A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO A PROMESSA DO PROJETO ALPA E AS LÓGICAS DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO URBANO EM MARABÁ (PA): A CIDADE-MERCADORIA E AS DESIGUALDADES SOCIOESPACIAIS1 MARCUS VINICIUS MARIANO DE SOUZA2 Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de produção do espaço urbano ocasionado pela promessa da chegada do projeto ALPA (Aços Laminados do Pará) em Marabá-PA, tomando este projeto como o desencadeador de uma nova lógica de produção do espaço, em que se propicia a consolidação da cidade-mercadoria, alicerçada na especulação imobiliária, bem como conduz ao estabelecimento de outras lógicas, culminando com a ampliação das desigualdades socioespaciais. Para tal, adotou-se como matriz metodológica a proposta de Abramo (2010), sobre as lógicas de produção do espaço urbano, tendo como referencia espacial de análise três bairros distintos surgidos na cidade no período pós-ALPA: um loteamento privado, um conjunto habitacional e uma ocupação urbana. A análise concluiu que o cenário de reestruturação da cidade produzido pela 'chegada' da ALPA permitiu a ampliação das desigualdades socioespaciais. Palavras-chave: Produção do Espaço Urbano; Desigualdades socioespaciais; Marabá; ALPA. Abstract: This study aims to analyze the urban space production process caused by the promise of the arrival of the ALPA project in Maraba -PA , taking this project as the trigger for a new space production logic , in which it provides the city - merchandise consolidation , based on speculation and leads to the establishment of other logical , culminating in the expansion of socio-spatial inequalities. To this end , it adopted as a methodological matrix the proposed Abramo (2010 ) on the logic of production of urban space , with the spatial reference analysis three distinct neighborhoods arose in the city in the post- ALPA period : a private subdivision , a set housing and urban settlement . The analysis concluded that the city restructuring scenario produced by the ' arrival ' of ALPA allowed the expansion of socio-spatial inequalities. Key-words: urban space production; socio-spatial inequalities; Marabá; ALPA. 1 – Introdução Nos últimos anos, sobretudo após a crise financeira internacional de 2008, houve uma significativa mudança nos padrões de atuação do mercado imobiliário e da construção civil no Brasil, sobretudo a partir do momento em que o Estado Brasileiro dispôs de medidas para diminuir os efeitos da referida crise no país, como aconteceu através do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV). Por meio do programa, lançado como medida anticrise, expandiu-se a produção imobiliária, através da ampliação do crédito para aquisição e construção de moradias 1 - Este trabalho apresenta parte dos resultados discutidos pelo autor em sua tese de doutorado, defendida em 2015 junto ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal de Uberlândia. 2 - Docente da Faculdade de Geografia da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa). E-mail de contato: [email protected] 2465 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO (MELAZZO, 2013). Nesse contexto, cidades médias como Marabá (PA) tornaram-se bastante atrativas ao capital imobiliário, já que produtos imobiliários comuns nas regiões metropolitanas, como condomínios fechados, se apresentariam como o "novo habitat urbano" para as populações destas cidades. Concomitantemente, em Marabá se desenrolava outro acontecimento que produziria efeitos diversos na produção do seu espaço urbano, que é a promessa de chegada do empreendimento ALPA (Aços Laminados do Pará), gerando mais de 15 mil empregos diretos durante sua construção. Entretanto, não se esperava que, após o início das obras da ALPA, estas viriam a ser paralisadas pela VALE e o início das operações em 2014 não se concretizou. Assim, as expectativas criadas em torno da chegada da ALPA e seu consequente fracasso, aliada ao momento propício para o mercado imobiliário (graças ao PMCMV), levaram à organização de uma nova dinâmica na produção do espaço urbano de Marabá. De tal forma, o presente trabalho tem como objetivo analisar o processo de produção do espaço urbano ocasionado pela promessa da chegada do projeto ALPA (Aços Laminados do Pará) em