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A coesão lexical no texto “Circuito Fechado”,
de Ricardo Ramos1
Felipe Aleixo
2
Resumo: Neste trabalho, objetivou-se verificar, com base nos estudos de Halliday e
Hasan (1976), se existe ou não coesão textual no conto “Circuito Fechado”, do alagoano
Ricardo Ramos. Inicialmente, tentou-se checar se se pode considerar esse conto um
texto. Ao provar-se que “Circuito Fechado” apresenta textualidade, pôde-se considerálo um “texto”. Com base na concepção de coerência e coesão da maioria dos teóricos da
Linguística Textual, à exceção de Halliday e Hasan (1976), verificou-se que se deveria
considerar que o texto de Ricardo Ramos tem coerência, porém não tem coesão. No
entanto, de acordo com o que postulam Halliday e Hasan (1976) acerca da coesão e,
especificamente, da coesão lexical, constatou-se que “Circuito Fechado” apresenta o que
tais autores denominam coesão lexical por colocação, bem como o que Antunes (1996;
2005) denomina coesão por associação. Portanto, pode-se considerar que “Circuito
Fechado” é dotado de coesão, já que apresenta coesão lexical por colocação, nos termos
de Halliday e Hasan (1976), ou coesão por associação, nos termos de Antunes (1996;
2005).
Palavras-chave: Coesão lexical. Linguística Textual. Associação Semântica. Halliday e
Hasan (1976). Colocação.
1
Orientadora: Silvana Zamprôneo. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua
Portuguesa pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/FCL-CAr). Mestre em Linguística e Língua Portuguesa e graduada em Letras pela mesma instituição. Docente dos cursos presenciais de Letras e Pedagogia
do Centro Universitário Claretiano de Batatais (SP). E-mail: <[email protected]>.
2
Especialista em Ensino de Português, Literatura e Redação pelo Centro Universitário Claretiano de Batatais
(SP) e Especializando em Teorias Linguísticas e Ensino pela Universidade Estadual Paulista (UNESP/FCLCAr). E-mail: <[email protected]>.
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“A coesão não nos revela a significação do texto,
revela-nos a construção do texto enquanto edifício semântico”
(HALLIDAY; HASAN, 1976, p. 26).
1. INTRODUÇÃO
A coesão textual tem sido objeto de muitos estudos no campo da
Linguística Textual. Como se pode perceber em vasta literatura sobre o assunto, as questões relacionadas à referenciação são habitualmente preferidas na análise de textos. Já estudos sobre a coesão lexical são mais escassos. Além disso, identificar os recursos coesivos em textos literários não é
tarefa fácil, tendo-se em vista que eles, usualmente, podem estruturar-se
de forma diferente dos textos não-literários (tais como os científicos e os
jornalísticos), merecendo, por essa razão, um estudo mais cuidadoso dos
processos de “entrelaçamento” dos termos que os compõem.
Nesse sentido, objetiva-se, neste trabalho, de acordo com a proposta
de Halliday e Hasan (1976), identificar se há ou não coesão no texto “Circuito Fechado”, do escritor alagoano Ricardo Ramos. Esse texto literário,
o qual é construído, em sua quase totalidade, com substantivos, apresenta
um dia rotineiro na vida de um homem de negócios. Apesar de ser destituído de recursos gramaticais de coesão textual, os quais, de acordo com
Koch (1999), assinalam determinadas relações de sentido entre enunciados ou partes de enunciados, tecendo-se, assim, o “tecido”, ou “tessitura”,
do texto, “Circuito Fechado” pode ser claramente percebido por qualquer
falante da língua portuguesa como uma sequência ordenada de vocábulos,
e não um “amontoado” de palavras desconexas e sem sentido, uma vez
que, como afirmam Koch e Travaglia (1997), em meio a uma sequência
aparentemente caótica de termos, se pode compreender perfeitamente o
seu “sentido”, o que o caracteriza como um texto coerente.
Dessa forma, inicialmente, discutir-se-á, baseando-se nos estudos
de Halliday e Hasan (1976), a textualidade dessa composição de Ricardo
Ramos, para que, em seguida, se possa analisá-lo, de forma a estabelecer se
há ou não coesão nele. Para realizar essa análise, contudo, faz-se necessário
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apresentar o que se considera “coesão textual”, partindo-se, também, do
conceito de coerência. Finalmente, tentar-se-á relacionar o processo de
seleção de lexemas realizada pelo autor à conectividade semântica existente em “Circuito Fechado”, identificando-se os chamados aspectos associativos, segundo Antunes (1996), presentes no texto. Convém ressaltar,
ainda, que, neste estudo, será realizada, apenas, uma análise linguística do
conto selecionado, deixando-se de lado, portanto, a sua análise literária.
