Pós Graduação - FEUSP Educação Matemática: significados, fundamentos e possibilidades de investigação Prof. Vinício de Macedo Santos FORMAÇÃO DE PROFESSORES SEGUNDO A PESQUISA • Até anos 60 – O tema da formação dos professores não era valorizado nem pelos estudos nem pelas políticas públicas. A formação tendia a ser tratada por programas locais e emergenciais. FORMAÇÃO DE PROFESSORES SEGUNDO A PESQUISA • Até final da década de 70 Predominância de estudos experimentais quantitativos sobre a eficácia de diferentes métodos para treinar professores em tarefas específicas. A preocupação principal era modelar o comportamento do professor e avaliar o impacto/efeito de determinadas estratégias de ensino. A Psicologia educacional oferecia o suporte teórico. Paradigma: processo-produto Buscava-se compreender quais elementos do processo (comportamento do professor, metodologia, disposição física da classe etc.) influenciavam no ensino-aprendizagem de modo que se alcançasse um produto considerado eficiente. • FORMAÇÃO DE PROFESSORES SEGUNDO A PESQUISA Década de 80 A investigação amplia o leque de questões e temas bem como passa a utilizar variadas metodologias. O pensamento do professor e a influência do curso sobre seu desenvolvimento cognitivo são pontos de atenção dos estudos. Tipos de perguntas que passam a despertar interesse: O que os professores conhecem? Quais conhecimentos são essenciais para se ensinar? Quem produz conhecimento sobre o ensino? A partir desse período diferentes aspectos da formação de professores tornam-se temas de interesse de pesquisadores de outras áreas: antropologia, sociologia, filosofia etc. Há predominância dos métodos chamados naturalistas ou interpretativos. As reformas educacionais promovidas em diferentes países, nos anos 80, com a preocupação de melhorar os padrões educacionais, levavam em conta a necessidade de mudança na formação do professor. Desenvolve-se a idéia do professor como profissional, como sujeito que tem experiências, crenças, uma história de vida, valores etc, como alguém capaz de pensar sobre o que faz e como faz e, como alguém capaz de gerar conhecimento. Configura-se o que se denominou de paradigma do “pensamento do professor ” . Estudos interpretativos passaram a investigar o pensamento do professor e sua experiência, seus conhecimentos e significados atribuídos ao ato de ensinar. FORMAÇÃO DE PROFESSORES SEGUNDO A PESQUISA • Década de 90 Pesquisas centradas não só no processo de aprender a ensinar dos professores, como também, em suas crenças, suas concepções e seus valores. Numa perspectiva global e sistêmica as pesquisas passam a analisar os processos de mudança e inovação com base em dimensões organizacionais, curriculares, didáticas e profissionais. O professor é pensado como elemento importante do processo ensino/aprendizagem. É considerado como profissional com capacidade para pensar, refletir e articular sua prática a partir de seus valores, crenças e saberes (construídos ao longo de sua vida). Em resumo, o professor passa a ser valorizado como elemento nuclear do processo de formação e mudança. De objeto passivo de estudo e formação ele passa a ser considerado como sujeito do estudo com participação ativa e colaborativa em muitos casos. marcos de mudanças • Desregulação da Educação (expansão, reformas, papel da escola e mudança curricular) e metáforas relacionadas ao professor (aquisição, participação, professor reflexivo, professor pesquisador) • As tentativas que vêm sendo feitas há duas décadas para se compreender o papel do professor no ensino têm gerado indagações e informações sobre as componentes do conhecimento profissional do professor, suas características, sua natureza etc. • Um marco importante foram os trabalhos de Shulman e colaboradores e a importância atribuída ao conhecimento sobre o conteúdo da matéria a ser ensinada . • Institucionalização da profissão CONCEITUAÇÃO DO CONHECIMENTO DO PROFESSOR • Suposto básico dos estudos sobre o pensamento do professor: "O pensamento, o planejamento e a tomada de decisões dos docentes constituem uma parte considerável do contexto psicológico do ensino. Nesse contexto interpreta-se e atua-se sobre o currículo; nesse contexto os docentes ensinam e os alunos aprendem. Os processos de pensamento dos professores influem substancialmente na sua conduta e inclusive a determinam." (Clark y Peterson, 1990) • Os estudos voltados para a compreensão do papel do professor no ensino geraram indagações e informações sobre as componentes do conhecimento profissional do professor, suas características, sua natureza etc. a partir de diferentes perspectivas (psicologia cognitiva, aprender a ensinar, trabalho profissional etc.) Tem como marco importante os trabalhos de Shulman e colaboradores e a importância que atribuem ao que chamam de conhecimento sobre o conteúdo da matéria a ser ensinada . SIGNIFICADOS DE ALGUNS TERMOS NESSE CAMPO • Schön, 1983 - Conhecimento profissional : é o que explica o que aqueles que têm uma ocupação particular fazem e porque o fazem. • Kagan, 1990 - Cognição: conhecimento e crenças do professor sobre o ensino, sobre os estudantes e sobre o conteúdo bem como estar consciente das estratégias de resolução de problemas de ensino na aula. • Llinares e Sánchez, 1990 - Conhecimento profissional : experiência prática acumulada do professor na realização de determinadas tarefas docentes. • Alexander, Shalert & Hare, 1991 - Conhecimento: um "stock" pessoal de informação, destrezas, experiências, crenças e memória de uma pessoa. • Tamir, 1991 - Conhecimento teórico: informações que constituem parte da estrutura cognitiva de uma pessoa mas que, por várias razões não afeta a prática. • Conhecimento prático: reserva de informação e habilidades que orientam e formam a conduta de uma pessoa. • Conhecimento profissional: corpo de conhecimentos e habilidades necessários em uma determinada profissão. SIGNIFICADOS DE ALGUNS TERMOS NESSE CAMPO • • • • • • • • Fennema & Loef, 1992 - Conhecimento do professor: sistema de funcionamento integrado e amplo em que é difícil isolar cada parte. Thompson, 1992 - Concepções: estrutura mental geral que engloba crenças, significados, conceitos, proposições, regras, imagens mentais, preferências etc. Bromme, 1994 - Conhecimento profissional do professor: é, em parte, o conteúdo de que falam durante a aula, porém, também é necessário um conhecimento adicional de modo a serem capazes de ensinar Matemática de modo apropriado a seus alunos. Ponte, 1994 - Crenças: "verdades"pessoais que não admitem dúvidas e sustentadas por todos, derivadas da experiência ou da fantasia tendo uma forte componente valorativa e afetiva. Concepções: referencias organizativas que dão suporte aos conceitos e que têm uma natureza essencialmente cognitiva. Conhecimento: rede ampla de conceitos e habilidades inteligentes de que os seres humanos são portadores. Concepções e crenças são parte do conhecimento. Conhecimento profissional: é essencialmente conhecimento em ação, baseado sobre conhecimento teórico, experiência e reflexão sobre a experiência Bromme & Tilema, 1995 - Conhecimento profissional: inclui não só informação específica sobre fatos, provendo métodos para resolver problemas, como também informação necessária para definir e compreender os problemas que um profissional enfrenta. COMPONENTES E NATUREZA DO CONHECIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR DE MATEMÁTICA • • • • • • • • • Elbaz, 1983: conteúdo, de si mesmo, do currículo, do meio, dos métodos de ensino. Shulman, 1983, 1987: da matéria específica, do conteúdo pedagógico, curricular. Peterson, 1988: das características da aprendizagem de noções específicas, do ensino de tópicos concretos, dos processos cognitivos. Ernest, 1989: da matemática, de outras matérias, do ensino da matemática, da organização e manejo da aula/classe, do contexto no ensino da matemática, da educação. Leinhardt, 1990: da matéria, da estrutura da lição/aula. Llinares, 1991: da matemática, da