Marabá-PA, tomando este projeto como o desencadeador de uma nova lógica de produção do espaço, em que se propicia a consolidação da cidade-mercadoria, alicerçada na especulação imobiliária, bem como conduz ao estabelecimento de outras lógicas, culminando com a ampliação das desigualdades socioespaciais. Para a realização deste pesquisa utilizou-se o preceito de Abramo (2010), sobre a produção do espaço urbano pelas lógicas de mercado, de estado e da necessidade. Foram escolhidos três bairros da cidade, representantes de cada uma destas lógicas, surgidos no período pós-ALPA, a partir dos quais foi possível perceber as estratégias da população residente nestes locais, no que diz respeito ao acesso destas à cidade e aos equipamentos e serviços básicos de consumo coletivo, necessários à reprodução social. 2 – A expectativa da ALPA e seus efeitos: movimentos migratórios e expansão urbana O desenvolvimento de um setor industrial em Marabá remonta à década de 1980, por conta dos estímulos do PGC (Programa Grande Carajás) a esta atividade, 2466 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO sobretudo aos empreendimentos ligados à cadeia produtiva do ferro. Durante as décadas de 1990 e 2000 ainda há um crescimento da importância do setor industrial em Marabá, ligado ao extrativismo mineral, sendo que Marabá chegou a possuir em seu território onze siderúrgicas, que geravam mais de três mil empregos diretos (RIBEIRO, 2010). Porém, com a crise mundial internacional de 2008, muitas destas siderúrgicas fecharam, devido à queda do preço do aço no mercado internacional, o que diminuiu consideravelmente a produção em Marabá. Entretanto, o anúncio de outro projeto, em junho de 2008, que prometia a verticalização da cadeia do aço em Marabá, trazia o vislumbre de que os efeitos da crise na siderurgia marabaense seriam passageiros. A ALPA consistia em um projeto da ordem de U$$ 3,7 bilhões, cujo parque industrial receberia, além da usina siderúrgica integrada, um ramal ferroviário para conectá-la à Estrada de Ferro Carajás, um terminal fluvial no rio Tocantins, além de uma linha de transmissão energética específica, o que tornaria possível a geração de 16.062 empregos diretos na fase de implantação e 5.319 empregos na fase de operação (VALE, 2009). Entretanto, apesar das obras deste projeto terem sido iniciadas em 2010, estas nunca foram concluídas. Em 2013, a VALE informa que os investimentos na ALPA estavam suspensos por tempo indefinido (BRAZ, 2013). Entre os motivos elencados, estava a falta de uma solução logística para o escoamento da produção, em virtude da não implantação da hidrovia do rio Tocantins. Feitas estas ressalvas, faz-se necessário compreender que diante das expectativas geradas, apresenta-se um outro reflexo daquele momento vivenciado em Marabá, que terá consequências importantes na produção do espaço urbano e nas formas de realizar esta produção, que foi uma ampliação dos fluxos migratórios que se dirigiam para Marabá, sobretudo a partir de 2008, ou seja, no período pósALPA. A partir da análise do Microdados do IBGE (2010) é possível caracterizar os fluxos migratórios que se dirigiram para Marabá, ano a ano, no último período intercensitário. A partir deste dados é possível avaliar que no período pós-ALPA, que corresponde ao período pós-2008, houve um incremento significativo no total de 2467 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO migrantes que se dirigiram para Marabá. O período entre 2008 e 2010 mostra que este município recebeu 21.541 novos habitantes, o que corresponde a 41,5% do total de migrantes que chegaram em Marabá na última década, comprovando que as expectativas geradas pela chegada do Projeto ALPA tiveram um importante reflexo na atração de pessoas para a cidade. Com a chegada destes migrantes, uma necessidade se torna premente, que é a moradia. Para além do efeito da vinda de novos habitantes, o acréscimo destes à população local torna possível a expectativa de criação de investimentos no mercado imobiliário, que deveria, então, se preparar para receber estas levas de migrantes, ofertando novas opções de moradia na cidade. Porém, como estes migrantes não são homogêneos, no que diz respeito às suas condições de emprego e renda, a forma com que estes tem acesso à moradia também