Longo caminho - Revistas Melhores Práticas

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Gestão
Longo caminho
Medida da ANS inicia discussão sobre a oferta de
medicamentos ambulatoriais para
doentes crônicos pelas operadoras de saúde
Por Danylo Martins
A
contece no mundo inteiro. Os doentes crônicos não se cuidam como deveriam ou pior,
abandonam seus tratamentos. As razões vão
da dificuldade de obter a medicação necessária,
falta de compreensão sobre a doença até a ausência
temporária de sintomas. Segundo dados divulgados
no começo deste ano pela Organização Mundial
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da Saúde (OMS), somente metade dos portadores
das doenças crônicas não transmissíveis segue o
tratamento corretamente. Estima-se que apenas
nos Estados Unidos esse comportamento resulte
em 125 mil mortes todos os anos. No Brasil, ainda
faltam números sobre o assunto, de acordo com o
Ministério da Saúde.
Diante da magnitude do problema,
que envolve pacientes, hospitais, operadoras de planos de saúde e a saúde pública,
em outubro do ano passado, a Agência
Nacional de Saúde Suplementar (ANS)
colocou em vigor a Resolução Normativa (RN) 310, que estabelece “princípios
para a oferta de medicação de uso domiciliar para beneficiários de planos de
saúde portadores de patologias crônicas”.
A RN ficou em consulta pública durante
um mês até ser publicada, com o objetivo
de reduzir o subtratamento das doenças
crônicas mais prevalentes entre a população brasileira.
Um dos pontos principais – e talvez
o mais polêmico da medida – é que o oferecimento da cobertura pelos planos de
saúde permanece facultativo. Cada país
trata a questão de uma forma. Há décadas,
nos Estados Unidos e em muitos países
da Europa, como Inglaterra, a assistência
dos medicamentos é embutida no pacote
do plano. No Brasil, fica a cargo de cada
operadora decidir se proporcionará, ou
não, o benefício para seus clientes. A
norma segue o artigo 10 da Lei 9.656, de
1998, que exclui a oferta de medicação
domiciliar por parte das operadoras.
Para estimular os planos a ampliar
sua assistência aos beneficiários, incluindo o tratamento medicamentoso no caso
das doenças crônicas, a Resolução dará
incentivos (ainda não estabelecidos) àqueles que seguirem a recomendação. “A
assistência farmacêutica, objeto da RN
310, faz parte de um amplo conjunto de
medidas adotadas pela ANS, voltadas para
uma mudança do modelo de assistência
à saúde. Urge repensar o atual, de forma
a direcioná-lo para ações de promoção
da saúde e prevenção dos riscos e doenças”, explica Karla Coelho, gerente de
assistência à saúde da ANS.
ACESSO é O COMEçO
A medida é vista como um dos
passos iniciais de um longo caminho que
vem pela frente para reduzir o abandono do tratamento de doenças crônicas.
“A sinalização é clara para os planos de
Grandes empresas
já entendem a importância
de oferecer o tratamento
para doentes crônicos
saúde, mas é importante ressaltar que o
acesso aos medicamentos não basta para
o tratamento ter eficiência. É fundamental
que o doente crônico tenha informações e
suporte, aquilo que vai garantir qualidade
de vida e bem-estar para ele. Sem isso,
fica muito difícil persistir”, destaca Fábio
Abreu, que atua com gerenciamento de
doentes crônicos.
Cientes de que o acesso não é a
única solução do problema, algumas
empresas atendem grandes companhias
brasileiras para auxiliar no tratamento
de funcionários portadores de doenças
crônicas. Representadas pela Associação Brasileira das Operadoras de PBM
(PBMa), essas empresas trouxeram dos
Estados Unidos o conceito Pharmacy Benefit Management (PBM), cuja sigla foi
mantida no Brasil com o nome Programa
de Benefícios de Medicamento. De acordo
com Luiz Monteiro, presidente da PBMa,
mais de 2 milhões de pessoas recebem o
benefício, atendidos por uma das quatro
empresas do setor. “As grandes empresas
já entendem a importância de oferecer
o tratamento com os medicamentos necessários para doentes crônicos, o que
diminui o absenteísmo e contribui para
o aumento da produtividade dos colaboradores”, ressalta. Entre as companhias
que se preocupam com a saúde de seus
funcionários, estão Petrobras, Banco do
Brasil, Unilever, Ambev e Nestlé.
O objetivo do PBM não é apenas
subsidiar a compra dos medicamentos,
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mas criar condições também para uma
mudança de comportamento nas empresas
e entre os próprios portadores das doenças.
