Doença Arterial Periférica (DAP) Oclusão aterosclerótica da circulação arterial para as extremidades inferiores (é parte de um distúrbio sistêmico de aterosclerose que afeta outras circulações importantes). Inicialmente pode ser assintomática, então manifesta-se como uma claudicação intermitente ou isquemia grave crítica para as pernas. As manifestações clínicas estão relacionadas à intensidade da obstrução hemodinâmica e da perfusão reduzida ao músculo esquelético e à pele das extremidades inferiores. Epidemiologia Incidência: 6/10.000 aos 30-44 anos → 61/10.000 aos 65-74 anos Prevalência com base nas relações de pressão arterial tornozelo-braquial é de ≈ 3% em <60 anos e aumenta para 20% em >70 anos. Isquemia crítica: <1 milhão de adultos. Probabilidade de desenvolver a DAP: ♀ = ♂ (nas ♀ aumenta quando na menopausa pois perdem o efeito protetor dos estrógenos). Patogênese É causada pela aterosclerose e tem uma etiologia e patogênese semelhante à da aterosclerose em outras circulações. Pacientes com DM2 têm um risco 4 vezes maior de DAP comparados com um risco de 2 vezes de IAM ou AVC. No entanto, a intensidade da DAP não está diretamente correlacionada com o controle glicêmico, mas com a coexistência de fatores de risco cardiovasculares além do DM2. O risco de DAP aumenta em 10% com um aumento de 10mg/dl no colesterol total. Níveis reduzidos de HDL e aumentados de triglicérides estão mais relacionados. O tabagismo aumenta o risco em 3-4 vezes. O risco é duplicado em pacientes hipertensos. Níveis elevados de homocisteína (defeitos genéticos e deficiências dietéticas na ingestão de AC. Fólico e vits B6e 12) também promovem a DAP através da produção de radicais livres promovendo a disfunção endotelial, proliferação de células musculares lisas, peroxidação lipídica e oxidação do LDL. Hemodinâmica: percentual de estenose e velocidade de fluxo através da lesão (fluxo prejudicado com o aumento da demanda). Pode se facilmente avaliado medindo-se a PAs no tornozelo e formando uma relação entre esta pressão com a PAs no braço = Indice tornozelo-braquial (DAP: ↓PAs no tornozelo). Anormalidades metabólicas e neurológicas A patogênese é iniciada pela oclusão aterosclerótica dos principais vasos na extremidade inferior, progredindo até afetar a função neurológica e metabólica do músculo esquelético, levando a um prejuízo adicional no desempenho muscular e na condição funcional = descondicionamento e lesão muscular esquelética, que caracteriza-se por uma desnervação axonal distal, levando à perda de fibras musculares e a uma ligeira atrofia do músculo afetado. O metabolismo oxidativo fica intensamente prejudicado (↓ do fluxo sanguíneo), ressíntese prejudicada de fosfocreatina e níveis anormalmente altos de difosfato de adenosina, podendo acumular também os intermediários da oxidação, como as acilcarnitinas. O aumento nos níveis plasmáticos de fibrinogênio está associado com aumento da viscosidade sanguínea, predispondo a DAP e à claudicação intermitente mais grave. Clínica: Claudicação intermitente e dor isquêmica em repouso, freqüentemente com ulceração e gangrena. Depende do nível e extensão: claudicação afetando nádega e coxa (doença oclusiva ilíaca), panturrilhas (mais comum) e pés. Claudicação: isquemia muscular reversível, caracteriza-se por câimbras e dolorimento no músculo afetado. O desconforto desenvolve-se apenas durante o exercício e aumenta progressivamente com a caminhada, até que o paciente não consiga prosseguir pela dor intolerável. O desconforto é rapidamente aliviado pelo repouso sem modificação na posição. Pode ocorrer uni ou bilateralmente. Deve ser avaliada a distância que consegue caminhar antes do desconforto e antes de ser forçado a parar (claudicação absoluta ou máxima). A dor em repouso isquêmica (ou noturna) é uma forma intensa de dor que envolve difusamente o pé distalmente aos ossos tarsais, embora possa localizar-se nas proximidades de uma úlcera isquêmica ou de um artelho do pé gangrenoso. A progressão da claudicação para uma dor em repouso reflete uma doença oclusiva arterial intensa, com um fluxo sangüíneo inadequado para a parte distal da extremidade em repouso. A dor tipicamente