Doença de Pompe Antônio Valderico Bruno Cantarelli Cecília Esteves Juliano Carvalho Luciene Carvalho Definição A doença de Pompe é uma doença de depósito lisossômico (DDL) causada pela atividade insuficiente da alfa-glicosidase-ácida e consiste em um distúrbio autossômicorecessivo de penetração variável. A deficiência enzimática resulta no acúmulo do glicogênio nos lisossomos dentro dos vários tipos de células e tecidos. Eventualmente, isto leva a disfunções ou danos celulares, particularmente nos tecidos musculares cardíaco, respiratório e esquelético. Epidemiologia A incidência total é estimada em 1:40.000 nascidos vivos, sendo a forma infantil menos freqüente (1:138.000) que a forma tardia (1:57.000). A prevalência mundial encontra-se entre 5.000 e 10.000 casos, por extrapolação. Brasil Hoje no Brasil já foram identificados 23 pacientes com a doença de Pompe. Estima-se que possam existir no país, de 1.000 a 3.500 pacientes com doença. Duas formas: infantil e tardia. A doença pode ser classificada com base na idade do surgimento dos primeiros sintomas (antes ou depois dos 12 meses de vida) e pela presença ou ausência de cardiomiopatia. Estima-se que aproximadamente um terço dos pacientes com a doença de Pompe apresentem a forma infantil, que é rapidamente fatal, enquanto a maior parte dos pacientes apresenta a forma tardia, cujo progresso é mais lento. Glicogênio É um polímero de glicose ramificado (uma ramificação a cada oito a dez unidades) e de alto peso molecular; Maioria das ligações é alfa-1,4, no entanto, há ligações glicosídicas do tipo alfa1,6 responsáveis pelas ramificações;; A formação deste polímero permite a acumulação de glicose nas células sem aumentar a pressão osmótica dentro destas. Abundante no fígado e músculo. Importância: O glicogênio hepático é degradado no intervalo das refeições mantendo constante o nível de glicose no sangue ao mesmo tempo em que fornecem este metabólito as outras células do organismo. O glicogênio muscular, ao contrário, só forma glicose para a contração muscular. Doença de Pompe É causada pela carência da enzima α-glicosidase ácida. Carência da α-glicosidase ácida Acúmulo de glicogênio intralisossomal Manifestações clínicas (fraqueza muscular) Lisossomos tornam-se grandes e se fundem Perda da arquitetura celular α-Glicosidase Ácida É uma glicoproteína. Possui 952 aminoácidos. Gene localizado no cromossomo 17q25. Sua síntese é extremamente importância para as manifestações clinicas da doença. Defeitos na produção da enzima é que leva à doença (mudança na sequência de aminoácidos, modificação na estrutura da molécula e defeitos no transporte para o lisossomo). Mais de 200 mutações já foram descritas no gene da α-glicosidase ácida . Mutações que bloqueiam passos necessários para a síntese, maturação e transporte intracelular da αglicosidase ácida . - c.-32-13T>G (IVS1) => redução de 80-90% da enzima devido a um splicing anormal. - Gli309Arg => Perda total da α-glicosidase ácida . α-glicosidase ácida passa pelas modificações próprias e alcança os lisossomos? SIM NÃO Baixa taxa de catálise Função catalítica completamente perdida Fisiopatologia Celular Ataca vários tipos celulares, principalmente músculo esquelético e cardíaco. O grau de acometimento varia de acordo com o tipo celular. Progresso da doença: - Lisossomos formam grandes esferas, que se fundem. - Lagos de glicogênio são formados. - Ocorre fragmentação das miofibrilas. - Mitocôndrias anormais são vistas. Célula fica completamente cheia de glicogênio e “entulhos” Arquitetura celular é perdida Célula fica túrgida devido ao influxo de água Perda da contratilidade Perda de massa muscular Miocardiopatia hipertrófica Atividade Enzimática Diferentes mutações no mesmo gene causa os diferentes fenótipos da doença O estoque de glicogênio inicia quando a atividade da α-glicosidase ácida está abaixo de 25%. 