AVALIAÇÃO DO PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DOS PACIENTES PORTADORES DE DOENÇA FALCIFORME INTERNADOS COM CRISE ÁLGICA NO HOSPITAL MATERNO INFANTIL DE BRASÍLIA Rosana de Paula Laurindo Orientadora: Dra Lisliê Capoulade Brasília, 5 de dezembro de 2016 www.paulomargotto.com.br ARTIGO DE MONOGRAFIA APRESENTADO AO PROGRAMA DE RESIDÊNCIA MÉDICA EM PEDIATRIA DO HOSPITAL MATERNO INFANTIL DE BRASÍLIA -HMIB/SES-DF Introdução • A doença falciforme (DF) é uma das doenças hereditárias mais comuns no mundo.1 • Estima-se que 4% população brasileira tenha o traço falciforme (heterozigose simples) e que 25.000 a 50.000 pessoas tenham a doença em estado homozigótico (SS - anemia falciforme) ou na condição de heterozigotos compostos (SC; SE; SD; Sβ Talassemia).2 • No Brasil, ela ocorre em um a cada 1.200 nascimentos, representando um importante problema de saúde pública.3 Introdução • Sabe-se que a hemoglobina S (HbS) é o resultado da mudança de um único par de bases, tiamina por adenina, no sexto códon do gene beta-globina.4 • Essa alteração codifica uma valina em vez de glutamina na sexta posição na molécula da beta-globina. • A anemia falciforme, a homozigose da HbS, ocorre quando ambos os genes da B-globina têm a mutação falciforme. • Todavia a Hb S, na forma desoxigenada, perde sua complexa estrutura quaternária e adquire uma estrutura primária (polimerização hemoglobínica).2 Introdução • A partir da sua polimerização, a HbS torna-se insolúvel, alterando a forma eritrocitária (que normalmente é um disco bicôncavo), para uma estrutura que lembra uma foice – fenômeno da eritrofalciformação2. Introdução • A expressão clínica da doença é variável, porém grande parte dos pacientes evolui com doença crônica e grave, além de crises agudas que aumentam o sofrimento.6 • A morbidade e a mortalidade da doença decorrem de processos infecciosos, hemólise crônica e do fenômeno vasooclusivo difuso da microvasculatura.6 • As crises dolorosas ou crises vaso-oclusivas (CVO) são as complicações mais frequentes da DF e comumente a sua primeira manifestação1. • Aproximadamente 90% das internações hospitalares desses pacientes são para tratamento dessa complicação.7 Introdução • O surgimento da CVO pode ser imprevisível7, contudo hipóxia, infecção, febre, acidose, desidratação e exposição ao frio extremo podem precipitar essas crises1, sendo os ossos e articulações os principais locais. • As bases do tratamento da crise álgica incluem hidratação e analgesia, podendo ser necessárias também oxigenioterapia e terapia transfusional7. • No Brasil, além de existir poucas pesquisas relacionadas ao tratamento da dor em crianças portadoras de DF, ainda são escassas as medicações liberadas para uso com segurança na população pediátrica.6 Introdução • A subjetividade da dor representa um fator complicador para o seu tratamento, no entanto, a já comprovada correlação entre dor persistente e maior risco de morte súbita, justifica o destaque do tema para uma análise mais pormenorizada.3 • A hidroxiuréia até o momento, é considerada a terapia farmacológica de maior sucesso para a DF. Como benefícios esperados da utilização da hidroxiureia, tem-se: • • • • • abolição ou diminuição dos episódios de dor; aumento da produção de HbF; e da concentração total da Hb; diminuição dos episódios de síndrome torácica aguda; diminuição das hospitalizações e transfusões sanguíneas; melhora da qualidade de vida e maior sobrevida. 2 Objetivos • Avaliar o perfil epidemiológico dos pacientes portadores de doença falciforme internados com crise álgica no Hospital Materno Infantil de Brasília; • Avaliar os desfechos da internação desses pacientes; • Analisar o uso da hidroxiureia em relação ao número de internações no último ano no grupo estudado; • Propor um protocolo para atendimento inicial da crise álgica. Materias e Métodos • Estudo observacional, transversal, descritivo prospectivo, que avaliou pacientes portadores doença falciforme internados com crise álgica HMIB no período de 1º de abril de 2016 a 31 julho de 2016. e de no de • A amostra do estudo foi baseada no número de internações desse período e a análise dos dados foi realizada por meio da consulta de prontuário eletrônico (Trakcare®). Materias e Métodos • Os critérios de inclusão do estudo foram: • Pacientes com