse, que era o médico assistente, após ter concordado com a solicitação no primeiro momento, se negou, no dia seguinte, alegando problemas morais e profissionais. A famíia foi à justiça solicitar a autorização para suspender todas as medidas extraordinárias, alegando que a paciente havia manifestado, anteriormente, que não gostaria de ficar viva, mantida por aparelhos. O juiz Juiz Muir, responsável pelo caso, em 10/11/75, não autorizou a retirada dos aparelhos. O juiz baseou a sua negativa no fato da paciente ter dado esta declaração fora do contexto real, ora vigente. Caso Karen Ann Quinlan A família apelou para a Suprema Corte de New Jersey, que designou o Comitê de Ética do Hospital St. Clair como responsável para estabelecer o prognóstico da paciente e assegurar que a mesma nunca seria capaz de retornar a um "estado cognitivo sapiente". O Comitê não existia, até então. O juíz presumiu, erradamente, que a maioria dos hospitais americanos possuiam comitês de ética. Baseou-se para tal no artigo da Dra. Karen Teel. O Comitê foi criado e deu parecer de irreversibilidade. Em 31/03/76, a Suprema Corte de New Jersey concedeu, por sete votos a zero, o direito da família em solicitar o desligamento dos equipamentos de suporte extraordinários. Após isto, a paciente sobreviveu mais 9 anos, sem o uso de respirador e sem qualquer melhora no seu estado neurológico. Caso Baby Doe Baby Doe foi um bebê que nasceu em 1982, em Bloomington, no estado de Indiana/EEUU, com malformações múltiplas (trissomia do 21 e fístula traqueoesofágica). Os seus pais se negaram a assinar um termo autorizando a realização de uma cirurgia corretiva da fístula, que tinha 50% de chances de lhe salvar a vida. Os pais, que tinham outros dois filhos sadios, alegaram que a criança era muito comprometida. Solicitaram, ainda, que fosse suspendida a alimentação e os demais tratamentos. A equipe médica solicitou à Justiça autorização para realizar a cirurgia, suspendendo, temporariamente o pátrio poder. A Justiça negou em primeira instância. A promotoria apelou e a Suprema Corte do Estado de Indiana se negou a apreciar o caso. Foi feita a tentativa de apelar para a Suprema Corte dos Estados Unidos. O bebê, aos seis dias de vida morreu, não dando tempo para que fossem feitas outras tentativas. O advogado da família alegou que a mãe esteve sempre ao lado do bebê. Afirmou que "não foi um caso de abandono, mas sim de amor". Definição de Distanásia Distanásia é a agonia prolongada, é a morte com sofrimento físico ou psicológico do indivíduo lúcido. Este termo foi proposto por Morache, em 1904, em seu livro "Naissance et mort", publicado em Paris, pela editora Alcan. Jiménez de Asúa L. Libertad de amar y derecho a morir. Buenos Aires: Losada, 1942:403. Distanásia também pode ser utilizada como a forma de prolongar a vida de modo artificial, sem perspectiva de cura ou melhora. É um termo que pode ser confundido,,quando utilizado com este sentido, com a futilidade. Paciente Terminal é aquele que vai morrer num período relativamente curto de tempo, de 3 a 6 meses, independentemente das ações médicas que são colocadas em prática. Proposição de Política sobre o Cuidado de Pacientes Terminais com Dor Crônica O cuidado de pacientes terminais com dor crônica severa deve possibilitar o tratamento que permita a estes pacientes um final de vida objetivo e digno. Os analgésicos, tanto opióides como não-opióides, estão disponíveis e, quando utilizados de modo adequado, podem produzir um alívio efetivo da dor para a maioria dos pacientes terminais. É uma incumbência do médico, e de todos quantos cuidam de pacientes morrendo com dor crônica severa, compreender claramente a dinâmica da experiência da dor, a farmacologia clínica dos analgésicos e as necessidades do paciente, familiares e amigos. É, também, imperativo, que os governos assegurem que quantidades medicamente necessárias de analgésicos opióides estejam disponíveis para sua adequada aplicação no manejo da dor crônica severa. Princípios de manejo clínico da dor crônica severa Quando um paciente está em estado terminal o médico deve