DOI: 10.5102/ucs.v14i1.3629 A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro* Colonization of the intestinal microbiota and its influence on health host Ludmilla Araújo da Paixão1 Fabíola Fernandes dos Santos Castro2 Resumo A microbiota intestinal tornou-se uma fonte de estudo extremamente importante para o conhecimento e tratamento de determinadas patologias. O trato gastrointestinal é um órgão estéreo ao nascimento, adquirindo microrganismos logo após o parto. Dentre suas principais funções, destacam-se a imuno-modulação, contribuição nutricional e resistência à colonização por bactérias patogênicas. Sofre alterações por fatores externos e internos como meio ambiente, antibicoterápicos, alimentação, sistema imunológico, genético, probióticos e prebióticos. Novos tratamentos têm surgido de maneira promissora para o combate de determinadas doenças entéricas, como o transplante de fezes que, apesar de ser recente, apresenta ótimos resultados. O Trabalho tem como objetivo relatar a colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro. Foi realizada uma revisão bibliográfica narrativa, com artigos publicados entres os anos de 1999 a 2015. Palavras-chave: Microbiota intestinal Gastrointestinal. Colonização bacteriana. Probióticos. Prebióticos. Transplante de fezes. Abstract Recebido em: 03/10/2015. Aprovado em: 03/04/2016. 1 Graduada em Biomedicina pelo Centro Universitário de Brasília. Brasília (DF) – Brasil. E-mail: [email protected]. 2 EBiomédica. Pós graduada em microbiologia aplicada ao laboratório clínico. Mestre em Ciências da Saúde pela Universidade de Brasília – UnB. Professora de Biomedicina no Centro Universitário de Brasília. Brasília (DF) – Brasil. E-mail: [email protected]. * The intestinal microbiota has become an extremely important study source for knowledge and treatment of some pathology. Gastrointestinal tract is a sterile organ at birth, acquiring microbes immediately after child-birth. Between its functions, it can point out: immunomodulation, nutritional contribution and resistance to colonization by pathogenic bacteria. It is altered by external and internal factors such as environment, antibicotherapic, nutrition, immune system, genetics, probiotics and prebiotics. New treatments have been a promised way to combat some enteric diseases, how for example, transplanting stool, which despite being recent, it shows great results. The work aims to report the colonization of the intestinal microbiota and its influence on the health of the host. It conducted a literature narrative review with papers published between the years 1999 to 2015. Keywords: Intestinal tract. Gastrointestinal. Bacterial colonization. Probiotics. Prebiotics. Transplant faeces. Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016 1 Introdução 86 O termo microbiota intestinal refere-se a uma variedade de micro-organismos vivos principalmente bactérias anaeróbias, que colonizam o intestino logo após o nascimento. É constituído por microbiota nativa e de transição temporária, sendo considerado como um dos ecossistemas mais complexos, com cerca de 1.000 bactérias distintas. Seu estabelecimento é influenciado por múltiplos fatores e chega ao ápice por volta dos dois anos de idade (GUARNER, 2007; BARBOSA et al., 2010). A primeira fonte de microrganismos para a colonização do trato gastrointestinal (TGI) é o parto, principalmente o normal, por ter contato direto com a microbiota fecal da mãe. Seguido então pelo ambiente e amamentação. Esta por sua vez sofre grande influência pelo uso de leite humano ou leite industrializado (PENNA; NICOLI, 2001). A colonização do TGI infantil completa é de extrema importância para a saúde do bebê e posteriormente para o adulto, a sua instalação e manutenção pode reduzir a proliferação e disseminação de bactérias multirresistentes. As bactérias entéricas apresentam funções favoráveis ao hospedeiro como as antibacterianas, imunomodulação e metabólicos nutricionais (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006; WALL et al., 2009). As principais bactérias que compõe a microbiota entérica são benéficas e/ou probióticas e as nocivas. Como exemplo de probióticas, temos as Bifidobactérias e Lactobacilos (Bacteroides spp., Bifidobacterium spp., Lactobacillus spp., e para as nocivas podem ser citadas a Enterobacteriaceae e Clostridium spp. São encontrados também na microbita entérica a Eubacterium spp., Fusonbacterium spp., Peptostreptococcus spp., Ruminococcus (SANTOS; VARAVALHO, 2011). Probióticos são descritos como micro-organismos vivos que, ao serem administrados em quantidades adequadas, oferecem vantagens para a saúde do hospedeiro e a ação desses produtos deve ser demonstrada para cada cepa. Entre seus efeitos, destacam-se normalização da microbiota, diminuição da permeabilidade intestinal, proteção contra invasores patogênicos, auxílio nos reestabelecimentos pós antibicoterápicos e estimulação do sistema imunológico (WALL et al., 2009; SANTOS; VARAVALHO, 2011). Prebióticos são ingredientes alimentares utilizados no crescimento dos micro-organismos no intestino, não são digeridos no intestino delgado, mas são metabolizados no intestino grosso. Tem capacidade para