doença falciforme internados com crise de dor; • Faixa etária ≥ 6 meses a ≤ 18 anos; • Ambos os sexos; • Os critérios de exclusão foram: • Pacientes com doença falciforme internados por outros motivos que não dor, como por exemplo, sibilância, cirurgia eletiva, entre outros; • Faixa etária < 6 meses e >18 anos; Materiais e Métodos • As variáveis analisadas foram: • • • • • • • • • • • • • • Tipo de hemoglobinopatia; Sexo; Idade; Tempo de internação; Número de internações no último ano; Hemoglobina basal; Saturação de oxigênio periférica (SpO2) na admissão; Uso de hidroxiureia; Tabagismo passivo; Histórico pessoal de asma; Classificação da crise álgica; Uso de medicação analgésica em domicílio antes da internação; Primeira medicação utilizada na internação; Medicações utilizadas durante a internação. Materiais e Métodos • Quanto a proposta de um protocolo de atendimento inicial, baseou-se na análise dos dados da pesquisa, juntamento com as evidências atuais da literatura. • A análise estatística descritiva foi realizada pela calculadora Hp modelo 12c. • O presente trabalho foi aprovado pelo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde do Distrito Federal (FEPECS-DF) número 58136616.4.0000.5553. Resultados • O total de internações de pacientes portadores de DF no período analisado foi de vinte e quatro, sendo que quatro internações não foram avaliadas pelo estudo por não preencher o critério de inclusão de referência de dor. • Esses quatro pacientes tiveram como diagnóstico da internação síndrome torácica aguda. Resultados • Em relação ao tipo de hemoglobinopatia, 89,4% dos pacientes eram SS, 5,3% SC e 5,3% Sβ. Resultados • Quanto ao sexo, 52,6% dos pacientes eram do sexo masculino. Resultados • No que se refere a idade dos pacientes da amostra, variou de 11 meses a 12 anos, sendo a média 6,3 anos (DP ± 3,77). • Já o tempo de internação variou de 1 a 18 dias, sendo a média de 6,3 dias (DP ± 4,84). • A média da hemoglobina basal foi de 7,5 g/dL (DP ±1,56). Resultados • Na análise do número de internações dos pacientes no último ano, 30% dos pacientes não tiveram nenhuma internação, e quatro ou mais internações em somente 5% deles. Resultados • A SpO2 à admissão variou de 65% a 98%, porém em 45% dos prontuários não havia essa informação. • O antecedente de tabagismo passivo estava presente em 15,8% dos pacientes estudados, enquanto 79% negavam esse antecedente. Em 5,2% dos prontuários, não foi possível obter essa informação. • O histórico pessoal de asma/sibilância foi encontrado em 26,3% dos pacientes estudados. Resultados • Com relação ao uso de hidroxiureia, somente 15,8% dos pacientes faziam uso dessa medicação. Resultados • Com relação a classificação da crise álgica, em 65% das internações foi classificada como crise leve. 70 60 50 40 30 20 10 0 Leve Moderado Grave Resultados • O uso de medicamentos em domicílio foi referido em apenas 30% das internações. • No que se refere a primeira medicação, em 75% das internações foi utilizada a dipirona. Ibuprofeno + tramadol Codeína + paracetamol Dipirona + ibuprofeno Dipirona + tramadol Dipirona 0% 10% 20% 30% 40% 50% 60% 70% 80% Resultados • Já com relação às medicações utilizadas durante a internação, foi utilizada apenas a dipirona em 55% delas. Medicações utilizadas durante a internação Nº de internações (%) Dipirona 11 (55%) Dipirona + ibuprofeno 2 (10%) Dipirona + tramadol 2 (10%) Dipirona + ibuprofeno + tramadol 2 (10%) Dipirona + codeína + paracetamol 1 (5%) Dipirona + codeína + paracatamol + ibruprofeno 1 (5%) Ibuprofeno + tramadol 1 (5%) Resultados • Com relação aos desfechos: • 50% das internações com queixa de dor à admissão tiveram como diagnóstico da internação síndrome torácica aguda; • Somente um paciente teve necessidade de UTI; • Em sete internações os pacientes tiveram alta com diagnóstico apenas crise álgica, um como sequestro esplênico e dois com quadro de febre à esclarecer; • Não houve óbitos no período analisado. Discussão • Segundo Fielda et al, os indivíduos com HbSS e S 0 talassemia são os que apresentam mais frequentemente crise vaso-oclusiva7, como pode ser observado em nosso estudo, onde 89,4% dos pacientes tinham doença falciforme SS. • Smith et al realizaram estudo em que avaliaram a dor em adultos com doença falciforme e não encontraram diferença entre