Psicopatologia e Subjetividade: Corpo, Experiência e Narrativa Octavio Domont de Serpa Jr. Professor Adjunto do IPUB/UFRJ Laboratório de Psicopatologia e Subjetividade http://ltc.nutes.ufrj.br/constructore/index.php Fazer cadastro na constructore Receber autorização/confirmação Fazer inscrição na disciplina História e Ética em Saúde Mental Prática Clínica em Psiquiatria e Saúde Mental: técnica ou arte de instauração e restauração do normal, situada na confluência de várias ciências e saberes, não redutível a uma dimensão exclusivamente cognitiva Por restauração e instauração do normal devemos entender o restabelecimento de uma normatividade propiciadora da reinvenção das relações do organismo humano com o seu meio natural, social e cultural. Não se trata de restitutio ad integrum ao status quo ante, até porque na vida não há reversibilidade. Nem tampouco de redução de subjetividades a padrões de performance préestabelecidos em escalas e protocolos. Patológico deriva de pathos → afecção: “...sentimento direto e concreto de sofrimento e de impotência, sentimento de vida contrariada.” “...o fato patológico só pode ser apreendido enquanto tal ao nível da totalidade orgânica [CORPO]; e, em se tratando de organismos humanos, ao nível da totalidade individual consciente (...) [EXPERIÊNCIA] Ser doente é, para o homem, viver uma vida diferente, mesmo no sentido biológico” [NARRATIVA] (Canguilhem, 1943) NARRATIVA EXPERIÊNCIA CORPO Corpo Objetivo ou visto da perspectiva da 3a.pessoa (Körper): freqüentemente estático (corpo do cadáver - anátomo- clínica) se dinâmico: movimentos, comportamentos; sem lugar para experiência ou ações atemporal, universal fragmentação, localizacionismo Fragmento privilegiado: CÉREBRO (localizações cerebrais) Redescoberta do cérebro: versão intuitiva de um monismo fisicalista reducionista eliminativista Expansionismo Neuroexplicativo Cérebros Adoecem? Ou quem adoece organismos/sujeitos/pessoas com cérebro? são Para além da fragmentação e do localizacionismo: “Uma melhor concepção de cérebro, corpo e ambiente seria a de sistemas mutuamente enraizados em vez de interna e externamente localizados com relação uns aos outros. Elementos neurais, somáticos e ambientais provavelmente interagem para produzir (via emergência como upward causation) processos globais organismoambiente, os quais por sua vez afetam (via downward causation) os seus elementos constituintes” (Thompson & Varela, 2001, pp. 423-424). Impossibilidade de um Brain-in-a-vat caráter necessariamente corporal – situacional – ativo da constituição da experiência mental: mente e mundo emergem simultaneamente como resultado da interação recíproca entre organismo e meio. a cognição depende dos tipos de experiência resultantes do fato de possuirmos um corpo com determinadas capacidades sensório-motoras, por um lado, e do fato de as próprias capacidades sensório-motoras estarem embasadas num contexto biológico, psicológico e cultural mais amplo, por outro. O corpo biológico, que habilita ou impossibilita pela sua estrutura, postura e capacidade motora é corpo que que molda a maneira pela qual percebemos e pensamos sobre o mundo As possibilidades que o meu corpo capacita definem o ambiente como um mundo de provimentos (affordances) Antecedentes na clínica: K.Goldstein (1878-1965): - Sintomas: respostas do organismo como um todo às solicitações do ambiente. - o ambiente é extraído do mundo pela existência do organismo: “...um organismo só pode existir se ele consegue encontrar, se ele consegue talhar, no mundo, um ambiente adequado” (Goldstein, op.cit., p.76). Jakob von Uexküll (1864-1944) → Umwelt Self mínimo, Self básico, core self corporificado (embodied) e situado (embedded) corpo vivido (Leib): perspectiva (auto-centralização) ciclo ação/percepção (self agentivo) → esquema corporal: regula postura e movimento a serviço da ação intencional; consciência (awareness) corporal não-objetivante e préreflexiva. → experiência de propriedade (sense of ownership): sujeito do movimento; self ecológico; feedback sensorial multimodal (proprioceptivo, cinestésico, visual, auditivo), modulação eferencial; → experiência de agentividade (sense of agency): causa do movimento; eferências (modelo interno) Self mínimo, Self básico, core self (cont.) pré-reflexivo, recessivo, implícito, não temático, não conceitual experiência dos próprios estados mentais, sem reconhecimento ou reflexão → What is it like to be...? (Nagel, 1974 pura subjetividade, que se constitui na experiência: aspecto ou função do seu modo de doação da experiência → first-personal