aprendizagem das noções matemáticas, do processo de instrução. Fennema & Loef, 1992: da matemática, da pedagogia, das cognições dos alunos em matemática. Bromme, 1994: da matemática como área, da matemática escolar, da filosofia da matemática escolar, da pedagogia geral, da pedagogia específica da matéria. Lappan & Theule-Lubienski, 1994: da matemática, da pedagogia da matemática, dos estudantes como aprendizes de matemática. SÍNTESE DE CONTEÚDOS PESQUISADOS RELATIVOS A ALGUNS CONHECIMENTOS DOS PROFESSORES Pedagógico geral Ensino, aprendizagem, princípios objetivos e metas da educação etc. gerais da instrução, Da matéria Conteúdo da disciplina, a forma como os conceitos se articulam etc. Curricular Programas para ensinar uma disciplina ou um tema particular em algum nível de ensino, materiais usados e porque usá-los. Contextual Escola, classe, alunos e seus conhecimentos Prático Imagens mentais elaboradas a partir da prática, crenças e valores (sobre a matéria, o currículo, modos de ensinar, contexto) Didático do conteúdo Representações do conteúdo da disciplina, sua relação com formas de ensinar, adequação a alunos e contextos, pontos de difícil compreensão, erros freqüentes etc. Metacognitivo de controle pessoal Reflexão do professor sobre os processos de ensino, consciência pessoal e reconhecimento de suas possibilidades e limitações. Conhecimento/saber profissional do docente • Tardif, Lessard e Lahaye, (1991) e Tardif (2002) concebem o saber docente em sentido amplo, englobando os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes docentes, ou seja, aquilo que é comumente chamado de saber (conhecimentos científicos e didáticopedagógicos para a prática), saber- fazer (relacionado à gestão da sala de aula, ou seja, à dimensão prática), saber-ser (relacionado à atitude do professor). • Fiorentini, Nacarato e Pinto (1999, 2003, 2005) - o saber docente é reflexivo, plural e complexo porque histórico, provisório, contextual, afetivo, cultural, formando uma teia, mais ou menos coerente e imbricada, de saberes científicos — oriundos das ciências da educação, dos saberes das disciplinas, dos currículos — e de saberes da experiência e da tradição pedagógica TRÊS DIMENSÕES DO SABER DIDÁTICOMATEMÁTICO DO PROFESSOR • Dimensão de caráter epistemológico: que informa sobre características e significado do conhecimento matemático, do seu sentido e papel na sociedade e na formação do indivíduo. Representa uma reflexão sobre o próprio conhecimento matemático escolar, suas características, suas relações internas e externas e sua estrutura. • Dimensão de caráter cognitivo: que informa sobre o sentido dos processos de aprendizagem dos alunos, seu desenvolvimento, suas dificuldades, as situações e atividades apropriadas para sua aprendizagem etc. Parte da reflexão sobre o desenvolvimento do pensamento matemático e da sua construção no processo de aprendizagem. • Dimensão de caráter curricular: que se relaciona com a linha de ação a ser desenvolvida na aula para tratar adequadamente o conhecimento matemático e todas as suas condições, analisando as particularidades do seu ensino e suas possíveis formas de concretização DISCURSOS SOBRE CONHECIMENTO E MODOS DE CONHECER FUNDAMENTOS PARA A PESQUISA EDUCATIVA 1. Perspectiva fundada no suposto de que o conhecimento é adquirido a partir da observação sobre a experiência e a experimentação, de forma controlada, segundo leis e regras bem estabelecidas e que, nesse processo, a dimensão subjetiva é secundarizada em favor da meta da objetividade DISCURSOS SOBRE CONHECIMENTO E MODOS DE CONHECER FUNDAMENTOS PARA A PESQUISA EDUCATIVA • O mundo é objetivo e existe independentemente dos sujeitos. Este mundo consiste em fenômenos que têm leis e regras as quais são elaboradas através de uma observação sistemática e de um controle rigoroso das variáveis que afetam o fenômeno. • Existe uma clara distinção entre sujeitos e objetos. O sujeito é subjetivo e o mundo é objetivo. Existe também uma clara distinção