HEGEL E A IDÉIA DE UMA TRÍPLICE DETERMINAÇÃO DA NATUREZA E DA FILOSOFIA DA NATUREZA Manuel Moreira da Silva (PqC – DEFIL/UNICENTRO), e-mail: [email protected]. Universidade Estadual do Centro-Oeste – UNICENTRO Setor de Ciências Humanas Letras e Artes – SEHLA Palavras-chave: Hegel, Lógica, Natureza, Espírito, Filosofia da Natureza. Resumo: Trata-se de uma retomada e desenvolvimento da concepção hegeliana da Natureza e da Filosofia da Natureza, mediante as determinações da primeira enquanto posta (gesetzte), em si (an sich) e dentro-de-si (in sich), consoante a Doutrina dos Silogismos da Filosofia e conforme o modelo do Lógico e da Ciência da Lógica. Apresentar-se-ão os limites da Filosofia da Natureza de Hegel e as linhas gerais de seu desenvolvimento especulativo atual. Introdução A concepção da Natureza e da Filosofia da Natureza de Hegel são passíveis de retomada e desenvolvimento segundo as determinações da primeira enquanto posta (gesetzte), em si (an sich) e dentro-de-si (in sich), consoante a Doutrina dos Silogismos da Filosofia da Enciclopédia (de 1817 e 1830) e o modelo do Lógico e da Ciência da Lógica. Conforme esse modelo, exposto no § 17 da Enciclopédia de 1817 e que supõe o Lógico dentro-de-si, este se mostraria nos quadros da Ciência da Lógica em si, posto e para si (em si, aí e para si mesmo); caso em que esta se determinaria respectivamente como Ciência primeira, última e absoluta – consumando os lugares que o Lógico ocuparia nos silogismos constituintes do Silogismo absoluto. Seguindo-se este modelo, pode-se também consumar não só uma tríplice determinação da Natureza, mas a própria Filosofia da Natureza, que se determinaria em três significados distintos na medida em que se ocuparia da Natureza ou enquanto posta, ou como em si ou ainda enquanto dentro de si. A seguir, apresentaremos as linhas gerais do desenvolvimento especulativo da Natureza e da Filosofia da Natureza de Hegel à luz de tal modelo. Materiais e Métodos Trata-se de uma investigação rigorosamente especulativa, especificamente lógico-efetiva. Ao nível exegético, bem como filológico e hermenêutico, a Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 pesquisa se desenvolve sob a forma de uma leitura imanente ou interna do texto hegeliano; ao nível de seu desenvolvimento metodológico-formal, aqui dialético-negativo, a investigação se articula e se desdobra mediante a problematização do conteúdo especulativo em jogo no contexto em foco, buscando trazer à luz os principais temas e problemas da argumentação de Hegel e seus intérpretes mais destacados no que diz respeito ao interesse da pesquisa em tela. Ao nível propriamente teorético, à distinção do simplesmente teórico, portanto paradigmático e fundacional, a investigação levada a cabo retoma e desenvolve, a partir de um viés propriamente henológico, o ponto de vista idealístico-especulativo, em contraposição aos pontos de vista hoje usuais no tratamento da Natureza e da Filosofia da Natureza em geral e da concepção hegeliana destas em particular. Resultados e Discussão Para Hegel, a Filosofia é uma Ciência; mais precisamente, um Sistema da Ciência. Enquanto Sistema, ela se perfaz sob a forma de uma Enciclopédia das Ciências Filosóficas, cujas ciências fundamentais são os sistemas da Ciência da Lógica, da Filosofia da Natureza e da Filosofia do Espírito; os quais, por seu turno, se determinam em uma série de outros subsistemas – cada um desenvolvendo-se sob a forma uma ciência determinada. Desse modo, tanto o Sistema da Ciência como tal, quanto o Sistema de cada uma das ciências universais que o compõem, bem como os diversos subsistemas que as integram, conformam-se nos quadros de uma tríplice determinação que se funda justamente na chamada Doutrina dos Silogismos da Filosofia, exposta nos parágrafos finas da Enciclopédia das Ciências Filosóficas em suas edições de 1817 e 1830. Contudo, até aqui, nenhuma investigação levou a cabo o desenvolvimento imanente das ciências em questão de forma plenamente acabada; inclusive Hegel, que se limitou ao primeiro silogismo da Filosofia, por ele denominado Silogismo do Dasein, o qual não é senão o modo como, a partir de sua exterioridade constitutiva, a Coisa mesma se apresenta à consideração. Essa que, na economia da Doutrina hegeliana dos Silogismos da Filosofia, se mostra como sendo o momento analítico do silogismo total, absoluto ou propriamente especulativo, e apresenta como sua estrutura interna as determinações sistemáticas do Em si (An sich), do Posto (Gesetztes) e do Para si (Für sich). Plasmando essa estrutura, enquanto primeiro momento lógico do Sistema da Ciência, o Silogismo do Dasein organizaria as ciências universais do mesmo nos limites da forma L-N-E, na qual a Natureza se mostra como o segundo momento ou o momento posto de tal estrutura e a Filosofia da Natureza como sua consideração imanente; vale dizer, também como o momento do Sistema enquanto este se apresenta posto. Disso, e da limitação de Hegel a isso, resulta uma série de problemas, dentre estes o da tríplice determinação da Natureza e da Filosofia da Natureza; isso porque, embora na Filosofia da Natureza esteja em jogo o elemento intrínseco das Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 determinações filosófico-naturais, i.