UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO O DIREITO DE RECUSA DO PACIENTE A TRATAMENTO MÉDICO À LUZ DA BIOÉTICA E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS VIVIAN LETÍCIA ACHAR Biguaçu 2008 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO DE BIGUAÇU CURSO DE DIREITO O DIREITO DE RECUSA DO PACIENTE A TRATAMENTO MÉDICO À LUZ DA BIOÉTICA E DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS CONSTITUCIONAIS VIVIAN LETÍCIA ACHAR Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Dr. Marcos Leite Garcia Biguaçu 2008 AGRADECIMENTOS Acima de tudo ao meu Deus, responsável por minha vida, motivação, coragem e força. Ao meu orientador, Professor Marcos Leite Garcia, pelo admirável conhecimento, paciência e apoio prestados. Às minhas primas Luciana e Soraia, pela corrida à biblioteca em busca de livros e mais livros. Às minhas amigas, Raphaela e Priscila pelo companheirismo e ajuda que fizeram os últimos cinco anos ainda melhores. DEDICATÓRIA Pai, Mãe, Irmãzinhas e Cunhado, pelo simples fato de existirem e fazerem justificável também a minha existência. Bruno, que mesmo a 1.100km de distância motiva meu amor e alegria. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Biguaçu, novembro de 2008. Vivian Letícia Achar Graduanda PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Vivian Letícia Achar, sob o título “O direito de recusa do paciente a tratamento médico à luz da bioética e dos direitos fundamentais constitucionais”, foi submetida, em 13 de novembro de 2008, à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Dr. Marcos Leite Garcia, Dra. Maria da Graça dos Santos Dias, Carlos Alberto Gonçalves Luz, e aprovada. Biguaçu, novembro de 2008. Professor Dr. Marcos Leite Garcia Orientador e Presidente da Banca Professora Dra. Maria da Graça dos Santos Dias Membro da Banca Examinadora Professor Carlos Alberto Gonçalves Luz Membro da Banca Examinadora i SUMÁRIO RESUMO ........................................................................................... III ABSTRACT .......................................................................................IV INTRODUÇÃO.................................................................................... 5 CAPÍTULO 1....................................................................................... 7 DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS EM FACE À NOVA ERA DE DIREITOS ..................................................................................... 7 1.1 CONCEITO E FINALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS .................... 7 1.1.1 PROBLEMÁTICA CONCEITUAL ............................................................................ 7 1.1.2 FINDALIDADE ................................................................................................... 8 1.1.3 CARACTERÍSTICAS BÁSICAS ............................................................................ 10 1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ...................... 11 1.2.1 PRECEDENTES PRÉ-HISTÓRICOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ......................... 11 1.2.2 ANTECEDENTES DAS DECLARAÇÕES DE DIREITOS ............................................. 14 1.2.3 DAS DECLARAÇÕES E CONSTITUCIONALIZAÇÃO DE DIREITOS.............................. 15 1.2.4 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO .............. 17 1.2.4.1 Acensões e retrocessos no constitucionalizar pátrio......................... 17 1.2.4.2 Os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988.............. 20 1.3 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB A METÓDICA DIMENSIONAL .................................................................................................... 23 1.3.1 CRÍTICAS À SUBDIVISÃO GERACIONAL DE DIREITOS ........................................... 24 1.3.2 GERAÇÕES DE DIREITOS ................................................................................. 26 CAPÍTULO 2..................................................................................... 31 OS DIREITOS DO PACIENTE À LUZ DA BIOÉTICA ...................... 31 2.1 BIOÉTICA: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PERSPECTIVAS ........................... 31 2.1.1 OS DIREITOS DO PACIENTE .............................................................................. 36 2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA BIOÉTICA............................................. 38 2.2.1 PRINCÍPIO DA AUTONOMIA ............................................................................... 39 2.2.2 PRINCÍPIOS DA BENEFICÊNCIA E DA NÃO-MALEFICÊNCIA .................................... 49 2.2.3 PRINCÍPIO DA JUSTIÇA .................................................................................... 57 ii CAPÍTULO 3..................................................................................... 59 OS DIREITOS DO PACIENTE E A ESCOLHA DE TRATAMENTO MÉDICO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL............................. 59 3.1 DIREITO À LIBERDADE INDIVIDUAL .......................................................... 59 3.1.1 LIBERDADE E LEGALIDADE .............................................................................. 61 3.1.2 LIBERDADE RELIGIOSA .................................................................................... 64 3.2 DIREITO À VIDA............................................................................................ 68 3.2.1 O DIREITO À VIDA: SOB O ENFOQUE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ............. 69 3.2.2 O DIREITO À VIDA PRIVADA .............................................................................. 74 3.2.3 O DIREITO À VIDA E À RECUSA ESCLARECIDA: NÃO APOLOGIA AO DIREITO DE MORRER ................................................................................................................ 75 3.3 PROTEÇÃO À INCOLUMIDADE DA CLASSE MÉDICA .............................. 77 3.4 POSSÍVEL CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................. 79 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................. 84 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ........................................ 87 iii RESUMO O presente estudo tem por objetivo analisar os Direitos do Paciente em recusar determinados tratamentos médicos que impute inconvenientes, quer à sua saúde física quer ao seu bem estar moral. Tal questão imprescinde a análise em especial de dois direitos fundamentais diretamente envolvidos: a vida e a liberdade. Outrossim, a aniquilação da situação conflituosa que se instaura nesta relação entre médicos e pacientes conta hoje ainda com outra disciplina, a Bioética, empenhada em regular as situações éticas envoltas às ciências médicas e jurídica. Para tal, o trabalho foi elaborado sob o método dedutivo de pesquisa e divide-se em três capítulos: o primeiro analisa a generalidade e evolução dos direitos fundamentais até que se chegue aos direitos do paciente com os quais se preocupa a Bioética. O segundo destina-se a aprofundar o estudo sobre o direito de recusa com base nos princípios bioéticos e, ainda, avaliar se há possibilidade deste direito do paciente ser suprimido. O terceiro, por fim, pretende demonstrar se à luz dos direitos fundamentais constitucionais, teria o paciente direito de exercer sua recusa. Palavras-chaves: direitos do paciente, bioética, direitos fundamentais. iv ABSTRACT The present study has as objective to analyze the rights of the patient in refusing some medical treatments that impute inconveniences to the patient’s health, desires or well-being. The analysis of two basic rights involved in such question is essential: the right to life and the right to freedom. Likewise, the bioethics is still another discipline engaged in alleviating the discordant situation that arises between doctors and patients; it is interested in regulating the ethical situations in which both, medical and legal sciences, are involved. For such, the work was elaborated under the deductive method of researching and it is divided into three chapters: the first one analyzes the generality and the evolution of the basic rights until it arrives as the rights of the patient, which is one of the main concerns of bioethics. The second one intends to scrutinize the refusal right on the basis of bioethics’ principles, and if exists the possibility of suppressing patient’s rights. Third, it intends to demonstrate, on the light of the basic constitutional rights, if it is possible for the patient to exert its right to refusal a medical treatment. Key words: patients’ rights, bioethics, fundamental rights. 5 INTRODUÇÃO Freqüentemente, a classe médica depara-se com situações em que pacientes, veementemente e por diferentes – porém importantes – razões, opõem-se a determinadas intervenções médicas. É, pois, a este delicado tema que se dedica a presente obra de conclusão de Curso, à medida que se pretende analisar juridicamente os direitos dos enfermos em recusarem certas terapêuticas que julguem inconvenientes, quer física, quer moralmente. Para tal, serão verificados os direitos fundamentais de modo geral – dos quais originam-se os direitos do enfermo –, bem como princípios da Bioética, disciplina ocupada com os conflitos éticos da vida humana, tanto mais quando em questão as ciências médica e jurídica. Assim, no Capítulo Primeiro, abordar-se-á a origem e o processo evolutivo a que foram submetidos os direitos fundamentais, analisandose inclusive a existência de uma provável quarta geração de direitos de onde emerge a Bioética e, conseqüentemente, as questões envoltas aos direitos do enfermo. É, pois, à Bioética, que se dedica o Segundo Capítulo, analisando-se à luz de seus princípios – principalmente de autonomia e beneficência – se teria o paciente o direito de recusar determinadas terapias médicas às quais não deseja se submeter. Por fim, preocupa-se o Terceiro e último Capítulo em desvendar se os direitos fundamentais do homem, à vida e à liberdade, conferemlhe o direito de objeção, tanto mais quando aparentemente conflitam estes dois direitos. 6 Destaca-se, por oportuno, que o presente estudo analisa tão somente o direito de pessoas maiores, não adentrando ao cerne da questão pessoas menores e outros legalmente incapazes. Finalizando a exposição, têm-se as considerações finais, onde se esboçam as conclusões desta pesquisa e a pugna para que, cada vez menos, tenham os pacientes seus direitos suprimidos quando em questão tão preciosos valores como sua vida física e sua dignidade como expressão de sua consciência. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que foi utilizado o método dedutivo. 7 CAPÍTULO 1 DIREITOS HUMANOS FUNDAMENTAIS EM FACE À NOVA ERA DE DIREITOS Dado que a matéria objeto de análise deste estudo – os Direitos do Paciente – relaciona-se diretamente com os Direitos Fundamentais, haja vista serem mero reflexo deles e se inserirem, atualmente, no contexto dos “novos direitos”, faz-se prudente buscar, num primeiro momento, importantes pontos que permeiam os Direitos Fundamentais do Homem, a saber: sua origem, evolução, constitucionalização e perspectivas sob a nova era de direitos. É, pois, o que se pretenderá doravante. 1.1 CONCEITO E FINALIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1.1.1 Problemática Conceitual Acerca das dificuldades envolvidas em limitar os direitos fundamentais a uma simplista definição que provavelmente não os exprimiria em sua completude, declara Alexandre de Moraes: inúmeros e diferenciados são os conceitos de direitos humanos fundamentais, no que concordamos com Tupinambá Nascimento, que, ao analisar esse conceito, afirma que não é fácil a definição de direitos humanos, concluindo que qualquer tentativa pode significar resultado insatisfatório e não traduzir para o leitor, à exatidão, a especificidade de conteúdo e a abrangência (2007, p. 21). Acerca do tema, José Afonso da Silva acrescenta que a ampliação e transformação dos direitos fundamentais do homem no envolver histórico dificulta definir-lhes um conceito sintético e preciso. Aumenta essa dificuldade a circunstância de se 8 empregarem várias expressões para designá-los, tais como: direitos naturais, direitos humanos, direitos do homem, direitos individuais, direitos públicos, subjetivos, liberdades fundamentais, liberdades públicas e direitos fundamentais do homem1 (2001, p. 179). É, contudo, à expressão direitos fundamentais do homem, que confere o jurista maior adequação, porquanto “reservada para designar, no nível do direito positivo, aquelas prerrogativas e instituições que ele concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas” (SILVA, 2001, p. 182). Tratam-se, portanto, de um conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal, e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana (MORAES, 2007, p. 20). 1.1.2 Finalidade Não obstante as inúmeras definições existentes na tentativa de melhor representar os direitos fundamentais, aufere-se que, direta ou indiretamente, visam eles proteger a pessoa humana, conferindo-lhe, assim, a consagração de sua dignidade perante os poderes estatais. Assumem, por tal entendimento, caráter de direitos de defesa, sob os quais o cidadão à medida que exerce sua liberdade, impõe ao poder público a proibição de censura (CANOTILHO, 2003, p. 408). Porém, não só à limitação da potestade estatal prestam-se os direitos fundamentais, uma vez que, não raro, clamam eles pelo agir 1 Ingo Wolfgang Sarlet sustenta prudente, ainda que por meras questões didáticas, a diferenciação dos termos direitos fundamentais, direitos humanos, e direitos do homem, comumente utilizados como sinônimos. Alega, entretanto, tratarem-se, os primeiros, dos direitos do ser humano positivamos no âmbito do direito constitucional de cada Estado; os segundos, de direitos que emergem do direito internacional, e os terceiros, por fim, de direitos naturais ainda não positivados (2006, p. 35-36). 9 governamental, tal qual é o caso dos direitos de prestação, em que o indivíduo reclama à direção pública providências positivas no respeitante à saúde, à educação e à segurança social. Salienta-se, outrossim, que dentre as garantias individuais que pugnam o agir do Estado encontram-se ainda os direitos de proteção perante terceiros que atribuem ao ente público “o dever de proteger o direito à vida [de seus cidadãos] perante eventuais agressões de outros indivíduos” (CANOTILHO, 2003, p. 409). Ao melhor exprimir esta função, sustenta J. J. Gomes Canotilho: [...] da garantia constitucional de um direito resulta o dever do Estado adoptar medidas positivas destinadas a proteger o exercício dos direitos fundamentais perante actividades perturbadoras ou lesivas dos mesmos praticadas por terceiros. Daí o falar-se da função de proteção perante terceiros. Diferente do que acontece com a função de prestação, o esquema relacional não se estabelece aqui entre o titular do direito fundamental e o Estado [...] mas entre o indivíduo e outros indivíduos (2003, p. 409). Se assim não o bastasse, vai além a doutrina, mormente a norte americana, ao conferir serventia às garantias fundamentais, quando a elas atribui também a função de não discriminação, produto do princípio da igualdade, cujo objetivo é que o Estado trate os seus cidadãos como cidadãos fundamentalmente iguais. Esta função de não discriminação abrange todos os direitos. Tanto se aplica aos direitos, liberdades e garantias pessoais (ex: não discriminação em virtude de religião) [...]. É ainda com uma acentuação-radicalização da função antidiscriminatória dos direitos fundamentais que alguns grupos minoritários defendem a efectivação plena da igualdade de direitos numa sociedade multicultural e hiperinclusiva (“direitos dos homossexuais”, “direitos das mães solteiras” “direitos das pessoas portadoras de HIV”). (CANOTILHO, 2003, p. 410). 10 Ressalta-se, todavia, que os sobrepujantes encargos aos direitos fundamentais atribuídos não lhes ofusca seu âmago existencial, qual seja: “a defesa da pessoa humana e da sua dignidade perante os poderes do Estado (e de outros esquemas políticos coactivos)” (CANOTILHO, 2003, p. 407), fim a que indubitavelmente destinam-se todos os direitos do homem, como melhor se verá à frente. 1.1.3 Características Essenciais Em abordagem aos direitos fundamentais, José Afonso da Silva traz à tona importantes características que os permeiam e são responsáveis por distingui-los das demais classes de direitos. Detalhadamente, enuncia-os (2001, p. 185) como direitos imprescritíveis, porquanto não se perdem pelo decurso do tempo; irrenunciáveis, já que não passíveis de renúncia - e aí se entende o porquê, por exemplo, de serem inadmissíveis o aborto e a eutanásia; e inalienáveis, haja vista a completa impossibilidade de serem transferidos a outrem, quer a título gratuito, quer oneroso. Acrescentam-se, a estas, no entendimento de Moraes: a inviolabilidade, por não tolerarem desrespeito advindo de determinações infraconstitucionais; a universalidade, porque destinados a todos os indivíduos, sem quaisquer exceções; interdependência, uma vez que não obstante autônomos, convergem às mesmas finalidades; e, por fim, complementaridade, no sentido de que devem ser interpretados conjuntamente (2007, p. 22). Importa esclarecer, no entanto, tratar-se de rol meramente exemplificativo, porque demasiadamente simplístico a caracterizar direitos que, não bastasse de imensurável significância a seus titulares, encontram-se sob constantes variações e melhoramentos que, diretamente ou não, podem afetar suas peculiares especificações. 11 1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS 1.2.1 Precedentes pré-históricos dos Direitos Fundamentais Ao nortear no tempo o momento inicial da doutrina dos direitos humanos, Manoel Gonçalves Ferreira Filho a define como “nada mais [...] do que uma versão da doutrina do direito natural2 que já desponta da Antiguidade” (2008, p. 9). Neste passo, visando melhor precisar o momento inicial dos direitos fundamentais, a doutrina jusnaturalista fundamenta os direitos humanos em uma ordem superior universal, imutável e inderrogável. Por essa teoria, os direitos humanos fundamentais não são criação dos legisladores, tribunais ou juristas, e, conseqüentemente, não podem desaparecer da consciência dos homens (MORAES, 2007, p. 15) Certo é, no entanto, que o propósito de atribuir a um Ser Superior ou à natureza a procedência dos direitos do homem nem a todos contenta, tal qual é o caso, a título exemplificativo, de Renan Lotufo, para quem “os direitos [fundamentais] da personalidade têm natureza de direito positivo3” (2003 apud BORGES, 2005, p. 23). Sob idêntico pensar, Pontes de Miranda afirma que os direitos fundamentais da personalidade “não são impostos por ordem sobrenatural, ou natural, aos sistemas jurídicos; são efeitos de fatos jurídicos, que só se produziram nos sistemas jurídicos, quando, a certo grau evolução, a pressão política fez os sistemas jurídicos darem entrada aos 2 Ao passo que para alguns os direitos fundamentais originam-se do Direito Natural porque estabelecidos pela vontade Divina; para outros, este principiar justifica-se pela simples razão de pertencer o homem à natureza, o que, conseqüentemente, o submete às leis naturais que dela emanam (BORGES, 2005, p. 22). 3 Os positivistas, de sua parte, fundamentam a existência dos direitos humanos na ordem normativa, enquanto legítima manifestação da soberania popular. Desta forma, somente seriam direitos humanos fundamentais aqueles expressamente previstos no ordenamento jurídico positivado (MORAES, 2007, p. 15). Esta última concepção trata-se, à bem da verdade, de “uma noção estadista de direito, que [o reduz] ao fenômeno estatal legislativo” (BORGES, 2005, p.23). 