O Comum é Comuníssimo Tive a oportunidade de estudar na Faculdade de Medicina da UFMG em uma época na qual grandes mestres transmitiram não só o conhecimento técnico mas principalmente valores e ideias. Um dos aforismas que guardei foi: “Em medicina o que é comum é comuníssimo, o que e raro é raríssimo, nunca tentem buscar o raríssimo no comuníssimo, pois farão excesso de exames, apavorarão seus pacientes e complicarão um diagnóstico simples!”. Em seu artigo clássico, " The Ecology of Medical Care ", Kerr White , MD ( http://www.nejm.org/doi/pdf/10.1056/NEJM196111022651805) , demonstrou que se você observar 1000 adultos de uma população, 750 deles relatam algum tipo de doença ou lesão durante qualquer período de 1 mês . Deste grupo 250 dessas vão consultar um médico , apenas 9 serão admitidos a qualquer tipo de um hospital, e apenas 1 paciente será encaminhado para um centro médico universitário (Figura 1). Quarenta anos mais tarde , um grupo de pesquisadores replicaram a análise realizada pelo Dr White e seus colegas e , notavelmente , constataram que os resultados foram praticamente os mesmos( http://historical.hsl.virginia.edu/kerr/pdf/Ecology%20of%20Med%20Care%20Revisited.pdf ). As escolas de medicina, em sua maioria, focam em preparar os futuros médicos para cuidarem dos “9 pacientes internados” mas ainda falham em ensinar o médico a cuidarem de forma eficiente dos “250” que procuram serviço de saúde e principalmente dos outros “500” que não procuraram. Exemplos Image not foundum or type unknown corroboram essa situação. De um lado o crescente “sobrediagnóstico” e “sobretatamento” e no extremo oposto, o “cuidado imperfeito”. No livro “Overdiagnosed”, o professor Gilbert Welch afirma que o sobrediagnóstico (overdiagnosis) é um dos maiores problemas a ser enfrentado pela medicina moderna. Vários fatores culturalmente inseridos no pensamento médico contribuem para que esse fenômeno aconteça: rastreamento excessivo de doenças (especialmente neoplasias), avanço tecnológico dos métodos de imagem e mudança nas definições de doenças (maior amplitude nos critérios diagnósticos). Estudos recentes apontam que até um terço dos cânceres de mama são sobrediagnosticados. Ainda, é possível encontrar sobrediagnóstico em casos de neoplasias de próstata e de tireoide, diabetes , Doença de Alzheimer e transtornos depressivos. A preocupação em torno desse assunto é importante pelo fato de que muitos diagnósticos, além de não modificam a história natural da doença, levam a tratamentos inoportunos, podendo acarretar danos ao paciente, como aqueles decorrentes de efeitos adversos medicamentosos ou procedimentos desnecessários, além de gerar ansiedade no paciente. Além disso, em vez de reduzir os custos com os cuidados de saúde, todas essas varreduras, rastreios e exames, na verdade, podem aumentar os custos na saúde , devido a tratamento excessivo pessoas que nunca se beneficiarão com o referido tratamento. A conclusão do autor é que ambos - médicos e pacientes - precisam ser céticos e entender todos os vantagens e desvantagens em relação a screening para uma possível doença. Em contrapartida , um grande número de estudos demonstram o “cuidado imperfeito” tanto em situações agudas mas principalmente no cuidado de condições crônicas . A publicação "Crossing the Quality Chasm" (http://www.nap.edu/read/10027 ) apresenta através de diferentes referências o grande desperdício de oportunidades para prevenção e tratamento adequado das doenças crônicas. Por exemplo em saúde mental , em que é gritante os baixos padrões de qualidade no tratamento. Em um estudo sobre avaliação da qualidade da atenção ao paciente com esquizofrenia ,70 por cento receberam subtratamento e 79 por cento das pessoas que experimentaram efeitos colaterais dos medicamentos, receberam má gestão deles (Young et al., 1998). Entre os pacientes idosos hospitalizados com depressão, que receberam alta em uso de medicação antidepressiva, 33 por cento estavam em uma dose abaixo do nível recomendado (Wells et al., 1994). Para determinadas condições crônicas, exames e testes de rotina são cruciais a fim de evitar complicações. Diabetes mellitus provoca várias complicações.Uma dessas é uma condição ocular chamada retinopatia diabética. Recomenda-se que pacientes com diabetes mellitus realizem um exame anual de fundo de olho. Em um estudo nacional nos EUA, apenas 49 por cento dos adultos com diabetes haviam sido submetidos a um exame de fundo de olho no último ano (Brechner et al., 1993 ). Os sistemas de saúde estão desenhados de tal forma, que por um lado geram cada vez mais um excesso de desperdício de recursos, grande parte devido a condutas que levam ao sobrediagnósitco e ao sobretratamento. Do outro lado ainda patinam para criar um modelo que assegure o cuidado efetivo e eficiente tanto em condições agudas e crônicas , o que poderia aumentar significativamente a segurança na assistência e os desfechos adequados em saúde. Caso não seja realizado um redesenho deste modelo imediatamente, continuaremos a vivenciar esse paradoxo , no qual teremos gastos crescentes e não necessariamente mais saúde. Paulo Magno do Bem Filho, é médico, mestre em Medicina, pós-graduado em gestão em saúde. Atua na área de promoção da saúde, gerenciamento de doenças crônicas e inovação da atenção à saúde.