entre ações e valores. O subjetivo não deve interferir no descobrimento da verdade objetiva. • O mundo social é considerado como o mundo natural. O mundo social é tratado sob a forma de causa-efeito, o que faz com que se assuma que os fatos não ocorrem arbitrariamente e ocasionalmente. • Todas as ciências estão baseadas no mesmo método de descobrimento do mundo. OBS.: Essa perspectiva constitui-se referência predominante para a investigação de maneira geral e a investigação educativa em particular até meados dos anos 70 quando outros pressupostos ganham projeção e consistência no âmbito do conhecimento científico configurando uma ruptura de paradigma. DISCURSOS SOBRE CONHECIMENTO E MODOS DE CONHECER FUNDAMENTOS PARA A PESQUISA EDUCATIVA 2. Considerações, como as de Kuhn (1971), entre outros autores, sobre o processo de desenvolvimento das ciências e do discurso cientifico geram contrapontos à perspectiva anterior. O processo de investigação, para esse autor, é visto de forma indissociada dos contextos em que se realiza e como sendo uma empreitada de investigador(es) localizado(s), pertencente(s) a uma comunidade. Além disso considera que a investigação trata de processos de socialização e de adaptação social. DISCURSOS SOBRE CONHECIMENTO E MODOS DE CONHECER FUNDAMENTOS PARA A PESQUISA EDUCATIVA • O questionamento ao positivismo/empirismo como referência para explicar e estudar as ciências, particularmente, as ciências naturais, abre caminho para modelos de investigação baseados na interpretação e na busca de significados, em contextos específicos, próprios para as ciências humanas. A idéia de que o conhecimento aporta características como a subjetividade e que é histórica e socialmente localizado em lugar de tomá-lo como universal, unitário e racional, favorece uma concepção hermenêutuca/interpretativa tomada como mais apropriada à investigação em ciências humanas. Essa mudança de referência amplia as possibilidades de investigação em educação. O ensino também deixa de ser uma atividade compreendida segundo critérios absolutos de racionalidade e universalidade de uma perspectiva epistemológica positivista amplamente utilizados para estudos de fenômenos das ciências naturais. Passa a ser entendido, por muitos autores, também como uma atividade socialmente construída. DISCURSOS SOBRE CONHECIMENTO E MODOS DE CONHECER FUNDAMENTOS PARA A PESQUISA EDUCATIVA 3. Se as perspectivas, nomeadas na literatura como positivista e interpretativa, constituem-se pilares para a investigação educativa esta se permite ir ainda mais além, propondo uma teoria crítica. Crítica no sentido dado por Habermas (1987), referindo-se à detecção das crenças e práticas que limitam a liberdade humana, a justiça e a democracia (Moral, 1998). Desenvolve-se aí uma linha de compreensão de que o conhecimento não sendo objetivo, nem neutro e sendo produzido de forma socialmente localizada, tanto a produção como o uso podem orientar-se na perspectiva de um dos dois interesses sociais em conflito: para a emancipação e mudança das condições de vida ou para a opressão e conservação dessas mesmas condições de vida. Tradições da investigação educativa • McCutcheon (1993) sugere três tradições para categorizar a investigação educativa levando em conta compreensões sobre natureza do conhecimento e modo como ele é adquirido não como elementos discretos mas como lados de um triângulo: Tradições da investigação educativa Tradição de investigação Características Positivista Esforço por conseguir leis que facilitem ações previsíveis e controláveis Usa o método hipotético-dedutivo para explicar fenômenos educativos Fenomenológica / Interpretativa Busca a compreensão das perspectivas particulares Uso de etnografias e estudos de casos Vê práticas educativas dotadas de significado e intenção Crítica Interesse na independência e sensibilização das pessoas Valoriza a análise crítica do contexto, das relações e ações nele realizadas bem como das causas e conseqüências dessas ações.