ocorre durante a noite, quando o paciente assume a posição horizontal, na ausência da gravidade para ajudar o fluxo arterial. A dor pode ser tão intensa que não alivia nem com doses substanciais de narcóticos. I Iia Iib III IV Classificação da doença arterial obstrutiva periférica Fontaine Rutherford Assintomático 0 assintomático claudicação intermitente leve 1 claudicação leve claudicação intermitente moderada e grave 2 claudicação moderada dor em repouso 3 claudicação grave ulceração ou gangrena (lesões tróficas) 4 dor em repouso 5 perda tecidual menor 6 perda tecidual maior Diagnóstico: Avaliação dos fatores de risco: história de tabagismo (carga tabágica), DM2 (glicemia em jejum e pós-prandial e nível de Hb glicada), perfil lipídico completo, pressão arterial, níveis de homocisteína (deve ser considerado em pacientes com início precoce de sintomas ou com história de eventos trombóticos). Exame clínico: HAS, sopros cardíacos ou arritmias, sopros carotídeos ou um aneurisma de aorta. Pele das pernas: modificações de coloração, ulcerações, infecção ou traumas. A- Pés isquêmicos em repouso, B- Palidez do pé direito à elevação, C - Retardo do enchimento venoso do pé direito, tempo maior que 30 segundos, membros pendentes, pós-elevação dos dois membros inferiores, D - Hiperemia reativa com membros pendentes. Palpação de todos os pulsos periféricos (deve-se suspeitar de DAP quando sopro femoral ou ausência dos pulsos pediosos, cabendo mediar a PA do tornozelo). Com a claudicação crítica ou dor ao repouso, a musculatura das panturrilhas se atrofia, perdem-se os pêlos sobre o dorso dos dedos dos pés, e unhas dos dedos dos pés espessamse. Apresentam palidez com a elevação do membro, devido a uma pressão arterial e a um fluxo sanguíneo inadequados; o rubor ao se permanecer os membros pendentes ocorre quando o influxo arterial é muito restrito e há uma dilatação crônica do leito vascular periférico. Uma isquemia crítica da perna pode causar ulceração (=úlceras que não sangram ao serem manipuladas e têm base necrótica escura), inicialmente afetando o aspecto distal dos dedos dos pés. Fig. 1 – Isquemia crítica com bolha no dorso do pé Fig. 2 – Isquemia crítica - lesões distal e proximal Fig. 3 – Isquemia crítica - lesões distais A gangrena geralmente começa nos dedos dos pés e na parte anterior do pé, podendo ocorrer separadamente da ulceração. Alterações de temperatura. Avaliação laboratorial: ECG (associação com aterosclerose coronariana). HMG completo: as ↑ no Ht e/ou contagem de plaquetas podem resultar em hiperviscosidade com uma redução associada na perfusão periférica; uma anemia significativa ↓ o conteúdo e a liberação de oxigênio. VHS: ↑ sugere causas inflamatórias de doença vascular, incluindo-se a vasculite. Sat O2: em pctes com doença pulmonar significativa para determinar se uma baixa saturação poderia piorar a liberação periférica de O2. Função Renal: IRC é um fator de risco e pctes com DAP estão sob risco de hipertensão renovascular e Insuficiência renal. Pctes que apresentem oclusão trombótica aguda de um vaso periférico precisam de rastreamento da coagulação do fator V de Leyden, proteína S, porteína C, antitrombina III, dentre outros testes de coagulação. Imagem: Ultrassonografia com Doppler: medida da pressão arterial sistólica no tornozelo pelo ultrassom detecta a velocidade do fluxo sanguíneo nos braços e nas artérias tibial posterior e dorsal do pé de cada tornozelo. Pctes ocasionais com claudicação, mas com Índice tornozelo-braquial normais em repouso, devem realizar um teste ergométrico para definir alterações na hemodinâmica (DAP ↓). Oximetria transcutânea: fornece informações quanto à adequação da circulação periférica para a cicatrização de feridas (nl= >60mmHg; >40mmHg estão associados à boa cicatrização; <20mmHg= o fluxo sangüíneo é insuficiente para cicatrizar a lesão e medidas adicionais precisam ser tomadas). Ultrassonografia duplex colorida: detecta estenoses e mede o fluxo em um segmentos arterial em particular ou em um enxerto de revascularização. Arteriografia invasiva: meio mais acurado para definir a anatomia arterial (pctes em que se está sendo considerada a angioplastia ou