será diferenciada, o que levará, no período pós-ALPA, ao estabelecimento de diferentes lógicas de produção do espaço urbano em Marabá. A partir de então começa a se configurar um novo cenário no que diz respeito à expansão do tecido urbano de Marabá, com o aparecimento, por um lado, de empreendimentos imobiliários do mais diversos tipos (loteamentos, loteamentos fechados, condomínios fechados verticais e horizontais) e, de outro, o surgimento e ampliação das ocupações urbanas. De tal forma, torna-se importante avaliar como se dá o crescimento do tecido urbano no período pós-ALPA, como é possível ser observado no Mapa 1 a seguir, a fim de se compreender como isto se torna impactante na ampliação das desigualdades socioespaciais. O Mapa 1 representa a evolução do tecido urbano de Marabá entre os anos de 2009 e 2013. Nele é possível perceber que no referido período a expansão do tecido urbano ocorreu em todas as direções, não havendo a concentração deste crescimento em apenas uma região da cidade. Através do uso de técnicas de SIG foi possível mensurar que o tecido urbano cresceu 1.542,8729 hectares, o que representa um crescimento de 35% em relação à área urbana existente em 2009. Entretanto, o mapeamento também permitiu concluir que, apesar da expansão urbana verificada no período pós-ALPA, aquilo que realmente edificou-se, entre 2009 e 2013 corresponde a apenas 18% da área expandida. Dessa feita, a produção material do espaço urbano em Marabá está sendo realizada por meio de 2468 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO Mapa 1 - Expansão urbana de Marabá entre 2009 e 2013. Fonte dos dados: SOUZA (2015). vazios urbanos, em que a retenção de terras (que pode ter fins especulativos) dificulta o acesso da população à moradia e à cidade, colaborando para o aumento da edificação nas áreas de ocupação urbana e agravando a situação do déficit habitacional, que em 2010 era de 10.969 domicílios (SOUZA, 2015). A expectativa em torno do projeto ALPA propiciou o desenvolvimento de um mercado imobiliário pujante em Marabá que, entretanto, reproduz-se por meio de vazios urbanos e da retenção especulativa da terra urbana, fazendo com que se desenvolvessem nesta cidade outras lógicas de produção do espaço urbano, desassociadas desta lógica de mercado, como será tratado adiante. 3 – Lógicas de produção do espaço urbano em Marabá no pós-ALPA: a ampliação das desigualdades socioespaciais 3.1 - A lógica de mercado Dentre as diferentes lógicas de produção do espaço urbano estabelecidas em Marabá, após a notícia da chegada da ALPA, aquela representada pelo mercado 2469 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO formal de negócios imobiliários é a de maior destaque. Isso decorre em função da quantidade de empreendimentos deste tipo lançados no período compreendido entre 2008-2014 (33 empreendimentos) , possibilitando o surgimento de mais de 30 mil novas 'parcelas' de solo urbano comercializáveis em Marabá, além de ser a lógica que mais contribuiu para a expansão do tecido urbano (amparada pela alteração dos limites do perímetro urbano, em 2009). Entre os empreendimentos imobiliários lançados no período pós-ALPA destaca-se o Cidade Jardim, por ser aquele que apresenta as maiores dimensões, projetado com 11.846 lotes, cuja entrega está sendo realizada em etapas, desde 2010. A análise realizada neste bairro, através da aplicação de formulários, procurou buscar entender o perfil socioeconômico de sua população e bem como a interação espacial existente entre esta área e o restante da cidade, a fim de perceber, entre as diferentes lógicas de produção do espaço urbano estabelecidas em Marabá, a possibilidade de ampliação das desigualdades socioespaciais. O bairro é composto em sua maioria por famílias cuja renda familiar é superior a dois salários mínimos e por chefes de família que possuem Ensino Médio Completo (49% das famílias). A infraestrutura é um dos fatores apontados nas peças publicitárias como diferencial do local em comparação com o restante da cidade, suscitando a ideia de negação do entorno ou negação da cidade. O bairro possui 100% dos domicílios com abastecimento de água, 81% destinam seus dejetos para a rede geral de esgotos e apenas a coleta de lixo é menos eficiente, com 54% dos domicílios tendo lixo