givenness totalidade da experiência singularidade da experiência lperspectiva da primeira pessoa Self extenso, Self autobiográfico, identidade reflexivo; intersubjetivo (depende da inserção em uma comunidade lingüística) reconhecimento da experiência (julgamento atribuição); comunicação da experiência e mediação entre o corpo vivido e o corpo objetivo (ipseidade e alteridade) → imagem do corpo (experiências, atitudes e crenças nos quais o objeto intencional é o próprio corpo) Self extenso, Self autobiográfico, identidade construído na e através da narrativa; construção aberta, sujeita a revisões organiza e dá sentido às experiências vividas singularmente → trajetória de vida, identidade depende de valores, ideais e objetivos ancorados em uma dada cultura perspectiva da segunda pessoa Self narrativo abstrato (Dennett) Gallagher, 2000 Stories I tell about myself Self como um centro de gravidade narrativa objeto abstrato ficção teórica ponto de mira: dualismo cartesiano e materialismo cartesiano Narrative of being a spouse Narrative of being a parent SELF Narrative of being a sports fanatic Narrative of being a teacher What others say about me Self narrativo corporificado (Ricœur) articulação dos dois pólos que de permanência no tempo do self → mesmidade (“o quê”?) e ipseidade (“quem”?) Gallagher, 2000 Stories I tell about myself Narrative of being a spouse Narrative of being a parent concordância discordante; síntese do heterogêneo; mediações entre os acontecimentos e a unidade temporal da história relatada, etc corporificação estrutura a experiência e a cognição como perspectiva interna contínua no tempo → fundamento para produção da narrativa Narrative of being a sports fanatic What others say about me Narrative of being a teacher A experiência da doença (illness) inclui a categorização e explicação, em termos leigos e acessíveis, das formas de sofrimento produzidas pelos processos patofisiológicos a narrativa serve para dar sentido, contexto e perspectiva para os problemas do paciente, definindo como e por que ele está doente. adoecimento e tratamento são aspectos de uma condição de vida que devem fazer sentido no contexto da história de vida de cada doente em particular Illness experiência humana dos sintomas e do sofrimento; como o doente, os membros de sua família ou sua rede social mais ampla percebem, convivem e respondem aos sintomas e incapacidade; experiência vivida de monitoramento de processos corporais Disease o que o clínico produz processando as queixas em termos técnicos; é o problema vista da perspectiva do clínico; em termos do modelo biomédico trata-se de uma alteração da estrutura ou do funcionamento biológico doenças (illness) são polissêmicas, emanam ou ocultam mais de um significado; e a apreciação destes está referida às diferentes relações intersubjetivas Os significados comunicados pela doença – que frequentemente não são levados em consideração – podem ampliar ou arrefecer sintomas; exagerar ou diminuir incapacidades; impedir ou facilitar tratamentos No contexto humano da doença (illness) a experiência é criada a partir da dialética entre categoria cultural e significação pessoal, por um lado, e materialidade bruta dos processos biológicos desordenados, por outro. Corpo Vivido Self Esquemas Experiencial corporais Corpo Objetivo Primeira Pessoa Pura Experiência Terceira Pessoa Corpo Vivido Imagem do Corpo Consciência Reflexiva Observação Participante Observador Externo Segunda Pessoa Empatia (Interpessoal) Comunidade (Pluralidade de pessoas) Self Narrativo objetividade identidade NARRATIVA intersubjetividade/subjetividade imagem do corpo imagem do corpo subjetividade/intersubjetividade EXPERIÊNCIA esquema corporal corpo vivido – Leib bottom-up approach: processos Corpo objeto – Körper CORPO Fisiologia/anatomia neurológicos modelam a experiência fenomênica de primeira ordem e a cognição de ordem superior, que tem capacidades atributivas e de comunicação Objetividade Identidade NARRATIVAS intersubjetividade/subjetividade imagem do corpo topdown approach: processos cognitivos de ordem superior explicam, e talvez possuam poder causal sobre, o que acontece na fenomenologia de primeira ordem imagem do corpo subjetividade/intersubjetividade EXPERIÊNCIA esquema corporal corpo vivido – Leib corpo objetivo – Körper CORPO objetividade identidade NARRATIVA intersubjetividade/subjetividade imagem do corpo imagem do corpo subjetividade/intersubjetividade EXPERIÊNCIA sense of agency/ownership esquema corporal corpo vivido – Leib corpo objeto - Körper CORPO anatomia/fisiologia