modificar a composição da microbiota colônica, de forma que as bactérias benéficas tornam-se a maioria predominante (ALVES et al., 2008). A microbiota intestinal é um ecossistema que age de forma simultânea e mútua com as células do hospedeiro por um processo de simbiose, no qual nenhum dos dois é prejudicado. O equilíbrio pode ser mantido por meio de uma alimentação sistemática rica em probióticos e prebióticos (SAAD, 2006). A aderência de alguns micro-organismos na parede do intestino é um importante elemento que controla a composição das comunidades epiteliais e do lúmen. Certas bactérias apresentam estruturas de adesão diferentes na sua superfície, citadas como adesinas, as quais possibilitam o reconhecimento nos eritrócitos da mucosa, sendo possível dessa forma, a adesão da bactéria na parede do intestino e possibilitando a sua multiplicação (BARBOSA et al., 2010). Os antibióticos em excesso ou administrados de forma incorreta induzem a uma seleção natural, diversas enfermidades diarreicas são causadas por essa assimetria bacteriana no intestino. Desse modo, o trabalho tem por objetivo relatar e explanar a colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro, desde a formação da microbiota normal à colonização por cepas patogênicas, incluindo a associação com probióticos e prebióticos. 2 Metodologia O referente trabalho é uma revisão bibliográfica narrativa a respeito da colonização da microbiota intestinal. Segundo Cordeiro (2007, p. 428): A revisão da literatura narrativa ou tradicional, quando comparada à revisão sistemática, apresenta uma temática mais aberta. Dificilmente parte de uma questão específica bem definida, não exigindo um protocolo rígido para sua confecção e a busca de fontes não é pré-determinada e específica, sendo, frequentemente, menos abrangente. A seleção dos artigos é arbitrária, provendo o autor de informações sujeitas a viés de seleção, com grande interferência da percepção subjetiva. A pesquisa foi realizada em bases de dados de referência, SciELO, PubMed, MEDLINE e CDC utilizando as palavras chaves: microbiota intestinal, microbiota gastrointestinal, colonização bacteriana, transplante de fezes, prebióticos e probióticos. Foram coletados artigos em português, espanhol e inglês, publicados entre os anos 1999 e 2015. 3 Desenvolvimento 3.1 Microbiota intestinal A microbiota intestinal é considerada um ecossistema essencialmente bacteriano que reside normalmente nos intestinos do homem, exerce o papel de proteção, impedindo o estabelecimento de bactérias patogênicas que geralmente são ocasionadas pelo desequilíbrio da microbiota. Algumas doenças como a diarreia e a colite pseudomembranosa são provenientes dessa assimetria bacteriana (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006; BARBOSA et al., 2010). O intestino é considerado um ambiente com amplo número de espécies de bactérias distintas. São encontradas em toda região gastrointestinal, entretanto, no estômago e no intestino delgado encontram-se em menores quantidades devido ao contato e ação bactericida do suco gástrico. No íleo, há uma área de transição e o colón apresenta condições favoráveis para o crescimento bacteriano devido à escassez de secreções intestinais e abrangente fonte de nutrição (GUARNER, 2007). Existe uma relação de aspecto benéfico entre hospedeiro e microbiota no intestino, sendo fundamental o equilíbrio que favoreça as duas partes. As bactérias que integram o trato gastrointestinal são em sua maioria anaeróbicas, destacando-se os gêneros bacteroides, Bifidobacterium, Eubacterium, Clostridium, Peptococcus, Peptostreptococcus, Ruminococcus e Fusobacterium (GUARNER; MALAGELADA JUNIOR, 2003). A microbiota intestinal tem várias funções que são significantes e bem estabelecidas, sendo importantes as de proteção anti-infecciosa que fornecem resistência à colonização por micro-organismos exógenos; a imuno-modulação, que possibilita uma ativação das defesas imunológicas e, por fim, a contribuição nutricional resultante das interações locais e dos metabólitos produzidos oferecendo fontes energéticas e de vitaminas (PENNA; NICOLI, 2001). A instalação da microbiota ocorre logo após o nascimento. Os neonatos são estéreis, totalmente livres de bactérias, sendo necessário a imediata colonização pelos micro-organismo não patogênicos e que desempenham as funções mencionadas acima. Sua composição definitiva é obtida em torno dos dois anos de idade mantendo-se estável pelo resto da vida (TANNOCK, 1999). O desenvolvimento e estabelecimento da microbiota intestinal é um mecanismo complexo que recebe influência de fatores externos relacionados ao hospedeiro como o tipo de parto, aleitamento materno ou artificial, contaminação ambiental, uso de antimicrobianos, sistema imune e características genéticas. Esses elementos podem facilitar ou dificultar a instalação do ecossistema (PENNA; NICOLI, 2001; BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006). A colonização bacteriana no TGI é realizada por meio de sítios de adesão específicos, que são determinados geneticamente e podem sofrer interferências ou causar alterações nos receptores de células da mucosa. As espécies que se encaixam nesse contexto colonizam