focalizar seus esforços no alívio do sofrimento. A dor é apenas um componente do sofrimento do paciente. Entretanto, o impacto que a dor tem na vida do paciente varia desde um desconforto tolerável até a exaustão. A experiência clínica tem demonstrado que, em geral, o alivio da dor crônica severa de um paciente terminal não depende tanto do tipo de opióide utilizado, mas, o ponto crítico, é maneira com que a droga é utilizada. Proposição de Política sobre o Cuidado de Pacientes Terminais com Dor Crônica É imperativo, entretanto, que o médico diferencie a dor aguda e a dor que pode ser esperada como crônica, esta diferenciação pode gerar importantes implicações no uso de analgésicos opióides. Os seguintes princípios gerais devem orientar o tratamento de dor crônica severa, particularmente, no uso de medicação analgésica. O tratamento deve ser individualizado para satisfazer às necessidades do paciente e mantê-lo tão confortável quanto possível. Deve ser compreendido que as necessidades do paciente com dor crônica são diferentes daquelas dos pacientes com dores agudas. O médico deve conhecer a potência, duração de ação e efeitos colaterais dos analgésicos disponíveis para selecionar a droga apropriada, assim como a dose, via de administração e horários que assegurem um alívio adequado à dor do paciente. Proposição de Política sobre o Cuidado de Pacientes Terminais com Dor Crônica A combinação de anagésicos opióides e não-opióides pode possibilitar um alívio maior da dor dos pacientes nos quais os analgésicos não-opióides não são mais suficientes. Isto pode ser atingido sem que se produza, concomitantemente, um maior potencial de efeitos colaterais indesejáveis. O desenvolvimento de tolerância aos efeitos analgésicos de um agonista opióide pode ser superado pela substituição de um agonista opióide alternativo. Isto se baseia na falta de uma completa tolerância cruzada entre os diferentes analgésicos opióides. A dependência iatrogênica não deve ser considerada como um problema primário ao tratar a dor severa em doença neoplásica e nunca deve ser uma razão para não administrar analgésicos fortes em pacientes que poderão se beneficiar com eles. Os governos devem examinar a extensão na qual seus sistemas de saúde, leis e regulamentações irão permitir o uso de opióides para objetivos médicos, identificar os possíveis impedimentos a tais usos e desenvolver planos de ação para facilitar o suprimento e a disponibilidade de opióides para todas as indicações médicas apropriadas.. Caso Paciente Terminal Paciente masculino de 74 anos de idade, portador de carcinoma brônquico avançado, com múltiplas metástases ósseas, hepáticas e cerebrais. Interna por dificuldade respiratória progressiva. No momento da internação queixase de muitas dores que não estão sendo controladas por um esquema analgésico muito forte, a base de morfina por via oral, que também lhe provoca muitos sintomas desagradáveis (náusea, tontura e constipação rebelde). O paciente tem conhecimento do seu diagnóstico bem como sua família. No seu primeiro dia de internação pede ao seu médico assistente que não institua nenhuma medida terapêutica extraordinária e que acelere sua morte. A família tem conhecimento das vontades do paciente e fica dividida: a esposa acha que o paciente deve ser atendido em seus desejos finais, ao passo que seu filho único acha que os médicos devem fazer “tudo que estiver ao seu alcance para mantê-lo vivo”. O paciente em uma madrugada apresenta um quadro de insuficiência respiratória aguda, decorrente de um episódio de aspiração de vômito. A equipe de plantão decide transferir o paciente para a Unidade de Tratamento Intensivo, uma vez que o médico assistente não havia sido localizado, não havia qualquer recomendação de conduta em prontuário, o paciente estava sofrendo e a família estava dividida com relação aos limites de tratamento. Caso Paciente Terminal Na UTI o paciente é intubado e responde bem ao tratamento clínico com antibióticos, mas permanece clinicamente instável, com episódios convulsivos , dor e dificuldade respiratória progressiva. O