2. TEXTO E TEXTURA
Para Halliday e Hasan (1976), o texto é uma passagem, falada ou
escrita e de tamanho qualquer, que forma um todo unificado. Em outras
palavras, ele não é apenas uma sequência de vocábulos ou, simplesmente,
uma grande unidade gramatical, diferindo-se da sentença apenas por seu
tamanho (um tipo de “supersentença”). Um texto, na verdade, segundo a
concepção desses autores, caracteriza-se por ser uma “unidade semântica”,
ou seja, uma unidade não de forma, mas de significado, que contém um
sentido no contexto, uma textura.
É importante ressaltar que, em virtude de, em algumas línguas, existir apenas o termo “texto” (como no alemão e no holandês) e, em outras,
haver, também, a par de “texto”, o termo “discurso”, acabou-se por criar
uma confusão entre ambos, os quais podem ser empregados ora como
sinônimos, ora com sentidos diferentes. Além disso, há, sobretudo para
a Análise do Discurso, uma distinção desses termos com relação aos seus
sentidos. Nesse contexto, Fávero e Koch (1983, p. 25) admitem duas
acepções para o termo “texto”:
Texto em sentido amplo, designando toda e qualquer manifestação
da capacidade textual do ser humano (uma música, um filme, uma
escultura, um poema etc.), e, em se tratando de linguagem verbal,
temos o discurso, atividade comunicativa de um sujeito, numa situação de comunicação dada, englobando o conjunto de enunciados
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produzidos pelo locutor (ou pelo locutor e interlocutor, no caso dos
diálogos) e o evento de sua enunciação.
Contudo, neste trabalho, entender-se-á “texto” levando-se em consideração apenas a forma realizada pela linguagem verbal, ou melhor,
como afirmam Koch e Travaglia (1997, p. 10), “[...] como uma unidade
lingüística concreta [...] que é tomada pelos usuários da língua [...] como
uma unidade de sentido e como preenchendo uma função comunicativa
reconhecível e reconhecida, independentemente de sua extensão”.
Como a caracterização de um texto como tal está diretamente relacionada ao conceito de “textura”, faz-se necessário explicitar aqui, também, esse conceito na visão de Halliday e Hasan (1976). Para os autores, a
textura é o que expressa a propriedade de o texto “ser” um texto. Logo, um
texto tem textura, e é isso que o distingue de um “não-texto”. Além disso,
a textura (ou textualidade) é estabelecida pela relação coesiva existente
entre os termos presentes no texto. Portanto, pode-se inferir que, para que
um texto seja texto, é necessário que haja uma ligação de sentido entre os
elementos que o compõem.
Halliday e Hasan (1976) afirmam, ainda, que a textura envolve
muito mais do que apenas a coesão. Para eles, há outros dois componentes
de textura, sendo que um é a “estrutura textual”, que é interna à sentença,
ou seja, a organização da sentença e de suas partes em uma forma que a
relaciona ao seu contexto; e o outro componente é a “macroestrutura do
texto”, que o estabelece como um texto de um tipo particular, ou seja, uma
conversação, uma narrativa, uma música, dentre outros.
Apresenta-se, a seguir, o conto de Ricardo Ramos e inicia-se seu estudo pela análise da textura.
Circuito Fechado
Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental,
água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina,
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sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente.
Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone, agenda,
copo com lápis, caneta, blocos de notas, espátula, pastas, caixa de
entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone,
relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de
anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetos de
filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro-negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos,
talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, gravata, paletó. Carteira, níqueis, documentos, caneta, chaves, lenço,
relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras,
xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapos. Quadros. Pasta,
carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis,
externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel,
pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta.
Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona,
copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras, cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo.
Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos,
meias, calça, cueca, pijama, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama,
travesseiro (RAMOS apud CAMPOS; SILVA, 2007, p. 70-71).
Ao lê-lo, qualquer pessoa que tenha a língua portuguesa como sua
língua materna, ou até como segunda língua, percebe perfeitamente que
não se trata de um amontoado de palavras quaisquer, dispostas sem nenhum critério. Ao contrário, apreende-se facilmente o seu significado, qual
seja, a descrição de um dia na vida de um homem de negócios. Como se
pode perceber, apesar de o texto ser constituído, na sua quase totalidade,
de substantivos simples e concretos, isto é, sem os chamados “fatores gramaticais de coesão”, há, subjacente a ele, uma textura, proposta por Hal-
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liday e Hasan (1976). Ora, se, para que um texto seja texto, é necessário
haver textura, e se há, indiscutivelmente, textura em “Circuito Fechado”,
então este é e deve ser considerado um texto.
3. COERÊNCIA
Segundo Fávero (2004), os elementos de coerência são aqueles que
dão conta do processo cognitivo do texto, sendo percebidos, portanto, em
uma análise de seu nível profundo. Assim, é função da coerência “conectar” os conceitos presentes no texto e estruturar o seu sentido, o qual é
manifestado macrotextualmente.
