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economia
FORÇA DO HÁBITO
Instabilidade monetária, inflação e crises desenvolvem cultura consumista no
brasileiro, que até hoje encontra dificuldades em planejar as contas e saldar as dívidas
Lucas Alvarenga
Na década de 80 do século passado e no início dos anos de 1990, nada trabalhou tanto
como os remarcadores de preços. Com a ajuda deles, o dia mal começava e os produtos
estavam nas prateleiras sobretaxados. Influência da inflação, que naquela época,
aterrorizara o consumidor. O pavor de as etiquetas trazerem preços muito além dos
pesquisados anteriormente fez com que o brasileiro incorporasse o hábito de correr para
os mercados e comprar. Estoque era a palavra mais adequada para um país que vivia sob
instabilidade monetária. Planejar, definitivamente, era um termo descartado do dia a dia
do brasileiro. E, ao que parece, continua sendo.
“A inflação elevada comprometeu a capacidade de poupança dos assalariados e somente
os que tinham conta em banco podiam se proteger da inflação. Infelizmente, essa
parcela da sociedade era uma minoria naquela época. O normal era receber a renda e
gastá-la automaticamente, para que não ocorresse perda do poder de compra”. Em meio
a recordações de uma época em que a inflação atingiu 2.477% ao ano na gestão Itamar,
o professor de Ciências Econômicas da PUC Minas, Flávio Constantino, analisa o
comportamento do brasileiro daquele tempo. Para o economista, uma série de atitudes
passadas se relaciona ao tratamento dado atualmente pelo trabalhador ao seu dinheiro.
A forte presença de um grupo de empresas controlando os preços do mercado durante os
últimos anos do regime militar instaurado em 1964, limitou a concorrência e fez reduzir
as opções de consumo e de preços. Neste cenário, milhões de famílias não tiveram como
projetar com eficiência seus gastos. “O período de instabilidade deixou como herança
uma incapacidade de olhar o futuro. O brasileiro não conseguia criar um horizonte de
planejamento por causa das mudanças constantes das regras do jogo”, contextualiza
Constantino.
Novas demandas
Com o Plano Real e o controle do processo inflacionário, o Brasil entrou em uma nova
fase de consumo. O poder de compra, além de ter sido recuperado, foi mantido. A
estabilidade conteve as oscilações de mercado. A queda dos riscos financeiros estimulou
os bancos a emprestarem mais. E com o crédito em expansão, o momento de
tranquilidade econômica se intensificou, chegando a resultados expressivos no Governo
Lula. Em 2010, por exemplo, o consumo das famílias brasileiras cresceu 7%, de acordo
com informações do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística, o IBGE.
Para o doutor e coordenador do curso de Ciências Econômicas do Ibmec-MG, Marcio
Salvato, o Brasil já esgotou sua capacidade ociosa do final de 2008 e início de 2009,
período da crise mundial provocada pelas hipotecas nos Estados Unidos. “Hoje, nós
continuamos a crescer a demanda agregada, mas não conseguimos elevar a oferta na
mesma velocidade por termos chegado próximo ao limite da capacidade instalada”,
explica. Tanto para Salvato, quanto para Constantino, a política de expansão do crédito
alimentou uma demanda excessiva, o que, atualmente, reflete-se na ligeira alta da
inflação.
O incentivo ao consumo imediato, medida tomada pelo governo Lula para afastar os
efeitos da crise econômica mundial do país, fizeram da população novamente refém do
desejo das autoridades governamentais. Dados da pesquisa Observador e do IBGE
comprovam a situação. Os brasileiros reduziram sua poupança mensal em 2010 para R$
528,03. O levantamento tomou como base o mês de dezembro passado e questionou os
entrevistados sobre a quantia economizada no mês anterior. Em 2009, o trabalhador
reservou R$ 535,31 em média. A principal razão para a queda está na classe média, que
registrou redução de 7% nos seus níveis de poupança.