cirurgia vascular). Angiografia por ressonância magnética: não invasiva. Tratamento: Objetivos: Reduzir morbi/mortalidade + aterosclerose sistêmica + melhora da condição funcional e preservação do membro A classificação da Society for Vascular Surgery e Internacional Society for Cardiovascular Surgery é a mesma classificação de Rutherford. Os pacientes classificados nos graus I e IIa da classificação de Fontaine ou 1, 2 e 3 da classificação da Rutherford são submetidos a tratamento clínico, com ênfase no controle das comorbidades (abolir o vício de fumar, controle do peso, exercícios físicos, controle da hipertensão arterial sistêmica, controle do diabetes, uso de medicação anti-plaquetária e de estatinas. Aqueles classificados nos graus IIb, III e IV de Fontaine ou 4, 5 e 6 da classificação da Rutherford, têm indicação de tratamento cirúrgico através de diversas técnicas, para alívio dos seus sintomas ou para salvamento do membro. Cessação do tabagismo. Controle de obesidade, dislipidemia, glicemia, HAS, homocisteína. Terapia antiplaquetária: AAS, Clopidogrel – reduz em 24% a incidência de morte vascular. Alívio sintomático: Cilostazol – inibidor da fosfodiesterase III (propriedades antiplaquetária e vasodilatadoras) Propionil-L-carnitina: melhora o metabolismo do músculo esquelético. Pentoxifilina: reduz a viscosidade sanguinea e pode melhorar o fluxo na microcirculação (maioria dos pctes não percebe benefício algum). Prostaglandinas: podem ajudar na cicatrização das úlceras isquêmicas e reduzir os riscos de amputação. Analgésicos: dipirona, proposifeno, AAS, AINEs + benzodiazepínicos a noite + Opiáceos. ATB sistêmicos quando celulite ao redor de ulceração isquêmica. Manutenção da temperatura (↓ vasoconstrição periférica). Elevação da cama em proclive (20 a 25 cm) – melhorar o fluxo para os MMII. Terapia com exercício: a carga inicial de trabalho da esteira é ajustada para a velocidade e a inclinação que precipitam a claudicação durante o teste de avaliação. Os pctes devem caminham entre 3 e 5 minutos até obterem um nível moderadamente intenso de dor de claudicação. O pcte sai da esteira, descansa até a dor diminuir e repete a atividade até alcançar 40 a 60 minutos pó sessão. Terapias Invasivas: Angioplastia Cirurgia de revascularização Diagnóstico diferencial Dor de oclusão arterial súbita, dor da neuropatia isquêmica, neuropatia sensorial diabética, distrofia simpática reflexa ou causalgia, compressão de raiz nervosa, neuropatia sensorial periférica não diabética, cãibra noturna, dor de arterites, trombose venosa superficial e linfangite. Outras doenças: neuroma digital, compressão de nervo do túnel do tarso, fasceíte plantar, processos inflamatórios como – gota, artrite reumatóide etc. Diagnóstico diferencial da úlceras: Úlcera venosa, ulcera neuropática diabética, elcera devida a vasculite e doença do colágeno, ulcera devida a doença de Buerger (Tromboangeíte obliterante), ulceras associadas com doenças hematológicas (anemia falciforme, leucemia aguda e crônica, policitemia, e trombocitemia). Bibliografia: Cecil. Tratado de Medicina Interna. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005. (Doença Arterial Aterosclerótica Periférica – cap 76) Maffei, Francisco Humberto de Abreu; Lastória, Sidnei; Yoshida, Winston Bonetti; Rollo, Hamilton de Almeida. Doenças Vasculares Periféricas. Rio de Janeiro: Medsi, 2002. Marcelo Pereira da, Rosa. Cilostazol, um inibidor da fosfodiesterase III: perspectivas futuras na aterosclerose. Arq. Bras. Cardiol. [serial on the Internet]. 2006 Nov [cited 2009 Sep 06] ; 87(5): . Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0066-782X2006001800035&lng=en. doi: 10.1590/S0066-782X2006001800035. Câmara, Lucas Caseri; Santarem Sobrinho, José Maria; Jacob Filho, Wilson; Kuwakino, Marcelo Hisato. Exercícios resistidos em idosos portadores de insuficiência arterial periférica / Resistance exercises in peripheral arterial diseased elders: bibliographic review. Acta fisiátrica: 13 (2): 96-102, ago. 2006. Ilus. Disponível em: <http://www.actafisiatrica.org.br/v1/controle/secure/Arquivos/AnexosArtigos/E4A6222CDB5B34 375400904F03D8E6A5/editoracao_vl_13_n_02_96-102.pdf>