Mateus et al. (2003) utilizam em referência ao conceito de coerência
a nomenclatura “conectividade conceptual”, pois, de acordo com as autoras, é por meio dela que se faz a interação entre os elementos cognitivos
apresentados no texto e o conhecimento de mundo do falante. Nesse sentido, nas palavras das autoras:
[...] uma condição cognitiva sobre a coerência de um texto é a
suposição da normalidade do(s) mundo(s) criado(s) por esse texto:
um texto é coerente se os elementos/esquemas cognitivos activados pelas expressões linguísticas forem conformes àquilo que sabemos ser: (i) a estrutura das situações descritas; (ii) as relações
lógicas entre situações; (iii) as propriedades características dos
objectos de um mundo “normal” (MATEUS et al., 2003, p. 115).
No texto de Ricardo Ramos, percebe-se, então, que estão presentes,
mediante o arranjo de itens lexicais (no caso, os substantivos simples e
concretos), os elementos cognitivos que nos remetem ao cotidiano de um
homem de negócios. Mesmo que não se seja um empresário, por exemplo, é de conhecimento geral a rotina de um deles (talvez, devido ao fácil
acesso das pessoas aos hábitos de diferentes profissionais e à grande variedade de culturas, os quais são expostos, a todo momento, pelos meios
midiáticos). Logo, o conteúdo do conto, em decorrência da seleção lexical
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e da ordenação dos itens lexicais, a qual possibilita estabelecer relações
lógicas no texto, faz-se reconhecível para os falantes de língua portuguesa.
Pode-se afirmar que a organização interna de “Circuito Fechado” expõe,
segundo o que dizem Mateus et al. (2003), as propriedades características
dos objetos de um mundo normal, ou seja, do contexto exposto.
Além disso, para Val (1999), a coerência é resultado da configuração que assumem os conceitos e as relações implícitos à superfície textual,
sendo responsável pelo “sentido” do texto, uma vez que é considerada um
fator de textualidade essencial. Assim, além da relação semântica e lógica
que deve haver em qualquer produção textual, devem-se considerar, ainda, os aspectos cognitivos, para que haja uma “partilha” de conhecimentos
entre as pessoas.
Seguindo a mesma linha de Mateus et al. (2003), Val (1999) afirma
que é o conhecimento de mundo do interlocutor que o auxilia a estabelecer
as relações de sentido no texto; além disso, sem esse conhecimento prévio,
não aconteceria a interação em seu sentido total (discutir-se-á melhor esse
assunto mais adiante, em seção específica). Tem-se de levar em consideração, portanto, que um texto não carrega por si só todo o significado
que seu produtor pretende transmitir; é preciso que o recebedor também
detenha os conhecimentos necessários à sua interpretação (VAL, 1999).
Não se pode deixar de mencionar que um texto, para ser considerado
coerente, deve manter uma “continuidade” lógica entre os conhecimentos ativados por suas expressões. Portanto, se o leitor/alocutário não consegue perceber essa continuidade no texto, é porque “[...] há uma séria
discrepância entre a configuração dos conceitos e relações expressas e o
conhecimento anterior de mundo dos receptores” (BEAUGRANDE;
DRESSLER, 1981, p. 84 apud FÁVERO, 2004, p. 61).
No caso de “Circuito Fechado”, percebe-se, pois, que nele há coerência, uma vez que o interlocutor consegue estabelecer o sentido pretendido
pelo produtor, ocorrendo, então, a interação entre escritor e leitor. Koch e
Travaglia (1997), sobre esse mesmo texto, dizem que nele há uma série de
palavras justapostas, quase sem nenhum elemento de ligação, e que nem
mesmo chegam a formar frases completas; contudo, qualquer um pode
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entender o que se quer dizer, o que faz que esse texto seja considerado
“coerente”.
Para Koch e Travaglia (1997), dentre outros autores, textos estruturados dessa forma, apesar de terem coerência, não têm coesão. É exatamente nesse ponto que entra a problematização deste trabalho. Mais
adiante, tentar-se-á provar que há coesão, especificamente, no texto em
estudo.
4. COESÃO
Nesta seção, apresentar-se-á, inicialmente, o conceito de coesão de
acordo com diferentes autores e, separadamente, o de Halliday e Hasan
(1976), uma vez que este trabalho se baseia, primordialmente, em suas
ideias e uma vez que se objetiva confrontar tais conceitos.
Segundo Koch (2004, p. 35), costumou-se tratar por coesão:
[...] a forma como os elementos lingüísticos presentes na superfície
textual se interligam, se interconectam, por meio de recursos também lingüísticos, de modo a formar um ‘tecido’ (tessitura), uma unidade de nível superior à da frase, que dela difere qualitativamente.
Pode-se perceber que a autora deixa bem explícito o termo “linguísticos”, indicando, apenas, as relações no nível superficial do texto.