de forma permanente o intestino e tornam-se a microbiota natural do TGI. A permanência das bactérias no intestino depende dessa ligação, o que exige uma especificidade e possibilita a colonização do hospedeiro (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006; ANDRADE, 2010). A mãe é a primeira fonte de micro-organismo das crianças. Sendo assim, os bebês de parto normal entram em contato com bactérias mais rápido do que crianças de parto cesáreo, visto que, no parto vaginal tem contato direto com a microbiota fecal materna por meio do canal de parto. Em contrapartida, no parto cesáreo, a fonte inicial de contaminação é o meio ambiente, retardando assim o estabelecimento da microbiota, sendo mais comum a colonização por bactérias anaeróbia - Bacteroides e Clostridium (GROUND et al., 1999; ANDRADE, 2010). Os recém nascidos amamentados enriquecem a microbiota comensal com bifidobactérias e induzem a inibição de bactérias patogênicas por meio de fatores imunológicos encontrados no leite materno. Entretanto, crianças alimentadas com leites artificiais apresentam uma microbiota mais diversificada com bacteroides, enterobactérias, enterococcus e Clostridium sp. (HARMSEN et al., 2000). A contaminação ambiental varia conforme as normas de higienização estabelecidas e seguidas de cada região, nos países desenvolvidos foi relatado uma redução na carga de bactérias, resultando em uma alteração no padrão da colonização intestinal. Isso pode ser justificado pelas práticas rigorosas de higiene ao nascimento e nos hábitos de vida da população. Por sua vez, crianças nasci- Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016 A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro 87 Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016 das em países pobres estão mais expostas à contaminação ambiental e aos riscos de uma colonização não saudável (ANDRADE, 2010). 88 3.2 Funções da Microbiota Intestinal Muitas são as funções desempenhadas e estabelecidas pelo sistema gastrointestinal, a alta atividade metabólica e endócrina do TGI são importantes exemplos que têm influência sobre a saúde e o bem estar do ser humano. As bactérias que colonizam o TGI são determinantes na manutenção da homeostase do hospedeiro. (BERDANI; ROSSI, 2009) Entres as principais funções da comunidade bacteriana destacam-se a antibacteriana/proteção, imunomoduladora, nutricional e metabólica. Ao longo do TGI, bactérias fazem a barreira de proteção natural, alocadas no intestino por sítios de ligação determinados pela genética (WALL et al., 2009). 3.2.1 Funções antibacterianas, resistência a colonização ou de proteção As bactérias autóctones, denominadas TGI, exercem a função de proteção e impedem a adesão de microrganismo não benéficos, formando, assim, uma barreira. Essa barreira mecânica acontece pela ocupação dos sítios de adesão celulares da mucosa com microbiota autóctone (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006). O principal mecanismo desempenhado pela microbiota bacteriana é a resistência à colonização, mais comum no lúmen e nas superfícies da mucosa pela produção de componentes da microbiota de metabólitos tóxicos, como ácidos graxos de cadeia curta e de substâncias antimicrobianas como bacteriocinas. Nesse sentido, as competições por nutrientes são importantes para regular as populações de componentes como a E. coli. (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006; BARBOSA et al., 2010). A homeostase entre as bactérias residentes da microbiota oferece estabilidade para a população microbiana do TGI. O efeito barreira deve-se à facilidade que determinadas bactérias têm de burlar as substâncias antimicrobianas, que bloqueiam a proliferação de bactérias patogênicas e se destacarem na competição por nutrientes e espaço ecológico, ganhando, dessa forma, maior estabilidade na mucosa intestinal (GUARNER, 2007). Deve-se ressaltar que a resistência a colonização não é causada unicamente pela microbiota intestinal, outros fatores podem influenciar essas funções, por exemplo, os fatores anatômicos e fisiológicos (incluindo a integridade da mucosa), salivação, secreção de imunoglobulina IgA, produção de ácido graxo, descamação da mucosa e motilidade gastrointestinal (BARBOSA et al., 2010). 3.2.2 Função nutricional A atividade de algumas bactérias intestinais sobre uma categoria de nutrientes permite um melhor desempenho intestinal. Esse processo acontece normalmente com substratos que não foram digeridos e chegam ao lúmen do cólon, especialmente os carboidratos, que são fermentados e formam ácidos absorvidos pela mucosa. Esse mecanismo é denominado salvamento energético e forma os ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) tais como o buritato e propionato, que são a principal fonte nutritiva dos colonócitos e apresentam efeito trófico no epitélio do intestino (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006). Os AGCC são dependentes de substratos disponíveis e estão em maiores concentrações do lado direito do cólon. Dentre os substratos mais comuns, podemos citar o amido que é butirogênico. Os butiratos atuam como fatores tróficos para as células dos tecidos intactos e diminuem as chances de câncer do cólon. Estudos apontam, também, os efeitos dos butiratos sobre os mediadores de inflamação, pela capacidade de inibir a expressão das citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-6 e IL-1β) por meio da inibição da ativação do fator nuclear κB (NF- κB) (BERDANI; ROSSI, 2009). A ação metabólica da microbiota intestinal é potencialmente similar à desempenhada pelo fígado. A microbiota do TGI sintetiza vitamina K e vitamina do complexo B que são úteis e importantes para o metabolismo do indivíduo. Essas vitaminas são produzidas pelas bactérias Propionibacterium, Fusobacterium, Bifidobacterium, Lactobacilos, Clostridium, Enterobacterium, Veillonella, Enterococcus e Estreptococcus e são sintetizadas no cólon intestinal (BARBOSA et al., 2010). 