A passagem que me cabe comentar encontra

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A passagem que me cabe comentar encontra-se na pg. 336, OE, no texto “O engano do sujeito suposto
saber”, é ela, “... é que possa se dizer alguma coisa sem que nenhum sujeito o saiba”. Logo no parágrafo
próximo, Lacan diz Mane, Mane, Tecel, Fares.Inscrição enigmática que pode derrubar um império.(leiam
na pg. 337 a nota que Lacan faz sobre essa referência). A coisa então seria RESPOSTA NO LUGAR CERTO,
um dos inúmeros e inúmeros paradigmas da noção de interpretação no ensino de Lacan.
No texto de Marcus, presente-compilação de nosso curso desse ano, “Fora do discurso”, vai nos dizer da
função apofântica da interpretação, cunhada em Aturdito, enquanto dizer eficaz na análise. O dizer
neurótico tendo a função primordial de suprir a relação sexual que não existe, é então desembaraçado
desse destino pelo dizer eficaz da análise, que é a realização do apofântico, assim como ocorre na
psicose e nos oráculos. Com a noção apofântica Lacan teria introduzido no seio do universo das
proposições uma oposição entre ele (o apofântico) e o modal. O modal se relacionando à demanda e
aquele sobre a causa do desejo, afirmando aquilo “que é”, não o que “pode ser”, RESPOSTA NO LUGAR
CERTO. Esse bem-dizer então se articula com a proposição na medida daquilo que excede o valor de
sentido de um dito. Dito outro, radical, vazio de sentido, mais absoluto que silencioso, certeza da
profecia. Lacan, ainda no “O engano do sss”, tentando situar a excelência do ato analítico, vai dizer que
os analistas na tentativa vã (sintomática) de tranqüilizar o Unheimlich, esvaziam-se de seu bem-dizer no
universo das representações, perdendo-se no registro puramente imaginário. Seria o WITZ freudiano a
via para apreender a articulação do inconsciente. “Tudo o que é inconsciente joga apenas com efeitos
de linguagem. Trata-se de algo que se diz sem que o sujeito se represente nisso nem que nisso diganem tampouco saiba o que diz. (...) Mas que possa haver um dizer que se diz sem que a gente saiba
(sans qu’on sache) quem o diz, é a isso que o pensamento se furta...”pg. 335. O ato analítico, para Lacan
aí, é uma aporia de estrutura paradoxal, pois nela o objeto é ativo e o sujeito, subvertido, e no cerne da
prática onde o ato se funda, o inconsciente empalideceu e o desejo sofre a deflação que o conduz a seu
des-ser. Nesse movimento, Lacan dirá que o psicanalista já não interpreta como nos bons tempos(?),
pois o que ele acoberta, para se proteger, é que possa se dizer alguma coisa sem que nenhum sujeito o
saiba.
Miller, na 11ª lição, vai dizer que a interpretação é o nó da prática psicanalítica. No Sem. As formações
do ics Lacan situa-a estabelecendo a diferença entre Demanda e desejo.Posteriormente no Sem. A ética
da psicanálise acresce a esse binário um terceiro termo- o gozo – pequeno a – a causa do desejo, visada
por excelência, ponto de incidência da interpretação. É assim que um novo significante para a
interpretação vai sendo forjado por Lacan. Acompanhando Miller, ele vai se perguntar se o império do
significado esgota-se pelo sentido e responde que não. Ao lado do sentido, é preciso colocar alguma
coisa enigmática- o furo, tornando a interpretação uma prática sem valor -bem entendido- sem valor no
sentido preciso que seus valores são os semblantes. Efeito de sentido e efeito de furo que em sua
conjunção, pela lógica borromeana, se produz a diz-menção do equívoco na interpretação, que é sua
essência. À operação equívoca da interpretação Lacan a nomeou de ressonância, pois há alguma coisa
no significante que ressoa. Equivocidade consoante com a natureza mesmo do inconsciente, pois o
inconsciente só se oferece naquilo que do sujeito é engano, revelação de um saber que se furta à
apreensão. Em Aturdito, pg. 451, “Assim é que o dito não vai sem o dizer. Mas, se o dito sempre se
coloca como verdade, nem que seja nunca ultrapassando um meio-dito (como me expresso eu), o dizer
só se emparelha com ele por lhe ex-sistir, isto é, por não ser da diz-mensão (dit-mension) da verdade.”
Para o saber que só se revela no engano do sujeito pode haver um sujeito que o saiba de antemão, o
SSS. O analista igualado à estrutura que o determina, ou seja, em uma posição de sujeito tal como
inscrita no real _ inscrição que determina o ato analítico. O fiasco (ratage), por si só, não inaugura a dizmensão do engano em questão. Em “O ato psicanalítico”, pg. 375, Lacan vai dizer que o ato não se
define pelo simples fato que “anda-se”, antes é preciso que “cheguei” se verifique nele.
Voltando a Lição 11, Miller vai dizer que ressonância é um termo desde sempre na obra Lacaniana, em
“Função e campo” vai dizer as ressonâncias da interpretação, no seminário O Sinthoma terá outro
tratamento, onde o efeito de furo é pensado distintamente da ressonância. Acolhendo as boas novas de
Vilanova, ao mencionar o osso de Miller, fui até lá e encontrei referências, a meu ver, valiosas para
nossa discussão.