Para Val (1999), a coesão é a manifestação linguística da coerência,
ou seja, ela demonstra textualmente as relações de sentido expressas. Na
mesma linha de pensamento de Koch (2004), Val (1999, p. 7) diz que:
A coerência e a coesão têm em comum a característica de promover a
inter-relação semântica entre os elementos do discurso, respondendo
pelo que se pode chamar de conectividade textual. A coerência diz respeito ao nexo entre os conceitos e a coesão, à expressão desse nexo no
plano lingüístico.
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Como se pode perceber, ambas as autoras defendem que a coesão se
dá, apenas, no nível linguístico do texto.
Koch (1999) apresenta as considerações de alguns estudiosos sobre
a coesão textual. Assim, por exemplo, na visão de Beaugrande e Dressler
(1981), a coesão diz respeito à forma como os componentes da superfície textual se encontram conectados entre si numa sequência linear.
Marchuschi (1983) define os recursos de coesão como aqueles responsáveis pela estruturação da sequência superficial do texto, funcionando
como mecanismos da língua que estabelecem uma relação semântica por
meio dos elementos linguísticos do texto.
De acordo com Mateus et al. (2003), são instrumentos de coesão todos os processos de sequencialização que asseguram uma ligação linguística entre os elementos de um texto. As autoras dividem esses processos
em dois grandes grupos: um é composto pela coesão lexical, e o outro pela
coesão gramatical, na qual estão incluídos a coesão frásica, a coesão interfrásica, a coesão temporal, o paralelismo estrutural e a coesão referencial.
É importante ressaltar que, neste trabalho, não se explicarão esses “tipos”
de coesão, uma vez que se aprofundará, somente, no que Halliday e Hasan
(1976) estabelecem como “coesão lexical”, para que se consiga discutir o
que se problematiza aqui.
Da mesma maneira que os estudiosos supramencionados, Fávero
(2004), baseando-se em Beaugrande e Dressler (1981), afirma que a coesão
se manifesta, ao contrário da coerência, de forma microtextual, referindose, pois, a como os elementos do universo textual estão ligados uns com os
outros dentro de uma sequência linguística. A autora defende, categoricamente, que coesão e coerência são fenômenos totalmente distintos, tendo
em vista que há a possibilidade de haver um sequenciamento coesivo de
fatos isolados destituídos de coerência, ou seja, que não são capazes de dar
coerência à composição (escrita/falada); em outras palavras, há a possibilidade, para a linguista, de ter-se uma composição coesa, porém não coerente (o que não dá a condição a essa composição de ser chama de “texto”).
Além disso, favorece a diferença entre coerência e coesão o fato de existir,
na concepção de Fávero (2004), textos não-coesivos, porém coerentes.
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Assim, utilizando-se das ideias de Conte (1977), a autora afirma:
a. a retomada de elementos não é o único meio para se constituírem
relações interfrásticas (não é condição necessária para a coerência).
b. a coerência não deve ser buscada unicamente na sucessão linear dos
enunciados (ela não é unidimensional), mas, sim, numa ordenação
hierárquica (é pluridimensional) [...].
c. a coerência não é independente do contexto pragmático no qual o
texto está inserido, isto é, não é independente de fatores, tais como,
escritor/locutor, leitor/alocutário, lugar e tempo do discurso [...]
(FÁVERO, 2004, p. 11-12).
Pode-se inferir que, para muitos desses autores, à exceção da conjunção, para que um texto tenha coesão, é necessário que haja a presença de
elementos que realizem referência no plano linguístico, isto é, elementos
que estabeleçam uma “correferencialidade”1.
Nesse sentido, para Koch (1999), não há dúvida de que pode haver
textos destituídos de elementos de coesão, mas cuja textualidade se dê
no nível da coerência; no entanto, o contrário, ou seja, sequenciamentos
coesivos incoerentes, não acontece, uma vez que, como se afirmou anteriormente, é a textura que dá ao texto a condição de “ser um texto”.
Ainda segundo a autora:
Se é verdade que a coesão não constitui condição necessária nem
suficiente para que um texto seja um texto, não é menos verdade,
também, que o uso de elementos coesivos dá ao texto maior legibilidade, explicitando os tipos de relações estabelecidas entre os
elementos lingüísticos que o compõem (KOCH, 1999, p. 19).
Logo, para Koch (1999), a coesão constitui um fator de textualidade
altamente desejável, tendo em vista o fato de ela configurar um mecanismo de manifestação superficial da coerência. Assim, para a linguista, o
1
Quando dois termos de um texto, sejam gramaticais, sejam lexicais, fazem referência à mesma entidade, estão
realizando “correferência”.
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conceito de coesão textual (dividida por ela em dois grandes grupos, quais
sejam, a coesão referencial e a coesão sequencial) relaciona-se a “todos os
processos de sequencialização que asseguram [...] uma ligação linguística significativa entre os elementos que ocorrem na superfície textual”
(KOCH, 1999, p. 19).