paciente insiste em retornar para seu quarto com o apoio de sua esposa. Seu pedido é atendido por seu médico. O falecimento ocorre em 4 dias, diante de um novo episódio de infeção respiratória, que o seu médico, sem consultar a família, decide não mais tratar. Princípio do Duplo Efeito Duplo efeito é um termo técnico utlizado em Ética que se refere aos dois tipos possíveis de consequências produzidas por uma ação em particular, denominadas de efeitos desejados e para-efeitos indesejáveis. Com base neste princípio, é que é admitida a administração de altas doses de medicamentos com o objetivo de minorar o sofrimento de um paciente, mas que poderão ter como efeito indesejado a sua morte. Esta possibilidade é aceita pela Igreja Católica desde a década de 1950. Outras denominações religiosas também admitem utilizar este tipo de argumentação para o tratamento de doentes terminais A Alienação da Dor A civilização de consumo conseguiu modificar a experiência da dor, esvaziando do indivíduo suas reações pessoais e transformando essa sensação num problema de ordem puramente técnica. A supermedicalização da dor tende a retirar do homem sua participação e sua responsabilidade, criando um novo estilo de saúde. Ninguém pode negar que o limiar de tolerância da dor venha sofrendo profundas alterações e que a medicina moderna torna-se mais e mais cúmplice de uma assustadora dependência farmacológica e de uma industrialização pela empresa farmacêutica. A medicina industrial, para atuar mais prontamente, retira da dor qualquer contexto subjetivo. O sentido da palavra "dor" foi modificada pela linguagem profissional. A única formula que o modelo médico atual encontrou de vencer a dor foi torná-la cada vez mais objetiva. Tão objetiva quanto a linguagem impessoal entre médicos e enfermeiros. Essa maneira de atuar junto à dor desloca o Homem para um novo espaço ético e político. Nada mais fácil, para entender tais aspectos, que acompanhar a história da medicalização da dor. Antes, não era ela tratada, haja vista nada mais representa que um instrumento a serviço do diagnóstico, dando ao médico a oportunidade de descobrir qual a harmonia perdida. Durante o tratamento, a dor até poderia desaparecer, mas de fato esse não era o interesse imediato da atividade médica, para quem a dor significava um certo benefício em favor da conservação do próprio homem. A Alienação da Dor Quando a dor perdeu seu sentido cósmico e mítico, emancipada de qualquer referencial metafísico, seu controle deu ao indivíduo o entendimento de que a sensação dolorosa é um ponto clínico objetivo e que pode ser debelado por uma terapia simples e padronizada. Existe um fenômeno coletivo comum às comunidades angustiadas: fazer do normal uma coisa rara. Um desequilíbrio fisiológico antigamente considerado como natural é hoje coletivamente medicalizado pela oferta fácil dos que podem dispor de um remédio moderno e ativo. Os meios de divulgação não se cansam de impor à população uma sintomatologia-tipo, facilmente tratada e prontamente curada. Entre elas, a mais comum é a dor. Michel Foucault afirma que atualmente a dor foi transformada em problema de economia política, em que o homem se coloca como "consumidor de anestesia", à procura de tratamento que o faz artificialmente insensível, abúlico e apático. Ivan Illich observa que esse indivíduo não vê mais, na dor, uma necessidade natural, mas que ela representa, desde logo, como resultado de uma tecnologia faltosa, de uma legislação injusta ou de uma defasagem social e econômica. A Alienação da Dor A dor, como objeto de diagnóstico e tratamento, classificada como real ou imaginária, foi, sob o ponto de vista sócio-econômico, vítima do confisco técnico do sofrimento, através de uma cultura supermedicalizada.Na realidade, o que se tem feito não é outra coisa senão medicalizar o sofrimento – a palavra "dor de cabeça" vai perder seu sentido na linguagem comum e se fortalecer como termo técnico. Desde o momento em que a dor se tornou coisa manipulável, passando a ser matéria de superproteção, em que o médico é capaz de diagnosticar, medir e