3.2.3 Função imunomoduladora No período neonatal, a instalação da microbiota está associado com o tecido linfoide intestinal. O estabelecimento desse sistema imunológico local com ação conjunta ao estímulo da microbiota ativa o sistema imune. O tecido linfoide reconhece as espécies e antígenos que são benéficas ao hospedeiro, procedendo, assim, uma resposta de tolerância imunológica. Cerca de 80% de todas as células imunológicas ativas do corpo humano estão localizadas no TGI (WALL et al., 2009; ANDRADE, 2010). A ativação do sistema imunológico ocorre por A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro síntese de proteínas pró-inflamatórias, normalmente são citocinas e enzimas que geram mediadores inflamatórios (GUARNER, 2007). O intestino preserva um sistema imune extensivo e altamente ativo. O GALT apresenta células M, que cobrem as placas de Peyer e realizam o transporte de bactérias e antígenos do lúmen intestinal para o tecido linfoide. Antígenos no lúmen podem ser absorvidos por células epiteliais intestinais, células interdigitais da lâmina própria e células M, ilustrado na figura 1 (PEREZ, 2012; BINNS, 2014). Figura 1 - Ambiente imunológico intestinal Fonte: Adaptada de CAMPOS, 2010. Após reconhecimento e ativação do mecanismo de defesa, a imunoglobulina IgA secrotora neutraliza as bactérias impedindo que se aderem à parede da mucosa intestinal, segue então a ação dos macrófagos e neutrófilos que as fagocitam. Os anticorpos são coadjuvantes na destruição das bactérias e em determinados momentos ligam-se a toxinas por elas produzidas, para neutralizar os efeitos desses produtos (MACHADO et al., 2004). 3.3 Desequilíbrio da microbiota bacteriana O desequilíbrio da microbiota pode levar a perda de efeitos imunes normais reguladores na mucosa do intestino, sendo associada a um número de doenças inflamatórias e imuno-mediata. Obter uma homeostase adequada durante o momento de colonização do GTI é um dos principais elementos para a modulação do sistema imune adequada e indução da tolerância imunológica. O não funcionamento desse sistema é a grande causa de doenças autoimunes ou atópicas (SATOKARI et al., 2014; FRANCINO, 2014). A disbiose apresenta um agravante quando associada com outros distúrbios, como aumento da per- Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016 meio da modulação antigênica que mantém o sistema imune intestinal pronto para ter resposta ágil e de maneira pertinente a uma invasão por bactérias não benéficas. A microbiota normal influencia minimizando a resposta para certos antígenos, estimulando células repressoras, levando a imunoestimulação contra bactérias não benéfica e a imunoaceitação da própria microbiota (BARBOSA et al., 2010). As células epiteliais da mucosa intestinal são as grandes responsáveis pelo reconhecimento inicial do sistema imunológico, o contato direto com a luz intestinal é primordial para que ocorra esse processo. A ativação dos mecanismos de defesa é dependente da rápida detecção de risco por meio dos receptores inatos que identificam componentes estruturais com características de fungos, leveduras e bactérias (QUARNER, 2007). A microbiota natural do TGI realiza o papel de barreira fisiológica, que é composta pelo epitélio da mucosa do intestino, localizado entre a luz intestinal e o espaço peritoneal. As partes integrantes da barreira correspondem ao epitélio mucoso, o sistema imune local, Placa Peyer, lâmina própria, barreira linfoepitelial e a circulação hemato-linfática (DOUGLAS; CISTERNA, 2004). O tecido linfoide ligado ao intestino (GALT) é dividido em duas estruturas funcionais, a Placa de Peyer (PP), local de contato luminal do antígeno com o sistema imune e por linfócitos intraepiteliais/lâmina própria que estão distribuídos aleatoriamente. A PP é revestida por células M responsáveis pela captura e transporte do lúmen e por células T que acionam os linfócitos B imaturo IgM a trocar o isótopo por IgA (CHAPEL et al., 2003). Os anticorpos IgA presentes na mucosa do intestino estão ligados a um grande números de antígenos bacterianos, virais e fúngicos. É resistente à proteólise intraluminal e não ativa o sistema complemento da resposta inflamatória, o que o torna ideal para proteção e prevenção das mucosas. A resposta imune inicial começa nas PP ou nos linfonodos mesentéricos e as bactérias são encontradas nas placas pelas células dendríticas (CAMPOS, 2010). A atividade do sistema imune