coletado diretamente na residência. As interações entre a populações deste bairro com o restante da cidade foram avaliadas por meio da capacidade desta em acessar os equipamentos e serviços públicos de consumo coletivo, como saúde e educação, além da busca pelo trabalho e lazer. De tal forma, é preciso considerar que o bairro está localizado a cinco quilômetros de distante da mancha urbana consolidada de Marabá. Apesar da relativa independência que o loteamento conquistou perante a cidade, no que diz respeito à infraestrutura existente, quando se fala de equipamentos públicos de consumo coletivo, a dependência é quase total com relação ao restante da cidade, quanto ao uso dos equipamentos de saúde, educação e lazer, já que não existem instituições desta natureza no bairro. Mais 2470 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO uma vez, as soluções privadas de transporte prevalecem como alternativa para acesso à cidade, seja para a educação (48%), saúde (76%) ou lazer (77%). Além destes aspectos objetivos, foram levantados dados sobre a percepção dos moradores em relação ao bairro, quanto à existência de aspectos positivos e negativos no local. Quanto aos aspectos positivos destaca-se a tranquilidade do bairro, o que pode ser compreendido em virtude do baixo índice de ocupação até o momento da análise. Em seguida se destaca a infraestrutura existente no local, como redes de água, esgoto, iluminação, asfalto, que são aspectos problemáticos em outras partes da cidade. Sobre os aspectos negativos, muitos dos problemas apontados estão relacionados com a ineficácia dos equipamentos e serviços públicos de consumo coletivo. A este respeito, destacam-se as reclamações quanto ao transporte público, a falta de escolas e postos de saúde, a falta de policiamento e a coleta de lixo A partir dos dados levantados é possível avaliar que o bairro Cidade Jardim pode ser tratado com um exemplo do processo atual de (re)produção do espaço urbano, em que uma das características deste momento é a intensificação da dispersão urbana, que tem provocado o distanciamento das áreas coesas da cidade para com os novos produtos imobiliários surgidos, sobretudo ao longo dos eixos viários, como a Transamazônica. Apesar do bairro possuir alguns problemas, como a carência de equipamentos e serviços públicos de consumo coletivo, os moradores possuem outras possibilidades para garantir o acesso a estes equipamentos, sobretudo por disporem do veículo particular como a principal forma de deslocamento pela cidade, o que não os impossibilita de apropriarem-se de condições adequadas de vivência na cidade, diminuindo, por conseguinte, as possibilidades desta população estar sujeita às maiores desigualdades socioespaciais. 3.2 - A lógica da necessidade e do Estado: as ocupações urbanas e os conjuntos habitacionais no período pós-ALPA A possibilidade de chegada da ALPA foi o fator que possibilitou a valorização do capital imobiliário e sua reprodução espacial na forma de loteamentos e 2471 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO condomínios e, ao mesmo tempo, colaborou para a ampliação de outras estratégias de reprodução do espaço urbano, ao sobrepor o valor de troca ao valor de uso, dificultando o acesso universal à terra urbana. Enquanto que a partir de 2008 foram lançados mais de 33 mil imóveis em Marabá, em sua maioria lotes, em 2010 o déficit habitacional nesta cidade era de 10.969 domicílios, o que demonstra que estas propriedades não são lançadas com pretensões de combater o déficit habitacional, mas sim com vistas a reprodução ampliada do capital. Nesse sentido, as famílias de menor renda encontram nas ocupações urbanas e nos conjuntos habitacionais do PMCMV a estratégia necessária para sua reprodução social. Segundo o IBGE (2010) existem em Marabá onze aglomerados subnormais, os quais concentram uma população superior a 28 mil habitantes na área urbana desta cidade. Para CPT (2010, p.1) a VALE, através do projeto ALPA, é a grande responsável pelo aumento destas áreas em Marabá: A população pobre migra em busca de um emprego que não vai estar ao seu alcance devido não ter qualificação exigida. Com isso, vão inchando as periferias das cidades da região, submetidos a uma situação de violência, miséria e doenças constantes Em 2012 