“Dar o medicamento não é suficiente. A
educação continuada, com orientação
de nutricionistas, cardiologistas e outros
especialistas é fundamental para a eficácia
do tratamento”, aponta Pedro Oliveira,
diretor médico de uma das operadoras de
PBM, cuja atuação se estende a mais de
200 empresas, dentre as quais, a Petrobras.
“Isso faz parte de uma política de saúde,
que significará, no fim, um investimento
feito pela empresa”, complementa. Como
consequência, o colaborador mantém sua
produtividade, fica mais engajado e falta
menos ao trabalho por motivos de saúde.
AçãO E GESTãO
A adesão ao tratamento no caso das
doenças crônicas é algo que preocupa.
“A Resolução trouxe um olhar da ANS
para esse assunto. A vontade inicial era
de tornar obrigatória a oferta de medicamentos, mas ainda existe um lobby muito
forte”, critica Fábio Hansen, presidente
de uma operadora de PBM, que atende
70 empresas no Brasil inteiro. Para tentar
melhorar o quadro crítico de abandono
do tratamento das doenças, a operadora
desenvolve uma gestão integrada com a
empresa e os colaboradores que são portadores das patologias crônicas. “Pegamos
todos os dados de saúde da pessoa, todas
as contas médicas. Isso cai em um grande
banco de dados. Em cima disso, faz-se
uma gestão muito mais eficaz de perfil,
de potenciais pacientes para participar
de programas, como gestão de doentes
crônicos”, explica.
Para medir os resultados, as empresas de PBM montam relatórios mensais
ou semestrais. “Semestralmente, fazemos
uma análise de tudo o que foi consumido
por nossa base de clientes. Esse levantamento ajuda a identificar o total de
doentes crônicos. O relatório produzido
também direciona as empresas a montar
programas internos para as doenças mais
prevalentes entre seu grupo de funcionários”, explica Cristina Nunes Ferreira, gerente de inteligência em saúde de
uma operadora de PBM, que atende 62
empresas em todo o Brasil, entre elas, o
Banco do Brasil.
Para elaborar a análise, as empresas
utilizam três tipos de indicadores: operacionais (incluem o engajamento das pes-
DOENçAS CRÔNICAS EM NÚMEROS
 Estima-se que, nos Estados Unidos,
de todas as admissões hospitalares
relacionadas com o uso de remédios, de 33% a 69% se devem
à baixa adesão aos tratamentos
medicamentosos. Essas internações custam aproximadamente
US$ 100 bilhões por ano. Do
total de custos que poderiam ser
evitados, a não adesão cor-
responde a 57%.
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Melh res Práticas
 No Brasil, 72%
das causas de
mortes e 60% de todo o ônus
decorrem das doenças
crônicas.
soas no tratamento, como a frequência de
ida ao médico), clínicos (medem pressão
arterial média, entre outros, como hábitos
saudáveis e adesão ao tratamento) e financeiros (custos ligados à produtividade,
como absenteísmo). “Há um indicador
bem interessante, que é a autopercepção
de saúde – a pessoa perceber que está
melhor”, destaca Gustavo Guimarães,
diretor médico de uma operadora de PBM.
O conceito de gestão de saúde populacional também ajuda a identificar
os portadores de doenças crônicas e está
presente no trabalho desenvolvido pelas
empresas de PBM e nas políticas de gestão de pessoas de grandes companhias.
“Primeiramente, é preciso estabelecer
os indicadores de saúde, operacionais e
financeiros, que servirão como base para
mensurar os resultados”, afirma Marília
Ehl Barbosa, superintendente executiva da
Aliança para a Saúde Populacional (Asap).
Os principais ganhos com a implantação
da gestão de saúde populacional são aumento de produtividade e diminuição
do absenteísmo. “Ocorre a melhora da
qualidade de vida do portador de doença
crônica. O resultado é que os profissionais
ficam mais felizes”, complementa.
MOvIMENTO
DOS PLANOS
Responsáveis pela cobertura da saúde de aproximadamente 47,9 milhões de
brasileiros, os planos começam a estudar a
oferta de medicamentos de uso domiciliar
para os beneficiários que possuem doenças
crônicas. Em resposta à Melhores Práticas,
a diretoria técnica da Amil “informa que
está avaliando a Resolução Normativa
310”. Segundo a equipe técnica da operadora, trata-se de um tema de grande
relevância, que envolve a participação
de usuários, prestadores, operadoras e
empresas. “Estamos atentos à questão
da prevenção e do correto tratamento
de doenças crônicas, e seus impactos
positivos na melhoria da qualidade de
vida do cliente e, consequentemente, na
otimização dos nossos serviços”, destaca.