12 suportes fáticos que antes ficavam de fora, na dimensão moral ou na dimensão religiosa” (MIRANDA apud BORGES, 2005, p. 24) Todavia, não obstante preserve o jurista a origem positivista das mais importantes garantias fundamentais, confessa ele a existência de “‘princípios superiores que têm de ser atendidos pelos legisladores estatais’” (MIRANDA apud BORGES, 2005, p.24), entendimento este, bem se sabe, compatível àquele esboçado pelos defensores do direito natural. Em apoio à teoria naturalista do direito e em alusão ao ensinamento de Carlos Alberto Bittar, Roxana C. B. Borges aduz que os direitos [fundamentais] da personalidade são direitos inatos, “cabendo ao Estado apenas reconhecê-los e sancioná-los, o que não significa que os direitos de personalidade sejam apenas aqueles reconhecidos pelo ordenamento. Para Bittar, os direitos de personalidade antecedem o direito positivo e dele independem, embora sua positivação possibilite uma tutela mais específica e eficaz. Entende que não é o Estado que cria os direitos, mas que estes existem na consciência popular e no direito natural, devendo o Estado reconhecê-los (2005, p. 23). Alexandre de Moraes, por sua vez e em visível admirar a ambas as teorias, sustenta inadmissível outorgar-se exclusivamente a uma delas o principiar de tão imprescindíveis direitos. Para tal, afirma o jurista: A incomparável importância dos direitos humanos fundamentais não consegue ser explicada por qualquer das teorias existentes. Na realidade, as teorias se completam, devendo coexistirem, pois somente a partir da formação de uma consciência social (teoria de Perelman4), baseada principalmente em valores fixados na crença de uma ordem superior, universal e imutável (teoria jusnaturalista, é que o legislador ou os tribunais [...] encontram substrato político e social para reconhecerem a existência de determinados direitos humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico (teoria positivista) (2007, p. 17). 4 Teoria menos difundida, que justifica a origem dos direitos fundamentais na experiência e consciência moral de um determinado povo (MORAES, 2007, p. 16). 13 A despeito de inúmeros escritos atuais pretenderem conferir aos direitos fundamentais um longínquo princípio – datando-os inclusive como antecedentes à Era Cristã –, verdade é que esta concepção não logra êxito em explicar a origem destes direitos em sua completude, como bem sustenta Sarlet: Ainda que consagrada a concepção de que não foi na antiguidade que surgiram os primeiros direitos fundamentais, não menos verdadeira é a constatação de que o mundo antigo, por meio da religião e da filosofia, nos legou algumas das ideais chaves que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente o pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis, de tal sorte que esta fase costuma também ser denominadas, consoante já ressalvado, de “pré-história” dos direitos fundamentais (2006, p. 45). Dentre os remotos ancestrais da doutrina dos direitos fundamentais citam-se a codificação de Hammurabi, por volta de 1.690 a.C (MORAES, 2007, p. 6); os Dez Mandamentos, ditados por Deus a Moisés no Monte Sinai no século XII a.C (BESTER, p. 572), e, também, o Direito Romano, que almejando limitar o poderio governamental, “criou um complexo mecanismo de interditos visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais” (MORAES, 2007, p. 6), sendo a Lei das Doze Tábuas o marco desta assertiva. Igualmente, há de se fazer referência aos estudos difundidos na Grécia sobre a lei da natureza humana e o dever de observância a ela – já que superior àquela escrita por homens –, idéia esboçada, por exemplo, na obra Antígona, do dramaturgo grego Sófocles, em que ele defende existirem normas não escritas e imutáveis, superiores aos direitos escritos pelo homem, justificativa pela qual a protagonista opõe-se à ordem Real por respeito à suprema lei divina. Não se pode estabelecer aqui, contudo, a idéia de direitos fundamentais tal qual hoje se apregoa, pela simples razão de que o ponto de vista tradicional tinha por efeito a atribuição aos indivíduos não de direitos, mas sobretudo de obrigações, a começar pela obrigação da obediência às leis, isto é, às ordens do 14 soberano. Os códigos morais e jurídicos foram, ao longo dos séculos, desde os Dez Mandamentos até as Doze Tábuas, conjuntos de regras imperativas que estabelecem obrigações para os indivíduos, não direitos (BOBBIO, 1992, p. 100-101). Tratavam-se, outrossim, de Direitos – ou meramente obrigações como pretende Bobbio – caracterizados pela vontade divina e independentes da vontade humana, que assim permaneceram por longos séculos. 1.2.2 Antecedentes das Declarações de Direitos Em estudo destinado aos Direitos Fundamentais, José Afonso da Silva afirma que foi no bojo da Idade Média que surgiram os antecedentes mais diretos das declarações de direitos (2001, p. 155). Destaca-se, neste contexto, a Carta Magna de 1215, que, em que pese tutora unicamente dos interesses dos barões e homens livres ingleses, em nada se preocupando com os não-livres, tornou-se um símbolo das liberdades públicas, vez que nela consubstanciaram-se o desenvolvimento democrático e constitucional inglês (SILVA, 2001, p. 156). Escritos posteriores, como a Petition of Rights, de 1628, o Habeas Corpus Act, de 1679, a Bill of Rights, de 1689, e o Act of Settlement, de 1701, propuseram-se a reafirmar os direitos esboçados na Carta Magna inglesa, “inclusive com a definição de garantias específicas em caso de violação dos mesmos” (FERREIRA FILHO, 2008, p. 12). É, pois, a partir daí, momento transitório entre as Idades Média e Moderna – especialmente entrementes os séculos XVI, XVII e XVIII – que se passa a uma nova concepção de Direito Natural, não mais sob a influência teológica no qual se explicava, mas sim fundado na razão (SARLET, 2006, p. 46): o Direito Natural Racionalista. Neste período, “com as mudanças que se darão no trânsito à modernidade, a pessoa reclamará sua liberdade religiosa, intelectual, política e 15 econômica, na passagem progressiva desde uma sociedade teocêntrica e estamental a uma sociedade antropocêntrica e individualista” (GARCIA, on line), formando-se, pois, a verdadeira idéia de direitos fundamentais, tal qual defendido por Gregório Peces-Barba: No se puede hablar propiamente de derechos fundamentales hasta la modernidad. Cuando afirmamos que se trata de un concepto histórico propio del mundo moderno, queremos decir que las ideas que subyacen em su raiz, la dignidad humana, la libertad o la igualdad por ejemplo, sólo se empiazan a plantear desde los derechos en un momento determinado de la cultura política y jurídica. Antes existía una idea de la dignidad, de la libertad o de la igualdad, que encontramos en autores clásicos como Platón, Aristoteles o Santo Tomás, pero éstas no se unificaban em ese concepto. [...] Esas características identificadoras del paso de la Edad Media a la Moderna no surgen de la noche a la mañana, sino que son la consecuencia de um largo proceso de evolución que as veses dura varios siglos (1995, p. 113-115)5. Chegava-se, assim, ao ponto alto do processo evolutivo de formação dos Direitos Fundamentais: as Declarações e Constitucionalizações de tão imprescindíveis direitos. 1.2.3 Das Declarações e Constitucionalização de Direitos Cita-se, dentre as primeiras Declarações e Constitucionalizações a Declaração de Direitos de Virginia, de 1776, declarante dos imperiosos direitos à vida, à liberdade, legalidade, [...]; a Declaração da 5 Em tradução livre: “Não se pode falar propriamente de direitos fundamentais até a modernidade. Quando afirmamos que se trata de um conceito histórico próprio do mundo moderno, queremos dizer que as idéias que subjazem em sua raiz, a dignidade humana, a liberdade ou a igualdade, por exemplo, só se começam a plantar desde os direitos em um momento determinado da cultura política e jurídica. Antes existia uma idéia da dignidade, da liberdade ou da igualdade, encontrada em autores clássicos como Platão, Aristóteles ou Santo Tomás, porém estes não se unificavam nesse conceito. [...] Essas características identificadoras do passo da Idade Média até à Moderna não surgem da noite para o dia, senão que são conseqüências de um longo processo de evolução que as vezes leva vários séculos para acontecer”. 16 Independência dos Estados Unidos da América, de idêntica datação, que “teve como tônica preponderante a limitação do poder estatal” (MORAES, 2007, p. 9); e, por fim, a Constituição dos Estados Unidos da América6 (1789), cujas tratativas visavam restringir a autoridade do Estado mediante a separação de poderes, ao passo que se promulgavam garantias fundamentais como a liberdade religiosa, o devido processo legal, a ampla defesa, a inviolabilidade de domicílio, dentre outras. É, contudo, à publicação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), de cunho mais universalizante, que se confere transcendental importância, haja vista que consagrou a normatização dos direitos humanos fundamentais, que foram confirmados, posteriormente, pelas Constituições francesas de 1791 e 1793, esta última cujo preâmbulo a eles aludia como sagrados e inalienáveis, e, acima de tudo, invocava aos cidadãos a necessidade de jamais se deixarem oprimir ou aviltar pela tirania, aconselhandoos a terem “sempre perante os olhos as bases de sua liberdade e de sua felicidade” (MORAES, 2007, p. 10). A expressiva evolução dos direitos fundamentais humanos mostrou-se ainda mais significativa quando do adentrar ao século XIX, à medida que os textos constitucionais destinavam títulos inteiros às garantias essenciais. Encontra-se, neste ínterim, a Constituição Portuguesa de 1822, que, qual grande marco de proclamação dos direitos individuais, estabelecia já em seu Titulo I, Capítulo único, os direitos individuais dos portugueses, consagrando, dentre outros, os seguintes direitos: igualdade, liberdade, segurança, propriedade, desapropriação somente mediante prévia e justa indenização, inviolabilidade de domicilio, livre comunicação de pensamentos, proibição de penas cruéis ou infamantes, livre acesso aos cargos 6 Ressalta-se, aqui, que o texto constitucional norte americano de 1787 não continha, originalmente, a previsão de direitos fundamentais humanos, que nele foram incluídos unicamente por força das circunstâncias, já que sua entrada em vigor dependia da ratificação dos Estados Independentes, que condicionaram sua adesão à inclusão dum rol de direitos fundamentais na Carta Americana, o que efetivamente ocorreu por meio de dez emendas aprovadas em 15 de setembro de 1789 (BREGA FILHO, 2002, p. 10). 17 públicos, inviolabilidade da comunicação e correspondência (MORAES, 2007, p. 10) Ocorre que o simples garantir de direitos fundamentais por meio de sua Constitucionalização não mais se mostrava suficiente, como bem exprimem as palavras de Vladimir Brega Filho: No início do século XX percebeu-se que a garantia dos direitos individuais não bastava, havia necessidade de garantir também o seu exercício. [...] Percebeu-se que a consagração formal dos direitos não garantia seu gozo. Havia necessidade de uma evolução dos direitos do homem e alguns fatores essa evolução. O fator social foi um dos mais importantes [...] (2002, p. 12-13). Frente a esta verdade, as Cartas legislativas do século XX principiaram a incutir nos direitos individuais até então consagrados, “fortes tendências sociais, como, por exemplo, direitos trabalhistas, [... e] efetivação da educação” (MORAES, 2007, p. 11), a fim de a eles conferir maior abrangência e aplicabilidade. E assim verifica-se ocorrido na Constituição Alemã de Weimar (1919), produto do movimento constitucionalista que instigou a ascensão do Estado Social e dedicou às garantias fundamentais cinco sessões que não se restringiram exclusivamente aos direitos individuais tradicionais, mas também “reconheceram vários direitos sociais, econômicos e culturais” (BREGA FILHO, 2002, p. 14). O reconhecimento dos direitos fundamentais não se limitou, contudo, aos ditos países desenvolvidos, sendo igualmente recepcionado pela legislação brasileira desde sua primogênita constituição, ainda que singelamente. 1.2.4 Os Direitos Fundamentais no ordenamento jurídico brasileiro 1.2.4.1 Ascensões e retrocessos no constitucionalizar pátrio Outorgada em 1824, a Constituição Política do Império expressou reconhecer garantias individuais a seus nacionais e estrangeiros 18 residentes no país quando a eles dedicou um extenso rol de direitos previstos nos trinta e cinco incisos do artigo 179, abarcados sob o título Das disposições gerais, e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros. Atribuindo à Constituição do Império significativa importância na efetivação dos Direitos Fundamentais Humanos, José Afonso da Silva sustenta que “a primeira constituição, no mundo, a subjetivar e positivar os direitos do homem, dando-lhes concreção jurídica efetiva, foi a do Império do Brasil, de 1824, anterior, portanto, à da Bélgica, de 1831, a quem se tem dado tal primazia” (SILVA, 2001, p. 174). Dela colhe-se, igualmente, o reconhecimento de direitos sociais, que nas demais positivações constitucionais fizeram-se presentes tão somente ao final do século XIX. Suas apreciáveis inovações nos direitos do homem, entretanto, viram-se limitadas pelo absolutismo governamental por ela também instituído quando da criação do Poder Moderador7, que ao passo que conferia ao monarca poderes absolutos, restringia as garantias individuais de seus cidadãos. Já a 1ª Constituição Republicana, de 24 de fevereiro de 1891, além dos tradicionais direitos e garantias individuais já consagrados pela Constituição anterior, estabeleceu tanto novos direitos, como também meios para garanti-los – dentre quais se destaca o Habeas Corpus -; estendendo-os, ainda, aos estrangeiros, até então não compreendidos pelos direitos individuais constantes do ordenamento brasileiro. Repetindo o rol de direitos individuais já estabelecidos pelas antecedentes Constituições, a Carta de 1934 inovou ao criar “um instituto desconhecido de defesa dos direitos da pessoa humana: o mandado de segurança, a ser ministrado toda vez que houvesse direito ‘certo e incontestável, 7 Poder privativo do Imperador, hierarquicamente acima dos demais poderes do Estado (Wikipedia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Poder_Moderador>. Acessado em 10 setembro 2008). 19 ameaçado ou violado por ato manifestadamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade’” (BONAVIDES apud BREGA FILHO, 2002, p. 34-35). Se assim não o bastasse, apresentou manifesto progresso também no âmbito dos direitos sociais, ao instituí-los sob o título Da ordem Econômica e Social. O retrocesso de direitos manifestou-se, todavia, na Carta Constitucional de 19378, representação vívida do totalitarismo de Getúlio Vargas, que “restringiu direitos e garantias individuais, abolindo o mandado de segurança e alijando os princípios da legalidade e irretroatividade da lei, instituiu a censura prévia e a pena de morte em casos expressamente especificados, inclusive para a subversão da ordem política e social por meios violentos e para o homicídio cometido por motivo fútil e com extremos de perversidade” (GUIMARÃRES, apud, BREGA FILHO, 2002, p. 36). Situação diversa se observa quando da Constituição de 1946, em que “ressurgiram e revigoraram-se os direitos fundamentais do homem” (BREGA FILHO, 2002, p. 37), tais quais as liberdades individuais que não poderiam ser suprimidas por autoritarismo estatal, razão pela qual se restauraram importantes institutos protetivos, como o habeas corpus, o mandado de segurança, e a ação popular. Além dos tradicionais direitos individuas já previstos nos anteriores corpos constitucionais, a Carta de 1946 conferiu destaque tanto aos direitos sociais - especialmente no respeitante às relações de emprego, visando tutelar o trabalhador dos arbítrios patronais -, como também ao âmbito político, ao prever a livre organização partidária. Mesmo sob as constantes compressões dos Atos Institucionais editados à época do Golpe Militar de 1964, mantidas foram as declarações dos direitos do homem da Constituição de 1946, até o momento em 8 Popularmente denominada A Polaca, em alusão à sua inspiração na Constituição polonesa, influenciada pelos ideais fascistas e totalitaristas (BREGA FILHO, 2002, p. 36). 20 que fora elaborada a Constituição de 1967 – posteriormente modificada pela Emenda Constitucional nº 1 de 1969 -, que, por sua vez, “não trouxe nenhuma substancial alteração formal na enumeração dos direitos humanos fundamentais” (MORAES, 2007, p. 15). 1.2.4.2 Os Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988 Inobstante os direitos já enunciados nas predecessoras Cartas Constitucionais, a atual institucionalização dos direitos fundamentais destaca-se por perceptíveis inovações do legislador constituinte. Sarlet, em apreciação à matéria, atribui à aplicabilidade dos direitos fundamentais o mais expressivo progresso do ordenamento jurídico pátrio, ao assegurar que talvez a inovação mais significativa tenha sido a do art. 5º, §1º, da CF, de acordo com o qual as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais possuem aplicabilidade imediata, excluindo, em princípio, o cunho programático9 destes preceitos, conquanto não exista consenso a respeito do alcance deste dispositivo (2002, p. 79). Significaria dizer, por lógico, que as normas definidoras de direitos fundamentais, uma vez constitucionalizadas, imporiam aos particulares automaticamente submissão e cumprimento, ao passo que ao Estado cominar-seia a incumbência de revesti-las de efetividade jurídica (NOVELINO, 2008, p. 255). Contudo, em aprofundado estudo, pondera Sarlet que [...] por mais sedutora que nos pareça a tese dos que propugnam, em última análise, a inexistência de normas programáticas na Constituição, com base numa exegese que integra o princípio da aplicabilidade direta dos direitos fundamentais, [...], entendemos não corresponder ela ao nosso sistema constitucional vigente. Em primeiro lugar, há de se ter em mente a circunstância, embasada na paradigmática lição de Gomes Canotilho, de que a nossa 9 Têm-se por normas programáticas aquelas cuja concretização e aplicabilidade dependam de intervenção do legislador, uma vez que, por atributos próprios, não possuem normatividade suficiente que lhes dote de imediata eficácia (SARLET, 2002, p. 275) 21 Constituição (assim como as Constituições em geral) pode ser considerada como um sistema aberto de regras e princípios. Ainda que se queira negar – e não sem certa razão a utilização da expressão “normas programáticas”, isto em nada altera o fato da existência, também na nossa Constituição vigente – em escala sem precedentes no constitucionalismo pretérito -, de normas que, em virtude de sua natureza (forma de positivação, função e finalidade), reclama uma atuação concretizadora dos órgãos estatais, especialmente do legislador, sem que, a evidência, esteja a se negar eficácia e aplicabilidade (inclusive imediata) a estas normas (2002, p. 277). À pequenas particularidades também reservou o legislador consideráveis alterações. Cita-se, por exemplo, o simples posicionar dos direitos fundamentais logo ao início do corpo constitucional – antecedidos unicamente do preâmbulo e dos princípios constitucionais -, que, conquanto aparentemente insignificante, denota que a eles conferiu-se “parâmetro hermenêutico e valores superiores de toda a ordem constitucional e jurídica” (SARLET, 2002, p. 79), situação bastante diversa das anteriores Constituições que “procuravam ofuscarlhes a importância” (FAGUNDES JÚNIOR, 2001, p. 273). Igualmente relevante apresenta-se o postar dos direitos sociais em capítulo próprio no catálogo dos direitos fundamentais, porque ao inseri-los constitucionalmente nesta categoria de direitos, assegurou-os o legislador maior eficácia e proteção estatal, tanto mais quando observado o fato de estarem, sem quaisquer exceções, sob o protetivo rol constitucional de cláusulas pétreas do artigo 60, §4º da CRFB/88, que lhes resguarda de quaisquer supressões advindas do poder Constituinte derivado. Considerada símbolo da redemocratização do Estado brasileiro intensamente assolado por décadas de assombroso autoritarismo militar, a promulgação da Constituição Federal em 1988 aspirava, ao fim e em sua totalidade, restaurar a liberdade e dignidade humana esmaecidas à época ditatorial. 