Vida JORNAL DE SANTA CATARINA SEGUNDA-FEIRA, 30 DE SETEMBRO DE 2013 As bactérias como fiéis da balança Estudo revela como micro-organismos da flora intestinal interferem no peso das pessoas STOCK.XCHNG/DIVULGAÇÃO CAROLINE OLINDA Experimento Gazeta do Povo Pesquisa brasileira relaciona flora e sensação de saciedade D entro de nossos intestinos pode estar parte do segredo da boa forma de algumas pessoas e da dificuldade para emagrecer de outras. No início do mês, foi divulgado pela revista Science estudo desenvolvido pelo pesquisador americano Jeffrey Gordon e sua equipe da Universidade de Washington, em Saint Louis, que demonstra como bactérias que formam a microbiota intestinal – a chamada flora intestinal – influenciam o peso das pessoas. A linha de pesquisa não é nova. Há anos os cientistas pesquisam como as bactérias que povoam o intestino humano influenciam no metabolismo. Mas Gordon e equipe conseguiram dois avanços: chegaram mais perto de precisar quais são as bactérias que dificultam o emagrecimento, quais facilitam esse processo e detectaram como certos comportamentos alimentares influenciam o desenvolvimento de cada grupo de bactérias. – O estudo identifica o tipo de bactéria que está ligada ao indivíduo gordo e a que está presente no organismo do indivíduo magro – observa Flávio Quilici, da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG). ● O resultado de um estudo desenvolvido no Brasil e ainda não publicado indica que a composição da microbiota intestinal também influencia no comportamento do hipotálamo – que excreta substâncias capazes de gerar sensação de saciedade ou fome. O experimento da nutricionista e doutora em fisiopatologia, a médica Renata Bagarolli, investigou a influência de uma composição específica de probióticos – uma mistura de três cepas de bactérias, a Lactobacillus acidophilus, a Lactobacillus rhamnosus e a Bifidobacterium bifidum – no organismo. Forma como metabolismo humano é afetado pelas bactérias no intestino é fonte de estudos Influência da dieta na flora O médico explica que a pesquisa demonstrou que algumas bactérias do filo Firmicutis são mais encontradas em pessoas obesas. As do filo Bacteroidetes são ligadas aos organismos magros. Outro ponto importante da pesquisa trata da influência da dieta na composição da microbiota intestinal e, como consequência, no emagrecimento. No estudo, percebeu-se que os camundongos passaram a desenvolver um maior número de Bacteroidetes quando submetidos à dieta rica em fibra e com baixo teor de gordura saturada. Já quando submetidos à alimentação com gordura, houve dificuldade em se manter a microbiota magra. Multifatores O aspecto da influência da dieta é importante para demonstrar que um possível tratamento contra a obesidade com bactérias – possibilidade já considerada pelos cientistas – não opera milagre. – Claro que a flora é importante, mas temos de tomar cuidado ao colocar isso (o tratamento com bactérias) como mágica. Dieta equilibrada e exercícios físicos ainda serão necessários – diz o médico Rogério Toledo Júnior, coordenador da Comissão de Prevenção e Combate à Obesidade, ligada à Associação Médica Brasileira (AMB). A mesma opinião é compartilhada por outros médicos, inclusive pelos integrantes da equipe de Gordon. Todos alertam que a obesidade é doença multifatorial e que, por isso, deve ser tratada em diversas frentes – como mudança de hábitos alimentares e de estilo de vida. O uso de determinados probióticos para a manutenção de uma microbiota intestinal que favoreça o emagrecimento é considerado por cientistas como possibilidade para o combate à obesidade no futuro. Probióticos são os micro-organismos vivos que podem trazer benefícios à saúde do hospedeiro. Segundo Flávio Quilici, aqueles disponíveis no mercado ainda não conseguem exercer essa função. ● Entre outras coisas, Renata descobriu que nos camundongos tratados com essa mistura houve uma melhora no nível de produção no hipotálamo de substâncias responsáveis pela sensação de saciedade – mecanismo prejudicado em indivíduos obesos. A cientista ainda não sabe explicar exatamente como ocorreu essa influência. ● Ainda precisamos entender como é feita a comunicação entre intestino e hipotálamo. – Temos a suspeita de que é via nervo vago (que passa por diversos órgãos, inclusive parte do intestino) – comenta Renata. ● Pesquisadora do Laboratório de Investigação em Resistência à Insulina da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, a nutricionista acredita que o uso de bactéria para o tratamento contra a obesidade será uma realidade.