Além disso, Koch e Travaglia (1997) afirmam que os elementos linguísticos que estabelecem a coesão não são necessários nem suficientes para que
haja coerência; então, infere- -se que, na concepção dos autores, um texto,
para ser texto, não precisa ter, necessariamente, elementos coesivos. Contudo,
neste trabalho, tentar-se-á provar que, embora sem elementos coesivos explícitos, há, sim, coesão textual no texto “Circuito Fechado”, de Ricardo Ramos.
5. COESÃO PARA HALLIDAY E HASAN (1976)
Para Halliday e Hasan (1976), autores que dão sustentação teórica
para a análise deste trabalho e que foram os pioneiros no estudo da coesão
textual na língua inglesa, o conceito de coesão é estritamente semântico,
ou seja, diz respeito às relações de sentido estabelecidas dentro do texto,
as quais o definem como tal.
Para eles, a coesão faz parte da organização de uma língua em camadas,
as quais correspondem a três níveis: o semântico, que está relacionado ao
sentido; o lexicogramatical, que diz respeito à forma; e o fonológico ou ortográfico, que se refere à expressão. Assim, para os autores, o sentido é realizado pelas formas, e as formas são realizadas, por sua vez, como expressões.
Em síntese, Halliday e Hasan (1976) dividem as formas de coesão
em cinco grupos, quais sejam: referenciação, substituição, elipse, conjunção e coesão lexical. Esses “tipos” de coesão apresentados pelos autores
estão agrupados em outros dois blocos: referenciação, substituição e
elipse estão dentro do grupo de recursos coesivos gramaticais, enquanto
a coesão lexical está, obviamente, dentro do grupo de recursos coesivos
lexicais. A conjunção, contudo, está num “meio-termo” entre esses dois
grupos, uma vez que ela é principalmente gramatical, embora relacionada,
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também, com componentes lexicais. Os autores dizem ser importante ressaltar, ainda, que, quando se fala de coesão como sendo “gramatical ou
lexical”, não se deve considerá-la uma relação puramente de “forma”, como
se o sentido não estivesse envolvido; sobretudo, a coesão é, nas palavras de
Halliday e Hasan, “[...] uma relação semântica” (1976, p. 6).
Mas, como todos os componentes do sistema semântico, ela [a
coesão] é realizada por meio do sistema lexicogramatical; e é nesse
ponto que a distinção pode ser delineada. Algumas formas de coesão
são realizadas pela gramática e outras pelo vocabulário (HALLIDAY;
HASAN, 1976, p. 6, tradução nossa)2.
Destarte, pelo fato de, segundo os autores, poder-se considerar
a existência de uma forma de coesão que é realizada pelo vocabulário,
acredita-se tratar-se de coesão a relação entre os vocábulos presentes no
texto literário “Circuito Fechado”, de Ricardo Ramos, o qual, como já se
afirmou, deve ser considerado um “texto”, em virtude de contar com textura suficiente para fazer-se entender pelos falantes de língua portuguesa.
Nesse sentido, todo texto conta com uma estrutura, o que implica que
haja uma coesão interna entre as unidades nele existentes; e, na concepção
de Halliday e Hasan (1976), essa é uma das formas de se expressar a textura.
Por conseguinte, pode-se inferir que a textura está, relativamente, interligada a essa “coesão interna” do texto.
Além disso, para esses autores, a coesão textual dá-se sempre que um
elemento do texto se liga semanticamente a outro. A relação entre esses
elementos configura um elo de coesão, o qual é estabelecido por um constituinte que retoma, reitera ou, de qualquer outra maneira, remete a algo
designado por outro lexema ou expressão no mesmo texto.
“But, like all components of the semantic system, it is realized through the lexigrammatical system; and it
is at this point that the distinction can be drawn. Some forms of cohesion are realized through the grammar
and others through the vocabulary”.
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6. COESÃO LEXICAL
Em Cohesion in English, depois de apresentar de forma minuciosa
os quatro outros tipos de coesão, quais sejam, a referenciação, a substituição, a elipse e a conjunção, Halliday e Hasan (1976), para completar,
segundo eles, o plano das relações coesivas, partem para a exposição do
que eles chamam “coesão lexical”, efeito coesivo que é alcançado por meio
da seleção de vocabulário. Assim, reconhecem a coesão entre qualquer par
de vocábulos que tenha entre si uma relação léxico-semântica. Contudo,
essa relação coesiva entre nomes depende da ocorrência desses termos no
contexto, levando-se em consideração a referência realizada.