acontece no meio intracelular pelas proteínas com domínio de ligação a nucleotídeos e oligomerização (NOD) encontradas no citosol e no meio extracelular pelo receptores Toll Like da membrana. A ativação dos sensores é feita por meio da invasão de bactérias que geram sinais e acionam o núcleo celular, ativando a expressão de genes responsáveis pela 89 Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016 Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro 90 meabilidade intestinal, a constipação intestinal. Em uma microbiota anormal, a quebra dos peptídeos e reabsorção de toxinas do lúmen intestinal, ocorrem de maneira inadequada, induzindo o surgimento de patologias pelo não funcionamento das funções da microbiota intestinal (ALMEIDA et al., 2009). Em seres humanos considerados saudáveis, nota-se uma microbiota estável. Os agentes patogênicos quando adquiridos são rapidamente eliminados devido à presença da microbiota comensal, composto em sua maioria por bactérias anaeróbicas. No entanto, ao obter uma quantidade significativa de bactérias patogênicas como a Salmonella spp., Vibrio ou Estafilococcus, podem induzir uma desordem na microbiota natural, burlando assim os mecanismos de defesa e gerar sintomas clínicos. Outro importante fator que também influencia nessa alteração da microbiota é o uso de antibióticos (CARLET, 2012). Fatores internos também são grandes causadores da alteração da microbiota intestinal. Caso não ocorra uma interação simbiótica entre os micro-organismos, o epitélio e os tecidos linfoides intestinais, não ocorrerá as constantes modulações da imunidade adaptativa no ambiente microbiano, levando, assim, ao desenvolvimento de patologias ao hospedeiro (GUARNER, 2007). Um dos fatores que tem importante contribuição para o desequilíbrio da microbiota intestinal é a má digestão, em que o estômago produz ácido suficiente para extinguir as bactérias patogênicas ingeridas na maioria das vezes com alimentos. Além disso, outros fatores que também têm importância clínica são o abuso do laxante, o consumo excessivo de alimentos crus, exposição com frequência a toxinas ambientais, disponibilidade de material fermentável e o estado imunológico do hospedeiro (ALMEIDA et al., 2009). O efeito de alguns antibióticos permanece por longos períodos, produzindo uma seleção dos micro-organismos, proporcionando a perda da microbiota comensal e a propagação de bactérias mais adaptadas. Esse efeito do antibiótico depende do modo de ação do medicamento e o grau de resistência das bactérias. Tratamentos por longos períodos a base de antibióticos promovem a seleção de bactérias que contêm genes de alta resistência a antibióticos, o que leva uma maior preocupação a respeito da propagação dessas bactérias que são mais agressivas ao hospedeiro (JERNBERG et al., 2010). 3.4 Efeito do uso indiscriminado de antibióticos Um dos grandes problemas para o tratamento em ambiente hospitalar é a infecção causada por bactérias resistentes aos antibióticos mais potentes que estão disponíveis no mercado. Isso tem gerado uma preocupação por ser a causa de infecções hospitalares por bactérias com alto poder de disseminação e difícil tratamento. Acomete, principalmente, pacientes com sistema imune abalado em unidade de terapia intensiva (UTI) (CARLET, 2012; SANTOS; VARAVALHO, 2011). O mecanismo de resistência teve seu início com a Klebsiella pneumoniae seguida pela Escherichia coli. Antigamente, as infecções como pielonefrite e peritonite eram tratadas com drogas associadas à carbapenens, uma classe de antibióticos que era reservada para infecções graves acometidas em pacientes na UTI. No entanto, com a resistência antimicrobiana, essa droga não tem mais efeitos, sendo necessário utilizar drogas com alta toxicidade como a colistina (CARLET, 2012). Determinados tratamentos com antibióticos permanecem com seus efeitos por longos períodos no corpo humano, isso gera uma pressão para a seleção de bactérias. Estudos realizados em culturas e exames moleculares têm mostrado alterações na microbiota após antibiocoterápicos, destacando as comunidades bacterianas mais sensíveis que são destruídas com a medicação e os que sobrevivem e se destacam como resistentes (JERNBERG et al., 2010). A ilustração desse fenômeno pode ser observada na figura 2. Os antibióticos atuam impedindo o crescimento ou causando a morte das bactérias sensíveis, com isso, ocorre a extensão e a persistência dos antibióticos sobre a microbiota intestinal, o que gera, por sua vez, a seleção de bactérias Multi Drogas Resistentes (MDR), como por exemplo as enterobractérias multi-droga resistente (MDRE), que são resistentes aos antibióticos betalactâmico, fluoroquinolonas, aminoglicosídeos entre outros (RUPPÉ; ANDREMONT, 2013). Evidências indicam, portanto, que o uso de antibióticos precoce interfere negativamente sobre a saúde imunológica do hospedeiro. Dessa forma, foram detectados aumentos nos casos de enterecolite necrosante em indivíduos que foram expostos a an- A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro Figura 2 - Ilustração da seleção antibacteriana Fonte: MD. Saúde, 2011 3.5 Patologias associadas com alterações da microbiota intestinal. A assimetria