20% 100% (100% + 20%) / 2 60% de atividade enzimática 100% 100% 100% 50% 0% 20% 0% 50% 10% Doença de Pompe é uma doença AUTOSSÔMICA RECESSIVA Variabilidade Fenotípica O Fenótipo do paciente depende: - Taxa de atividade enzimática. Controle da concentração citoplasmática de glicogênio (controle da síntese e degradação do açúcar). - Dieta e exercício físico. Fatores secundários ( carga genética individual, fatores ambientais, etc) Atividade da α-glicosidase ácida FENÓTIPO Quanto menor a atividade residual enzimática, maior será a gravidade da doença. Doentes com a doença de Pompe Clássica não possuem mais que 2% de atividade catalítica. Carga genética do invíduo Fatores secundários Organização celular Dieta e exercício Sinais e Sintomas Classificação Infantil x Tardia; Clássica x Não-Clássica; - Início Clássico Infantil; - Início Não-Clássico infantil; - Início infanto-juvenil; - Início adulto. Forma Clássica Manifestações Clínicas Músculo-Esquelético: - Fraqueza muscular progressiva; - Hipotonia profunda; - Flacidez (“bebê-depano”); - Falta de firmeza no pescoço; - Insuficiente desenvolvimento motor; - Macroglossia; - Arreflexia. Manifestações Clínicas Cardio-Respiratório: - Fraqueza respiratória progressiva, insuficiência respiratória ; - Infecções respiratórias frequentes; - Cardiomegalia (massiva); Gastrointestinal: - Dificuldade de engolir, mamar e/ou alimentar-se; - Hepatomegalia; - Falhas no desenvolvimento Manifestações Clínicas Van den Hout 2003: 133 casos Primeiros sintomas aparecem: 1,6 mês; Primeira hospitalização: 3,5 meses; Diagnóstico: 5 meses; Morte: 6,5 meses 98% estavam mortos até 1,5 ano. Forma Não-Clássica Manifestações Clínicas Fraqueza muscular progressiva; Marcha instável, na ponta dos pés, quedas frequentes; Dores na parte inferior das costas; Reflexos profundos do tendão reduzidos; Dificuldades para subir escadas; Escápula alada; Lordose, escoliose; Dores de cabeça matinais; Sonolência diurna. Manifestações Clínicas Insuficiência respiratória; Ortopnéia; Apnéia do sono; Dispnéia por esforço, intolerância ao exercício; Infecções respiratórias; Dificuldades na alimentação; Dificuldade para mastigar e engolir; Hepatomegalia; Sinal de Gower. CLINICAL PRESENTATION História Natural 47,6 50 45 Median Age (Years) 40 41,4 36,3 41,4 36,9 37,7 34,7 35,7 35 30,0 30 27,9 25 20 15 10 5 0 Symptom Onset Diagnosis Late-onset (Mellies) n=20 Mellies U, et al. Neurology. 2001;57:1290-1295. Data on file, Genzyme Corporation. Ventilator Support Late-onset (Genzyme) n=15 Wheelchair Use LOPOS (Genzyme) n=58 CLINICAL PRESENTATION Qualidade de Vida Mental Health Measures Physical Health Measures Quality of Life (mean SF-36) 90 83 82 80 79 75 71 71 70 68 70 60 51 50 80 76 76 68 52 50 40 30 26 20 10 0 Physical Functioning Role Functioning - Physical Bodily Pain Dutch Patients (n=51) Hagemans MLC, et al. Neurology. 2004;63:1688-1692. General Health Vitality Social Functioning Role Functioning Mental Health - Emotional Dutch General Population (n=1742) Diagnóstico Diagnóstico Química Clínica: - Creatina quinase (CK); - ALT e AST - LDH (Lactato desidrogenase) Imagem: - Raios-X - US - RM Diagnóstico Função Cardíaca: - Ecocardiograma; - Eletrocardiograma Função Pulmonar: - Espirometria Músculos: - Eletromiografia (EMG) - Biópsia Diagnóstico Dosagem enzimática: - Forma clássica: < 1% - Forma Juvenil: 1 – 10% - Forma Adulta: 5 – 30% Avaliada em linfócitos, fibroblastos ou na biópsia muscular Avaliação Genética Diagnóstico pré-natal: células amnióticas ou do vilo coriônico Insuficiência respiratória na doença de Pompe Fraqueza nos músculos do sistema respiratório é uma das manifestações mais importantes Inicialmente pode interferir no sono, o que pode interferir na qualidade do sono e até da vida do paciente Com o avançar, pode afetar respiração durante o dia, e se tornar fatal se não tratada Comum a procura após descompensar e desenvolver cor pulmonale Ainda hoje não recebe atenção adequada Aspectos específicos Forma clássica infantil: – Fraqueza geral acomete músculos respiratórios – Função pulmonar é prejudicada por cardiomiopatia (reduz a capacidade vital) e leva a compressão da árvore brônquica -> pneumonias – Distúrbios respiratórios constituem os 1os sintomas: 30-40% dos casos Aspectos específicos Forma tardia: – Fraqueza do diafragma -> muito comum na doença de Pompe, rara em outras – Ortopnéia é típica no avanço da doença e deve ser observada – Cor pulmonale secundário à hipoventilação crônica, percebido por edema de membros inferiores – Espirometria na posição sentada e deitada: se deitada a CV cai mais que 20% do valor inicial, fraqueza do diafragma é constatada – Deitado diafragma desloca cranialmente, por isso dificulta em achado de RX Conseqüência da fraqueza para o fluxo de ar Alterações durante o sono iniciam