A nova idade mínima para o trabalho: 16 anos

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NOVA IDADE MÍNIMA PARA O TRABALHO: 16 ANOS
Evanna Soares (Procuradora Regional do Ministério Público do Trabalho - Chefe da Procuradoria Regional do
Trabalho da 22ª Região-PI)
As reformas que estão sendo efetuadas na Constituição da República de 1988 trouxeram uma novidade
praticamente não percebida pela sociedade brasileira: cuida-se do primeiro artigo da Emenda Constitucional nº 20,
publicada no Diário Oficial da União de 16 de dezembro último, que, embora se destinasse tal Emenda à
modificação do sistema de previdência social - tema por demais discutido e divulgado pela imprensa - também
alterou um dos direitos sociais dos trabalhadores previsto no artigo 7º, item XXXIII, da Constituição da República,
relativo à idade mínima para o trabalho.
Dizia o texto primitivo que era proibido qualquer trabalho aos menores de quatorze anos de idade, salvo na
condição de aprendiz. A nova redação imposta pela referida Emenda elevou essa idade, vedando "qualquer
trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos".
Significa, na prática, que o menor de quatorze anos não pode exercer nenhum tipo de trabalho; absolutamente
nenhum. O adolescente entre quatorze e dezesseis anos pode trabalhar na condição de aprendiz, ou seja, o
trabalho associado à formação técnico-profissional, em que o trabalhador tem o direito e o dever de também
freqüentar curso regular, que a atividade seja compatível com o desenvolvimento do adolescente, e haja horário
especial para o exercício das atividades - como estabelece o artigo 63 do Estatuto da Criança e do Adolescente. A
remuneração do trabalhador em tais condições (aprendizagem) é feita através de bolsa de aprendizagem.
A fixação de idade mínima para a inserção do homem no mercado do trabalho constitui preocupação das nações
civilizadas. Apesar dos preconceitos e da idéia quase que generalizada, especialmente no Brasil, de que menor
pobre deve trabalhar para manter a si e à família, tem crescido a consciência da necessidade de se erradicar o
trabalho da criança e afastar o adolescente da exploração da mão-de-obra, de sorte a permitir-lhes um mínimo de
instrução e educação que possibilite a formação de um adulto saudável e em melhores condições de competir no
mercado de trabalho, quebrando, assim, o círculo de miséria, ignorância e exclusão social. Para tanto, têm-se
empenhado incansavelmente organismos internacionais, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) com
seu Programa Internacional para Eliminação do Trabalho Infantil (IPEC), entidades governamentais - notadamente
o Poder Executivo através do Ministério do Trabalho, e os Ministérios Públicos do Trabalho e Estadual - além de
inúmeras organizações não governamentais - notadamente as religiosas e filantrópicas.
É dever do Estado (expressão aqui utilizada no sentido de nação politicamente organizada), de um lado, proibir e
fazer valer a proibição do trabalho do menor. Mas é também seu dever, por outro lado, depois da família e da
sociedade, "assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão" (artigo 227 da Constituição Federal). Mas não é possível nem basta
simplesmente proibir o trabalho irregular do menor, se não lhe são oferecidas as garantias mínimas reconhecidas
constitucionalmente, para o desenvolvimento saudável e digno. Em outras palavras: cairão no vazio, por exemplo,
as medidas repressivas adotadas pelo Ministério Público do Trabalho, para retirar o menor do trabalho proibido, se
a própria família, a sociedade e o Estado não lhe propiciarem alternativas de vida - isentas de outras modalidades
de exploração da mão-de-obra, ainda que mascaradas de filantropas e assistenciais, ou mesmo imbuídas das
melhores intenções.