No meio do caminho tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
Tinha uma pedra
No meio do caminho tinha uma pedra
Nunca me esquecerei desse
(acontecimento
Na vida de minha retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do
(caminho
Tinha uma pedra
Tinha uma pedra no meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra.
Carlos Drummond
Esse poema é tomado por Miller, em seu seminário proferido na Bahia no VIII Encontro Brasileiro do
Campo Freudiano em 1998. Faz toda uma dialética com o caminho e a pedra, que a reproduzo
minimamente: a repetição significante enriquece a significação tornando a pedra + pesada, tornando +
pesada a significação do peso da pedra. É pq existe a pedra que existe a repetição, mas tbem é pq existe
a repetição que se percebe e se isola a pedra e ela só é pedra no caminho pq alguém se põe a caminho.
É o caminho portanto que cria a pedra, que se encontra no meio do caminho. E por ela estar no meio do
caminho que o caminho existe... A pedra é + que um seixo que se pode afastar com um simples
pontapé, e é – que uma montanha, aliás, a massa de uma montanha esmagaria o caminho. Quer dizer
que é um pedaço de terra, do próprio caminho, um pedaço destacado de terra, do próprio caminho, que
diz não. A pedra e o caminho supõem a terra. Mas o caminho é a terra que diz sim, enquanto a pedra é a
terra que diz não. Logo, ambos, a pedra e o caminho, é a terra que FALA. Se a terra fala é pq no meio da
terra tem um ser falante que se põe a caminho, e encontra uma pedra. Se não houvesse ser FALANTE
para quem a terra falaria? Qual o caminho do ser falante? O ser falante tem muitos caminhos, mas um +
essencial que é o caminho de sua fala. É somente naquilo que se chama cura analítica que ele percebe
estar na rota do caminho de sua fala e que nesse caminho tem uma pedra.
Se se introduz o sgte no mundo, introduz-se tbem a dificuldade, a pedra. É a pedra de Zenão, aquela que
impede qquer ser que se move de chegar ao seu alvo e mesmo de deixar seu ponto de partida.
A
M
B
Ī_______Ī___ı__ıııĪ
É a pedra que sempre estará no meio do caminho e que é introduzida pela superposição do sgte sobre o
espaço. O sgte que opera no mundo morto torna o movimento possível, movimento que só é concebível
se acrescentarmos um elemento suplementar, impensável na metade indivisível que não é comparável
aos elementos divisíveis pelo sgte. É o que Lacan chama de objeto a, um objeto suplementar em relação
à ordem regulada pelo sgte, a pedra que existe em todo caminho da fala. O osso é uma espécie de pedra
que há no corpo. É daí que se monta toda uma significação no 1 ensino de Lacan onde o osso de uma
cura analítica seria a assunção da morte (caveira-puroosso), tendo-a como a verdade do gozo.
Mas é o próprio Lacan que nos mostra uma outra via, nos dizendo que o osso, a pedra, tem a ver com a
assunção do sexo, e não da morte. No caminho analítico da fala, há uma pedra de fala, que tem a ver
com o sexo. Uma pedra preciosa, algo que em grego chamamos de ágalma, e a fala vai girar em torno
desse osso, dessa pedra, em espiral, circunscrevendo-a cada vez + de perto até esculpi-la.
É então que o ato analítico tem a ver com esculpir a pedra, o osso. O que Miller em seu seminário vai
chamar de operação-redução. Opõe à redução a amplificação (registro do sentido). A fala que descreve,
narra, são animadas pelo movimento virtualmente infinito, estando sempre atrasadas em relação ao
que se tem a dizer. O Outro como tesouro dos sgtes está em contraste com a redução- que é a versão
minimalista da operação analítica dirigida ao a numa analogia ao Witz.
A 1 operação-redução é a repetição, em que o mesmo vai emergir a partir da produção do diverso, que
é uma espécie de formalização, ou seja, que existem certos lugares, certos postos fixos no ics que
engendram uma lógica proposicional. Cabe aí ao analista o manejo no sentido de reduzir a proposição à
constante.
A 2 é a convergência, que se produz enquanto sgte mestre do destino do sujeito.
A 3 é a evitação que é o caput mortumm do sgte, sua cabeça de morto, sua caveira, o osso da máquina
sgte, o resíduio impossível do funcionamento da repetição. É aquilo que evita sempre a repetição, como
se aquilo que se repetisse, de + importante, fosse a evitação. Há elementos que não aparecem,
elementos cuja evitação se repete que é uma repetição da ausência, da evitação, do contorno.
Repetição e convergência designam, e na experiência analítica, a redução ao simbólico, a redução do
discurso do paciente, aleatório, confuso e abundante, a formas simbólicas elementares. Mas há algo +,
há essa evitação, que não está na presença, e que introduz uma outra redução, que é a redução ao real.
A redução ao real nos remete à contingência, àquilo que cessa de não se escrever. É no registro da
contingência que vai se situar a experiência do gozo.
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