Do ponto de vista lexical, o uso dessas “palavras” como elementos
coesivos, em que um vocábulo remete diretamente a outro vocábulo,
denomina-se “reiteração”, que é justamente uma forma de coesão lexical
que envolve a repetição de um lexema pelo uso de um “termo abrangente”
que se refere a ele, seja um sinônimo, um “quase-sinônimo” ou um hiperônimo. Além disso, pode-se repetir o mesmo vocábulo como forma de se
realizar, também, uma referência, e, então, criar um “elo coesivo”.
A reiteração, portanto, é a forma de referência entre dois itens lexicais, de modo que um termo precedente é retomado por um item lexical (e
não gramatical), seja na forma de um termo sinônimo, hiperordenado ou
“geral”, seja por sua repetição.
Convém ressaltar que, de acordo com Halliday e Hasan (1976), além
da reiteração lexical, há, ainda, um outro tipo de coesão lexical, o qual
não depende dessa identidade de “referência”. Esse tipo coesivo, chamado
de coesão por colocação, não se aplica a essa relação de retomada de um
termo precedente. Dessa forma, tenta-se mostrar que é a coesão lexical
por colocação que se faz presente em “Circuito Fechado”.
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Propriamente falando, a referência é irrelevante para a coesão lexical. Não é em virtude de alguma relação referencial que há uma força
coesiva ativada entre duas ocorrências de um item lexical [...] (HALLIDAY; HASAN, 1976, p. 284, tradução nossa)3.
Tendo-se em vista que o texto selecionado para este estudo não
contém elementos gramaticais que estabeleçam uma “conectividade explícita” entre os termos que o compõem, busca-se, então, uma forma de
demonstrar que, embora não haja essa referência entre vocábulos (anáfora, catáfora, substituição, elipse etc.), há uma relação implícita, porém
evidentemente marcada, entre os itens lexicais escolhidos para construir
tal composição literária, que, como já se demonstrou anteriormente, possui textualidade e, consequentemente, configura-se como um texto.
Nesse sentido, para Halliday e Hasan (1976), sempre há a possibilidade de haver coesão entre itens lexicais, uma vez que, de uma forma ou
de outra, eles estão associados na língua. Os autores dão como exemplo
os termos “girl” e “boy” (“menina” e “menino”), os quais, apesar de não
retomarem a mesma entidade, o mesmo ser em questão, ou seja, de não
terem o mesmo referente, sua proximidade na língua contribui definitivamente para a textura. Dessa forma, de acordo com esses estudiosos,
os membros de qualquer grupo têm algum tipo de relação semântica uns
com os outros. É importante ressaltar, contudo, que essa relação não se
limita apenas a um par de palavras, uma vez que é extremamente comum
haver longas cadeias coesivas entre vários itens lexicais, ou, como dizem
Halliday e Hasan (1976, p. 286), entre itens que fazem parte de “padrões
de palavras” (word patterns), os quais são totalmente independentes de
estruturas gramaticais.
“Properly speaking, reference is irrelevant to lexical cohesion. It is not by virtue of any referential relation
that there is a cohesive force set up between two occurrences of a lexical item […]”.
3
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7. ASSOCIAÇÃO SEMÂNTICA
Como se afirmou no tópico anterior, o presente estudo relaciona-se
à coesão lexical por colocação, de acordo com o que propõem Halliday
e Hasan (1976). Nesse sentido, intrínseca a esse tipo de coesão, Antunes
(1996) propõe a associação semântica como fator coesivo entre os itens
lexicais de um texto. Para ela, o nexo entre esses itens que “[...] aparece como
sendo de associação semântica subjaz ao padrão coesivo que Halliday e
Hasan (1976) denominam de ‘colocação’” (ANTUNES, 1996, p. 75).
Segundo a autora, as relações de sentido subjacentes às unidades
lexicais estão vinculadas de forma associativa e são, portanto, coesivas.
Essa associação dá-se, pois, pela seleção dos lexemas de um texto, os quais,
pelo fato de coocorrerem dentro do mesmo contexto, estão, de alguma
forma, interligados semanticamente. Essa coocorrência, contudo, não
diz respeito ao fato de ambos os termos se referirem à mesma entidade,
e sim ao fato de ambos ocorrerem, simultaneamente, no mesmo ambiente textual. Assim, a coesão resultante da associação não deriva apenas
da relação que interliga as unidades lexicais, mas também do fato de elas
terem a tendência de aparecer em contextos similares (“em colocação”)
com outras semanticamente relacionadas. Como afirma Val (2004, p. 7),
“[...] a associação é processo que permite relacionar itens do vocabulário
pertinentes a um mesmo esquema cognitivo (por exemplo, se falamos aniversário, podemos em seguida mencionar bolo, velinhas, presentes, e esses
termos serão interpretados como alusivos ao mesmo evento)”.
Com isso, percebe-se claramente a relação da coesão por associação
com o conhecimento de mundo partilhado pelos interlocutores. Entra em
questão, portanto, a relação da coesão textual com os modelos cognitivos
globais dos falantes, ou seja, a relação dos termos presentes em “frames”4.