antes das manifestações durante o dia Quando CV cai abaixo de 40% deitado, concentração de CO2 acima de 50% pode ser observada Ronco, apnéia, dor de cabeça pela manhã e sono são os principais sintomas Diagnóstico geralmente é tardio, pois paciente ainda apresenta força nos músculos periféricos. Evolução da fraqueza Varia de acordo com o paciente Algumas regras se aplicam à maioria – Intervalo de cerca de 9 anos entre o primeiro sinal de falência muscular e os primeiros sinais de dispnéia; mais 2 anos entre esses sinais e necessidade de apoio ventilatório (forma tardia) – Há relação com a distancia que a pessoa aguenta andar e a CV Avaliação da fraqueza nos músculos do sistema respiratório Função pulmonar Espirometria é o principal método de avaliação, com vantagem de ser de fácil realização A medida da IVC – capacidade vital inspiratória promove avaliação precisa da função respiratória e pode prever distúrbios ventilatórios com alta probabilidade Há relatos entre os achados na espirometria com a severidade dos distúrbios no sono Pode ajudar na decisão de necessidade ou não de outro exame (ex. polissonografia) Medida do volume expiratório forçado em 1 segundo ajuda no diagnóstico de obstrução respiratória Medida de pico de fluxo na tosse -> níveis abaixo de 160l/min pode prejudicar eliminação de muco Função da musculatura respiratória – Medida da PImax, PEmax – Distensão dos músculos respiratórios Medidas importantes durante o curso da doença afim de reconhecer uma diminuição na função respiratória Conduta na insuficiência respiratória Fundamentalmente baseada em: – Tratamento da fraqueza dos músculos inspiratórios – Tratamento da fraqueza dos músculos expiratórios Ventilação não invasiva Embora a terapia com reposição enzimática promova um tratamento da causa, os efeitos na fraqueza muscular pode ser atrasado devido a natureza crônica da doença e da longa duração em muitos casos tardios. Permanecem com os sintomas por muito tempo antes de serem diagnosticados e o tratamento com reposição iniciado Ventilação não invasiva Inicialmente a ventilação é feita durante o sono Em caso de progressão e dependência do ventilador 24h por dia, traqueostomia se torna inevitável Infelizmente a diminuição da função pulmonar não pode ser prevenida a longo prazo Deve ser levada em conta a opinião do paciente na introdução de ventilação artificial Tem sido provado uma melhoria na qualidade de vida da pessoa devido à sono melhor e diminuição de sintomas durante o dia. Técnicas para melhorar a tosse Com a menor eliminação de muco há maior risco de infecções pulmonares e aumento de atelectasia Técnicas com pressão positiva, hiperinsuflação e posterior pressão negativa ajuda em casos com traqueostomia Ajuda de outra pessoa ou mesmo com toalhas para pressionar o abdômen e tórax, a fim de conseguir forçar mais a expiração Traqueostomia em casos mais avançados Dieta Na maioria das doenças metabólicas a dieta vem como secundária no tratamento Serve de ajuda ou tratamento paliativo Primeiro deve-se oferecer quantidades necessárias de carboidratos, proteínas, lipídeos e calorias aos pacientes Estudos indicam que há um aumento do catabolismo de proteína em pacientes jovens e adultos com a doença de Pompe – Pesquisas mostraram um aumento de 35% na taxa de degradação de proteína comparado com o grupo controle – Ao mesmo tempo a conversão de energia no repouso dos pacientes era 30-35% maior comparada com os controles saudáveis Resultando dessas pesquisas dois requisitos essenciais para nutrição adequada foi estabelecido: – Deve-se suprir níveis necessários de proteína cerca de 30% acima do indicado para respectivas faixas etárias – As dietas devem focar no suprimento maior de calorias Críticas Essas pesquisas foram realizadas em pacientes jovens ou adultos com a forma juvenil ou adulta da doença Não há dados para bebes e crianças Em um caso individual, de um garoto de 5 anos, ficou provado que a degradação era 27% maior que o normal Dieta na doença de Pompe Vários testes foram feitos sem muitos resultados significativos Atualmente foi mostrado que a força e função muscular melhoraram significativamente após 12 meses de dieta rica em proteína. Uso de L-alanina Um caso mostrou força muscular estabilizada após 5 anos de terapia com altas doses do aminoácido Porém não há dados comprobatórios