da microbiota pode induzir o desenvolvimento da enteroclite necrosante. Desse modo, ocorre as gastroenterites e enterites pseudomembranosas. A longo período a alteração da composição da microbiota causada tanto pela redução das bactérias benéficas como das potencialmente patogênicas pode estar associada com a doença inflamatória do intestino e atopia (SAAD, 2006; ANDRADE, 2009). Enterocolite necrosantte (EN): um das mais prevalentes nas causas de morbidade e mortalidade em recém-nascido de baixo peso ao nascer. Apresenta origem multifatorial e é ocasionada pela imaturidade intestinal e imunológica, infecção, hipóxia e pela composição alterada da microbiota intestinal. As bactérias do intestino tem apresentado forte influência na etiologia da EN, apresentando, em sua maioria, baixa contagem da microbiota comensal, entre elas a Bifidobacterium (PEREZ; MENEZES; D’ACÂMPORA, 2014; FRANCINO, 2014). O retardo na instalação da microbiota normal do intestino beneficia a enterite pela falta de bactérias protetoras e reduzido desenvolvimento do sistema imunitário local e sistêmico. Dessa forma, existe pouca resistência à colonização intestinal, o que possibilita a presença de necrose. Crianças prematuras por apresentarem ausência da microbiota comensal induzem às muitas bactérias patogênicas presentes na unidade de tratamento intensivo (UTI) causarem a EN (ANDRADE, 2009). Atopia: é uma tendência hereditária a desenvolver patologias alérgicas há evidências de que a microbiota comensal seria um dos elementos impeditivos e fundamentais para o desenvolvimento da tolerância imunológica. A atopia tem maior comprovação clínica e experimental do impacto da microbiota no desenrolar da doença. Crianças que não apresentaram atopia tinham, quando recém-nascidas, maior quantidade de Clostridium sp. e menor de Bifidobacterium (BRANDT; SAMPAIO; MIUKI, 2006). A atopia privilegia reações de hipersensibilidade mediadas por IgE, em resposta a antígenos comuns na alimentação e no ambiente intra e extracelular. É considerada como umas das manifestações da tríade atópica (dermatite atópica, asma e rinite alérgica). Caracterizada como doença inflamatória cutânea crônica, de origem genética apresenta-se com recorrentes eczemas associados a prurido, acometendo superfície cutânea geneticamente alterada, induzindo, por fenômenos imunológicos, a presença de inflamação (LEITE, R.; LEITE, A.; COSTA, 2007). Doenças inflamatórias intestinais (DII): acredita-se que as DII são desencadeadas por anormalidades imunológicas celulares, ou seja, da reatividade anormal dos linfócitos T da mucosa gastrointestinal a uma microbiota normal não patogênica, porém, a origem da patologia continua desconhecida. São caracterizadas por inflamação intestinal crônica não infecciosa e manifestam-se clinicamente por diarreia, dor abdominal, perda ponderal e náuseas. Ocorrem principalmente na doença de Crohn e na retocolite ulcerativa inespecífica (SIMÕES et al., 2003). Existem evidências de que o surgimento dessa patologia ainda é indefinido, estudos apontam que sua etiopatogênia é de origem multifatorial, com cooperação de fatores genéticos, ambientais, microbiota intestinal e resposta imune. Em relação aos fatores genéticos e ambientais, ainda não estão bem definidos e não são sensíveis às manipulações terapêuticas. Dessa forma, a microbiota intestinal e a resposta imune passam a ser as duas categorias utilizadas para tratamentos (BURGOS et al., 2008). 3.6 Relação dos fatores probióticos e prebióticos Muitos estudos afirmam que os micro-organismo Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016 tibióticos em longos prazos, como os recém nascidos e as crianças cujas mães fizeram uso de antibióticos para durante a gravidez (FRANCINO, 2014). 91 Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016 Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro 92 habituais do intestino (comensais) não são apenas habitantes passivos do TGI, mas se relacionam e interagem com o hospedeiro de maneira bastante eficaz. São, na verdade, moduladores dos efeitos de bactérias nocivas e auxiliam nas funções exercidas pela microbiota no intestino (SAAD, 2006). Os probióticos e prebióticos apresentam características funcionais que colaboram com a melhoria da microbiota intestinal do cólon e o equilíbrio da manutenção da saúde. Na década de 80, os japoneses empregaram o termo de alimento funcional para esses alimentos, sendo descritos como alimentos utilizados como parte de uma dieta normal e que demonstram benefícios fisiológicos e/ ou reduzem o risco de doenças crônicas (RAIZEL et al., 2011.). Probióticos são definidos pela Organização Mundial da Saúde como “micro-organismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas conferem um efeito benéfico à saúde do hospedeiro”. Têm por sua vez, a tendência de agir mutuamente com as bactérias comensais quando administrados em quantidades adequadas (SAAD, 2006; WALL et al., 2009; CARLET, 2012). Os probióticos são caracterizados e indicados para preservar e reestabelecer a homeostase do intestino. A ação dos probióticos sobre o TGI inclui fatores como efeitos antagônicos, competição e efeitos imunológicos. São utilizadas em sua maioria