uma das ocupações urbanas a surgir em Marabá foi o autodenominado "Bairro Beira-Rio", analisado neste trabalho. Este bairro é composto por famílias originárias de 41 localidades diferentes, inclusive de migrantes de outros municípios (16%). A infraestrutura existente (ou inexistente) no Bairro Beira-Rio exemplifica a desigualdade socioespacial a que estão submetidas as famílias que vivem nos aglomerados subnormais de Marabá. Cerca de 27% dos moradores não possuem acesso à água, não existem domicílios ligados a uma rede geral de coleta de dejetos e a coleta de lixo alcança apenas 35% dos domicílios. Quanto às interações com as demais áreas da cidade, O acesso aos serviços e equipamentos públicos de consumo coletivo, como escolas e postos de saúde levam, necessariamente, a população a se deslocar do bairro, já que este não possui tais equipamentos, em virtude de ser uma ocupação urbana. Em 50% dos domicílios constatou a presença de jovens escolares e, entre estes, observou-se um índice de evasão escolar de 18%, explicado pela própria mudança da família para o 2472 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO local, aliada as dificuldades de transporte para os jovens estudantes e a inexistência de escolas no bairro, o que obrigo o deslocamento para outras áreas da cidade. Sobre os equipamentos de saúde, o mais próximo do bairro Beira-Rio está distante dois quilômetros destes, sendo que as formas de deslocamento para o atendimento das necessidades relativas à saúde são bastante diversificada, ocorrendo um equilíbrio entre os deslocamentos a pé (29%), por transporte coletivo (29%) e com veículo próprio (28%). Questionados a respeito das características positivas do bairro, aquela que recebeu mais menções foi o fato de possuir a "casa própria" o que, na verdade, representa o fato de deixar de pagar aluguel. Sobre os aspectos considerados negativos pela população destaca-se a infraestrutura do bairro, já que, como destacada anteriormente, esta é precária no que diz respeito às condições das ruas, abastecimento de água e saneamento básico. Apesar destas características negativas, é possível concluir que o fato de possuir um local para habitar, que não gere ônus para o orçamento familiar, acaba prevalecendo enquanto fator fundamental para manter esta população no local, visto que 66% das famílias afirmaram não desejar morar em outro local e sim permanecer no Bairro Beira-Rio, na luta para conseguir a regularização da área, afim de afastar o medo da desapropriação e, desta forma, poder lutar por melhorias na qualidade de vida do bairro. Faz-se necessário, também, discorrer a respeito dos conjuntos habitacionais que foram instalados em Marabá entre 2008 e 2014, através dos incentivos governamentais do PMCMV. No referido período foram criados dois destes conjuntos em Marabá - Residencial Vale do Tocantins e Residencial Tiradentes que somam 2.500 novas residências. Ambos estão localizados à margem direita do rio Tocantins, nos distritos urbanos de São Félix e Morada Nova Porém, a construção das moradias poderia resolver, parcialmente, o problema do déficit habitacional marabaense. Entretanto, o que se percebe a partir da instalação destes conjuntos é a exacerbação de outros problemas, que contribuem para a ampliação das desigualdades socioespaciais em Marabá. Entre tais problemas está a falta de equipamentos públicos de saúde e educação nestes 2473 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO conjuntos, o que aumenta a demanda pelos equipamentos do entorno (São Félix e Morada Nova), problemas com abastecimento de água, entre outros. A situação atual destes conjuntos habitacionais reforça o problema da inserção urbana (FERREIRA, 2012) destes pois, apesar de estarem próximos à BR155, que lhes dá acesso, a articulação destes espaços com o restante da cidade, por meio dos deslocamentos de seus habitantes, é dificultada à medida que o transporte público coletivo não consegue atender a demanda criada com a instalação destes conjuntos. Atualmente, existe apenas uma linha de ônibus que adentra estes residenciais, o que torna premente o uso de soluções individuais de locomoção. Isto agrava as condições de acesso aos equipamentos de consumo coletivo, já que mesmo o bairro tendo sido planejado, este não foi devidamente