22 Por esta razão e sob forte influência democrática, dedica aos direitos fundamentais a inteireza de seu Título II, composto por sete artigos, seis parágrafos e cento e nove incisos – sem aqui se contabilizarem, ainda, os diversos direitos fundamentais esparsos pelo corpo constitucional -, subdivididos em direitos individuais e coletivos (Capítulo I), sociais (Capítulo II), de nacionalidade (Capítulo III) e políticos (Capítulo IV). Instituiu-se, por intermédio deles, a autonomia e proteção à liberdade individual; o direito de exercício da liberdade de expressar-se, à reserva da intimidade, ao tratamento isonômico, à crença e a preservação da consciência, à participação política; o dever de garantir ao trabalhador aprazíveis condições empregatícias, bem como resguardá-los das arbitrariedades patronais [...]. Ainda que inumeráveis, são, em suas diversas manifestações, explicitações vívidas do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento da República Federativa Nacional, tal qual enfatiza a doutrina: [...] o princípio da dignidade da pessoa humana vem sendo considerado fundamento de todo o sistema dos direitos fundamentais, no sentido de que estes constituem exigências, concretizações e desdobramentos da dignidade da pessoa humana e que cm base nesta devem ser interpretados. Entre nós, sustentou-se recentemente que o princípio da dignidade da pessoa humana exerce papel de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais, dando-lhes unidade e coerência. [...] Neste sentido, há que se compartilhar o ponto de vista de que os direitos e garantias fundamentais (ao menos a maior parte deles) constituem garantias específicas da dignidade da pessoa humana, da qual são – em certo sentido – mero desdobramento. Em relação aos direitos fundamentais, a posição do princípio da dignidade da pessoa humana assume a feição de lex generalis, já que, quando suficiente o recurso a determinado direito fundamental (por sua vez impregnado de dignidade), inexiste razão para invocar-se autonomamente o principio da dignidade da pessoa humana, que não pode propriamente ser considerado de aplicação meramente subsidiária, até esmo pelo fato de que uma 23 agressão a determinado direito fundamental simultaneamente pode constituir ofensa ao seu conteúdo de dignidade (SARLET, 2002, p. 127-128). O atrelar dos direitos fundamentais como um todo a um bem jurídico maior e inquantificável: a dignidade humana, também confere à Carta Constitucional atual considerável destaque, pois, pela primeira vez, outorgou aos direitos fundamentais a merecida relevância e reconhecimento, até então não obtidos ao longo de toda a evolução constitucional pátria, ainda que constassem nas anteriores Constituições singelas previsões de direitos essenciais (SARLET, 2006, p. 75). Distingue-se, ainda, a nova ordem Constitucional, por corporificar direitos fundamentais emergidos de toda a tríade geracional – direitos individuais, coletivos e de solidariedade -, como bem se verá. 1.3 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOB A METÓDICA DIMENSIONAL Uma vez reconhecidos nas primeiras Cartas Constitucionais ao longo de sua evolução, tanto na esfera internacional quanto no ordenamento jurídico interno, os direitos fundamentais submeteram-se a diversas mutações históricas que influenciavam sua formação e os moldavam aos pensamentos filosóficos da época (SARLET, 2006, p. 54). Não emergem de um único momento histórico, tal qual defende Bobbio ao argumentar que [...] os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas (1992, p. 5). Suas constantes transformações os levaram a ser classificados por considerável parte da doutrina em consonância às dimensões do 24 momento em que surgiam, razão pela qual são comumente classificados em direitos de primeira, segunda, terceira e, ainda para alguns, de quarta geração. 1.3.1 Críticas à subdivisão geracional de direitos Inúmeros juristas, dentre os quais Aldir Guedes Soriano, insurgem-se, todavia, face à divisibilidade acima proposta, contestando-a por apregoar que [...] conforme acentua Carlos Weis, não há uma sucessão de direitos, erroneamente induzida pela idéia de gerações de direitos. Destarte, essa classificação, segundo as gerações de direitos, encontra-se, atualmente, superada pela doutrina, pois não corresponde à realidade, à ordem em que surgiram tais direitos; e, tampouco, os direitos mais recentes sucedem os mais antigos (2002, p. 6). O postar de renomados doutrinadores neste entendimento justifica-se no fato de que o critério divisional dos direitos em gerações temporais não logra êxito em explicar plena e satisfatoriamente o surgimento e evolução deles, porquanto os limita a uma sucessão cronológica histórica que “sugere a perda de relevância e até a substituição dos direitos das primeiras gerações” (CANOTILHO, 2003, p. 386). Sarlet, por sua vez, em que pese compartilhador do ideal de desvincular a origem dos direitos fundamentais de características peculiares de certas épocas, confere às gerações de direitos importante função, uma vez que “marcam a evolução do processo de reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais [e] revelam que estes constituem categoria materialmente aberta e mutável” (2006, p. 62). Prudente esclarecer, entretanto e em resguardo à sistematização dos direitos fundamentais em dimensões históricas como a aqui proposta, que os direitos constantes das gerações que emergiam – e, ressalta-se, ainda emergem, porquanto não estagnadas no tempo – não substituem seus antecedentes, de modo que são direitos que convivem entre si, consoante leciona 25 Paulo Bonavides ao exprimir que “os direitos fundamentais passaram na ordem institucional a manifestar-se em três gerações sucessivas, que traduzem sem dúvida um processo cumulativo quantitativo (BONAVIDES, 2007, p. 563). E assim também professa Flávia Piovesan, ao aduzir que “partindo-se do critério metodológico, que classifica os direitos humanos em gerações, adota-se o entendimento de que uma geração de direitos não substitui outra, mas com ela interage. Isto e, afasta-se a idéia de sucessão ‘geracional’ de direitos, na medida em que se acolhe a idéia de expansão, cumulação e fortalecimento dos direitos humanos consagrados, todos essencialmente complementares e em constante dinâmica de interação” (apud BREGA FILHO, 2002, p. 26). Salienta-se, deste modo, que as diferentes gerações que se manifestavam ao longo dos anos pretendiam, aos olhos da realidade, não apenas criar novos direitos, mas sim discernir nos já existentes novas perspectivas funcionais. Diz-se, por esta razão, que inobstante a classificação que se lhes atribui - se de primeira, segunda, ou inumerável geração -, e, ainda, em favor de quem são eles destinados; verdade é que acima de quaisquer outros objetivos, visam eles “sempre a proteção da vida, da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana” (SARLET, 2006, p. 64). Vladimir Brega Filho, ao passo que reconhece a deficiência e incompletude da teoria geracional de direitos, defende-a sob o argumento de que a classificação histórica dos direitos fundamentais demonstra como foi difícil a conquista desses direitos. Os direitos fundamentais foram e ainda são muito desrespeitados e talvez a lembrança dessa história os valorize mais. Por fim, conclui: [...] embora critiquem a referência às gerações, todos os autores brasileiros e estrangeiros fazem referência a esta classificação histórica, numa demonstração inequívoca de sua importância. [...] 26 Assim, mesmo sendo razoáveis as críticas à expressão gerações, não há porque não classificarmos os direitos fundamentais a partir de seu aspecto histórico. 1.3.2 Gerações de Direitos Doutrinária e consensualmente subdividos em três gerações de direitos, derivam, os de primeira dimensão, do pensamento liberal-burguês do século XVIII, e relacionam-se à esfera pessoal do indivíduo e à busca da liberdade. São também denominados direitos de defesa e direitos públicos (BREGA FILHO, 2002, p. 22), cujo propósito concentra-se na limitação do poder estatal, e, por esta razão, vigoram quais direitos de oposição ao Estado (BONAVIDES, 2007, p. 563). Em memorável definição, Sarlet os apresenta [...] como direitos de cunho “negativo”, uma vez que dirigidos a uma abstenção, e não a uma conduta positiva por parte dos poderes públicos, sendo, neste sentido, “direitos de resistência ou oposição perante o Estado”. Assumem particular relevo no rol destes direitos, especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direito à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei. São, posteriormente, complementados por um leque de liberdades, incluindo as assim denominadas liberdades de expressão coletiva [...] e pelos direitos de participação política. [...] Em suma, como relembra P. Bonavides, cuida-se dos assim chamados direitos civis e políticos, que, em sua maioria, corresponde à fase inicial do constitucionalismo ocidental, mas que continuam a integrar os catálogos das Constituições no limiar do terceiro milênio [...]. (SARLET, 2006, p. 56). Bem se sabe, entretanto, que a mera previsão de direitos fundamentais, ainda que acompanhada da constitucionalização destes, em nada se mostraria eficaz se não fossem criados meios garantidores de seu exercício, 27 necessidade esta ainda mais percebida frente aos abalos sociais e econômicos que acompanhavam os movimentos impulsores do desenvolvimento industrial do século XIX, donde emergiam lutas reivindicatórias pelo reconhecimento e efetivação dos direitos do homem, criando-se, enfim, a “dimensão da igualdade” (PEREIRA E SILVA, 2003, p. 21). Eis aí o porquê, como bem apregoa parte da doutrina, “foram definidos e assegurados os direitos sociais, econômicos e culturais” (BREGA FILHO, 2002, p. 22) - ditos direitos fundamentais de segunda geração -, a fim de se garantir condições razoáveis a todos os homens para o exercícios dos direitos individuais. Haveria uma complementação entre as liberdades públicas e os direitos sociais, “pois estes últimos buscavam assegurar as condições para o pleno exercício dos primeiros, eliminando ou atenuando os impedimentos ao pleno uso das capacidades humanas” (BREGA FILHO, 2002, p. 23) O ponto distintivo entre ambas as gerações de direitos reside, basicamente, na dimensão positiva dos últimos, haja vista que ao passo que os direitos de primeira geração clamam um não agir Estatal, para que não interfira ele nas prerrogativas individuais de seus cidadãos, os de segunda dimensão pugnam por uma ação positiva do Estado, para que outorgue ao indivíduo direitos a prestações sociais (WOLKMER, 2003, p. 8) e à igualdade. Em abordagem aos direitos de segunda geração, distinguindo-os em relação aos de primeira, Sarlet alega não mais se tratarem “de liberdade do e perante o Estado, e sim de liberdade por intermédio do Estado” (2006, p. 57). Cumpre afirmar, contudo, errônea a tentativa de vincular à segunda geração tão somente direitos de cunho positivo prestacional, porquanto engloba ela ampla gama de direitos que transpassam a obrigação provisional do Estado para com os seus. Somam-se a essa classe de direitos, neste sentido, as ditas liberdades sociais, que conferem ao homem o reconhecimento de garantias 28 fundamentais relacionados ao trabalho, como o direito à greve, sindicalização, remuneração, limitação de jornada, dentre outros. As duas primeiras dimensões de direitos, a despeito das inúmeras e significativas diferenças que as acompanham, conservam em si idêntica destinação, a saber: a pessoa individual humana, aspecto este que, não obstante ponto unificador da primeira e segunda dimensão de direitos, as aparta da terceira, reconhecida pelos direitos de solidariedade que transcendem a esfera individual do homem, “destinando-se à proteção de grupos-humanos” (SARLET, 2006, p. 58). São estes últimos, a bem da verdade, direitos metaindividuais10, coletivos e difusos, destinados à proteção de grupos de pessoas (famílias, povos e nações), em que pese também regularem relações entre indivíduos e Estado (WOLKMER, 2003, p. 8). Consoante Brega Filho, neles se incluem “o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o direito ao meio ambiente equilibrado, o direito ao patrimônio comum da humanidade e o direito à autodeterminação dos povos” (2002, p. 23). Propugna parte da doutrina, ainda, adentrarem à terceira esfera de direitos os concernentes aos direitos do paciente, às manipulações genéticas, à modificação de sexo, à garantia de morrer dignamente; tratativas essas que, para outros, ocupam o rol de direitos de quarta dimensão, tal qual defende Antônio Carlos Wolkmer, que nesta alicerça o principiar dos novos direitos, “referentes a biotecnologia, à bioética e à regulação da engenharia genética” que “têm vinculação direta com a vida humana” (2003, p. 12). 10 Caracterizados pela indeterminação do número de titulares dos interesses, os direitos metaindividuais dividem-se em direitos difusos e coletivos. Os primeiros, “baseiam-se exclusivamente sobre dados de fato, genéricos e contingentes, acidentais e mutáveis, como habitar a mesma região, consumir iguais produtos, sujeitar-se a determinadas circunstâncias sócio-econômicas [...]. A indeterminação [...], aqui, é muito grande e, por isso, os interesses espalham-se por tudo um grupo social. [...] Enquanto em relação aos direitos difusos é difícil estabelecer a titularidade, no caso dos direitos coletivos tal determinação é mais fácil: é o caso dos interesses comuns no seio de entidades profissionais, de sindicatos [...]” (SAUWEN; HRYNIEWICZ, 2008, p. 66). 29 É, pois, aos ditos novos direitos11 de quarta geração12, que presta este estudo maior atenção, vez que abarcam, dentre tantas outras temáticas, também os conflitos que despontam entre a medicina e o direito, acerca das mais íntimas questões atreladas ao ser humano: a vida e a morte. Ao passo que traz à baila discussões sobre o aborto, a troca de sexo, a recusa de tratamentos médicos, dentre outros; a quarta geração de direitos, pretendendo salvaguardar a dignidade da pessoa humana, tem por amparo, hodiernamente, a Bioética, mecanismo interdisciplinar que visa “fazer entender os valores éticos, na medida em que questiona o respeito à dignidade humana, em meio ao progresso das ciências” (HRYNIEWICS; SAUWEN; 2008, p.8). Propõem-se, à Bioética, temas como a reprodução humana, a engenharia genética, a contracepção, os transplantes, as cirurgias intra-uterinas, a eutanásia, o transplante de órgãos, o transexualismo, o aborto, além de outros, como a relação médico-paciente, a regulamentação sobre pesquisas com seres humanos (HRYNIEWICS; SAUWEN; 2008, p.10-11). Ocupa-se, portanto, com questões constantemente debatidas no âmbito dos tribunais: desde celeumas sobre o princípio e o fim da vida e pesquisas científicas com seres-humanos, como também questões cotidiandas da prática médica afetas ao relacionamento entre médicos e pacientes, que a despeito de aparentemente simplistas, ocultam em si acalorados conflitos que põem sob ameaça os Direitos do Paciente, à cuja proteção destinase também a bioética e aos quais dedica este estudo maior consideração. Dentre as relações entre médicos e pacientes, destaca-se, por demasiadamente conflituosa, a insurgência de pacientes contra determinadas 11 É de se esclarecer, por oportuno, que a admissão de uma nova era de direitos - quarta geração no presente estudo não pretende degradar ou desprestigiar a fundamentalidade dos direitos, risco contra o que adverte Perez Luño (SARLET, 2006, p. 63). 12 Em que pese a não unanimidade doutrinária quanto à que classe de direitos – se terceira ou quarta geração - pertenceriam aqueles relativos à bioética, serão eles aqui abordados como direitos de quarta geração, haja vista sua direta vinculação à ética e à vida humana, conforme sugere Antônio Carlos Wolkmer (2003, p. 12). 30 terapias, muitas vezes acompanha de opções por tratamentos diversos daquele a ele ofertado. Proposição em muito controvertida no âmbito dos tribunais, o direito de opção do paciente carece minuciosa análise de princípios norteadores da bioética, ainda não positivados, e que não obstante suscitada nos pólos de discussões dos ditos novos direitos, imprescinde especialmente a consideração de direitos fundamentais das primeiras gerações, a saber: a vida, a liberdade. 31 CAPÍTULO 2 OS DIREITOS DO PACIENTE À LUZ DA BIOÉTICA 2.1 BIOÉTICA: EVOLUÇÃO, CONCEITO E PERSPECTIVAS As atrocidades há seis décadas praticadas por médicos nazistas em experiências desumanas que marcaram o mal e desastroso uso da Medicina e da biociência; as experiências realizadas por japoneses com seus prisioneiros de guerra, e ainda outras barbáries, evidenciavam que arraigadas à evolução médico-científica encontravam-se constantes violações aos direitos fundamentais do homem. Tais necessidade de abusos construção de alertavam parâmetros a humanidade éticos que acerca da vinculassem o desenvolvimento científico à proteção do homem, tal qual pretendia o Código de Nuremberg13, considerado “o primeiro indicador de cunho universal da necessidade de aliar a pesquisa cientifica ao respeito pelo ser humano” (SAUWEN; HRYNIWICZ, 2008, p. 24). Paralelamente, as reivindicações de pacientes que buscavam o porquê dos procedimentos terapêuticos a que eram submetidos e pugnavam por autonomia ao passo que se insurgiam contra o paternalismo médico (BARRETTO, 2003, p. 398) proposto antes da Era Cristã por Hipócrates14 – que argumentava prescindível o consentimento do paciente acerca das 13 Documento divulgado em 19 de agosto de 1947, juntamente às sentenças dos médicos nazistas, estabeleceu diretrizes éticas a serem observadas em pesquisas com seres humanos. Revisto em 1964 pela Organização Mundial da Saúde, deu origem à Declaração de Helsinque, que incorporou diversos elementos daquele Código. 14 Considerado o Pai da Medicina, viveu entre 460-370 a.C e tornou-se muito conhecido por seu Juramento, que firmava o compromisso da Medicina com a Vida e permaneceu como “canônico” até a Idade Média, sendo ainda hoje referência para a ciência médica. (SGRECCIA, 1996, p. 3637). Convém salientar que o juramento hipocrático, em que pese considerado por muitos a primeira formulação de um sistema normativo entre a prática médica e o respeito à vida humana (BARRETTO, 2003, p. 391), tinha ideais paternalistas por conferir ao médico amplos poderes em razão de seu conhecimento, desprezando o consentimento ou não do paciente. 32 prescrições médicas em razão de agir o médico sempre para o bem -, traziam à tona profundas mudanças nas relações médico-pacientes, e a necessidade de conferir aos últimos direitos de participação na tomada de decisões sobre seu próprio bem estar. Tratavam-se, pois, de aspectos éticos, e, assim sendo, de maior complexidade quando comparados aos problemas técnicos normalmente existentes. Surgia, neste ínterim, frente à “necessidade da reatualização da ética da vida humana” (PEREIRA SILVA, 2003, p. 295), a bioética15, considerada por Regina F. Sauwen e Severo Hryniewicz como um “elo entre a ética e o direito” (2008, p. 37), passível de inúmeras definições, como as propostas pelos mesmos juristas em alusão a renomados autores: a) “Eu proponho o termo bioética como forma de enfatizar os dois componentes mais importantes para se atingir uma nova sabedoria, que é tão desesperadamente necessária: conhecimento biológico e valores humanos” (Potter, Van Rensselaer. Bioethics: bridge to the future, 1971). b) Bioética é o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e a atenção à saúde, enquanto que esta conduta é examinada a luz dos princípios e valores morais (Reich, W. T. Encyclopedia of Bioethics, 1978). c) [...] d) “A Bioética é a pesquisa de soluções para os conflitos de valores no mundo da intervenção biomédica (Durant, G. A bioética: natureza, princípios, objetivos, 1995). e) [...] 