Mesmo não oferecendo os medicamentos de uso domiciliar, desde 1999 a
Amil conta com um centro de diagnóstico
e tratamento completo, que dispõe de
acompanhamento permanente aos beneficiários com diabetes, hipertensão arterial
e cardiopatias. As seis unidades, quatro
localizadas em São Paulo e duas no Rio
de Janeiro, contam com uma equipe de
 O Diabetes Mellitus é uma das doenças
crônicas que mais avança entre a população mundial. Estima-se que são cerca
de 250 milhões de pessoas com
4%
delas (10 milhões) estão no Brasil.
o problema em todo o mundo –
 Cerca de 33% da população brasileira dos 60 aos 79 anos de idade têm
diabetes ou alguma alteração relacionada à glicose.
 A hipertensão arterial não tratada
reduz a expectativa de vida
das pessoas em 16 anos.
reduzir significativamente as
320 mil mortes por ano causadas
 A adesão ao tratamento pode
pelas doenças cardiovasculares.
 Cerca de 22,7% dos brasileiros têm
hipertensão.
Fonte: Organização Mundial da Saúde, Instituto IMS Health, Federação Internacional de Diabetes, Ministério da
Saúde, Sociedade Brasileira de Diabetes e Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Melh res Práticas
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A orientação adequada
contribui para bons resultados
não só para os pacientes, mas
para a saúde como um todo
cardiologistas, endocrinologistas, enfermagem, nutricionistas e educadores físicos. Além disso, desde 2001, a operadora
oferece apoio na prevenção da saúde de
colaboradores de empresas parceiras, que
são portadores de doenças crônicas. De lá
para cá, mais de 35,7 mil pacientes com
hipertensão e 3,4 mil pessoas com diabetes
foram identificados e recebem suporte da
rede credenciada.
Nos últimos anos, a SulAmérica
Saúde também passou a investir em ações
específicas para os beneficiários portadores de doenças crônicas. Perguntado sobre
a influência da Resolução da ANS, Mauricio Lopes, diretor técnico e de produtos
da seguradora, diz que a SulAmérica está
estudando a oferta da medicação de uso
fora do ambiente hospitalar.
Enquanto a decisão não é tomada,
a empresa desenvolve um programa para
clientes que têm patologias crônicas, cuja
participação conta com 25 mil pessoas
desde 2002, quando foi colocado em prática. “De forma gratuita, os beneficiários
são convidados a participar do programa
após responderem um questionário de
avaliação de risco”, explica Lopes. É feito um acompanhamento domiciliar, por
telefone e e-mail, com o fornecimento de
orientações sobre os sinais e sintomas da
doença, além de suporte diário em casos
de urgência. Como um dos resultados
do programa, desde a implantação, 83%
dos participantes com colesterol elevado
tiveram a taxa reduzida. “Alguns anos
atrás, a pauta era como identificar os doentes crônicos. Atualmente, conseguimos
entender melhor esses dados.”
A orientação adequada ao tratamento contribui para melhores resultados
não só para os pacientes crônicos, mas
também para a saúde como um todo.
“Nesse sentido, um programa de assistência farmacêutica com uma rede de
atores bem estabelecida, prescrição médica adequada e acesso dos pacientes,
mediante apresentação de receita, a
menores preços, desestimularia a automedicação e contribuiria para o uso
racional de medicamentos”, reforça Karla
Coelho, da ANS. MP
ATuAçãO DO GOvERNO
Por meio do Programa Farmácia Popular, implantado em 2004, o governo
federal oferece medicamentos com
até 90% de desconto nas 557 farmácias populares da rede própria
e, desde 2006, em cerca de 25 mil
farmácias privadas credenciadas.
Além disso, são oferecidos de
forma gratuita, na rede privada,
11 tipos de medicamentos para
hipertensão e diabetes e 14 na
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rede própria do programa com a implantação do “Saúde Não Tem Preço”. Desde
junho do ano passado, a ação passou a
distribuir gratuitamente também medicamentos para asma. Com isso, mais de 400
mil pessoas em todo o país já retiraram
os medicamentos nas farmácias populares, segundo dados do Ministério da
Saúde. De acordo com o Ministério, em
dois anos, quase 17,5 milhões de pessoas
foram beneficiadas.
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