provocar esse fenômeno, a sociedade aceitou tal procedimento e rendeu-se a ele, numa forma de solução para seus fracassos. Entretanto, simplesmente medicalizar a dor é correr o risco de perder sua face essencial. A inclinação da medicina em favor da analgesia se insere num contexto ideológico e sua eliminação institucional tende a se refletir na angústia dos dias de hoje. O próprio progresso social passou a ser sinônimo de ausência de sofrimento, em que a comunidade empresa teria como alvo não o sentido de alcançar a felicidade, mas o de minimizar o sofrimento. A tendência será essa empresa fabricar um remédio para cada mal: para o tédio, para a tristeza e para a insatisfação, assim como criou medicamentos para a dor. A Alienação da Dor Não se pode condenar a sociedade de agora, por estar dominada pela analgesia, mesmo que ela comece a perder sua fantasia, sua liberdade e sua consciência. Mas é desta maneira que ela foge da angústia e da solidão – dois monstros que ameaçam a existência humana. E chegará um dia em que os choques, os tumultos, as catástrofes, a violência e o horror serão os únicos estímulos capazes de chamar a atenção do homem para si mesmo e de ter a certeza que ainda está vivo. Por outro lado, começa a surgir, mais fluentemente, um novo tipo, que se pode chamar de homo crucians (ou, no plural, homines cruciantes – "homens dolorosos"). Não são pessoas anormais ou paranormais, monomaníacos, interessadas apenas em ocupar sua atenção com a dor chamada psicogênica. São indivíduos intimamente ligados aos valores humanos e que se colocam em permanente estado de sofrimento. Essa dor não se localiza. Ela envolve toda personalidade. A história do homem doloroso é a mesma de todas as histórias humanas, a que não faltam mártires e heróis. Ele desponta e se alimenta de um meio social de valores desequilibrados, daí atraindo todo sofrimento para si próprio. A visão humanista do médico deve enxergar esses indivíduos como uma unidade distinta, autônoma, dentro de uma realidade própria, compreendendo suas ânsias e seus sonhares, segundo sua convicções e não de acordo com as normas ortodoxas da lex artis. Suicídio Suicídio é um ato voluntário pelo qual uma pessoa tem a intenção e provoca a sua própria morte. O suicídio pode ser realizado por atos (tiro ou envenenamento) ou por omissão (greve de fome). O que é comum a ambas as formas de suicídio é a introdução de uma causa de morte, não existente anteriormente. deBlois J, Norris P, O'Rourke K. A primer for health care ethics. Washington: Georgetown, 1995:182 Vários autores escreveram sobre o tema do suicídio. Um dos mais destacados textos sobre este tema talvez seja o escrito por David Hume, publicado em 1783, denominado On Suicide. Suicídio Assistido O suicídio assistido ocorre quando uma pessoa, que não consegue concretizar sozinha sua intenção de morrer, e solicita o auxílio de um outroa indivíduo. A assistência ao suicídio de outra pessoa pode ser feita por atos (prescrição de doses altas de medicação e indicação de uso) ou, de forma mais passiva, através de persuasão ou de encorajamento. Em ambas as formas, a pessoa que contribui para a ocorrência da morte da outra, compactua com a intenção de morrer através da utilização de um agente causal. O suicídio assistido ganhou notoriedade através do Dr. Jack Kevorkian, que nos Estados Unidos, já o praticou várias vezes em diferentes pontos do país, por solicitação de pacientes de diferentes patologias. Existe uma instituição, denominada de Hemlock Society (ou Sociedade Cicuta), numa clara alusão ao suicídio de Sócrates. Esta Sociedade publicou, em 1991, um livro, A Solução Final, que apresentava inúmeras maneiras de um paciente terminal ou com doenças degenerativas cometer suicídio. Este livro vendeu mais de 3 milhões de cópias nos Estados Unidos. No Brasil, onde foi também traduzido, não causou maior impacto. Suicídio Assistido Por outro lado, associações como Not Dead Yet (ainda não mortos), de pessoas portadoras de deficiencias físicas, caracterizam esta possibilidade como sendo um padrão duplo (duplo standard) que os discrimina