15 Não obstante seus ideais datarem à época de elaboração do Código de Nuremberg, o termo bioética foi utilizado pela primeira vez tão somente a partir de 1970, nas obras The science of survival e Bioethics: bridge to the future, escritas pelo oncólogo Van Rensselaer Potter (SGRECCIA, 1996, p. 23). O emprego do termo à época, contudo, tratava-se de uma abordagem ao respeito à pessoa humana numa perspectiva ecológica. Inobstante ser a ecologia também temática abrangida pela bioética, foi o sentido à ela atribuído por Andre Hellegers que a aproximou do ideal atual: a bioética como ética da vida, sobretudo a vida humana (SAUWEN; HRYNIEWICZ, 2008, p. 9). 33 f) Bioética é a nova ciência ética que combina humildade, responsabilidade e uma competência interdisciplinar, intercultural e que potencializa o senso de humildade (Potter, IV Congresso Mundial de Bioética, 1998) (2008, p. 10). Ainda que relevantes as diversas concepções destinadas à Bioética, pode ela ser definida sucintamente como um estudo interdisciplinar16, ligado à ética, que investiga, na área das ciências da vida e da saúde, a totalidade das condições necessárias a uma administração responsável da vida humana em geral e da pessoa humana em particular (SAUWEN; HRYNIEWICZ, 2008, p. 13). A multidisciplinaridade que alcança denota, por óbvio, seu amplo campo de atuação, dentro do qual Adela Cortina destaca: Si quisiérmos exponer um elenco de las reinvindicaciones que diferentes grupos han presentado [...], tendríamos que mencionar, al menos, las siguientes: 1) En el âmbito de la ecologia, los derechos de las futuras generaciones a nascer em um médio ambiente mejor [...]; 2) En el campo de la ingeniería genética [...]; 3) En lo que respecto a las técnicas de reproducición asistida [...]; 4) [...] en relación com el aborti, la eutanásia, el suicidio [...]; 5) [...] derecho el de recibir órganos mediante transplante, que sustituyan a los dañados, cuando com ello es posible salvar la vida; 6) [...] en la relación personal sanitário-paciente es ya mundialmente aceptado el derecho del paciente a ser informado de cualquier tipo de experimentación que con él se quiera practicar, de cualquier tratamiento que suponga sérios riesgos para la vida o para la calidad da misma, y por supuesto a no ser interenido si no es tras haber dado 16 Justifica-se tamanha interdisciplinaridade por tratar-se de campo de estudo diretamente ligado à inúmeras e distintas ciências, como a teologia, a sociologia, a filosofia, a medicina, a biologia, ao direito [...], dos quais imprescinde amplo diálogo e conexão (SAUWEN; HRYNIEWICZ, 2008, p. 12). 34 su consentimiento por escrito o ante testigos. El consentimiento informado es uma de las vertientes médicas del principio de autonomia; 7) [...] [paciente] puede <<tener derecho>> a la verdad em caso de enfermedad irreversible; 8) [...] el possible derecho a recibir cuidados em caso de enfermedad irreversible cuando, no siendo posible la curación, si lo es cuidado y la mitigación del dolor. (1994, p. 436, [Grifouse.])17. São, pois, questões que transpõem laboratórios científicos e centros médicos e enfatizam a necessidade de que a ciência – em quaisquer de suas vertentes -, respeite ao homem, protegendo-o da reificação promovida pelo insaciável progresso do saber humano e pela desumanização da prática médica. Nesta perspectiva, advertem Regina F. Sauwen e Severo Hryniewicz que [...] respeitar a pessoa humana implica também combater toda prática que a diminua. A pessoa humana, em sua totalidade, é muito mais que um simples corpo [...]. A pessoa é também um mundo de valores e de relações: é um fim em si mesma, um centro de liberdade e complexidade que é único, indivisível e não intercambiável. Por isso a pessoa aqui possui dignidade (2008, p. 60). Bem se sabe, contudo, que a reflexão ética da vida pretendida pela Bioética depara-se, em não raras vezes, com lacunas legislativas 17 Em tradução livre da autora: “Se quisermos expor uma relação das reivindicações que diferentes grupos têm apresentado, teríamos que mencionar, pelo menos, as seguintes: 1) No âmbito da ecologia, o direito das futuras gerações a nascer num ambiente melhor [...]; 2) No campo da engenharia genética [...]; 3)No que diz respeito às técnicas de reprodução assistida [...]; 4)[...] em relação ao aborto, à eutanásia, ao suicídio [...]; 5) [...] o direito de receber órgãos mediante transplante, que substituam os danificados, quando for possível salvar a vida; 6) [...] na relação pessoal médico-paciente já é mundialmente aceitado o direito do paciente de ser informado de qualquer tipo de experiência se que queira praticar com ele e de qualquer tratamento que represente sérios riscos à vida ou à qualidade da mesma, e, certamente, a não ser operado se não houver dado seu consentimento por escrito ou na presença de testemunhas. O consentimento informado é uma das vertentes médicas do princípio da autonomia.; 7) [...] [o paciente] pode ter direito à verdade em caso de doença irreversível; 8) [...] o possível direito de receber atendimento em caso de doença irreversível quando, não sendo possível a cura, for tratável o alívio da dor”. 35 tanto em relação aos fatos novos oriundos da revolução biomédica, como à discussões clínicas cotidianas tais quais a relação médico-paciente e os direitos e deveres de ambas as classes, cujas tratativas limitam-se, muitas vezes, aos Códigos Deontológicos (de ética profissional). Eis o porquê da importância do principiar do Biodireito, que dentre os direitos de quarta geração (COAN, 2001, p. 248) se caracteriza pelo encontro da bioética com as ciências jurídicas (PIÑEIRO; SOARES, 2002, p. 7), e é por Reinaldo Pereira e Silva definido como “a compreensão do fenômeno jurídico enquanto conhecimento prático visceralmente empenhado na promoção da vida humana” (2003, p. 31), tendo por escopo pensar tanto nas normas quanto nos critérios de decisão acerca dos conflitos advindos da vasta reflexão bioética, conservando, sempre, o valor da vida e da dignidade da pessoa. Elida Séguin, relacionando bioética e biodireito, explica o nascer do último no exato momento em que a primeira, transpondo aos meros ideais de valores sob revestimento principiológico, passa a ser positivada (2005, p. 35). Ao explanar acerca da imprescindibilidade de criação de uma nova área nas ciências jurídicas, Ivo Dantas ressalta o ensinamento de Roque Junges, para quem a eficácia da Bioética sobre a vida humana encontrase atrelada à construção de um Biodireito, ainda que a formulação de leis envoltas aos conflitos com os quais se ocupa aquela seja de alta complexidade (on line, p. 20). Justifica, o jurista, a deficiência legal, “na própria dificuldade de definir vida, dignidade humana, pessoa humana que são questões metajurídicas de opção antropológica e ética”, razão pela qual as ordenações da bioética e do biodireito restringem-se, basicamente, em “grandes declarações internacionais sobre os direitos humanos” que, não obstante importantes, “são vagas e podem apenas servir de fundamentação ética, não tendo força legal”. Alega, por fim, que “a bioética necessita de formulações jurídicas mais claras e concretas” (on line, p. 20). 36 Salienta-se, no entanto, que a carência legislativa que permeia a bioética não a aparta de alcançar o alvo ao qual se propõe: salvaguardar a dignidade da pessoa humana frente às inúmeras situações conflituosas que advém tanto do avançar científico quanto das relações médicospacientes, que vez por outra intimidam os direitos dos enfermos. É, todavia, à relação médico-paciente e às altercações que dela exsurgem que propõe este estudo maior atenção, mormente às situações em que a classe médica depara-se com a recusa do enfermo em sujeitar-se a determinada terapia prescrita. Aparentemente pouco significativas quando comparadas às grandes polêmicas afetas à bioética, as reivindicações de pacientes em serem informados e consentir (ou não) com o tratamento médico ofertado é hoje alvo de inúmeros estudos no campo da bioética, haja vista que ao tempo que para alguns a desconsideração da vontade do paciente – prática constante nos centros clínicos -, implicaria direta violação da autonomia que lhes é de direito e, conseqüentemente, em seu direito fundamental à liberdade, para outros, trata-se de mera formalidade dispensável, por ser dever médico a proteção da vida humana, como há muito já juramentado por Hipócrates. Faz-se mister, contudo, aquilatar se o posicionamento contrário de pacientes frente a certas terapias médicas lhes seria, ou não, efetivamente de direito. O deslinde da questão há de ser precedido de breve reflexão sobre os direitos do paciente e a garantia dos mesmos por intermédio da Bioética e o Biodireito. 2.1.1 Os Direitos do Paciente Suscitados entrementes o lançar da Declaração dos Direitos Humanos de 1948 – precursora de inúmeros outros movimentos tais como os em prol do reconhecimento de direitos dos deficientes físicos e mentais, pacientes 37 psiquiátricos, idosos, dentre outros grupos relacionadas à área da saúde -, os direitos do paciente surgiram quando “indivíduos, familiares e comunidade começaram a se questionar quanto ao seu papel como pacientes” (GAUDERER, 1998, p. 69). Contrário ao que ocorrido em terras norte americanas, raiz da temática, as reivindicações dos direitos do paciente foram aventadas no Brasil por iniciativa da classe médica quando da edição da Proposta do Grupo de Brasília, definida por Gauderer como possivelmente “a mais completa e abrangente proposta quanto aos direitos do paciente, servindo de base para o Novo Código de Ética Médica” (1998, p. 69), posteriormente votado e aprovado em novembro de 1987, no I Congresso Nacional de Ética Médica. Em consonância à redemocratização nacional da época, o singelo surgir dos direitos dos cidadãos frente à medicina visava à construção, entre médicos e pacientes, de uma “relação de igualdade, autonomia, liberdade, [e], conseqüentemente, de prazer” (GAUDERER, 1998, p. 71), garantindo aos últimos não só o direito ao atendimento, mas a efetividade de seus direitos fundamentais na afirmação de sua dignidade. A incessante luta pela substituição da forma paternalista que imperava nas relações médico-paciente por um método transparente e responsável trouxe à tona os direitos dos enfermos no acompanhamento de sua enfermidade e nas tomadas de decisões relativas a seu corpo. Gauderer, ao declarar os direitos do paciente, incluiu dentre os mesmos o direito a um prontuário, ficha ou registro médico e o acesso a todas as informações que digam respeito nossa saúde, que devem ser redigidas em linguagem que possamos compreender, além de receita em letra legível; à cópia do nosso material médico, inclusive exames laboratoriais; [...] gravar ou filmar uma consulta; [...] a ouvir outras opiniões profissionais e também solicitar uma conferência médica; [...]a uma morte digna, ou seja, escolher como e onde morrer; [...] a recusar certos tratamentos, medicamentos, intervenções cirúrgicas ou 38 internações; [...] de visitar nosso filho ou cônjuge quando pudermos; [....] o direito de ter um acompanhante durante um exame ou hospitalização [...] (GAUDERER, 1998, p. 22-23, [Grifos no original.]). Ocorre que, inobstante enunciada qual direito, a eventual recusa do paciente frente a determinado tratamento - desde a simples ingestão medicativa à intervenções cirúrgicas ou internações -, tal qual proposto por Gauderer, continua a sofrer constantes objeções no âmbito médico e judicial. Trata-se, pois, de causa demasiadamente delicada, porque atinente ao (des)respeito à vontade do paciente, e, assim sendo, com diretos reflexos em sua dignidade – ponto focal a que convergem a Bioética e o Direitos Fundamentais como um todo, uma vez que de nada valeria a vida e os demais direitos que delam emanam, se isenta de dignidade. Por esta razão se faz prudente a análise de princípios que permeiam a Bioética e o Biodireito, e promovem, dentro do possível, soluções pacíficas aos conflitos havidos entre médicos e pacientes no respeitante à vida, à ética, e à dignificação do homem. 2.2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA BIOÉTICA Atrozes e escandalosos casos de pesquisas desumanas ocorridos entrementes as décadas de sessenta e sessenta nos Estados Unidos impeliram o governo norte-americano a constituir, em 1974, a Comissão Nacional para a Proteção dos Seres Humanos na Pesquisa Biomédica e Comportamental, cuja atribuição cingia-se à instituição de parâmetros éticos que norteassem experimentações com seres humanos. Passados quatro anos, publicou-se, por fim, o Relatório de Belmonte, edificado sobre três - não taxativos - princípios fundamentais: autonomia, beneficência e justiça, que se aplicariam tão somente “às questões éticas suscitadas pela pesquisa BARCHIFONAINE, 2005, p. 58). com seres humanos” (PESSINI; 39 Ampliando a aplicabilidade do sistema de princípios estabelecido, Beauchamp e Childress, em 1978, mediante a obra Principles of Biomedical Ethics, empregaram-nos também ao campo da prática clínica assistencial, acrescentando à tríade ainda outro norteador: o princípio da nãomaleficência. Ainda que não constituidores de um complexo de ética normativa, impossibilidade clara que advém do caráter não impositivo que lhes é característico, o sistema principiológico da bioética orienta médicos e pacientes ao exercício de uma relação sob mútuo respeito, de modo que se mostram extraordinariamente eficazes na dissipação de conflitos, como por exemplo, aqueles que se instauram quando pacientes recusam tratamento médico. Os direitos de recusa do paciente pugnam, no entanto, minucioso e individual estudo dos princípios bioéticos, tal qual o disposto a seguir. 2.2.1 Princípio da autonomia O direito do paciente em optar, aceitar e, inclusive, não acatar prescrição médica que impute inconveniente tem por base, frente à bioética e ao biodireito, o princípio da autonomia, que, arraigado ao ideal de respeito à pessoa, refere-se ao direito individual de autodeterminação do paciente, que o exerce na constância de seus valores morais, sendo, portanto, corolário do direito fundamental à liberdade. É por Marco Segre definido como [...] a capacidade de auto-governo, uma qualidade inerente a seres racionais que lhes permite escolher e atuar de forma pensada, partindo de uma apreciação pessoal das futuras possibilidades, avaliadas em função de seus próprios sistemas de valores. “Sob este ponto de vista, a autonomia é uma qualidade que emana da capacidade dos seres humanos de pensar, sentir e emitir juízos sobre o que considera bom” (1991, p. 1). 40 Prudente mencionar, contudo, que o mero reconhecimento de um ser humano como autônomo não significa assegurar-lhe o direito de agir em conformidade a seus padrões morais, fim unicamente atingível quando, mais que simplesmente reconhecida, sua autonomia for respeitada, como bem sustentam Tom L. Beauchamp e James Childress: Ser autônomo não é a mesma coisa que ser respeitado como um agente autônomo. Respeitar um agente autônomo é, no mínimo, reconhecer o direito dessa pessoa de ter suas opiniões, fazer suas escolhas e agir com base em valores e crenças pessoais. Esse respeito envolve ação respeitosa, e não meramente uma atitude respeitosa. [...] Nessa concepção, o respeito pela autonomia implica tratar as pessoas de forma a capacitá-las a agir autonomamente, enquanto o desrespeito envolve atitudes e ações que ignoram, insultam ou degradam a autonomia dos outros e, portanto, negam uma igualdade mínima entre as pessoas (2002, p. 142-143). O respeito à autonomia do paciente mostra-se especialmente necessário quando em situações conflituosas, tal qual a negativa do doente em submeter-se a determinada prescrição médica. Isto porque não obstante faça o enfermo constar sua recusa, ao fim e em razão de sua hipossuficiência, é ao profissional da saúde que caberá a proteção, ou não, da vontade manifestada, que só será honrada pelo médico – ainda que dela não compartilhe -, se, juntamente ao reconhecimento da autonomia, demonstrar profundo respeito por ela, não impedindo, tampouco desconsiderando, a tomada de decisão do paciente. E deste modo lecionam Diana Serrano LaVertu e Ana María Linares: [...] una cosa es ser autónomo como persona y outra ser respetado como tal. Muchos de los problemas éticos que surgen en la práctica tienen por origen una falta de respecto por esa autonomía, ya sea porque no se obtiene el consentimiento libre y con conocimiento de causa, porque se produce una intromición indebida en la vida del sujeto o porque se viola el carácter privado de la información médica relativa a este. Respetar la autonomia de un individuo es reconecer sus capacidades y perspectivas, 41 incluindo su derecho a tener determinadas ideas y a tomar determinadas decisiones. Es, además, no obstaculizar sus acciones y decisiones, a menos que atenten claramente contra otras personas (1990, p. 110 [Grifou-se.])18. Complementa José Roberto Goldim: Uma pessoa autônoma é um indivíduo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e de agir na direção desta deliberação. Respeitar a autonomia é valorizar a consideração sobre as opiniões e escolhas, evitando, da mesma forma, a obstrução de suas ações, a menos que elas sejam claramente prejudiciais para outras pessoas. Demonstrar falta de respeito para com um agente autônomo é desconsiderar seus julgamentos, negar ao indivíduo a liberdade de agir com base em seus julgamentos, ou omitir informações necessárias para que possa ser feito um julgamento, quando não há razões convincentes para fazer isto (on line, 2004). Ao destacar o porquê de respeitar uma decisão autônoma dos enfermos, Paulo Antonio de Carvalho Fortes argumenta que “o corpo, a dor, o sofrimento, a doença, são da própria pessoa e que violar a autonomia significa tratar as pessoas como meio e não como fim em si mesmas” (1998, p. 40), infligindo-as além do mal físico, o sofrimento moral da incapacidade e do desrespeito. O respeito à autonomia do paciente significa, num primeiro momento, que a administração de qualquer procedimento [médico] sobre ele deva vir, impreterivelmente, precedida da solicitação de seu consentimento – ou não consentimento –, o qual, ainda que divergente da orientação médica, deve ser acatado e mantido incólume de quaisquer possíveis coações, dentre as quais o paternalismo médico. 18 Na tradução livre da autora: “uma coisa é ser autônomo como pessoa, outra é ser respeitado como tal. Muitos dos problemas éticos que surgem na prática têm por origem uma falta de respeito por essa autonomia, seja porque não se obtém o consentimento livre e com conhecimento de causa, seja porque se produz uma intromissão indevida na vida da pessoa, ou porque se viola o caráter privado da informação médica relativa ao mesmo. Respeitar a autonomia do indivíduo PE reconhecer suas capacidades e perspectivas, incluindo seu direito a ter determinadas ideais e tomar determinadas decisões. É, além disso, não obstaculizar suas ações e decisões, a menos que atentem claramente contra outras pessoas. 42 Há de se destacar, por oportuno, não se tratar de autonomia desmedida e inconseqüente. Ela tem por pressuposto de validade que o consentimento (ou não consentimento) ofertado pelo paciente seja antecedido de ampla informação acerca da terapêutica, que o habilite tecnicamente a exarar sua decisão ciente das conseqüências que dela advirão. Trata-se, pois, de requisito indissociável da autonomia, que só poderá ser exercida e, porventura, validamente respeitada, quando acompanhada de esclarecimento suficiente a orientar o paciente na tomada de decisões. Tem-se, portanto, o conhecido por (não)consentimento esclarecido, entendido como o direito do paciente decidir após ter recebido a informação do médico e ter esclarecidas as perspectivas da terapia [...]