Pagamentos atrasados
“O certo é que o trabalhador poupasse uma maior parte de sua renda para ter um futuro
melhor ou maior poder de negociação junto aos vendedores. Contudo, os brasileiros
ainda não aprenderam a lidar com as finanças pessoais”, esclarece Constantino. Para o
mestre e professor de Ciências Econômicas da PUC Minas, a elevada taxa de juros, o
forte apelo publicitário e o incentivo ao consumo imediato reforçam o cenário de
descontrole e de crescimento do número de consumidores em débito no país.
A Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas, a CNDL, registrou em uma pesquisa
recente o aumento da inadimplência no Brasil. Em junho, houve uma alta de 6,9%,
contra 3,61% em maio e 2,24% em abril. Os números ainda estão abaixo do nível
histórico, embora já preocupem especialistas. Na análise da agência de avaliação de
crédito Serasa Experian, a proporção de empréstimos com vencimentos atrasados em
mais de 90 dias deve alcançar 8% até o término do ano.
As projeções levam em conta o cenário vivido pelos brasileiros nos últimos anos,
quando mais de 30 milhões de pessoas saíram na linha da pobreza. Com mais dinheiro,
graças a programas de transferência de renda e ao crescimento de importantes setores da
economia, os novos consumidores tomaram empréstimos para comprar
eletrodomésticos, imóveis e carros. O resultado se aproximou de uma elevação de quase
100% no crédito privado desde 2007. O que fez os bancos nacionais preverem um
adicional de 10% no crédito este ano, apesar dos juros chegarem a 39%.
Mudança de hábito
As facilidades de crédito, porém, não devem iludir o trabalhador a gastar todo seu
dinheiro. Para Flávio Constantino, cada indivíduo deveria poupar alguma quantia, a fim
de garantir um futuro mais tranqüilo. “A taxa de poupança ideal depende da renda de
cada indivíduo e de seu padrão de consumo. Normalmente, uma poupança equivalente a
30% da renda e diversificada, ou seja, títulos públicos e privados, ações ou imóveis”,
esclarece o educador.
Apesar de os bancos terem de reduzir a oferta de crédito e exigir maiores garantias dos
tomadores de financiamentos, cabe ao consumidor desenvolver uma educação
financeira e orçamentária para que o quadro atual seja revertido. Segundo Constantino,
esse é o primeiro passo para que o termo planejar faça parte do vocabulário econômico
do brasileiro. Iniciativas recentes como o primeiro curso de pós-graduação em educação
financeira do país, implantada por um instituto paulista em abril de 2010 reforçam essa
intenção.
Outras medidas, porém, podem contribuir para a transformação do cenário de intensa
demanda. “Na perspectiva macroeconômica, políticas que garantam um crescimento
sustentável, gerando empregos e distribuição de renda já seriam um primeiro passo. Daí
a necessidade das reformas previdenciária e tributária, de uma formação de capital
humano e de transparência das informações. Na visão microeconômica cabem
campanhas para esclarecer e mudar a cultura consumista em curto prazo”, conclui
Flávio Constantino.
CRÉDITOS E LEGENDAS:
Foto 01:
Legenda: De 2010 para 2009, o número de brasileiros da classe média que mantiveram
os cofrinhos intactos caiu 7%. A quantia poupada também diminuiu, segundo o IBGE
Crédito: sxc.hu
Foto 02: (FALTA ENVIÁ-LA)
Legenda: Para o professor de Ciências Econômicas da PUC Minas, Flávio Constantino,
os bancos devem diminuir a oferta de crédito e pedir maiores garantias de pagamento
aos clientes
Crédito:
Foto 03:
Legenda: Com a redução de tributos no período da crise, trabalhadores fizeram dívidas
sem ter condições de saldá-las. O resultado é o aumento da inadimplência, que já
preocupa as autoridades financeiras
Crédito: sxc.hu
Foto 04
Legenda: Com a crise nos Estados Unidos e o a recuperação da economia brasileira, o
real voltou a se valorizar, deixando os importados mais atrativos. Um perigoso atrativo
ao consumo
Crédito: sxc.hu
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