os sexos11. Nosso estudo encontrou um pequena predominância no sexo masculino, talvez pelo pequeno número da amostra. Discussão • As doenças respiratórias são encontrados em crianças com anemia falciforme com uma prevalência de 20 a 48 por cento e estão associados com um risco aumentado de mortalidade12. Nosso estudo encontrou prevalência semelhante; com histórico pessoal de asma/sibilância em 26,3% dos pacientes. • O diagnóstico de asma brônquica em pacientes com doença falciforme está associado ao aumento de crises álgicas, síndrome torácica aguda (STA) e morte. Discussão • Pode-se observar que em 80% das internações, as primeiras medicações utlizadas foram dipirona ou dipirona associado a ibuprofeno, o que poderíamos supor uma classificação de crise leve. • Porém, não podemos inferir se todas essas crises foram realmente leves, pois elas podem ter sido subestimadas por não ter tido classificação, e assim subtratadas. Discussão • Segundo a literatura, a hidroxiureia tem seu papel comprovado na diminuição das crises vaso-oclusivas, da necessidade de transfusão, e dos episódios de síndrome torácica aguda7. • Apenas 15,8% dos nossos pacientes faziam uso dessa medicação. Sabe-se que existem critérios para o seu uso, segundo o Ministério da Saúde2. • No entanto, pelo pequeno número da amostra, não foi possível correlacionar o uso dessa medicação com o número de internações no último ano. Discussão • A indicação da transfusão sanguínea na crise álgica pode guardar relação com a queda do valor da hemoglobina5. Porém nosso estudo observou que em muitos prontuários não havia esse registro (70%). • O estudo também observou que na maioria (70%) dos prontuários não havia o relato sobre o uso da medicação feita em domicilio. • Isso pode ser um problema, pois estudos atuais vêm demonstrando um desconhecimento e um despreparo para o manejo da dor, de forma que muitos pacientes buscam este tratamento no seu próprio domicílio, ou utiliza outras estratégias não farmacológicas. Discussão • Com relação aos desfechos da internação, no presente estudo, 50% dos pacientes que tinham à admissão queixa de dor, tiveram o diagnóstico da internação de STA, como corrobora Viera et al que refere que cerca de 50% dos pacientes com STA são admitidos no hospital por outras causas, sendo a mais comum por crise vasooclusiva13. • Somente um paciente necessitou de UTI, e não houve óbitos, sendo que todos os pacientes tiveram alta hospitalar. Paciente com Doença falciforme e dor História clínica e exame físico Aplicar esacala analógica da dor Solicitar hemograma e reticulócitos Hidratação venosa Controle da dor Oxigenioterapia Transfusão sanguínea - Hidratação venosa: Euvolemia Não ultrapassar 1,5 a volemia - Controle da dor: 1-3: iniciar analgésicos comuns de 4/4h 4-6: Analgésico comuns de 4/4h + anti-inflamatórios de 8/8h 7-10: Analgésico comuns de 4/4h + anti-inflamatório de 8/8h + analgésico potente de 4/4h intercalados Após 24h sem dor, suspender um fármaco a cada 24h. - Oxigenioterapia Se SpO2 <95%. - Transfusão de concentrado de hemácias Se queda 2-3 g/dL da hemoglobina basal ou menor que 5mg/dL, ou sintomatologia. - Abordagens não-farmacológicas e espirometria de incentivo. Abordagens nãofarmacológicas Conclusão • Não há diferença significativa entre os sexos nas internações por crise álgica; • A grande maioria das crises de dor no período analisado foram classificadas como leves. • Metade dos pacientes que queixavam-se de dor a admissão, tiveram como diagnostico final da internação Síndrome Torácica Aguda. • Com a análise dos dados da pesquisa associados a literatura foi possível a realização de proposta de protocolo para manejo da crise álgica. Referências Bibliográficas • 1) Jesus JA, Araujo PIC. Doença falciforme: condutas básicas para tratamento. Textos Básicos de Saúde. 2012; 64: 1-63. • 2) Ministério da Saúde. Portaria SAS/MS n° 55, de 29 de janeiro de 2010. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/sas/2010/prt0055_29_01_2010.html • 3)Lobo C, Marra VN, Silva RMG. Crises dolorosas na doença falciforme. Revista brasileira de hematologia hemoterapia. 2007;29(3):247-258. • 4)Kliegman, RM, et al. Nelson, Tratado de Pediatria. 19 ed. 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São Paulo Sept Dec. 2013. 24 (3): 391-411. OBRIGADA Obrigada!