bactérias ácido-láticas e bifidobactérias, podendo ser úteis também certos fungos e leveduras principalmente a Saccharomyces boulardii (SAAD, 2006; CARLET, 2012). É plausível constatar o grande papel da utilização de probióticos no controle e regeneração da microbiota. Foi comprovada a eficiência dos probióticos na prevenção e tratamento de diarreia associada aos antibióticos, principalmente após longa exposição. Os bons resultados de tratamentos feitos com probióticos proporcionam uma diminuição na duração da diarreia aguda e na permanência no hospital (ANDRADE, 2010; SANTOS; VARAVALHO, 2011). As principais bactérias introduzidas nos alimentos funcionais probióticos são dos gêneros Lactobacillus e Bifidobacterium, em menor quantidade Enterococcus faecium. Entre as Bifidobacterium temos a B. bifidun, B. breve, B. infantis, B. lactis, B. animalis, B. longum e B.thermophilum. Dentre os Lactobacillus: Lactobacillus acidophilus, Lactobacillus helveticus, Lactobacillus casei – subsp. Paracasei e tolerans, Lactobacillus plantarum, Lactobacillus rhamnosus e Lactobacillus salivarius. As bifidobactérias expulsam bactérias putrefativas, causadoras de problemas intestinais e indisposições gástricas, ao mesmo tempo em que restabeleciam-se como seres predominantes no intestino (SAAD, 2006; SANTOS; VARAVALHO, 2011). Tão importante quanto o probiótico é o prebiótico, cuja definição é de um ingrediente fermentado que provoca mudanças na formação e/ou atividade da microbiota gastrointestinal, oferecendo assim, benefícios sobre a saúde do hospedeiro. Os prebióticos são carboidratos não digeríveis que afetam e influenciam favoravelmente o hospedeiro, estimulando seletivamente a proliferação e funções de bactérias não patogênicas no cólon (ALVES, 2008; WANG; DONAVAM, 2014). Pesquisas indicam que os prebióticos promovem o crescimento de microrganismos comensais como Biffidobacterium e Lactobacillus, melhoram a motilidade intestinal e o esvaziamento gástrico. São encontrados em vários tipos de alimentos, dentre eles, leite materno e fórmulas infantis industrializadas. Sua constituição é basicamente de carboidratos de tamanhos diferentes, que podem variar em mono, dissacarídeo, oligossacarídeos, até grandes polissacarídeos (GRITZAND; BHANDARI, 2014). Resistência às enzimas salivares, pancreáticas e ao ácido estomacal são algumas das características necessárias para um prebióticos, não podem sofrer hidrólise enzimática ou ser absorvidos no intestino delgado. Devem ser metabolizados no colón, por bactérias benéfica. Dentre as principais substâncias prebióticas, temos a lactulose, lactiol, xilitol, inulina e alguns oligossacarídeos não digeríveis (ex.: frutooligossacarídeo – FOS) (ALVES et al., 2008). Os prebióticos têm a capacidade de inibir a multiplicação de patógenos, oferecendo benefícios a saúde do hospedeiro. Atuam com maior frequência no intestino grosso e estimulam o crescimento dos grupos endógenos da microbiota intestinal, como as bifidobactérias e os lactobacilos (BADARÓ et al., 2008). O êxito dos prebióticos depende essencialmente da sua não hidrolização pelas enzimas digestivas, possibilitando assim, atingir o intestino grosso intacto, lugar que ocorrerá a sua fermentação e digestão. Sua função principal é estimular o crescimento e/ou ativar o metabolismo de bactérias não-patogênicas no TGI. Atuam, por sua vez, bloqueando sítios de aderência, imobilizando e reduzindo a capacidade de fixação de algumas bactérias patogênicas no intestino (BRITO et al., 2014). A classificação dos prebióticos se baseia em fibras solúveis, insolúveis ou mista, podendo ser fermentáveis ou não-fermentáveis. As fibras prebióticas de maiores importâncias são a inulina e a FOS, sintetizado a partir da hidrólise da inulina pela enzima inulase. Os dois são frutanos (polissacarídeos e oligossacarídeos de origem vegetal), fibras insolúveis e fermentados não digeridos por enzimas digestivas e sua diferença está no grau de polimerização, ou seja, no número de monossacarídeos que compõe a molécula (RAIZEL et al., 2011). Os probióticos e prebióticos agem diretamente interligados e essa simetria gera os produtos simbióticos. O consumo desses nutrientes eleva a ação benéfica de cada um deles, devido ao estímulo de cepas probióticas conhecidas que levam à escolha dos pares simbióticos substrato-microrganismo ideais para o TGI. São encontrados em diferentes alimentos, sendo probióticos encontrados em iogurtes, produtos lácteos fermentados e suplementos alimentares e os prebióticos encontrados na cebola, chicória, alho, alcachofra, cereais, aspargos, beterraba, banana, trigo entre outros (BADARÓ et al., 2008; RAIZEL et al., 2011). 