equipado com instituições públicas para atender sua população, o que torna indispensável o deslocamento para outras áreas da cidade para acessá-los. Assim, a população apontou entre os principais aspectos negativos do bairro a sua infraestrutura geral, devido a problemas com asfaltamento e a rede geral de esgoto, e também ausência dos serviços e equipamentos públicos, relacionado com transporte público, abastecimento de água, insegurança e ausência de postos de saúde e escolas. Devido a estes fatores, 53% dos moradores do bairro manifestaram o desejo de morar em outro local, se tivessem o poder da escolha, o que reforça que, apesar da casa própria, apontada com o principal fator positivo do bairro, isto não é suficiente para que a população viva de forma digna, já que para além da moradia, é preciso ter condições de deslocamento pela cidade e acesso aos equipamentos públicos de consumo coletivo. A lógica estatal na produção do espaço urbano marabaense, materializada nos conjuntos habitacionais do PMCMV, colaborou para a diminuição do déficit habitacional, possibilitando à população economicamente mais desfavorecida o acesso à moradia própria. Entretanto, como visto, isto não tem sido suficiente para ofertar a esta população uma melhor qualidade de vida e, ao contrário, tem contribuído para ampliar as desigualdades socioespaciais, à medida que a decisão de viver neste local não foi tomada pela população e sim pelas alianças entre o 2474 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO poder público e o capital imobiliário, em que até mesmo a mudança na legislação municipal foi necessária, com a ampliação do perímetro urbano. 4 - Considerações Finais A notícia da chegada da ALPA provocou a constituição de um novo e complexo cenário urbano em Marabá, a partir das alterações engendradas nos fluxos migratórios e de investimentos para esta cidade. O mercado imobiliário se expandiu, amparado também em movimentos externos, propiciando o aparecimento de novos habitats urbanos, para uma cidade média da Amazônia Oriental, mas que, entretanto, colaborou para a intensificação da especulação imobiliária, a partir da mercantilização do solo urbano e da retenção deste para operações financeiras futuras, que buscam o lucro e não garantir a função social da propriedade. A intensificação da cidade-mercadoria teve, também, efeitos importantes nas outras lógicas de produção do espaço urbano estabelecidas, como a lógica estatal, em que as alianças entre poder público e proprietários fundiários levou à criação de conjuntos habitacionais, com graves problemas estruturais e de qualidade de vida da população levada a este local, visto que a inserção urbana destes conjuntos ficou comprometida, à medida que a população teve disponibilizada apenas a residência e não todos os equipamentos e serviços necessários à uma qualidade de vida digna na cidade. Da mesma forma, a lógica da necessidade ampliou-se na estruturação do espaço urbano, já que a mercadorização da cidade dificultou o acesso a esta para aquelas camadas sociais mais desfavorecidas economicamente. Criar novas áreas ou expandir aquelas ocupações já existentes tornou-se a principal estratégia para a (sobre)vivência destas famílias em Marabá e também a principal forma de efetiva consolidação de novas moradias no espaço urbano. Entretanto, fica claro que a moradia por si só não é condição única para garantir melhorias na qualidade de vida da população, é preciso também dar condições para a reprodução social digna desta, com garantias para o acesso a serviços públicos de qualidade, como a educação, a saúde, o transporte e o lazer que, da maneira que se procedeu o processo de produção do espaço urbano de Marabá após a ALPA, não está sendo possível garantir essas condições à toda 2475 A DIVERSIDADE DA GEOGRAFIA BRASILEIRA: ESCALAS E DIMENSÕES DA ANÁLISE E DA AÇÃO DE 9 A 12 DE OUTUBRO população, demonstrando que a ampliação das desigualdades socioespaciais é uma característica real presente neste processo e está estruturalmente ligada à consolidação da cidade-mercadoria. 5 - Referências ABRAMO, Pedro. O mercado informal e a produção da segregação espacial na América: a cidade COM-FUSA informal. In: LEAL. S.; LACERDA, N. (orgs.). 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