Dos sintomas ao sinthoma O que se espera de um tratamento psicanalítico é que o sujeito se identifique a seu sintoma. Esta é uma entre outras das frases enigmáticas de Lacan, uma vez que os pacientes procuram tratamento geralmente para se aliviar, se desfazer do sintoma que lhes causa tanto sofrimento. Assim temos um final de tratamento cujo objetivo seria a identificação com o sintoma e uma entrada ao tratamento através de um pedido de cura do sintoma. Trata-se aqui da mesma noção de sintoma? Para tentar responder esta questão é necessário desenvolver e diferenciar, por um lado, o sintoma que se apresenta na clínica como fonte de sofrimento, que incomoda, que produz mal-estar, razão pela qual os pacientes demandam tratamento. Por outro, o sintoma como identificação do sujeito, como sua particularidade subjetiva. O sintoma é um fenômeno subjetivo, expressão de um conflito inconsciente. O sintoma é uma metáfora de um desejo inconsciente que foi recalcado, e é uma forma disfarçada do sujeito gozar sem que sua consciência moral saiba disso. Ele é a expressão de uma demanda de gozo dirigida a um Outro da fantasia inconsciente. Neste sentido o sintoma vem a representar para o sujeito uma dimensão de seu desejo que lhe escapa. Tanto em Freud como nos primeiros textos de Lacan, o sintoma é definido como uma formação simbólica, uma mensagem cifrada, codificada e dirigida ao grande Outro. Desta mensagem o sujeito ignora os termos que porta “ainda que ela algumas vezes contenha o decreto de sua morte”. O sintoma aparece onde a palavra falta; a palavra que fora recalcada se articula de forma codificada, apelando sua interpretação. Neste sentido não há sintoma sem seu destinatário. No tratamento o sintoma é endereçado ao psicólogo ou analista para que este revele o sentido oculto, o que significa a presença da transferência, ou seja, a suposição de um sujeito que saiba sua significação. O sintoma, aqui, já é formado com um apelo a sua interpretação, uma vez que, é dirigido ao Outro (analista) que supostamente detém seu sentido. A problemática que se coloca para Freud é o fracasso da interpretação e conseqüentemente a repetição do sintoma. Lacan avança nesta questão através da resposta sobre a noção de gozo. O sintoma não é somente uma mensagem a ser decifrada, mas uma forma de gozar do sujeito. Por tal motivo, o mesmo não está disposto a renunciar a seu sintoma; ele “ama seu sintoma mais do que a si mesmo”. A relação de gozo e sintoma é ligada ao conceito de fantasia. Por um lado o sintoma é uma formação significante que apela a sua interpretação; já a fantasia é uma construção que resiste à interpretação. Segundo Zizek1 “o sintoma é uma mensagem endereçada a um Outro não barrado que retroativamente lhe dá sua significação, a fantasia pressupõe um Outro barrado, inconsistente”. Neste sentido que podemos dizer “a interpretação dos sintomas” e “a travessia da fantasia”. Num trabalho operado pela cura psicanalítica, o sujeito descobre, assim, a relação de seu desejo com o sintoma e a satisfação fantasmática inconsciente à qual ele serve. Durante o tratamento o paciente decifra os sentidos de seus sintomas, pode fazer a travessia de sua fantasia, desfazendo as identificações imaginarias que o alienam permitindo a emergência de seu próprio desejo, e espera-se que a partir deste processo o sujeito possa lidar com sua vida desde outra posição subjetiva, diferente daquela que ocupava no inicio de seu tratamento. Entretanto, Lacan nos traz com relação ao sintoma outra questão, que fazer quando o paciente passou por este processo de tratamento e ainda os sintomas permanecem, como um resíduo do próprio tratamento? 1 Zizek. Slavoj. Bem vindo ao deserto do real. Ed. Boitempo. São Paulo. A sua resposta virá na sua noção de identificação com o sintoma, algo mais radical que a noção do sintoma ou da fantasia, que não pode nem ser interpretado nem atravessado. A identificação ao sintoma como algo que se pode esperar de uma cura analítica não deixa de ser provocante, uma vez que o paciente procura um tratamento porque sofre devido a seu sintoma; “curiosa terapêutica, essa passagem de ter ao ser...o sintoma”2. Soler nos esclarece esta noção de identificação ao sintoma. Cabe salientar que não se trata de uma resignação, de um apenas acostumar-se ao que não se pode evitar, ou de algo como um destino, “sou assim, mas me agüento”, e não como sua responsabilidade. A identificação com seu sintoma é uma identificação a qualquer sintoma, porém um sintoma transformado. Que tipo de transformação é esta? A autora coloca que “a elaboração do trabalho de transferência, elaboração simbólica, modifica o que Lacan chama de invólucro formal do sintoma. A identificação ao sintoma é um sintoma despojado de seu invólucro imaginário e significante, reduzido a seu núcleo mais real, a sua letra ultima”. Com esta nova versão do sintoma podemos dizer que ocorre uma transmutação de sua condição patológica a ser tratada para uma condição estrutural que possibilita ao sujeito viver ou até mesmo se proteger da loucura. O que se pode esperar de uma analise não é que o sujeito se liberte de seus sintomas, mas que saiba de que forma está implicado neles para poder saber fazer com seu sinthoma. Cristian Giles Psicanalista membro do EPI e da APPOA Professora do DFP 2 Soler, Colette. A psicanálise na civilização. Ed.Contracapa, Rio de Janeiro, 1998. Bibliografia: Lacan, J. Le séminaire. Le sinthome.Publication interne. Association freudienne internacionle. Soler Colete. A psicanálise na civilização. Ed. Contracapa. Rio de Janeiro,1998. Zizek, Slavoj.Eles não sabem o que fazem. Ed. Zahar. Rio de Janeiro,1990.