. Estas informações devem ser prévias, completas e em linguagem acessível, ou seja, em termos que sejam compreensíveis para o paciente, sobre o tratamento, a terapia empregada, os resultados esperados, o risco e o sofrimento a que possa se submeter o paciente [...] (BORGES, 2001, p. 294) Ressalta-se, ainda, o entendimento de Silvio Romero Beltrão, que associando à autonomia o dever de prestar esclarecimento, leciona: O propósito da obrigação de prestar informações e esclarecer o paciente é dotá-lo de autonomia para poder tomar decisões com relação aos assuntos de saúde e seu tratamento de forma consciente. Assim, para que o consentimento e a recusa sejam válidos, ele deve ser baseado na compreensão da situação que se apresenta e deve ser voluntário, pois esse direito está baseado no princípio do respeito à autonomia (2005, p. 115). Os ideais de autonomia são hoje fortificados por significativas Declarações Internacionais, que, contribuindo para uma melhor e aperfeiçoada prática médica, instam não só a grupos de pesquisas, mas também à classe médica assistencial, a necessidade de se auferir o consentimento do paciente, que inobstante fisicamente enfermo, mantém-se qual titular de seu 43 direito de manifestar seus mais íntimos valores e sentimentos éticos e neles basear a gerência de sua existência (SÁ, 1999, p. 203). Sob este pensar, a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO (2005, online), ao regular questões éticas suscitadas pela Medicina, aclamou frente à comunidade internacional a Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, que, dentre outros objetivos, visa “contribuir para o respeito pela dignidade humana e proteger os direitos humanos, garantindo respeito pela vida dos seres humanos e as liberdades fundamentais [...]” (artigo 2º, alínea c). Prosseguindo, ao fixar princípios a serem respeitados quando da adoção de quaisquer práticas relativas ao paciente, consolidou: Artigo 5º. Autonomia e responsabilidade individual: A autonomia das pessoas no que respeita à tomada de decisões, desde que assumam a respectiva responsabilidade e respeitem a autonomia dos outros, deve ser respeitada. No caso de pessoas incapazes de exercer a sua autonomia, devem ser tomadas medidas especiais para proteger os seus direitos e interesses. A possibilidade de insurgência a tratamentos médicos, atendida a exigência de que o (não)consentimento esteja fundado em adequado esclarecimento, é também destaque da Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde, editada pelo Ministério da Saúde: O QUARTO PRINCÍPIO assegura ao cidadão o atendimento que respeite os valores e direitos do paciente, visando a preservar sua cidadania durante o tratamento. O respeito à cidadania no Sistema de Saúde deve ainda observar os seguintes direitos: [...] V. Consentimento ou recusa de forma livre, voluntária e esclarecida, depois de adequada informação, a quaisquer procedimentos diagnósticos, preventivos ou terapêuticos, salvo se isso acarretar risco à saúde pública. O consentimento ou a recusa 44 dados anteriormente poderão ser revogados a qualquer instante, por decisão livre e esclarecida, sem que lhe sejam imputadas sanções morais, administrativas ou legais. Verifica-se, em primeira conclusão, que uma vez maior, capaz, em estado de lucidez e ciente dos malefícios e benefícios conseqüentes da terapia proposta, caberá unicamente ao enfermo decidir se irá submeter-se ao tratamento, ou, se já iniciado o procedimento, se continuará com ele (BORGES, 2001, p. 294), inexistindo qualquer legitimidade de médicos, parentes e inclusive do Poder Judiciário para questionar-lhe sua volição. Contudo, a regra da obrigatoriedade de se buscar o consentimento do paciente, projeção da autonomia que lhe pertence, mostra-se em determinadas situações de impossível alcance. É o caso de quando ele, ao adentrar à unidade médica, se apresenta em estado de inconsciência, sem condições de se manifestar. A incapacidade temporária do paciente que em estado inconsciente não se mostra apto à tomada de decisão gera imensa contrariedade no âmbito médico e jurídico, pois, ao passo que parcela da doutrina defende que neste caso estaria isento o médico de tomar qualquer consentimento, e, portanto, autorizado a proceder à intervenção terapêutica – justificativa fundada na não configuração de constrangimento ilegal, consoante artigo 146, §1º, I, do Código Penal; outra parcela alega que, sob estas circunstâncias, prudente seria que “um substituto legal escolhe[sse] o que o paciente elegeria se fosse competente e estivesse a par das opções médicas, de sua situação clínica real e, inclusive, que estaria incompetente” (KIPPER apud DEL CLARO; ANDRADE, 1999, p. 20). Acerca da celeuma, Genival Veloso de França sustenta que “se o paciente não pode falar por si ou é incapaz de entender o ato que se pretende executar, estará o médico na obrigação de conseguir o consentimento de seus representantes legais” (2000, p. 77). É, contudo, em muito temerária a escolha de procurador que responda em sua completude pela volição do enfermo, pelo simples fato de que 45 às vezes ele pode não representar os melhores interesses do inconsciente, manifestando vontade diversa da que este faria se em sã consciência se encontrasse. Visando abrandar possíveis discordâncias neste sentido, Marco Segre defende prudente a portabilidade, por parte do doente, de documento que ateste o (não)consentimento prévio do indivíduo, circunstância em que, mesmo momentaneamente incapacitado de manifestar-se, teria o enfermo direito de preservar sua vontade. Leciona referido autor: Mesmo em caso de choque, coma, ou outro impedimento à expressão da vontade do paciente, desde que esta (vontade) tenha sido anteriormente documentada, somos da opinião de que o médico não deve afrontá-la ainda que o Código de Ética Médica vigente lhe propicie a faculdade de intervir, em situações de iminente perigo de vida (1991, p. 2). É também o que propõem Tom L. Beauchamp e James Childress: Num procedimento cada vez mais popular, fundamentado mais na autonomia que na não-maleficência, uma pessoa, enquanto capaz, escreve instruções para os profissionais de saúde ou escolhe um responsável para tomar decisões sobre tratamentos de suporte de vida durante períodos de incapacidade. As suas ações são exercícios apropriados de autonomia. (2002, p. 269270). Têm-se, sob tal perspectiva, duas alternativas para que o paciente resguarde ao máximo a expressão de sua vontade, especialmente para quando atingido por temporária incapacidade: os chamados living wills, diretrizes específicas sobre alguns tratamentos médicos que devem ser ministrados ou omitidos frente a determinadas situações; e, também, as durable power of 46 attorney – DPA, procurações duráveis19 em que o paciente elege um procurador legal de sua confiança, que estará legitimado à tomada de decisões. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em pronunciamento acerca da validade de manifestação volitiva prévia do paciente, sustenta que todo ser humano tem o direito fundamental de aceitar ou não um tratamento ou ato médico. É o que longamente já se demonstrou. Essa manifestação de vontade pode ter lugar no momento em que o ato ou tratamento lhe é receitado, ou previamente por meio de documento que preencha os requisitos da lei civil para a validade dos atos jurídicos em geral [...] (1994, p. 27). Não se olvida que a existência de diretrizes antecipadas por parte do enfermo nem sempre se mostra satisfatória, tanto mais quando genericamente preenchidas ou não constantemente atualizadas, razões pela quais não raramente têm seu conteúdo questionado. Todavia, ainda mostram-se a mais segura via de aproximação do que pretenderia o paciente se consciente estivesse, motivo suficiente para que, se existentes, sejam observadas o mais estritamente possível. Inexistindo, porém, diretrizes antecipadas, faz-se mister a nomeação de decisor substituto, pessoa preferencialmente íntima do enfermo e que, dentre outras qualidades, seja hábil a julgamentos sensatos; possua esclarecimentos suficientes sobre a saúde do incapaz, bem como a respeito das terapêuticas de provável cabimento; encontre-se emocionalmente estável e, acima de quaisquer outras prerrogativas, que caminhe em defesa dos melhores interesses do paciente. É nesta última categoria de exigibilidade que reside, indubitavelmente, a maior discordância quanto a quem estaria legitimado a resguardar os interesses do incapaz. Isto porque, ainda que dentre a classe de decisores substitutos Tom Beauchamp e J. Childress enunciem familiares, médicos, comitês institucionais e tribunais (2002, p. 273), bem se sabe estarem 19 Assim denominadas porque, “diferentemente do poder usual conferido ao procurador, neste caso ele continua em vigor caso o signatários do documento se torne incapaz” (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2002, p. 270). 47 os três últimos apartados das reais convicções de foro íntimo do incapaz, de modo que a destreza da decisão exarada estaria adstrita unicamente aos aspectos técnicos e físicos da questão, que, não obstante de suma importância, não se mostram únicos a expressar quais os reais interesses do enfermo, tampouco necessariamente guardariam relação à resolução que teria ele preferido. Quanto ao dito, Maria Theresa de Medeiros Pacheco, em comentários a caso clínico encaminhado pelo Conselho Federal de Medicina à seção para análise, defende que as decisões de tratamento de saúde envolvem muito mais do que preocupações meramente médicas. Quanto a decisões sobre o que deve ser feito com referência ao corpo de uma pessoa, é o paciente, e não a opinião pública, a classe médica, ou algum juiz, que deve tomar a decisão altamente subjetiva, baseada em valores morais, sobre qual a forma de tratamento "melhor" ou "certa". Ao tomar decisões sobre tratamentos de saúde, não deve haver dúvida de que são os valores do paciente que devem determinar quais os riscos e benefícios que valem a pena ser tomados (on line). Infere-se, pois, que os valores morais do paciente que o conduziriam à manifestação volitiva se cônscio estivesse, devem igualmente pautar a decisória adotada por quem o substitui, o que será de mais fácil alcance quando este for pessoa próxima do enfermo, hábil em discernir e exprimir os mais íntimos valores dele. Não se pode esquecer que o “direito básico à autonomia sobre o próprio corpo não se evapora com a perda da consciência do paciente”, de modo que não perde ele, sob tais circunstâncias, o direito de “determinar o curso de seu tratamento médico, conforme seus valores e objetivos [...] se previamente indicou, na posse de suas faculdades mentais, o tratamento desejado”, ou se há dentre os prováveis decisores substitutos, pessoa cujas escolhas transpareçam o desejo do enfermo (DEL CLARO; ANDRADE, 1999, p. 18-19). 48 O princípio da autonomia e a imprescindibilidade de obtenção do consentimento do paciente têm por amparo frente à legislação pátria o disposto no artigo 15, do Código Civil de 2002, que prevê: Artigo 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica. Verifica-se, portanto, ser de pleno direito do enfermo opor-se a qualquer procedimento médico, especialmente quando, junto aos possíveis benefícios, possa a intervenção causar-lhe prejuízo. Também em aproximação ao reconhecimento da autonomia do paciente, o atual Código de Ética Médica, ao longo de seus 145 artigos, deixa assente o dever de respeito à individualidade do paciente. Contudo e a despeito do ideal autonomista, apresenta em alguns de seus dispositivos concessões em que o médico, ao deparar-se com caso em que o paciente esteja em iminente risco de vida, poderá submetê-lo às terapias que julgue necessárias à salvação, sendo prescindível, in casu, a obtenção de consentimento do enfermo. São, a exemplo, ditames do Código de Ética Médica: É vedado ao médico: Artigo 46. Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo em iminente perigo de vida; [...] Artigo 56. Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em iminente perigo de vida [Grifou-se.]. Trata-se de momento, nas palavras de Paulo Antonio de Carvalho Fortes, em que “contrapondo-se à autonomia do indivíduo, os profissionais da saúde são guiados pelos princípios éticos da beneficência e da não-maleficência” (2000, p. 43), a seguir definidos. 49 2.2.2 Princípios da Beneficência e Não-maleficência Alicerces ao exercício da Medicina, o princípio da beneficência impõe à classe médica o dever de agir em favor do bem-estar e benefício do paciente, ao passo que a não-maleficência “é o princípio segundo o qual não devemos infligir mal ou dano a outros” (BEAUCHAMP, 2002, p. 45). É sob tais perspectivas que se justifica, à luz do Código de Ética Médica, a intervenção terapêutica ainda que sem autorização do paciente, quando sob iminente risco de vida estiver ele, nos termos dos já citados artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica e, ainda, do artigo 146, §1º, I do Código Penal. Há, todavia, ponderações a serem tecidas, sobretudo no respeitante à legalidade das supracitadas disposições dentológicas. Em análise minuciosa às concessões aduzidas pelo Código de Ética Médica, especialmente àquela constante em seu artigo 46, Marco Segre sustenta que elas “não deve[m] ser interpretada[s] como recomendação ao médico para que intervenha sobre o paciente, contrariamente à sua vontade, conforme muitos profissionais querem crer” (1991, p. 2). Trata-se, a bem da verdade, de abertura do código médico a ser interpretada restritiva e sensatamente. E assim se afirma, pois, não obstante permitido esteja o profissional da saúde a proceder ao tratamento sem perquirir o consentimento do enfermo, não está ele autorizado a contrariar a vontade do paciente se este, mesmo não indagado, porém consciente, manifesta-se contrariamente à terapia, momento em que não mais se configura o dito consentimento presumido20. Igualmente desconfigurada estaria a presunção de consentimento se o enfermo, ainda que inconsciente e sob estado emergencial de perigo de vida, tivesse procedido à feitura de documento de diretrizes antecipadas 20 Aquele pelo qual “supõe-se que a pessoa, se estivesse de posse de sua real autonomia e capacidade, se manifestaria favorável às tentativas de resolver causas e/ou conseqüências de suas condições de saúde” (FORTES, 1998, p. 54). 50 enquanto consciente, no qual exarasse, prévia e validamente, sua volição, que, sob estas circunstâncias, deverá ser respeitada. Vai além Celso Ribeiro Bastos quando, em comentários aos artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica que sobrepõem aos direitos do paciente as obrigações médicas, sustenta que a interpretação conferida comumente aos casos de risco de vida está equivocada e fere [...] os princípios constitucionais básicos. Não há amparo legal ou constitucional para impor-se a alguém (capaz e consciente) determinado tratamento médico (2000, p. 29). Idêntico entendimento é o esboçado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho: É verdade que o art. 46 parece permitir ao médico desobedecer à vontade do paciente ou de seu representante legal, quando ocorrer “perigo de vida”. [...] Assim, numa interpretação literal, havendo perigo de vida – apreciação subjetiva do médico -, este poderia fazer com o paciente e para o paciente o que bem lhe parecesse. O que equivaleria a dizer que, em face do perigo de vida, o paciente perde o direito fundamentai à liberdade [...] para se tornar um escravo do médico. Evidentemente, essa interpretação literal é absurda. E juridicamente é inconstitucional o preceito que enuncia, na medida em que contraria os direitos fundamentais consagrados na Carta de 1988 no art. 5.º [...]. Portanto, é ele nulo e de nenhum valor. (1994, p. 25-26, [Grifos no original.]). Ressalta-se, pois, que ainda que sob real iminente perigo de vida estivesse o paciente, tal situação não se mostraria suficiente a apartá-lo do exercício de sua autonomia, uma vez que “estar doente não é obrigatoriamente sinônimo de ser incapaz”, de modo que “não tem o médico, em nome da obediência ao tratamento, o direito de tirar do doente sua autonomia de vontade” (SÁ, 1999, p. 95-96). 51 Corrobora, a título exemplificativo, a Lei n. 9.434 de 1997, que ao regular a utilização de órgãos e partes do corpo humano para fins de transplantes, determinou indispensável a aquiescência do receptor para realização do procedimento (artigo 10º), não preterindo o consentir do paciente ainda que sob risco estivesse sua vida, situação bastaste usual quando em questão órgãos de incomparável vitalidade. Vê-se, sob este dispositivo, verdadeira deferência à autonomia do enfermo, pois lhe confere o direito de decisão estando sob risco de vida ou não. Ora, não bastasse a ilegalidade constante dos artigos 46 e 56 do Código Médico Deontológico preconizada por Celso Ribeiro Bastos e Manoel Gonçalves Ferreira Filho, há ainda outros motivos que demonstram o porquê da excessiva temeridade de se autorizar intervenções médicas desacompanhadas de consentimento do enfermo. Em não raras vezes, a dispensa de consentimento em razão da circunstância de risco a que provavelmente encontra-se o paciente – análise subjetiva do profissional de saúde, como bem destacado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho – visa à manutenção da conduta paternalista introduzida por Hipócrates. Isto porque a abertura de precedente tal quais os constantes nos artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica permitem que a alegação de “iminente perigo de vida” – ainda que constitucionalmente não justificável para invalidar a liberdade do enfermo, como no próximo capítulo se verá –, seja utilizada por muitos profissionais como subterfúgio à livre iniciativa médica, de modo a afastar qualquer insurgência ou pleito informacional por parte do enfermo. Valer-se desta abertura legal, cumpre salientar, mostra-se reprovável pelo próprio Código de Ética Médica que, em seu artigo 48, veda ao médico o exercício de sua autoridade de maneira a limitar o poder decisório do enfermo. 52 Ademais, o que efetivamente configura o quadro clínico de iminente perigo de vida, capaz de, nos termos do Código de Ética Médica, invalidar manifestação volitiva do enfermo? Em não raros momentos, a dita situação de urgência aventada resume-se a quadro clínico superável, comumente passível de diferentes alternativas terapêuticas às quais talvez não se opusesse o enfermo. Contudo e como já explanado por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, trata-se de proposição de extrema subjetividade, bastando que o médico a alegue para que, por fim, tenha sob seu controle toda e qualquer decisão inerente ao enfermo e à terapêutica, razão pela qual determinados quadros clínicos, ainda que não tão graves, passam a ser qualificados como de alto risco. A inexistência de padrões confiáveis acerca de como e quando estaria o paciente sob iminente perigo de vida é facilmente verificável quando observadas as divergentes opiniões manifestadas por membros da própria classe médica quanto ao que configuraria, ou não, risco de vida em determinadas situações. Tome-se, a título exemplificativo, a objeção de pacientes Testemunhas de Jeová no respeitante à terapia transfusional de sangue. Constantemente, são eles submetidos a transfusões sanguíneas contrariamente à sua manifestação volitiva, sob o argumento de estarem sob iminente risco de vida. Contudo, a falta de cientificidade que permeia tratamentos a base de hemoderivados torna de difícil constatação o que realmente configuraria risco de vida que justificasse transfundir o paciente sem seu consentimento, nos moldes dos artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica. Isto porque os próprios profissionais da saúde mostram-se discordantes quando em questão indicações transfusionais, uma vez que “o que para um determinado médico haveria uma 53 indicação precisa e única de reposição sanguínea pode não ser a opinião de um outro” (2000, Conselho Regional de Medicina do Estado da Paraíba). Por exemplo: enquanto para alguns médicos, pacientes com hemoglobina em níveis de 10g/dL21 estariam sob iminente risco de vida, sendo imprescindível a adoção de terapia transfusional; para outros, o risco de vida e a indicativa do procedimento dar-se-ia tão somente quando a concentração hemoglobínica atingisse valores inferiores a 7g/dL (FERREIRA; FERREIRA; PELANDRÉ, 2005, online), desconfigurando o risco suscitado pelos primeiros. Deste modo, um paciente Testemunha de Jeová sob os cuidados de um profissional que considerasse o primeiro índice de hemoglobina citado – 10g/dL – como mínimo, poderia ter sua autonomia e vontade desrespeitadas sem que sequer existisse o dito iminente risco de vida. Complementando o quadro de incertezas, se não bastasse a inexistência de padrões científicos no tocante a estar ou não o paciente sob estado de risco que justifique a dispensabilidade de seu consentimento, a literatura médica mostra-se dúbia inclusive quanto à própria prescrição da terapia transfusional, porquanto reflexo mais da prática médica consuetudinária do que de dados científicos. Ao sustentar incerta e desmedida a medicina transfusional, leciona Pedrazza: Normalmente no hay ninguna razón identificable para la transfusión. Pero la mayoría actúa con la premisa “en caso de duda, transfundamos”. [...] Pero hay muchas UCIs en que las enfermeras sacan sangre solamente porque es fácil hacerlo (2004, p. 29)22. A este respeito, informou o Conselho Federal de Medicina que 21 22 Dez gramas de hemoglobina por decilitro - um décimo de um litro - de sangue. Em tradução livre: Normalmente, não há nenhuma razão clara para a transfusão. Mas a maioria atua com a premissa “em caso de dúvidas, transfundimos”. [...] Porém, existem muitas UTIs nas quais as enfermeiras tiram sangue só porque é um procedimento fácil. 