Sempre que um menor é visto fora da escola, perambulando pelas ruas, na criminalidade ou trabalhando
irregularmente, sem dúvida que faltam os cuidados da família (via de regra justificada pela situação de pobreza ou
pela paternidade e maternidade irresponsáveis) e as atenções da sociedade (que pode ampará-lo mediante a
provocação das ações dos governos), verificando-se, outrossim, a omissão do Estado, especialmente no que se
refere à oferta de programas assistenciais e educacionais, e para geração de emprego e renda às famílias carentes
- pois é inegável que não produz resultado dar trabalho ao menor para que ele ajude à família, mas sim aos seus
pais para que o ajudem e criem com atendimento às necessidades vitais. Nem se diga que não há verbas para
isso. Há, sim. O que falta é vontade política de resolver o problema. Aliás, outros ramos do Ministério Público (o
Federal e o Estadual) dispõem de ações judiciais para compelir os órgãos governamentais federais, estaduais e
municipais (e também as famílias) a cumprirem os deveres de assistência acima descritos. Somente a conjugação
de esforços de todas as entidades, órgãos e instituições envolvidos com a proteção ao menor trabalhador, e a
conscientização da sociedade e das autoridades no sentido de que "lugar de criança é na escola" - e não nas ruas,
na criminalidade ou no ócio, muito menos no trabalho precoce - é que poderá modificar a situação vista no País e
aproximar o ideal preconizado pela lei à realidade social.
Exemplo de sucesso dessa atuação conjunta e responsável é o "programa bolsa-escola", que beneficia dezenas de
crianças que viviam exploradas nas olarias da zona norte de Teresina, resgatando-lhes a cidadania e rompendo
práticas reinantes há décadas na região. Infelizmente, também subsistem exemplos de situações que reclamam
solução definitiva (existem providências nesse sentido, notadamente a cargo da Procuradoria e da Delegacia
Regional do Trabalho no Piauí), como os pequenos gazeteiros, os carregadores de compras na Ceasa, os catadores
de lixo no aterro sanitário, os vendedores ambulantes, engraxates, "vigias" de carro, enfim, um rol inesgotável do
qual não se pode esquecer os trabalhadores do campo - explorados, seja por empregadores, propriamente ditos,
seja pelas suas famílias premidas pela miséria e pela ignorância - e alijados dos direitos que a Constituição
reconhece à criança e ao adolescente.
O curioso é que a mencionada Emenda Constitucional, segundo notícia veiculada recentemente em conceituada
revista semanal, ao elevar de quatorze para dezesseis anos a idade mínima para o trabalho do menor, não teve o
intento de proteger o trabalhador precoce, mas sim o de tentar evitar que o cidadão - iniciando o trabalho aos
quatorze anos e não podendo aposentar-se antes dos sessenta e cinco anos de idade - contribua por mais de meio
século para a Previdência Social! Se essa foi a intenção do reformador da Constituição, de nada serviu a elevação
da idade mínima sob comento, ao trabalhador, pois, mesmo o aposentado, conforme mais recente alteração da
Constituição, também deverá seguir contribuindo para Previdência Social, até a morte.
A novidade contida na Emenda nº 20 repousa em norma constitucional de efeito imediato e concreto, incidindo nas
relações jurídicas em curso, visto que se trata de norma de ordem pública, achando-se em vigor desde o dia
dezesseis de dezembro último, quando foi publicada. Isso significa que dispositivos da legislação ordinária sobre a
idade mínima para o trabalho e aprendizagem, especialmente dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho e
do Estatuto da Criança e do Adolescente, acham-se revogados naquilo que colide com o novo artigo 7º, XXXIII, da
Constituição. De imediato, como conseqüência disso, pode-se chegar às seguintes conclusões: 1ª) os contratos de
trabalho então vigentes, celebrados com trabalhadores com idade abaixo de dezesseis anos estão extintos,
merecendo os trabalhadores as indenizações trabalhistas correspondentes à dispensa sem justa causa - eis que o
dispositivo destinado à sua proteção não pode causar-lhes prejuízos - ficando em aberto a discussão sobre a
responsabilidade pelas indenizações, se dos empregadores ou da Fazenda Pública Federal ("factum principis"); 2ª)
acham-se também extintos os contratos de aprendizagem entabulados com os menores de quatorze anos, sem
outros ônus que não aqueles eventualmente previstos contratualmente; 3ª) somente podem ser admitidos como
aprendizes os maiores de quatorze anos, observados os requisitos legais, merecendo remuneração sob o título de
"bolsa de aprendizagem"; 4ª) somente podem ser contratados como empregados os maiores de dezesseis anos
(exceto para trabalhos noturnos, perigosos, insalubres ou perigosos, ou realizados em locais prejudiciais à sua
formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social, ou em horários e locais que não permitam a
freqüência à escola - que será admitido somente aos trabalhadores maiores de dezoito anos); 5ª) aos maiores de
dezesseis anos de idade, ainda que aprendizes, são assegurados os direitos trabalhistas e previdenciários.
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