frente ao restante da sociedade. Em 08 de janeiro de 1997 a Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos, julgando o caso Quill, declarou não haver diferenças morais ou legais entre não implantar ou retirar um tratamento e auxiliar um paciente a suicidar-se. Posteriormente, em 26 de junho de 1997, a Suprema Corte Norte Americana alterou este raciocínio, voltando a admitir que existem diferenças marcantes entre estes procedimentos. Ramon SanPedro, um espanhol tetraplégico que havia solicitado na Justiça várias vezes que lhe fosse permitida a eutanásia, acabou morrendo após 29 anos de solicitações, através de um suicídio assistido. Este ato final foi gravado em vídeo como forma de documentar a sua ação pessoal na administração da medicação em dose letal. Suicídio Assistido Desde 1997 o estado norte-americano de Oregon tem uma Lei vigente que possibilita aos seus residentes solicitarem o auxílio para se suicidarem. No ano de 1999, foram registrados oficialmente 33 casos de suicídio assistido. A Suíça também permite a realização do suicídio assistido, inclusive podendo ser realizado sem a participação de um médico e o a pessoa que deseja morrer não necessita estar em fase terminal. A base legal é o Código Penal de 1918, que afirma que o suicídio não é crime. O único impedimento é quando o motivo for egoista, por parte de quem auxilia. A Eutanásia não está pervista na legislação suíça. Caso Diane - Quill O Dr. Timothy Quill atendeu por muitos anos a uma paciente, chamada Diane, de 45 anos, e a sua família. No início da década de 1990, esta paciente recebeu o diagnóstico de leucemia mielocítica aguda. Após conversar com a família e seu médico, ela recusou ser tratada através de quimioterapia, pelos riscos e desconfortos que poderiam ocorrer em função deste procedimento. Ela estava plenamente capaz e todas as alternativas para aliviar o seu sofrimento foram discutidas e rejeitadas. Ela solicitou a ajuda do médico para se suicidar. O Dr. Quill, já havia defendido o direito dos pacientes decidirem sobre o seus tratamentos e de poderem morrer com o máximo de dignidade e controle possível, em vários artigos. Ele aceitou participar do suicídio da sua paciente. Ele que forneceu os barbitúricos que a paciente utilizou. Ela se preparou para o momento de tomar a medicação, usando as roupas que mais gostava e despedindo-se dos familiares. O Dr. Quill foi chamado e deu o atestado de óbito, afirmando que a paciente havia morrido de leucemia aguda. Caso Diane - Quill O caso foi levado para a Justiça do estado de Nova Iorque e o Dr. Quill e o júri não o incriminou pelo ocorrido. Posteriormente, em janeiro de 1997, a segunda instância da Justiça nova-iorquina afirmou não haver diferenças entre não implantar ou retirar uma medida terapêutica e auxiliar um paciente a cometer seu suicídio. Em 26 de junho de 1997, alterou este raciocínio, afirmando que "existe uma importante diferença entre o suicídio assistido e não iniciar ou retirar um tratamento de suporte vital, uma distinção reconhecida tanto por profissionais da Medicina como do Direito". Alguns dos mais renomados autores na área da Bioética, tais como Beauchamp e Childress, acham que a atitude do Dr. Quill não foi errada. A sua conduta, em um caso dramático como este, foi considerada como eticamente adequada. Suicídio Assistido - Oregon-EEUU O estado norte-americano do Oregon aprovou uma Lei sobre Morte Digna ( Measure 16), que foi a primeira legalização de suicídio assistido nos EEUU, em 08 de novembro de 1994. Esta lei estabelece todos os critérios míninos a serem atingidos para que uma pessoa possa ter acesso a prescrição de medicamentos e de informações que lhe possibilitarão morrer. O médico assistente deverá chamar um colega em consultoria para confirmação do diagnóstico. Também poderá ser feita uma avaliação da capacidade da pessoa que está solicitando o procedimento, a ser feita por um profissional habilitado. Os prazos mínimos para reflexão foram estabelecidos, assim como os instrumentos necessários para a documentação adequada de todos os critérios, prazos e manifestação