54 “[...] o uso de hemoderivados difundiu-se de forma espetacular, a tal ponto que hoje existem estudos comprovando que cerca de 50% das transfusões realizadas são de indicação duvidosa e desnecessária. Dentre as possíveis explicações para tão elevada incidência de transfusões com indicação incorreta encontra-se a deficiência de conhecimento técnico sobre o assunto e a facilidade e aparente inocuidade do processo” (1989, online). O exemplo analisado denuncia que inúmeras prescrições médicas, dentre as quais as transfusões sanguíneas, são impostas ao enfermo independentemente de seu consentimento e contra sua vontade, mesmo que não comprovadas a ocorrência de iminente perigo de vida – situação a que alude o Código de Ética Médica -, nem tampouco a cientificidade da prescrição terapêutica; tolhendo-se a autonomia do paciente quando, a bem da verdade, seu real quadro clínico o permitiria exercê-la. Há de se fazer citar, ainda, que muitas vezes as intervenções médicas impostas ao enfermo mostram-se de igual - senão quando maior - risco às outras terapêuticas substitutas, ou, inclusive, ao não tratamento, situação em que sequer o argumento de atuação atrelada ao princípio da beneficência mostrar-se-ia plausível. Faz-se de prudente análise, novamente para exemplo, os casos envoltos às transfusões sanguíneas. Inobstante carecedoras de cientificidade, como acima postado, são tidas em grande estima pela classe médica, que as prescreve sob veemente alegação de inexistirem outros meios23 tão eficientes quanto este à salvaguardar a vida do paciente. 23 Consigna Celso Ribeiro Bastos: “A transfusão de sangue não é o único meio de que pode se valer o médico para salvar a vida ou a saúde de um adulto ou de uma criança. Há sim outros tratamentos alternativos – desenvolvidos e utilizados por médicos alopatas, e não por sectários de uma religião específica – que atingem o meso resultado. São eles: s expansores de volume do plasma, os fatores de crescimento hematopoiéticos, a recuperação intra-operatória do sangue no campo cirúrgico, a hemostasia meticulosa, etc. O fato de se ter mais de um tratamento em substituição à transfusão de sangue já nos leva a concluir que este procedimento não é o único modo de salvar a vida do paciente. Pode-se, portanto, prescindir dele por outras foras alternativas de tratamento” (2000, p. 5, nota). 55 Ocorre que, repleta de riscos, a terapia transfusional pode apresentar drásticas complicações a se manifestarem não só imediatamente após a inserção sanguínea - bastante comum nos casos de incompatibilidade de grupo -, como também tardar meses ou anos para se manifestarem, tal qual ocorre com as infecções virais e bacterianas. Somam-se a estes males o dano pulmonar agudo, o choque anafilático (VILLARROEL, 2004, p. 9-15) e, ainda, o fato de que “as pessoas que recebem transfusões sanguíneas têm mais probabilidade de sofrer um derrame cerebral e um ataque cardíaco” (ESTADÃO, 2007, online). Em estudo comparativo realizado no Hospital Universitário da Universidade Federal de Santa Catarina, concluiu-se que pacientes não transfundidos contam com menor índice de mortalidade quando comparados aos transfundidos, demonstrando, assim, que a submissão forçada de pacientes a tratamento hemoterapico, não bastasse contrário à sua vontade, o impõe ainda maior risco de vida: Baixos níveis de hemoglobina foram responsáveis pela maioria de [concentrado de hemácias] transfundidas (58%). [...] [Entretanto], houve maior percentual de mortalidade entre os pacientes transfundidos (38%), quando comparados aos não transfundidos (24%)” (FERREIRA; FERREIRA; PELANDRÉ, 2005, online). Verifica-se, assim, que este divulgado procedimento médico não possui o caráter salvatério que lhe é habitualmente atribuído e que faz com que, mesmo à revelia do paciente, seja empregado indiscriminadamente. Ora, uma vez existindo riscos – quer ínfimos quer expressivos quando comparados à probabilidade de sucesso -, na intervenção pretendida pela classe médica, é impreterível que a par dos mesmos esteja o enfermo, cabendo exclusivamente a ele decidir submeter-se, ou não, à 56 terapêutica médica, sendo inquestionavelmente válida a recusa, pelo motivo a seguir enunciado por Donald T. Ridley: [...] a questão não é que riscos devem ser escolhidos, mas quem deve fazer a escolha do risco. Quem deve dizer o que é certo ou é o melhor para determinado paciente quando há riscos, não importa que escolha seja feita? [...] Num assunto tão subjetivo e de tanto valor como é a escolha de tratamento médico, são os valores e as preferências da família ou o paciente individual, e não os de algum médico, hospital, ou Juiz, que devem prevalecer (1990, p. 4). É especialmente a estas circunstâncias que se presta o Código Civil em seu artigo 15º, que determina que, uma vez presentes riscos também na terapia que se pretende aplicar ao paciente, é imprescindível que a escolha de submeter-se ou não a ela seja unicamente do enfermo. A inexatidão do alegado iminente perigo de vida constantemente verificado quando da prescrição de transfusões sanguíneas fazse também presente frente à inúmeras outras enfermidades, de modo que a dispensa de consentimento do paciente sob esta afirmativa não há de ser interpretada em sua literalidade, por três principais razões já vistas: em razão da inconstitucionalidade que a permeia, tal qual defendido por Ferreira Filho e Celso Ribeiro Bastos; porque propícia a ensejar o uso indiscriminado da expressão com objetivo único de aniquilar a tomada de consentimento do paciente, subentendo-o forçosamente à terapias às quais não consente, e, ainda, porque tais terapêuticas podem lhe ofertar ainda maior risco, tal qual no exemplo consignado. Posicionamentos contrários ao poder decisório de pacientes informados e aptos a consentir e tentativas descabidas de lhes tolher a autonomia significam, a bem da verdade, desrespeitar sua alteridade, não o reconhecendo como livre pelo simples fato de que suas decisões são consideradas por maior parte da classe médica como erradas e irracionais (ENGELHARDT, 1996, p. 369). 57 Há de se ter mente, contudo, que o ideal de beneficência em que pretendem muitos justificar a dispensabilidade de condescendência do paciente, à luz da realidade, transpõe a promoção do bem físico do indivíduo, haja vista tratar-se da “obrigação de ajudar outras pessoas promovendo seus interesses legítimos e importantes” (BEAUCHAMP, 2002, p. 282), dentre os quais se incluem valores morais e espirituais que, ao enfermo, não raramente se igualam ou superam, em significância, sua existência biológica. 2.2.3 Princípio da Justiça Correlato ao ideal de igualdade, tem por pressuposto “trata[r] todas as pessoas como iguais no que diz respeito à sua essência como pessoas, mas diferentes quando se consideram as circunstâncias em que estas se encontram, os seus méritos, as condições existenciais [...]” (SAUWEN; HRYNIEWICZ, 2008, p. 18). Uma vez evidente que não só a vida em sua acepção biológica há de ser resguardada, por nem sempre exclusivamente a ela se restringirem os mais importantes interesses do homem - questão a ser futuramente abordada; urge reconhecer que mais do que empenhar-se em promover a beneficência - pela simples razão de que a ação benéfica de um não necessariamente correlacionar-se-á com o bem esperado por outrem -, mostra-se prudente a adoção de ações que mantenham incólume não só a vida física do indivíduo, mas também seus valores intrínsecos que a tornam una. O princípio da justiça, ponto de comedimento entre constantes confrontos entre o direito à autonomia e o dever do médico de prestar assistência, torna manifesta a urgência de que normas jurídicas no âmbito do biodireito sejam produzidas, evitando-se tanto excessos liberais quanto arbitrárias e invasivas intervenções médicas. Outrossim, não se pretende mediante os princípios alistados obrigar que médicos adotem condutas de respeitoso acato à vontade do enfermo, 58 até porque irreal mostrar-se-ia esta pretensão, haja vista a inexistência de caráter impositivo do conteúdo principiológico. Os direitos do paciente, contudo, superam os limites da bioética e são, acima de quaisquer outros, valores de ordem fundamental da vida humana. São, em toda sua essência, amparados por princípios e direitos constitucionais que os resguardam sob o mais protetivo rol de direitos: os fundamentais da pessoa humana. 59 CAPÍTULO 3 OS DIREITOS DO PACIENTE E A ESCOLHA DE TRATAMENTO MÉDICO À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Os direitos do paciente em recusar ou simplesmente optar por tratamentos distintos daqueles a ele comumente ofertados invocam a análise dos mais importantes direitos humanos fundamentais: liberdade, e, acima de tudo, o direito à vida. As incessantes polemizações envoltas às recusas terapêuticas as taxam de ações impensadas e em não raras vezes são entendidas como desprezo ao supremo e inviolável direito à vida frente à liberdade individual de autodeterminação. Ignora-se, contudo, que a temática em muito transcende o duo vida e liberdade em seus sentidos estritos, fazendo-se mister que se tragam à baila outros aspectos acerca destes direitos que, inobstante de maior profundidade, são vilipendiados e tomados a parte do bem maior que lhes é comum: a dignidade da pessoa humana. O direito de recusa a procedimentos médicos determinados é garantia Constitucional, em toda sua esfera dimensional, tal qual se demonstrará. 3.1 DIREITO À LIBERDADE INDIVIDUAL A liberdade humana, direito fundamental assentado logo ao caput do artigo 5º da Carta Constitucional, guarda em si as mais amplas acepções e vertentes, mostrando-se, sem embargos, o mais abrangente e polêmico direito constitucional. 60 A despeito das inúmeras definições propostas, o direito à liberdade é por José Afonso da Silva delineado como “um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade”, haja vista consistir “na possibilidade de coordenação consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal” (2000, p. 237). Expressão vívida do Estado democrático de direito, é dele que advém a autonomia da vontade – direito de autodeterminação – a cada um assegurada, no qual se consubstancia o direito do paciente em, ponderando o que lhe é propício à efetivação de sua felicidade, decidir per se os procedimentos terapêuticos que aceita, ou não. Conferindo à liberdade significativa importância, sobretudo no respeitante à autonomia dela resultante, Luciano Parejo Alfonso sustenta que La clave reside, pues, en la liberdade del hombre, que le permite justamente [...] decidir, controlar su voluntad (a partir de una inclinación a la moralidade que le es inata) (1994, p. 295)24. É ela, pois, a exteriorização máxima das mais intrínsecas crenças do homem, razão pela qual é por Celso Ribeiro Bastos considerada um “valor superior do ordenamento jurídico” (2000, p. 20). Por idêntica deferência, Pimenta Bueno sustentava que a liberdade não é pois exceção, é sim a regra geral, o princípio absoluto, o Direito positivo; a proibição, a restrição, isso sim é que são as exceções, e que por isso mesmo precisam ser provadas, achar-se expressamente pronunciadas pela lei, e não de modo duvidoso , sim formal, positivo; tudo o mais é sofisma (apud SILVA, 2000, p. 239). Percebe-se, de plano, que não obstante elevada ao status de regra pelo ilustre jurista, não se trata a liberdade de direito absoluto, do que se infere não poder o homem dela valer-se indiscriminadamente como justificativa, 24 Em tradução livre: “O segredo está, pois, na liberdade do homem, que lhe permite justamente [...] decidir, controlar sua vontade (a partir de uma inclinação à moralidade que lhe é inata”. 61 por exemplo, à prática de ilicitudes, ou, ainda, à interferência na autonomia de outrem. Em especial por esta razão, intimamente ligada ao ideal de liberdade, encontra-se o Princípio da Legalidade. 3.1.1 Liberdade e Legalidade Ao preconizar que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (artigo 5º, II, da Constituição da República Federativa do Brasil), expõe o dispositivo Constitucional duas importantes garantias: a liberdade de ação do indivíduo, que poderá exercê-la em consonância aos seus ideais e, ainda, a correlação de liberdade e legalidade, da qual se extrai que as únicas limitações àquela serão as definidas em lei. Não era outro o sentido dado à idéia de legalidade esboçada pela Declaração dos Direitos do Homem de 1789: Artigo 4º. A liberdade consiste em poder fazer tudo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais do homem não tem limites senão os que asseguram aos demais membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses limites apenas podem ser determinados pela Lei. As supracitadas disposições evidenciam, pois, que [...] a autonomia privada não é absoluta. Em primeiro lugar, tem de ser conciliada com o direito das outras pessoas a uma idêntica quota de liberdade, e, além disso, com outros valores igualmente caros ao Estado Democrático de Direito, como a autonomia pública (democracia), a igualdade, a solidariedade, a segurança. [...] Portanto, é inevitável que o Estado intervenha em certos casos, restringindo a autonomia individual, seja para proteger a liberdade dos outros, de acordo com uma “lei geral de liberdade”, como diria Kant, seja para favorecer o bem comum e proteger a paz jurídica da sociedade (SARMENTO,2006, p. 231). 62 Inobstante a possibilidade de vedações legais ao exercício do direito de liberdade do homem – quer no sentido de obrigá-lo à determinada prática, quer no de impor-lhe uma vedação –, preocupou-se o constituinte em obstar a banalização de restrições, razão pela qual determinou que estas, quando necessárias, devem impreterivelmente ser precedidas de lei, como bem adverte José Afonso da Silva: [...] a liberdade, e, qualquer de suas formas, só pode sofrer restrições por normas jurídicas perceptivas (que impõem uma conduta positiva) ou proibitivas (que impõem uma abstenção) provenientes do Poder Legislativo e elaboradas segundo o procedimento estabelecido na Constituição. Quer dizer: a liberdade só pode ser condicionada por um sistema de legalidade legítima (2000, p. 239). É desta análise, pois, que se infere ter o paciente plenos direitos de, sob suas convicções pessoais e em exercício de seu direito à liberdade, opor-se a qualquer terapia médica que impute inconveniente, tanto mais quando observado inexistir na legislação pátria restrições a esta autonomia que lhe imponham o dever de submissão a determinados tratamentos médicos ou lhe proíbam de exercício de recusa. Ademais e como já dito, prováveis restrições impostas mostram-se válidas tão somente quando instituídas por Lei pelo Poder Legislativo, depois de percorridos todos os caminhos constitucionalmente imprescindíveis à formulação normativa. Eis o porquê Manoel Gonçalves Ferreira Filho qualifica nulos e de nenhum valor (1994, p. 26) os artigos 46 e 56 do Código de Ética Médica, que restringem o direito à liberdade de manifestação volitiva do paciente aos casos em que estiver ele sob iminente perigo de vida. São, pois, duas as razões: primeiramente, advém a limitação de legislação promulgada pela própria instituição médica, cujas elaborações normativas não se submetem ao crivo do Poder Legislativo e, portanto, não são normas legítimas e de eficácia suficiente à restringir direitos fundamentais (SILVA, p. 239); e, em segundo, a argumentativa esboçada não coaduna àquelas justificáveis a limitar a liberdade individuais, quais 63 sejam: a proteção da liberdade individual de outrem, ou, então, a proteção da paz jurídica da sociedade (SARMENTO, 2006, p. 231). Não se olvida, contudo, não estar adstrita ao Código de Ética Médica a autorização para que médicos, ultrapassando a liberdade individual do paciente, submetam-no mesmo sem seu consentimento a tratamento médico que não queira. É o caso, por exemplo, da autorização constante do artigo 146 do Código Penal Brasileiro, in verbis: Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda: [...] § 3º - Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida; [...] Ocorre que este preceito, ainda que instituído mediante legítimo processo legislativo – o que, teoricamente, o tornaria eficaz a limitar a liberdade individual do paciente –, também é por muitos reputado inconstitucional, por desconsiderar o poder sobrepujante da Constituição Federal, tal qual defendem José Claudio Del Claro e Miguel G. C. de Andrade: É lógico e jurídico o corolário de que [os] direitos garantidos constitucionalmente não podem estar subordinados a nenhuma outra normal legal. Uma vez que o Poder Legislativo é produto da Constituição, que o Código Penal é uma promulgação do Poder Legislativo, logo os dispositivos do Código Penal têm de ser inferiores às garantias da Constituição. Quando há qualquer incoerência entre os direitos fundamentais garantidos pela Constituição e os deveres ou obrigações criados pela legislação comum, tais como o Código Penal, os mesmos (a legislação comum) deve curvar-se perante a maior (a Constituição). 64 [...] Assim, em vista das garantias constitucionais de liberdade [...], não se pode sustentar que as obrigações alegadamente impostas aos médicos pelo art. 135 (e abrangidas pela exceção da emergência médica do art. 146, §3º) do Código Penal [...] passem por cima dos direitos constitucionais do paciente adulto” (1999, p. 15). Frente à seara Constitucional é, pois, indubitável tanto a possibilidade de o paciente insurgir-se contra determina terapia médica em justa manifestação de sua liberdade e autonomia privada, quanto a ineficácia dos preceitos normativos do Código de Ética Médica que pretendem, sem legitimidade para tal, restringir a liberdade individual do enfermo, tolhendo-o o direito de gerenciamento próprio. Em que pese evidente o direito do paciente em não se submeter forçadamente à terapêutica que não queira, a objeção de enfermos a determinados tratamentos médicos torna-se ainda mais contundente quando motivada por convicção religiosa do enfermo. É este o caso, a título exemplificativo, de pacientes Testemunhas de Jeová que, ao passo que se insurgem contra terapias hemotransfusionais pugnam por tratamentos substitutivos isentos de sangue já disponíveis na medicina, e, também, de pacientes mulçumanos que recusam transplantes de órgãos e tecidos suínos, como, por exemplo, válvulas cardíacas, ainda que sejam estas as únicas disponíveis para transplantação e, conseqüentemente, para salvaguardar sua vida. Sob este enfoque, seria a recusa igualmente válida? 