da eficácia do tratamento Fisioterapia e termoterapia Embora muito recomendado, não existem muitas evidências sobre mudanças funcionais após fisioterapia Terapia respiratória tem surtido efeito positivo Elevação da temperatura aumenta metabolismo, aumentando degradação de glicogênio; mas não foi provado que a atividade da α-glucosidase depende da temperatura Terapia ocupacional é utilizada para melhorar o desempenho nas atividades diarias Caso Clínico da Doença de Pompe IGEIM 1ª consulta DATA: 31/08/2005 1. Identificação Amanda Inês dos Santos Silva, branca Data de nascimento: 31/01/94 Idade: 11 anos e 7 meses Sexo: feminino Natural: Imbimirim – PE Procedente: São Paulo – SP Mãe Maria Roseneide dos Santos Silva, 31 anos Natural: Imbimirim – PE Procedente: São Paulo – SP (em SP há +/- 10 anos) Escolaridade: 1º ano/2º grau Profissão: “do lar” Pai José Eleandro da Silva Filho, 41 anos Natural: Imbimirim – PE Procedente: São Paulo – SP Escolaridade: 8ª série/1º grau Profissão: operador de máquina 2. Fonte de encaminhamento Serviço de neuro-muscular da UNIFESP Dr.ª Marcela (médica da paciente) 3. Motivo do encaminhamento Regressão DNPM 4. HPMA Aos 3 meses, a criança apresentou episódio de vômito acompanhado por febre alta (40ºC). Mãe não investigou e houve melhora com medicação após 3-4 dias. Mãe refere que 1 ou 2 vezes por mês a criança apresentava quadros febris de origem desconhecida. Refere que a criança não ganhava peso. Com 6 meses, família veio para São Paulo e começou a investigar os episódios febris recorrentes a qualquer mudança de temperatura. Mãe refere que a criança apresentou diversas pneumonias de repetição (+ de 10 vezes). 4. HPMA Desde os 2 anos, mãe refere ter notado muitas quedas e escoriações freqüentes pelo corpo da criança. Notou que a menina ficava com astenia, apresentava dispnéia aos esforços, taquicardia. Sempre notou dificuldade dela para se alimentar (mastigação e deglutição). Dos 8 anos de idade em diante, mãe percebeu uma piora progressiva da astenia em membros inferiores, tornando-se cada vez mais difícil andar. 4. HPMA Mãe foi indicada a ir na AACD para estimular a criança e iniciou terapia há + ou – 6 meses. O acompanhamento na neuro-muscular da UNIFESP começou há + ou – 3 meses. De lá, criança foi encaminhada para IGEIM. Criança fez biópsia muscular. Aprendeu a ler na 1ª série, continuou o colégio até a 5ª série e saiu, pois tinha infecções de repetição quase sempre acompanhadas por febre. Criança parece inteligente. 5. ISDA Diarréias esporádicas Alimenta-se com dificuldade Falta força para as fezes 6. AP Neonatais Nascida de parto normal Peso: 3.650g Medida: 48 cm Apresentação cefálica Teve alta com mãe Mórbidos Aos 7 anos, internada por pneumonia Pneumonias de repetição Sinusite de repetição 6. AP Neuropsicomotor Sustenta cabeça desde os 3 meses Sentou com apoio aos 4-5 meses Sentou sem apoio aos 6 meses Andou com 1 ano Falou com 1 ano Controle esfíncter aos 2 anos DNPM atual: Anda com dificuldade Fala Reconhece família Limitação muscular para independência 7. IC Vacinação em dia Comportamento apático 8. AF •Nega consangüinidade •Nega casos semelhantes na família 9. Exame Físico 21Kg de peso, 130 cm de altura Palato ogival, boca entreaberta Hipotrofia muscular do tórax e ausência de tecido adiposo Abdomen escavado Baço não palpável Extremidades afetadas e hipotrofiadas Escoliose Comentários atuais: Samira 6 anos, Matheus 12 anos e Amanda 15 anos Amanda: evolução mais lenta, diferente da Samira que evoluiu bem rapidamente (observação feita pela mãe) Matheus é portador do gene e deve fazer aconselhamento genético ao se casar Mãe desconfia que uma sobrinha dela possui a doença Amanda ficou com seqüela (pé torto) Ambas crianças possuem doença do tipo 2 Fazem tratamento de infusão de enzima (Myozyme) Terapia de reposição enzimática Pompe: doença de depósito lisossômico (DDL) Deficiência da alfa-glicosidase-ácida (enzima que degrada o gligogênio lisossômico) Amanda: Infusão de 11 frascos de Myozyme a cada 15 dias Medicamento de alto custo (prefeitura banca) Quantidade do medicamento varia de acordo com peso. Terapia de reposição enzimática Obrigado!!! Bibliografia www.genzyme.com.br/thera/pompe/br_ p_tp_thera-pompe.asp J. Pediatr. (Rio J.) vol.84 no.3 Porto Alegre May/June 2008 www.medcenter.com/Medscape http://www.pompe.com