Sobretudo no conto “Circuito Fechado”, percebem-se claramente os
frames selecionados pelo autor, os quais são, em síntese, “modelos globais
Convém ressaltar que não há ainda um consenso entre os estudiosos sobre a diferença entre os termos
“frame”, “cenário”, “esquemas”, “planos” e “scripts”. Neste trabalho, utiliza-se apenas a forma “frame”,
referindo-se ao conjunto de conhecimentos armazenados em blocos na memória das pessoas, ou, como
denominam Koch e Travaglia (1996), em modelos cognitivos.
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que contêm o conhecimento comum sobre um conceito primário (geralmente situações estereotipadas)” (FÁVERO, 2004, p. 65).
Logo, quando encontramos no texto de Ricardo Ramos trechos
como: “[...] água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha”, e “[...]
Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara”,
são ativados, respectivamente, os frames “banho” e “almoço” (ou “jantar”).
Percebe-se, então, que há um nexo entre os termos apresentados, uma vez
que estão nitidamente associados uns aos outros, pois tendem a coocorrer no mesmo contexto, ou seja, no mesmo frame. É dessa maneira que se
observa, como afirma Antunes (1996), que se encontram associadas as
palavras que indicam um mesmo evento do contexto real.
O conhecimento de esquemas de organização da realidade, o chamado conhecimento de mundo, é visto como princípio da organização
dos conceitos e informações, e constitui, normalmente, base significativa para muitas associações. No decurso da interação, tais associações podem ser assumidas como pertencentes ao saber do interlocutor e, portanto, por ele inferíveis (ANTUNES, 1996, p. 103).
É fundamentada nessa posição que a autora afirma que o locutor não
precisa explicitar a relação que une determinadas entidades em associação e pelas quais um enunciado entra em coesão com um outro previamente existente (ANTUNES, 1996). Dessa forma, em virtude de ser do
conhecimento geral que a rotina de uma pessoa ocorre da maneira em
que se apresentam os vocábulos dispostos em “Circuito Fechado”, não é
necessário apresentar os elementos gramaticais que fazem o encadeamento explícito desse texto literário, uma vez que se consegue associar, por
meio da sequência vocabular escolhida pelo autor, a relação de sentido
que se estabelece entre os seus lexemas.
Além disso, os campos lexicais5 do texto, na ordem em que estão, têm
5
Segundo Vanoye (2003, p. 28), “[...] campo lexical é o conjunto de palavras empregadas para designar,
qualificar, caracterizar, significar uma noção uma atividade, uma técnica, uma pessoa”. Assim, “[...] a partir
de um texto ou de um conjunto de textos, faz-se o levantamento de todas as palavras ligadas a uma noção,
estudando-se depois o material obtido”.
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a capacidade de despertar no leitor a ordem exata de como as coisas acontecem num dia rotineiro, nos devidos lugares (espaços) em que ocorrem.
Assim, quando é iniciado o texto com “Chinelos, vaso, descarga. Pia,
sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma [...]”, entende-se que o
personagem está se levantando da cama em direção ao banheiro porque
é de conhecimento de todos que, normalmente, quando uma pessoa se
levanta de sua cama pela manhã, coloca os chinelos nos pés e dirige-se ao
ambiente em que se encontram o vaso (sanitário), a pia, a água, ou seja, o
banheiro, local onde qualquer pessoa costuma realizar as suas atividades
de higiene pessoal, devendo utilizar-se, para tanto, de água, escova (de
dentes), creme dental, sabonete etc. Como se pode perceber, embora não
haja nenhum elemento gramatical que esteja interligando os itens lexicais
apresentados, há uma ligação semântica entre eles, o que prova a existência de coesão textual, que, de acordo com Halliday e Hasan (1976, p. 8),
“[...] é uma relação semântica entre um elemento no texto e algum outro
elemento que seja crucial para a sua interpretação”. Ora, como se poderia
inferir que o termo “escova” se refere apenas ao sentido de “utensílio para
limpar exclusivamente os dentes”, se não houvesse, ao seu lado, a expressão
“creme dental”? Vê-se, pois, que um item lexical depende do outro para
fazer-se entender no contexto em que se insere.