3.1.2 Liberdade Religiosa O direito à liberdade religiosa encontra-se inserido juntamente aos demais direitos fundamentais no protetivo rol do artigo 5º da CRFB/88, in verbis: Artigo 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos 65 estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] VI. é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias; Considerada uma especialização, ou, ainda, concretização do direito de livre manifestação de pensamento, esculpido no artigo 5º da Carta Constitucional, em seu inciso IV (BASTOS, 2000, p. 10), a liberdade religiosa é definida por Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em termos bastantes resumitivos, como “o direito de cada ser humano ter sua religião, por livre escolha, segui-la livremente nos seus mandamentos, prestar, segundo estes, o seu culto à divindade, sem ingerência, mas com apoio do Estado” (1994, p. 18). É, ainda, ao entender de Aldir Guedes Soriano, um direito composto, “com possibilidade de decomposição em quatro vertentes [...], a saber, vertentes da liberdade de consciência, da liberdade de crença, da liberdade de culto e da liberdade de organização religiosa” (2002, p. 10). A liberdade de crença, prossegue o jurista, coaduna-se com a faculdade de escolher ou de unir-se a uma religião (2002, p. 12), enquanto a liberdade de consciência diz respeito à adesão de valores morais e espirituais que podem ou não ser reflexo dum sistema religioso (BASTOS, 2000, p. 12). É, contudo, na liberdade de culto, que busca a liberdade religiosa sua exteriorização, tal qual sugere Celso Ribeiro Bastos: Poder-se-ia inserir, dentro da liberdade de culto, todas as práticas que envolvessem qualquer opção religiosa do indivíduo. Assim, as restrições decorrentes da invocação religiosa estariam, igualmente, albergadas sob este título, sendo certo que, não há verdadeira liberdade de religião se não se reconhece o direito de livremente orientar-se de acordo com as posições religiosas estabelecidas (2000, p. 14). 66 Ora, uma vez garantindo o Constituinte que adentram à liberdade religiosa não somente a crença em sua acepção espiritual, mas também as ações e manifestações que dela decorrem, certo é ser ela justificativa válida à objeção do paciente frente a determinados tratamentos médicos quando estes ferem suas mais profundas convicções. Tanto porque, ao opor-se ao tratamento por motivação religiosa está exercendo sua liberdade de culto, que significa pôr em prática em sua vida diária os ensinamentos de sua fé. Ademais, tendo-se que a liberdade religiosa é uma das formas pela qual se explicita a liberdade em sentido amplo, frui ela das mesmas prerrogativas conferidas à última. De modo que, se pode a pessoa valer-se de sua liberdade [ampla] para objetar intervenção médica que não pretenda, não há porque imaginar que em nome de uma de suas vertentes [religiosa] não poderia fazê-lo. Sob esta orientação, assevera Manoel Gonçalves Ferreira Filho: Basta a invocação do direito fundamental á liberdade – que é o direito a autodeterminação pessoal – para justificar a recusa de qualquer tratamento [...]. Mas ela ganha força especial quando apoiada pela liberdade religiosa (1994, p. 24, [Grifou-se.]). Por certo, a recusa cuja razão atrela-se à crença espiritual do indivíduo carece ainda maior necessidade de acato, haja vista que “a opção religiosa está tão incorporada ao substrato de ser humano que seu desrespeito provoca idêntico desacato à dignidade da pessoa”, princípio supremo de toda a ordem Constitucional ao qual aflui a integralidade dos direitos fundamentais (SILVA NETO, 2008, p. 114). Pondera ainda o jurista que submeter o enfermo à terapia por ele recusada, forçadamente e em desconsideração a seus valores espirituais, “poderia [...] se converter em gravame tão considerável que a própria existência se tornaria, para el[e], absolutamente insuportável [...], ou seja, se traduziria, para o crente, em vida sem dignidade” (2008, p. 115). 67 Corroboram Zelita da Silva Souza e Maria Isabel Dias Miorim de Moraes: Wreen propôs que as razões religiosas para a recusa de tratamento são "especiais" e devem ser consideradas de modo diferente de outras razões oferecidas por pacientes. Em harmonia com Wreen, Orr e Genesen escrevem que o que torna especiais os valores religiosos "é não somente o fato de que eles são partilhados por uma comunidade, mas, o que é mais importante, que eles são incorporados pelo indivíduo na sua pessoa. Os valores religiosos, portanto, são mais intrínsecos do que outros valores partilhados, porque eles tratam do próprio significado da vida" (online). Desta forma, mostra-se prudente a adoção do seguinte raciocínio quando em questão, além da questão terapêutica, a consciência do paciente: Não se pode pensar apenas na consciência do médico. Que dizer da do paciente? [...] Caso um médico violasse paternalisticamente [as] convicções religiosas profundas, bem antigas, do paciente, o resultado poderia ser trágico. O Papa João Paulo II tem comentado que obrigar alguém a violar sua consciência “é o golpe mais doloroso infligido à dignidade humana. Em certo sentido, é pior do que infligir a morte física, ou matar” (Despertai!, 1989, p. 26-27). Em se tratando de elementos morais e espirituais inerentes à pessoa, descabe à classe médica ou ao Poder Judiciário questionar e julgar se corretas ou não as convicções religiosas a que se atém o paciente, devendo tão somente respeitá-las para que, por fim, não tenha ele sua dignidade vilipendiada. É de se ressaltar, por oportuno, que a sustentação de ser a recusa fundada em convicção religiosa uma razão ainda maior para que seja acatada a vontade do enfermo – haja vista as íntimas valorações espirituais que a agregam –, não visa invalidar as demais motivações de recusa. E assim se afirma pois o direito à liberdade de consciência, ainda que corolário ao direito à liberdade religiosa, não guarda com esta 68 necessária relação, de modo que pode o descrente invocá-la em razão de motivações não religiosas mas que atinentes à sua consciência e os valores que a permeiam. Basta, portanto, que a terapêutica ofertada lhe imponha prejuízo à consciência – religiosa ou não –, para que sua insurgência mostre-se válida. Ocorre que, o direito do paciente em opor-se a determinas terapias em exercício ao seu direito de liberdade é, por muitos, tido como atentatório à vida humana. Alegam, estes, a existência de conflito entre os fundamentais direitos à liberdade e à vida, e, se assim não o bastasse, afirmam que defender a autonomia do paciente bem como seu direito de recusar certas intervenções médicas significa apologizar ideais de suicídio e eutanásia. Faz-se, portanto, necessário o deslinde de tais assertivas. 3.2 DIREITO À VIDA Direito pressuposto a todos os demais, razão pela qual provavelmente o Constituinte a ele reservou a primeira posição do rol de direitos fundamentais (artigo 5º, caput, CRFB/88), o direito a vida é, sem quaisquer dúvidas, um dos bens jurídicos de maior grandeza de todo o ordenamento pátrio, e, uma vez reconhecida sua superioridade (BESTER, 1999, p. 20), mostram-se necessárias a adoção de medidas para pô-lo a salvo de possíveis violabilidades. Não se pode olvidar, contudo, que a vida, tal como consagrada no texto constitucional, não se restringe ao seu sentido biológico, mas inclui também elementos psíquicos e espirituais que, tanto quanto os aspectos físicos devem ser tomados em conta em situações de contenda e complexidade, a exemplo da recusa de tratamentos médicos por parte de pacientes, em nome de sua autodeterminação. Ao destacar as incontáveis peculiaridades que compõe o direito à vida, José Afonso da Silva sustenta que “a vida humana não é apenas um conjunto de elementos materiais. Integram-na, outrossim, valores imateriais, como os morais” (2000, p. 202), motivo porque a proteção constitucional 69 “compreend[ida] neste direito engloba não só o direito de permanecer vivo, mas, sobretudo, a uma existência digna” (NOVELINO, 263). Daí se entende que o direito à vida Constitucionalmente instituído deve ser interpretado em consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. 3.2.1 O Direito à Vida: sob o enfoque da dignidade da pessoa humana O princípio da dignidade da pessoa humana, positivação recente do ordenamento jurídico pátrio – ainda que a tempos remotos possam ser suas origens reconduzidas (SARLET, 2006, p. 113) – encontra-se reconhecido como fundamento da República Federativa Nacional, como bem se infere da seguinte disposição Constitucional: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I - a soberania; II - a cidadania; III - a dignidade da pessoa humana; Pilar de toda a ordem Constitucional, a dignidade da pessoa humana pode ser definida como A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade , implicando, neste sentido, um de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venha a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos (2008, SARLET, p. 63). 70 É, pois, sob o enfoque da dignidade da pessoa humana que se confere ao direito à vida maior amplitude que a mera existência biológica, integrando neste direito valores superiores sem os quais a própria vida em seu sentido material restaria imprestimosa. Entender a vida em consonância ao seu ideal de dignidade significa reconhecer que “el derecho a la vida meramente biológica de los humanos cede ante el derecho a la buena vida, a una vida de calidad, a una vida de bienestar profundo y duraderas satisfacciones” (GUISÁN, 1994, p. 446)25. Mostram-se insensatas as tentativas de resguardar a vida humana tão somente em seu aspecto físico, como se unicamente a ele se restringisse este multifacetado direito. Faz-se mister a contínua lembrança de que a vida tão somente será boa na medida em que tiver valor para quem a possui (GUISÁN, 1994, p. 449), de modo que qualquer ingerência sobre a vida alheia se mostrará legítima apenas se em consonância aos valores pessoais de seu titular. Por não outro motivo é que à idéia de dignidade da pessoa, Hofmann acrescenta a necessidade de se respeitar a alteridade dos outros, tratando-os conforme suas próprias peculiaridades. Caso contrário, implantar-se-ia no âmbito médico e jurídico não o respeito à vida digna do paciente baseado nas crenças pessoais dele, mas sim a prevalência de certos padrões julgados morais e dignos sob o pensar da Classe Médica ou Judiciária (FIGUEIREDO, 2007, p. 50-51). De grande valia se mostram ainda as palavras de Simone T. A. Nogueira, para quem a preservação à vida deve coadunar também os valores íntimos da pessoa: Existem, dentro do corpo de crenças e da inviolabilidade da dignidade dos indivíduos, valores que - para certas pessoas – são tão ou mais importantes que a própria vida. Em outros termos, para tais pessoas provavelmente não vale a pena viver com a ruptura de algum padrão, ou em desconformidade com um tipo de 25 Em tradução livre: “O direito à vida puramente biológica dos seres humanos cede frente ao direito à uma vida boa, a uma vida com qualidade, a uma vida de bem estar profundo e duradouras satisfações”. 71 crença, fundamental e transcendental. E a ninguém é dado atropelar o livre arbítrio de outrem (evidentemente, sempre que esse livre arbítrio exista e tenha sido desimpedidamente enunciado, sem qualquer tipo de coação indevida), por mais elevados que sejam seus propósitos, ou por maiores que sejam os benefícios literais que se pretenda garantir à pessoa cuja vontade esteja sendo desconsiderada (online). Deste modo, uma vez em questão duas facetas da vida do indivíduo, a saber, biológica e imaterial, não deve uma prevalecer à outra, pois possuem idêntica proteção Constitucional e, dissociadas, não se mostram de qualquer valor. Em não raras vezes e em manifesta desconsideração à dignidade do indivíduo no que atine ao aspecto imaterial de sua vida, a classe médica, frente à recusa de pacientes em se submeterem a certas terapias, recorre ao Poder Judiciário em busca de decisões judiciais que a autorizem a proceder à intervenção, sob o argumento de ser necessária à proteção da vida – e aqui ressalta-se: unicamente biológica – do paciente. Quanto a estas comuns situações Celso Ribeiro Bastos adverte que qualquer intervenção estatal nesta seara – por exemplo, mandado judicial requerido pelos médicos para transfundir sangue em adultos, contra seu desejo, ou em filhos de testemunhas de Jeová contra o consentimento de seus pais – deverá ser submetida a cuidadoso escrutínio, sob pena se estar-se violando frontalmente a dignidade da pessoa humana (2000, p. 8). Em atenção à admoestação do jurista, mostrou-se sensato o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais quando, em cautelosa análise à pretensão do órgão Ministerial que visava autorização judicial para que fosse um paciente submetido à determinada intervenção médica contrária a sua vontade, ponderou: “[...] É inegável que o objeto da irresignação recursal envolve valores constitucionais que necessitam de avaliação prudente, sob pena de institucionalizar-se uma relação ditatorial entre o Estado e 72 o cidadão que titulariza uma série de prerrogativas consideradas fundamentais pela Constituição da República. A preservação do direito à vida, por conseguinte, compõe critério orientador do sistema normativo, e, na espécie em exame, não se pode assumir postura radical na tutela de quaisquer destes valores postos em discussão. Com efeito, a vida humana é um bem jurídico que não pode ser desprezado e é tratado como direito fundamental, mesmo porque precede o exercício de quaisquer outros direitos, haja vista a tutela recebida no âmbito penal. Não há como deixar de reconhecer, em princípio, que associado a este bem, dele deflui a dignidade da pessoa humana, um dos valores que orientam a República (art. 1º, III). [...] Dentro deste contexto, é preciso considerar que a recusa do agravante em submeter-se à transfusão de sangue é providência legítima desde que não esteja inconsciente e possua condições de externar juízo de valor sobre os procedimentos necessários à conservação de sua vida. [...] Aparentemente, a direito à vida não se exaure somente na mera existência biológica, sendo certo que a regra constitucional da dignidade da pessoa humana deve ser ajustada ao aludido preceito fundamental para encontrar-se convivência que pacifique os interesses das partes. Resguardar o direito à vida implica, também, em preservar os valores morais, espirituais e psicológicos que se lhe agregam. [...] É necessário, portanto, que se encontre uma solução que sopese o direito à vida e à autodeterminação que, no caso em julgamento, abrange o direito do agravante de buscar a concretização de sua convicção religiosa, desde que se encontre em estado de lucidez que autorize concluir que sua recusa é legítima. Sim, porque não há regra legal alguma que ordene à pessoa natural a obrigação de submeter-se a tratamento clínico de 73 qualquer natureza; a opção de tratar-se com especialista objetivando a cura ou o controle de determinada doença é ato voluntário de quem é dela portador, sendo certo que, atualmente, o recorrente encontra-se em alta hospitalar e não há preceito normativo algum que o obrigue a retornar ao tratamento quimioterápico se houver a perspectiva de ocorrer a transfusão sangüínea. É conveniente deixar claro que as Testemunhas de Jeová não se recusam a submeter a todo e qualquer outro tratamento clínico, desde que não envolva a aludida transfusão; dessa forma, tratando-se de pessoa que tem condições de discernir os efeitos da sua conduta, não se lhe pode obrigar a receber a transfusão, especialmente quando existem outras formas alternativas de tratamento clínico, como exposto na petição recursal. [...] O tratamento dado pela lei em situação deste já - e que se aproxima do regramento existente no art. 15, CC - é similar à situação vivenciada pelo agravante, cuja crença contempla o dogma a ser vivido de forma concreta em sua religião. Fundado nestas considerações, dou provimento ao agravo para indeferir a tutela antecipada” (Agravo de Instrumento n. 1.0701.07.191519-6/001. 1ª Câmara Cível de Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Relator: Des. Alberto Vilas Boas. Julgado em 148-2007). Por derradeiro e ao contrário do que alegam os que julgam inadmissível a objeção de pacientes frente a determinadas intervenções médicas, não só o direito à liberdade, mas também o próprio direito à vida assegura à pessoa a possibilidade de insurgir-se contra tratamento que considere inconveniente, porquanto neste aspecto se protege a vida em sua mais ampla acepção: de garantir à pessoa vida correlata à sua dignidade, sem a qual provavelmente perderia o porquê de sua existência. Trata-se, pois, de aspecto imaterial da vida do paciente a ser igualmente resguardado, sob pena de atentarse contra sua vida privada, direito fundamental a ele também garantido. 74 3.2.2 O Direito à Vida Privada A proteção à vida privada do indivíduo é garantia expressa da Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 5º, inciso X, prevê: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; O Direito à Vida Privada é por Celso Ribeiro Bastos definido como “a faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar” (2000, p. 17). Complementando, Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que “dela decorre que cada ser humano tem o direito de conduzir a própria vida como entender – fora dos olhos da curiosidade e da indiscrição alheias – desde que não fira o direito de outrem” (1994, p. 6). Tem, ele, duas básicas acepções, quais sejam: a de evitar a divulgação de aspectos pessoais do indivíduo, e, ainda, de se conferir a ele independência na tomada de decisões importantes (FERREIRA FILHO, 1994, p. 6); justificando-se nesta última o direito do paciente em reclamar a nãointerferência – quer médica, quer jurisdicional – sobre seu corpo, quando esta, ainda que sob a argumentação de medicinalmente benéfica, violentar algum aspecto de sua intimidade. Celso Ribeiros Bastos, novamente explanando acerca de decisões judiciais que autorizam intervenções médicas sobre pacientes que as tenham recusado, alerta que quando o Estado determina a realização de procedimento médico mesmo à revelia da volição do enfermo [...] fica claro que violenta a vida privada e a intimidade das pessoas no plano da liberdade individual. Mascara-se, contudo, a intervenção indevida, com o manto da atividade terapêutica 75 benéfica ao cidadão atingido pela decisão. Paradoxalmente, há também o recurso argumentativo aos “motivos humanitários” da prática, quando na realidade mutila-se a liberdade individual de cada ser , sob múltiplos aspectos. (BASTOS, 2000, p. 19) Convém salientar, não entanto, que comumente muitos alegam não respeitar a recusa do paciente porque se assim o fizessem, estariam, a bem da verdade, apoiando a atitude suicida ou eutanásica do mesmo, o que certamente os sujeitaria a incorrer na prática de induzimento ao suicídio (artigo 122 do Código Penal), ou, ainda, em omissão de socorro (artigo 135 do Código Penal), razão pela qual, diante destas possibilidades, preferem violar a privacidade e liberdade do indivíduo. Verifica-se nessas assertivas, contudo, grande e grave equívoco, como bem se verá. 3.2.3 Direito à vida e à recusa esclarecida: não apologia ao direito de morrer Há de ser ter em mente, primariamente, que ao insurgir-se contra determinado tratamento não necessariamente pretende o enfermo a própria morte, haja vista que para tal bastaria que não procurasse ajuda médica. É, aliás, a estes casos – de não recusa meramente displicente que visem à morte – que destina este estudo atenção. Isto porque, defende-se aqui o direito de o paciente insurgirse contra terapêuticas que, por alguma razão – convicções religiosas, traumas, não suportabilidade dos efeitos advindos da intervenção, dentre outros – lhe seriam mais prejudiciais física ou emocionalmente do que conviver com a moléstia sofrida, sem que pretenda ele, com a recusa, promover a própria morte. Diferente situação verifica-se no paciente que ao recusar tratamento, o faz com a intenção de buscar voluntária e conscientemente a morte pois deseja abreviar sua vida, quer por razões de fundo emocionais – suicídio –, quer por razões de sofrível estado de vegetatividade clínica sem esperança de 76 recuperação – eutanásia (GAUDERER, 1998, p. 150), situação em nada correlata à aqui abordada. Ora, uma vez desconfigurada tanto a eutanásia, quando o suicídio, não há porque temer o profissional da saúde ser responsabilizado por tais práticas. Salienta-se, ademais, que na grande maioria dos casos de recusa de pacientes – em que não se pretende a morte – a objeção dá-se unicamente contra específicos tratamentos, propondo-se o enfermo a sujeitar-se a outros substitutos. É o caso, por exemplo, dos pacientes Testemunhas de Jeová que, ao passo que se opõem à terapias hemotransfusionais, procuram tratamentos isentos sem o gerenciamento de sangue alogênico – em grande número já disponíveis no âmbito médico –, e, ainda, pacientes oncológicos, que não obstante às vezes se insurjam contra a prática cirúrgica, aceitam submeter-se a outras alternativas, tais como quimio e radioterapias. Em referência à recusa de pacientes Testemunhas de Jeová, destaca Soriano: “Não obstante, os que professam a orientação das Testemunhas de Jeová não pretendem renunciar à vida, porquanto almejam continuar vivos. Assim sendo não recusam tratamento médico. Argumentam, entretanto, que se poderiam utilizar tratamentos alternativos para se evitarem as transfusões sangüíneas, que, por sinal podem acarretar inúmeras infecções, inclusive a temível AIDS” (2002, p. 118). Em especial nestes casos, em que a recusa reveste-se, a bem da verdade, de caráter de escolha por um tratamento diverso do comumente ofertado, é que o respeito e o acato à vontade do paciente deveriam se fazer, sem quaisquer sombra de dúvidas, presentes. 