de vontade. Uma curiosidade é que a lei afirma que este procedimento não se constitui em eutanásia, suicídio ou suicídio assistido. No dia 05 de novembro de 1997 foi feito um plebicito no estado do Oregon com o objetivo de rejeitar a continuidade da lei vigente. O resultado, com uma participação de 80% dos eleitores aptos, foi de 60% pela manutenção da lei e 40% pela sua revogação. O governo dos Estados Unidos está estudando sanções contra os médicos do estado do Oregon que participarem de alguma forma dos procedimentos de um suicídio assistido. O Procurador Geral dos EEUU tem o poder de cassar a licença de um médico que prescrever uma substância para um paciente fora das indicações de uso consagradas e liberadas legalmente. Prescrever barbituricos para um paciente terminal, como possibilita a Lei do Oregon, se enquadraria perfeitamente nesta situação. Suicídio Assistido - Oregon-EEUU Duas pessoas já se suicidaram com assistência de um médico, desde que a Lei entrou em vigor, que solicitaram e cumpriram todas as etapas para concretizar sua vontade de abreviar o seu período de vida. Uma delas foi uma senhora de 80 anos de idade, com câncer de mama. O suicídio assistido foi concretizado no dia 27 de março de 1998. No ano de 1999, de acordo com dados oficiais, 33 pessoas que desejavam auxílio para morrer tiveram suas solicitações atendidas. Destas, 27 morreram após realizarem os procedimentos de ingestão de uma dose letal de drogas, os demais morreram de suas doenças de base. Muitos outros pacientes também solicitaram auxílio para morrer, contudo desistiram da idéia após receberem tratamento paliativo, especialmente controle de dor ou outros sintomas, encaminhamento para hospices ou tratamento de depressão. Dr. Jack Kevorkian O Dr. Jack Kevorkian, médico patologista aposentado, já auxiliou pelo menos 48 pessoas a cometerem suicídio assistido ou eutanásia desde 1990. No primeiro caso em que atuou, em 1990, ele auxiliou uma senhora, chamada Janet Adkins, que desejava morrer, por ter recebido o diagnóstico de doença de Alzheimer. O Dr. Kevorkian nunca teve contato direto com a esta senhora antes de realizar os procedimentos que possibilitaram o seu suicídio assistido. Ele atua sem licença médica desde 1991. Em 1997 vários relatos de casos de pessoas que foram auxiliadas a cometerem suicídio utilizaram técnicas que indicam a participação do Dr. Kevorkian, mas sem que o mesmo tenha assumido este fato. Vale lembrar que ele foi processado e inocentado em diferentes estados dos EEUU. Um caso de suicídio assistido por ele realizado, com a Sra. Rebecca Lou Badger, Detroid/EEUU, deixou algumas pessoas muito preocupadas com os critérios utilizados para a realização dos procedimentos. Esta senhora, então com 39 anos, era tida como portadora de esclerose múltipla. Solicitou a assistência do Dr. Kevorkian para a realização de suicídio assistido. Foi submetida a necrópsia onde não foi constatada qualquer evidência da doença que teria sido utilizada como justificativa para terminar com a sua vida. Dr. Jack Kevorkian Em novembro de 1998, o Dr. Kevorkian realizou uma eutanásia ativa, isto é, fez todos os procedimentos necessários para que um paciente viesse a morrer. Gravou toda a sequência de ações e divulgou mundialmente pela televisão. Em 25 de novembro a promotoria do estado de Michigan fez uma acusação formal por homicídio. A repercussão mundial foi muito grande, porém os resultados de pesquisas de opinião surpreenderam pelo apoio dado a procedimentos deste tipo. Contudo estes resultados apontam para algumas questões que merecem uma maior reflexão. As pessoas entrevistadas acharam adequado auxiliar as pessoas a morrer, mas concordam que o Dr. Kevorkian deva ser acusado de homicídio, considerando-o, porém, inocente. Estes fatos e considerações estão por merecer uma abordagem mais ampla no sentido de diferenciar claramente os diferentes procedimentos. A sequencia de procedimentos realizados pelo Dr. Kevorkian reforça a proposta de que aceitação de procedimentos como o suicídio assistido podem desencadear uma situação de "slippery slope".