3.7 Transplante de Microbiota Fecal O Transplante de Microbiota Fecal (TMF) é definido como o método pelo qual bactérias comensais, pertencentes ao TGI de pessoas saudáveis, são inseridas em pacientes com infecções bacterianas no intestino, por intermédio de tubos nasogástricos ou colonoscopia ilustrados na figura 3. Com o objetivo de restaurar a microbiota natural, essa terapia é mais indicada em infecções persistentes, em especial as causadas por Clostridium difficile (VYAS; AEKKA; VYAS, 2015). O primeiro relato de TMF publicado oficialmente apareceu na revista Surgery em 1958, em que descrevia quatro pacientes que apresentaram melhoras dos sintomas com 48 horas após o transplante. A taxa de cura em todo o mundo chega a 93%, evidenciando assim como um tratamento seguro e eficaz para infecções recorrentes de C. difficile grave (RAY; SMITH; BREAUX, 2014). Embora relatada formalmente apenas na década de 60, as referências ao procedimento foram descritas, pela primeira vez, no século IV na literatura chinesa, na obra de Gen Hong. A qual ele descrevia a aplicação de uma suspensão de fezes humanas por via oral para o tratamento de diarreia grave ou intoxicação alimentar. Li Shinzen, no século XVI, relatou a administração de fezes desidratadas e fermentadas de bebês para terapia de pa- cientes com prisão de ventre, febre e diarreia. O TMF foi utilizado também na Segunda Guerra Mundial, os soldados alemães na África confirmaram e eficiência da prática consumindo fezes quentes e frescas de camelo para tratamento de disenteria (PERLMUTTER; LOBERG, 2015). O TMF se baseia na recuperação e/ou fortalecimento da microbiota intestinal, por meio da ingestão de microrganismo vivos, aplicados em quantidades suficientes e que oferecem benefícios ao hospedeiro. Esse tratamento tem como efeito a diminuição quase totalmente das diarreias e nos sintomas da infecção (LEITE, 2015). A seleção do doador é feita preferencialmente pelo cônjuge ou parentesco próximo, caso não encontre compatibilidade, faz a escolha por um doador não-aparentado. Os critérios para escolha consistem em pesquisa por patógenos em sangue, fezes e questionário no protocolo de triagem que apresentam informações de comportamentos de alto risco, realização de tatuagem ou piercing recentes, uso de drogas ilícitas, múltiplos parceiros sexuais, pessoas com recente viagens recentes para áreas com alto risco de infecções entéricas ou incidência de bactérias resistentes (KAPEL et al., 2014). Estudos têm revelado os efeitos dinâmicos do TMF em outras patologias tais como a doença inflamatória do intestino, a síndrome do intestino irritável, obesidade e diabetes tipo II. Contudo, não há relatos randomizados publicados em artigos que certifiquem essa terapia para as situações clínicas citadas (SINGH et al., 2014). Figura 3 - Método utilizado para realização do TMF Fonte: Adaptada de Leite, 2015. Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016 A colonização da microbiota intestinal e sua influência na saúde do hospedeiro 93 Ludmilla Araújo da Paixão, Fabíola Fernandes dos Santos Castro Apesar de todos os benefícios do TMF, ainda existe uma grande preocupação quanto aos resultados e consequências desse procedimento. A falta de dados e informações a longo prazo, a não padronização e a falta de consenso sobre o protocolo a ser seguido, a periculosidade de transmitir outros tipos de patógenos, são itens que ainda necessitam para se ter uma maior tranquilidade e aceitação para tal procedimento (MOAYYEDI et al., 2014). Universitas: Ciências da Saúde, Brasília, v. 14, n. 1, p. 85-96, jan./jun. 2016 4 Considerações Finais 94 A microbiota intestinal, apesar de pouco estudada, tem mostrado grande influência na saúde e doença do hospedeiro. Dessa forma, tem grande importância a sua estabilização e manutenção completa desde a infância até a vida adulta, com o intuito de sofrer menos interferência dos fatores internos e externos que desencadeiam alterações da microbiota e levam a determinadas patologias. Muitas são as funções realizadas pelo trato gastrointestinal (TGI), que estão ligadas à nutrição, ao sistema-imune por meio da barreira imunológica e à antimicrobiana pelo mecanismo de defesa. Falha nessas funções podem ser as causadoras de doenças relacionadas com o TGI. Entre as terapias utilizadas para essas doenças, incluem a alimentação rica em prebióticos e probióticos e o uso de antibiótico de maneira correta. O transplante que ainda está em fase experimental, porém, tem sido descrito como um método promissor e eficaz, especialmente para pacientes com infecção por Clostridium difficile, percebe-se, então, a necessidade de maiores pesquisas e estudos desse tratamento para que tenha a padronização da técnica. As bactérias são vistas muitas vezes apenas como patogênicas, no entanto, por meio deste estudo. Nota-se que também são essenciais à vida e à saúde humana. Portanto, deve existir uma simbiose e/ou simetria entre o hospedeiro e as bactérias, uma espécie de mutualismo, a qual ambos se beneficiem em prol da saúde do hospedeiro. ALVES, C. et al. Probióticos, prebióticos e simbiótico: artigo de revisão. Saúde e Ambiente em Revista. Duque de Caxias, v. 3, n. 1, p. 16-33, jan./jun. 2008. ANDRADE, A. Microflora intestinal: uma barreira imunológica desconhecida. 2009/2010. Dissertação (Mestrado Integrado em Medicina) - Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar na Universidade do Porto, Porto, 2009/2010. BADARÓ, A. et al. Alimentos probióticos: aplicações como promotores da saúde humana: parte 1. Revista Digital de Nutrição, Ipatinga, v. 2, n. 3, p. 1-26, ago./jun. 2008. BARBOSA, F. et al. Microbiota indígena do trato gastrintestinal. 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