77 3.3 PROTEÇÃO À INCOLUMIDADE DA CLASSE MÉDICA Não se ignora ser compromisso dos profissionais da saúde salvaguardar a vida. Contudo, não deve esse objetivo ser elevado a tão elevado grau a ponto de invalidar o direito do paciente de fazer suas próprias escolhas como ser autônomo, ainda que elas contrariem o entendimento médico. É por esta razão que José Cláudio Del Claro e Miguel Grimaldi Cabral de Andrade sustentam que “quando surge um conflito entre paciente e médico, os deveres do médico devem estar subordinados aos direitos do paciente” (1999, p. 16). Justificando o porquê deste entendimento, Manoel Gonçalves Ferreira filho explica que [...] deve-se registrar uma hierarquia. O dever médico é de fonte legal, o direito do paciente de aceitar, ou não, um tratamento, ou um ato médico, é expressão de sua liberdade – direitos seu de ordem fundamental, declarado e garantido pela Constituição (1994, p. 24). Ademais, [...] a integridade ética da classe médica, ao passo que é importante, não pode sobrepor-se aos direitos individuais fundamentais aqui garantidos. São as necessidades e os desejos do indivíduo, e não os requisitos da instituição, que são supremos (Despertai!, 1989, p. 26). Destaca-se, ainda, que ao respeitar à vontade de objeção do paciente não incorre o médico na tipificação do crime de omissão de socorro, pelo Código Penal Brasileiro definido como: Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. 78 Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte. Da análise do dispositivo depreende-se que o crime só restará configurado se o médico recusar-se a tratar o paciente, não o prestando qualquer assistência. Tal assertiva não guarda qualquer relação com a situação em que o enfermo – e não o médico – é responsável pela negativa de socorro, como bem esclarecem Celso, Roberto, e Fábio Delmanto ao afirmarem que o delito não restará configurado “na hipótese de a vítima recusar o socorro oferecido, ainda que deixe de comunicar o fato à autoridade” (2000, p. 268). Outrossim, comenta Guilherme Souza Nucci: Não se compreende esteja configurado o delito em toda em qualquer hipótese sob o pretexto de ser a “solidariedade humana” algo irrenunciável. [...] Portanto, se a situação configurar hipótese de vítima consciente e lúcida que, pretendendo buscar socorro sozinha, recusar o auxílio oferecido por terceiros, não se pode admitir a configuração do tipo penal. Seria por demais esdrúxulo fazer com que alguém constranja fisicamente uma pessoa ferida, por exemplo, a permitir que seja socorrida, podendo daí resultar maior lesões e conseqüências. Entretanto, se um ferido morrendo balbucia que não deseja ser socorrido porque deseja morrer, é obrigação de quem poder ele passar prestar-lhe auxílio [...] (2006, p.586 [Grifou-se.]). Verifica-se, assim, que a omissão restaria caracterizada tão somente quando deixado de se prestar o atendimento a pessoa que recusa a ajuda por desejar morrer, ou seja, situações compatíveis ao suicídio ou a eutanásia, que como já dito, em nada se assemelham aos casos em análise. Faz-se prudente constar o entendimento de Manoel Gonçalves Ferreira Filho: Com efeito, do ângulo penal, inexiste crime sem culpa. Ora, na hipótese de recusa de tratamento, não haverá culpa por parte do médico em não ser este prestado. Não terá havido omissão de responsabilidade do médico, mas recusa de tratamento específico por parte do paciente (1994, p. 28). 79 Ademais, não pode o profissional da saúde sofrer quaisquer penalizações quando, respeitando a vontade do paciente, deixa de aplicar-lhe determinada terapia, uma vez que “o dever do médico de cuidar do paciente termina quando este, após ter recebido todas as informações, opõe-se ao tratamento”, de modo que a obrigação do médico em tratar “encontra seu limite no não-consentimento do paciente em relação ao tratamento” (BORGES, 2005, p. 207). 3.4 POSSÍVEL CONFLITO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS Em casos cotidianos, não raras vezes acontece a dita Colisão de Direitos Fundamentais, situação que se configura quando “dois ou mais direitos abstratamente válidos entram em conflito diante de um caso concreto, hipótese na qual as soluções serão divergentes de acordo com o direito aplicado” (NOVELINO, 2008, p. 241). É o que afirma ocorrer grande parte da literatura jurídica e médica quando um paciente recusa alguma intervenção médica. Suscitam, neste momento, conflito de dois importantes direitos: a vida e a liberdade. Todavia, e como exaustivamente já analisado, o agir do paciente no sentido de opor-se a certa terapia não necessariamente atenta contra sua vida, sendo que às vezes, a bem da verdade, tem por objetivo preservá-la em seu importante aspecto imaterial, em que se fazem presentes as mais íntimas razões da existência humana. Seria, pois, demasiadamente superficial o aventar de conflito de direitos tendo-se por base a vida unicamente em seu aspecto biológico. Cumpre aquilatar, desta maneira, se a espécie de recusa – aquelas realizadas de modo não displicente – em que se concentra este estudo provocaria, ou não, uma contenda de direitos constitucionalmente garantidos. Para tal, propõem-se alguns casos práticos. 80 Numa primeira hipótese, tem-se situação em que ao enfermo – quer sob iminente perigo ou não – é ofertada terapia que, ainda que ínfimo, possa lhe causar algum risco. Ora, inexistiria, nestas circunstâncias, qualquer conflito de direitos, porque dum modo ou de outro, estaria sua vida sob risco, e, neste caso, cabe unicamente ao doente decidir a qual risco prefere submeter-se. É o que preconiza, de forma bastante sensata, o artigo 15 do Código Civil Brasileiro ao afirmar que, uma vez passível de risco – em qualquer grau – o tratamento, não estará o paciente obrigado a aceitá-lo. Numa segunda suposição, verifica-se a circunstância em que o paciente recusa uma intervenção, à medida que pugna por uma terapia substitutiva. Surgem nesta hipótese duas interessantes observações. Primeira: supõe-se que não obstante exista a alternativa requerida, não está ela disponível no centro clínico em que se encontra o enfermo. Configuraria, o caso, não um conflito entre direitos fundamentais do próprio paciente, porque em nenhum momento deixa ele de pugnar por tratamento, demonstrando imenso desejo de manter-se vivo. Há, sim, conflito entre o dever Estatal em prover ao paciente os meios por ele aceitáveis de tratamento, e o direito do paciente em preservar sua vida de acordo com sua liberdade individual, situação por Mariana Figueiredo descrita como um “problema da efetividade dos direitos sociais” (2007, p. 203), pela qual não pode ser o enfermo responsabilizado. Em similar situação, decidiu o Tribunal de Justiça do Mato Grosso: TESTEMUNHA DE JEOVÁ – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE – EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA – TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO – RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – DIREITO À SAÚDE – DEVERDO ESTADO – RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA – PRINCÍPIO DA ISONOMIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – LIMINAR CONCEDIDA 81 – RECURSO PROVIDO (Agravo de Instrumento n. 22395/2006. Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Relator: Des. Sebastião de Arruma Almeida. Julgado em 31-5-2006). Verifica-se, deste modo, que a não disponibilidade da terapêutica pretendida pelo paciente em nada se assemelha a não existência desta, sendo, pois, dever estatal provê-la. E assim se afirma, pois o direito à saúde não se reveste exclusivamente das terapias disponibilizadas pelo poder público nos centros médicos, mas sim de todas aquelas ofertadas e já colocadas em mercado pela ciência. Segunda circunstância: tem-se que o paciente, exercendo sua liberdade, recusa-se a procedimento médico de potencial salvamento, aceitando, contudo, submeter-se a outro procedimento, não tão efetivo. Neste momento, observa-se existente certo conflito, pois não obstante escolha o paciente outro procedimento, este não se mostra tão eficaz à manutenção de sua vida. Deve-se lembrar, no entanto e como já explanado, não restringir-se a vida do indivíduo ao seu aspecto biológico. Assim sendo, não devem ser desconsideradas as motivações íntimas que o levam a não querer submeter-se à terapêutica mais indicada. Ora, em se tratando de dois direitos fundamentais constitucionais com mesma hierarquia, não há como entre elas estabelecer preferência de um sobre o outro, de modo que o conflito há de ser abrandado em análise ao caso concreto, aplicando-se a técnica da ponderação de cada um dos direitos conflitantes (BARROSO, 2006, p. 260). Faz-se necessário, sob esta perspectiva, a resolução do conflito instaurado com base na lei de colisão proposta do Robert Alexy:, de que “o ‘conflito’ deve [...] ser resolvido ‘por meio de sopesamento entre os interesses conflitantes’ (ALEXY, 2008, p. 95). Para tal, deve, inicialmente, ser feita uma identificação das normas referentes ao caso e seu agrupamento de acordo com a direção para a qual apontam; em 82 seguida, devem ser analisadas as circunstâncias do caso concreto e suas repercussões para, finalmente, ser feita a ponderação, consistente em atribuir o peso relativo aos elementos e estabelecer a intensidade da referência de cada grupo de normas (NOVELINO, 2008, p. 245). Há de sempre se ter em mente, tal qual é o objetivo do sopesamento dos direitos conflitantes, a tentativa de não nulificar qualquer dos valores em jogo, razão pela qual a resolução da problemática imprescinde análise minuciosa do caso específico, que não restrita a um único ponto de vista (ALEXY, p. 121). In casu, ainda que a terapia aceita pelo paciente não se mostre tão eficaz quanto à proposta pelo médico, deveria ser ela aplicada porque, ao tempo que se conferiria ao enfermo ao menos uma melhora relativa a sua saúde – não se invalidando o direito à vida –, permitir-se-ia que também não fosse aviltada sua consciência e seus mais profundos valores morais, provenientes de sua liberdade. Deste modo, e em sopesamento dos valores envolvidos – tanto sob a perspectiva médica quando sob a dos valores morais do paciente – não se aniquilaria completamente nenhum dos direitos colidentes. Caso contrário, uma vez desconsiderada a vontade do paciente e as razões íntimas de onde advém, ter-se-ia não um equilíbrio dos direitos envolvidos, mas unicamente a prevalência de parte de um deles – a vida biológica –, situação em muito desconforme àquela pretendida por quaisquer das técnicas de resolução de conflitos. Vai além Manoel Gonçalves Ferreira Filho ao dizer que Num conflito, por exemplo, entre o direito à vida e o direito à liberdade o titular de ambos é que há de escolher o que há de prevalecer. E este registro não teoriza senão o que na história é freqüente: para manter a liberdade o indivíduo corre o risco inexorável de morrer. Não renegue isto quem não estiver disposto a, para ser coerente, lutar para que se retire, das ruas as estátuas de incontáveis heróis, dos altares da Igreja Católica numerosos santos. Nem se alegue que este argumento levaria à admissão do suicídio. Não, porque não há o direito à morte, embora haja o de 83 preferir, por paradoxal que seja para alguns, a morte à perda da liberdade (1994, p. 21). Vale relembrar, ademais, que considerar a volição do paciente na tomada de decisões significa respeitá-lo como pessoa autônoma, o que envolve, segundo Paulo Antônio de Carvalho Fortes [...] reconhecer que cada pessoa possui pontos de vista e expectativas próprias quanto a seu destino, e que é ela quem deve deliberar e tomar decisões seguindo seu próprio plano de vida e ação, embasada em crenças, aspirações e valores próprios, mesmo quando estes divirjam dos valores dos profissionais de saúde ou dos dominantes da sociedade (p. 3940). Desta feita, as recusas de doentes frente a determinadas terapias, não obstante aparentemente insensatas, guardam em si, na grande maioria das vezes, motivos arraigados a tão importantes valores do enfermo que desrespeitá-las poderia significar-lhe gravame ainda maior que a própria moléstia sofrida, de modo que não estão o Poder Estatal e a classe médica legitimados a desacatá-las. 84 CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo evolutivo dos direitos fundamentais há séculos instaurado revela o constante empenho humano por seu mais abrangente direito: a liberdade. Frente à liberdade em contínua conquista e à necessidade de gerenciamento responsável sobre a vida humana é que florescem os mais novos direitos de quarta geração [ou terceira para quem assim prefira], que, acima de quaisquer outros objetivos, pugnam pela proteção humana em seu mais intrínseco sentido: da dignidade que lhe é inerente. É, pois, sob esta perspectiva dos novos direitos em emergência que medram os Direitos do Paciente, não adstritos ao atendimento médico, ao acompanhamento em consultas, à prestação gratuita de saúde; mas, também, ao direito do enfermo em agir autonomamente quando em questão seu bem-estar físico e interior, decidindo por si as ingerências que permitirá ou não sobre seu corpo. Em não raras vezes, contudo, o direito de decisão autônoma do indivíduo lhe é tolhido, ou sem quaisquer justificativas, ou pela simplista alegação de estar sob iminente risco de vida, como se sob esta circunstância cessassem seus direitos e poder decisório, tornando-se ele, em razão de sua enfermidade, um sujeito incapaz desprovido de fundamentais direitos. Ademais, não bastasse a inconstitucionalidade dos preceitos legais que apoderam a classe médica de autorização interventiva mesmo à revelia do enfermo – o que se afirma tendo em vista que restrições aos direitos fundamentais imprescidem formulação legal sob crivo do poder Legislativo, exigência inobserada pelas disposições assentadas nos Código de Ética Médica – , a inexistência de parâmetros caracterizadores do dito iminente risco no qual se legitima a intervenção médica permite que, freqüentemente, seja tal justificativa utilizada sem que exista quadro clínico compatível com o risco 85 suscitado, coibindo-se a volição do paciente quando em perfeitas condições encontrava-se ele para exercê-la. Dispensar o imprescindível consentimento do enfermo, bem como sobre ele implementar terapêuticas que lhe sejam de repúdio mostram-se um crasso vilipêndio à sua vontade, porque inobstante visem salvaguardar sua mantença física, promovem-na às custas de seus valores pessoais nos quais se consubstanciam as razões de sua existência. E quem poderia imputar desimportantes as crenças pessoais de outrem, a ponto de, desconsiderando-as, forçar-lhe terapêutica veementemente recusada? À que base moral devem atrelar-se os íntimos pensamentos humanos, senão cada um à sua própria? Em situações de conflitos, especialmente em que valores morais se lançam em jogo, alerta Kelsen que em vista, porém, da diversidade daquilo que os homens efetivamente consideram como bom e mau, justo e injusto, em diferentes épocas e nos diferentes lugares, não se pode determinar qualquer elemento comum aos conteúdos das diferentes ordens morais. Tem-se afirmado que uma exigência comum a todos os sistemas de moral seria: conservar a paz, não exercer a violência sobre ninguém (1999, 73). Respeitar a escolha do enfermo unicamente quando compatível àquela esboçada pelo profissional da saúde ou outra autoridade pelo caso responsável significaria dizer, como há muito já advertido por M. J. Wreen que “o paciente é livre para decidir e que sua decisão será honrada, mas tão somente enquanto ele decidir de certa maneira”, razão pela qual, “o valor desta liberdade e autonomia seria zero”26 (1991, p. 126, online, tradução livre). Não se olvida, tampouco se menospreza, o valor imensurável a ser atribuído à vida em seu sentido biológico, porém verifica-se insensato exclusivamente a ela apegar-se como único direito a ser preservado, à 26 No original: “That’s equivalent to saying that the patient is free to decide, and his decision will be honored – but only as long as he decides a certain way. The cash value of such freedom and autonomy is zero”. 86 medida que se relega à completa insignificância inúmeros outros direitos, como a própria liberdade, a vida privada, e, em especial, o direito do indivíduo em dirigir sua vida sob seus moldes de justeza e moralidade, que a compõem em sua mais ampla acepção. Outrossim, os tratamentos médicos à que vez ou outra são alguns pacientes forçados – como intervenções cirúrgicas para retiradas tumorais, amputações de membros, transfusões sanguíneas, transplantações de órgãos –, não se mostram em nada superiores a determinados cuidados cotidianos a que devam outros pacientes submeter-se, tais quais a não ingestão excessiva de sal ou açúcar, respectivamente, por pacientes hipertensos ou diabéticos sob alto risco; abstenção ao fumo àqueles atingidos por moléstias pulmonares, bem como ao consumo desmedido de bebidas alcoólicas por parte de cirróticos; situações estas em que, não obstante esteja o portador sob diário iminente perigo de vida, não é ele obrigado à adoção das indicações médicas, ficando a seu critério submeter-se ou não às recomendações terapêuticas, ainda que risco advenha à sua vida. Desatender os valores pessoais que motivam a recusa de pacientes é, a bem da verdade, atribuir-lhes menoridade, à medida que se reconhecem como válidas e sensatas exclusivamente as decisões compatíveis às nossas, como se justas e moralmente parametrizantes fossem. Faz-se mister uma mudança, que substitua a paternalidade médica autoritária pela arte de tratar dignamente o enfermo nos moldes de suas íntimas convicções, que lhe preserve não meramente a vida biológica, mas também todos os atributos imateriais que a compõe e a fazem, em seu mais pleno sentido, ser uma vida digna de ser vivida. E é o que se espera das reformulações em andamento do Código de Ética Médica; bem como desta e das futuras gerações. 87 REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradutor: Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 95. ALFONSO, Luciano Parejo. El derecho fundamental de la intimidad. In: SAUCA, José Maria. 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