é, o caráter de determinações-deconceito dessas determinações, enquanto as mesmas se apresentam apenas como postas, elas não podem exprimir tal elemento de modo perfeito e acabado, em especial para o caso da Natureza em si e da Natureza dentro de si. Neste sentido, por um lado, as determinações que se apresentam na Filosofia da Natureza não só tem que apreender a Natureza em seu conceito próprio ou em si, mas também em sua realidade, segundo o movimento dialético de tal conceito, portanto, enquanto posta; o que significa, ao fim e ao cabo, que a Natureza mesma também tenha que, neste movimento, retornar dentro de si. Isso, porém, de modo que, em tal retorno, ela se apresente não mais apenas em si ou posta, mas absolutamente dentro de si; caso em que, à diferença do dentro de si puramente lógico (que, enquanto o Conceito em seu começo absoluto, se determina como o imediato indeterminado ou o sem-qualidade e que não é já aí, nem em si), este dentro de si agora em jogo na Filosofia da Natureza se constitui como o resultando final ou último de todo o movimento do Conceito, em cujo retorno dentro de si este mesmo Conceito também se faz, por seu turno, absolutamente para si ou, de modo mais preciso, em si e para si, perfazendo, pois, em seu círculo, o movimento que não é senão seu próprio automovimento. Por outro lado, ao nível do Silogismo do Dasein, essas determinações nem se mostram evidentes, nem se apresentam em sua consistência necessária – dado que aí não há passagem de uma Natureza em si (que não seja o próprio Lógico) à Natureza posta; o que implica no desenvolvimento da Natureza em si e da Natureza dentro de si apenas ao nível do segundo e do terceiro silogismos, nos quais, de modo respectivo, a Natureza se mostra propriamente em si (N-E-L) e dentro de si (E-L-N). Para além de sua interpretação meramente linear, na qual, por exemplo, a Vida apareceria apenas como o terceiro momento da Natureza posta, ou como esta em geral enquanto o segundo momento do Sistema da Ciência em seu ser-aí, a Natureza e a Filosofia da Natureza de Hegel exigem ser compreendidas na totalidade de suas significações, nos quadros da qual a Natureza em si tem de ser determinada como um todo vivo; portanto, não apenas como o momento da vida ou como um todo vivo in abstracto, mas como a atividade mesma do próprio Conceito em seu devir para si, vale dizer, em sua exposição concreta não mais nos limites do fenômeno e da experiência meramente sensível próprios à Natureza posta, mas no âmbito de seu desenvolvimento efetivo, para dentro de si, de seu caráter em si, o que só pode ser o caso nos quadros do segundo silogismo da Filosofia, o silogismo da Reflexão, em cuja forma, N-E-L, a Natureza se apresenta como o primeiro momento. O que implica no fato da determinação da Natureza como dentro de si também não poder limitar-se ao existir da Natureza como o que subjaz no interior da existência do Espírito em geral ou na existência do Espírito como Natureza ou, ainda, como segunda Natureza em particular, pelo menos do modo como, por exemplo, as últimas se apresentam na Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009 Eticidade, respectiva e expressamente, no § 513 da Filosofia do Espírito da Enciclopédia de 1830 e nos §§ 4 e 151 da Filosofia do Direito. Enfim, considerando a forma presente do Sistema da Ciência segundo suas realizações literárias mais conformes ao intento de Hegel, tal como este Sistema se apresenta, portanto, nas versões enciclopédicas de 1817 e 1830, por conseguinte reduzido à forma linear do primeiro silogismo da Filosofia, a determinação da Natureza dentro de si só pode se mostrar subordinada; quando, ao contrário, o que está em jogo para ela é, sobretudo, sua liberação absoluta, algo possível e efetivamente realizável tão somente nos quadros do terceiro silogismo da Filosofia, o silogismo da Necessidade, em cuja forma, E-L-N, a Natureza se apresenta como o terceiro momento. Isto significa, por fim, que o programa hegeliano de uma Filosofia especulativa da Natureza não se reduz à exposição meramente formal da Natureza como exterioridade ou enquanto posta, nem muito menos na tentativa de uma mediação dessa exposição com o ponto de vista da Física empírica de sua época, mas no conjunto mesmo de suas determinações. Conclusões Enquanto considera a Natureza enquanto posta, a Filosofia da Natureza de Hegel pretende mediar e ir além das ciências empíricas, deixando a estas o seu lugar próprio no concerto das ciências da Natureza; o que implica numa abertura crescente para com os progressos das ciências empíricas e em seu desprendimento em relação ao caráter contingente destas. Por seu turno, a determinação da Natureza em si exige o reconhecimento e a retomada não só de uma concepção orgânica da Natureza, ou da Natureza como capaz de auto-organização, no que tange à determinação empírica dos organismos nela presentes, mas, sobretudo, de sua totalidade mesma como Vivente; o que, a rigor, consiste fundamentalmente na retomada e no desenvolvimento da concepção platônica do Kósmos e da concepção aristotélica da Physis – isso, em função de um programa rigorosamente especulativo ou segundo o ponto de vista do Conceito. Do que resulta, por conseguinte, a determinação da Natureza dentro de si, que então deveria se mostrar como o resultado último da Filosofia da Natureza nos quadros de uma tríplice determinação da Natureza enquanto momento essencial do devir para si do Conceito. Referências HEGEL, G. W. F. Werke. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1970. (TWA, 20 vols.). [Philosophie des Rechts, TWA 7; Enzyklopädie (1830), TWA 8-10]. HEGEL, G. W. F. Sämtliche Werke. Heidelberg: Frommanns Verlag, 1956. (SW, 20 vols). [Encyklopädie (1817), SW 6]. Anais da SIEPE – Semana de Integração Ensino, Pesquisa e Extensão 26 a 30 de outubro de 2009