Saúde e Antropologia: perspectivas críticas Luciano Soares PGFAR GOOD, B. J. O coração do problema: a semântica da doença no Irã Diseases constituem-se como realidades sociais e históricas. O sofrimento de uma pessoa configura-se tanto como um fato médico quanto um fato sócio-histórico. É um produto dinâmico do relacionamento de uma pessoa com seu ambiente social e cultural. É modelada em parte pela natureza do rótulo cultural da condição de uma pessoa. Apesar dessa concepção, a pesquisa transcultural recente ainda adota o paradigma biomédico como modelo, mesmo sendo um modelo insatisfatório para a construção de novas teorias de disease. Há uma relação entre a disease e a linguagem médica, que de certa forma reifica a concepção reducionista de disease. A illness e a disease estão profundamente integradas na estrutura da sociedade. No estudo sobre cuidados de saúde e illness no Irã, o autor relata, entre outras, a influência da tradição galênica sobre a concepção de illness. O sistema popular de cuidado médico fornece uma linguagem na qual as pessoas expressam sua experiência de disease. Fornece um conjunto de idéias, modelos cognitivos, expectativas e normas que constroem a experiência de disease, em termos sociais e de significado. A medicina popular constrói as configurações de illness, que reforçam a interação e os valores conservadores da comunidade. O significado específico da linguagem médica integra profundamente illness e cura em um contexto social e cultural particular. O autor analisa o Mal do Coração no Irã, que é uma categoria de disease, na qual se o coração fica ruim, então todo o mais pode ficar. É também uma illness mais frequente em mulheres de classes sociais mais baixas, cujas causas majoritariamente são categorizadas como emocionais e interpessoais, sendo regularmente tratado por um médico. Certos sentimentos de ansiedade são experimentados e expressos como anormalidade do coração. Os modelos explicativos provêm do paradigma galênico. O coração é, ao mesmo tempo, centro fisiológico e emocional; também incorpora concepções da cosmologia. O coração articula e é afetado pelo estado emocional, é tratado como símbolo da essência verdadeira da pessoa. Fornece um idioma para expressar emoção. Assim constitui-se a explicação que liga a expressão fisiológica da anormalidade cardíaca aos estados afetivos. O mal do coração está intrinsecamente relacionado aos limites rígidos da sexualidade feminina, exacerbados nas relações de poder e na condição impura da mulher; à situação opressiva do dia-a-dia, expressando tristeza e ressentimento, muito associados com o conflito pessoal e ansiedade diante da pobreza. Mal do coração às vezes nomeia uma doença, às vezes um sintoma ou, ainda, representa a causa de outra doença. Mal do coração é uma representação coletiva, profundamente enraizada no cenário estrutural do contexto social analisado, não restrito à consciência dos indivíduos em determinada época. O significado de illness extrapola sua relação com disease, sendo profundamente integrado à estrutura de uma comunidade e sua cultura. Disease é apenas produto da relação com o social e o cultural ou também os produz? A existência da illness e mesmo da disease está vinculada à existência de linguagem apropriada que expresse seu significado e promova seu reconhecimento? RABELO, M. C. M.; ALVES, P. C. B. Tecendo Self e Emoção nas Narrativas de Nervoso. Os signos relativos ao nervoso envolvem signos de agressividade e violência, signos de agitação e impaciência e signos de isolamento, relacionados pelo eixo do descontrole. O nervoso está ligado ao contexto de vida da pessoa e marcam uma espécie de reação em dissonância com o contexto imediato. O ‘nervoso’ pertence tanto à mente quanto ao corpo. As informações emanadas do corpo desempenham papel importante nas relações interpessoais, e constrói uma realidade que busca reconhecimento. Nesse processo, desenvolve-se um senso de self. Por meio dos relatos pessoais sobre o nervoso, permite-se visualizar a relação percebida entre sujeito e contexto, donde se articula a construção do self. O self constitui-se pela capacidade do indivíduo tornar-se objeto pra si mesmo, na incorporação da perspectiva do outro. Ao narrar sua vida por uma sequência, o individuo atribui-lhe ordem e significado, constituindo uma interpretação de sua situação no mundo. A idéia de si mesmo situa-se em um contexto temporal. Deve-se ter em perspectiva o elo entre sujeito e situação que origina a experiência emotiva e que nela se desenvolve. As emoções têm uma constituição cultural, compreendendo um processo onde o self se situa e se orienta em um contexto. A emoção não se localiza unicamente no domínio da mente ou consciência, mas é corporificada no processo de lidar com o mundo. O significado da experiência emotiva já está no corpo, em contraposição à idéia que emanaria para o corpo. O nervoso marca um descompasso entre o self e o contexto. A construção de uma narrativa pessoal reflete os contextos sociais de uma experiência individual e desenvolve imagens e metáforas que compõem um campo intersubjetivo. O reconhecimento no outro possibilita o sujeito definir-se para um público e o auxilia a perceber-se como self. A narrativa pessoal reflete uma percepção do mundo e conduzem a um modo específico de ser no mundo. As narrativas sobre o nervoso indicam experiência vivida de fragilização e dor e contribuem para essa experiência. Como a construção do self modula a construção da perturbação físico-moral? Quanto a corporificação da linguagem e da narrativa contribuem para a expressão final da perturbação físico-moral? MAUÉS, R. H.; MAUÉS, M. A. M. O modelo da “reima”: representações alimentares em uma comunidade amazônica. O artigo trata da percepção da comunidade amazônica de Itapuá sobre alimentos reimosos que são aqueles que fazem mal, só podendo ser consumidos por pessoas em perfeitas condições de saúde, enquanto o alimento manso (inofensivo) pode ser consumido por pessoas em qualquer estado. O conceito de alimento reimoso é modulado pelo contexto em que é considerado, levando em conta o alimento em si, o estado da pessoa que vai consumi-lo, e o modo de preparo do alimento. O primeiro momento de avaliação sobre se o alimento é ou não reimoso apresenta subjacente conceito de pureza e impureza. Os critérios empregados para categorizar o alimento como reimoso ou não apresenta forte vinculação com o contexto da comunidade e as crenças reconhecidas. O segundo momento evoca o estado da pessoa que consumirá o alimento, incluindo aspectos como a saúde e doença, e as condições que oscilam entre esses dois. O consumo de alimentos reimosos para um determinado estado, pode conduzir o indivíduo à doença. Uma doença pode voltar pelo consumo de alimentos reimosos. Nem sempre se tem certeza de que um alimento seja ou não reimoso para uma determinada condição. No terceiro momento da reima, avalia-se como o preparo do alimento afeta sua reima, podendo mesmo, provocá-la ou dissipá-la. Ao conectar os alimentos ao conceito de pureza, a reima estabelece uma vinculação entre a alimentação e o estado de saúde, considerando os meios para afastar-se da doença e alcançar o ideal de saúde. A crença sobre as restrições alimentares compõe o sistema cultural em torno do sistema popular de saúde e doença. De certa forma, essas crenças apresentam relação com a percepção de self? GOOD, B. J. Medical anthropology and the problem of belief.