Koch e Travaglia (1997, p. 62) afirmam que o texto do alagoano Ricardo Ramos é percebido claramente como uma “[...] descrição de um dia
normal na vida de um homem de negócios”. Essa afirmação leva à seguinte
indagação: o que faz que os autores cheguem à conclusão de que se trata de um dia rotineiro na vida de um homem (e não de uma mulher), e,
especificamente, “de negócios”? No momento de sua higiene pessoal, o
personagem faz uso de “um pincel e creme de barbear”, utensílios estes comuns das pessoas do sexo masculino. Ainda assim, poder-se-ia supor que
uma mulher também possa usar esses objetos; então, o autor quebra essa
possível dúvida quando apresenta o vocábulo “cueca”, vestimenta utilizada
pelos homens. Sabe-se disso graças ao conhecimento de mundo que se
possui. E como saber que se trata de um “homem de negócios”? Quando
se apresenta o seguinte encadeamento vocabular: “[...] papéis, externo, paLinguagem Acadêmica, Batatais, v. 1, n. 1, p. 113-133, jan./jun. 2011
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péis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo,
papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto [...]. Paletó,
gravata [...]”, percebe-se que tais vocábulos remetem a objetos que fazem
parte de um ambiente em que não se trabalha, por exemplo, com serviços
braçais, e sim intelectuais (“caneta e papel”), bem como o seu vestuário
não se relaciona ao de um homem qualquer, mas ao de alguém que goza
de um certo estatuto social; ou seja, há a implicatura de uma certa seriedade imposta por suas roupas. Todas essas informações são naturais para
a maioria das pessoas que compõem a atual sociedade; dessa forma, fazem
parte do conhecimento prévio de cada uma delas, o qual é ativado por
meio dos lexemas dispostos em uma sequência lógica no texto, associando-se uns aos outros de forma coesiva, e relacionando, assim, plano de
expressão com plano de conteúdo.
Percebe-se, ainda, que o conto de Ricardo Ramos está totalmente
estruturado por meio de frames, os quais, na maioria das vezes, revelam os
lugares (espacialidade) em que o personagem se encontra:
“[...] vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água,
espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete,
água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente [...]” – banheiro.
“Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, telefone, agenda,
copo com lápis, caneta, blocos de notas, espátula, pastas, caixa de entrada, de
saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo” – quarto.
“Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, externo, papéis, prova de
anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta,
telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta.” – trabalho.
Dessa forma, a relação que se estabelece entre os termos e, num sentido macro, entre os frames revela a situação em que o personagem se encontra, qual seja, a descrição da sua rotina em um dia normal de trabalho. Essa
situação só é revelada, como já se afirmou, em virtude do conhecimento
de mundo do leitor, que, ao perceber os nexos associativos entre os vocábulos em questão, dispostos de forma intencional, consegue apreender,
também, o sentido da situação exposta.
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8. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, buscou-se apresentar argumentos que comprovassem a existência de coesão textual no conto “Circuito Fechado“, de Ricardo Ramos. O texto do escritor alagoano, por ser literário, utiliza-se de
uma estrutura textual diferente da normalmente usada por outros textos.
Assim, percebe-se, claramente, que há a ausência de elementos gramaticais que estabelecem elos de referência entre os vocábulos nele dispostos.
No entanto, essa ausência de elementos gramaticais não é suficiente para
afirmar que não há coesão textual em “Circuito Fechado”. Pode-se dizer,
sim, que não há coesão gramatical; porém, se se refletir acerca dos estudos
de Halliday e Hasan (1976), verifica-se a ocorrência de um tipo de relação
coesiva lexical entre os itens lexicais que compõem a produção literária
em questão. Mais especificamente, há uma relação de colocação, ou, como
afirma Antunes (2005), de associação semântica entre as palavras, o que
constitui, segundo a autora, a chamada “coesão lexical”, uma vez que “[...]
atinge as relações semânticas (as relações de significado) que se criam entre as unidades do léxico [...]” (ANTUNES, 2005, p. 125).
Além disso, estando os vocábulos em estado de coocorrência, sempre haverá uma certa ligação semântica entre eles, tendo-se em vista que
as palavras não são jogadas no texto sem nenhum rigor ou critério; ao
contrário, são dispostas de tal forma que os leitores, por meio de seu conhecimento de mundo, conseguem apreender o sentido daquilo que está
escrito, realizando uma “arrumação” coesa (e não aleatória) das unidades
que constroem o texto, a qual corresponde a uma das condições para que
as coisas ditas ou escritas tenham sentido, vale dizer, para que os textos
sejam coerentes (ANTUNES, 2005).
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Essa arrumação é, pois, produto da seleção lexical realizada pelo autor do texto, que o estrutura em frames que estabelecem a relação de sentido entre os lexemas nela dispostos. Mais uma vez, o conhecimento de
mundo dos falantes está interligado à conexão semântica dos vocábulos
de “Circuito Fechado”.
Portanto, pode-se afirmar que há coesão lexical no texto analisado,
tendo-se em vista que os lexemas nele presentes mantêm uma inter-relação
de sentido, tal como afirmam Halliday e Hasan (1976, p. 4), para quem
“[...] o conceito de coesão é semântico”, ou seja, “[...] refere-se às relações
de sentido que existem dentro do texto, e que o definem como um texto”.
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KOCH, I. G. V. A coesão textual. 12. ed. São Paulo: Contexto, 1999.
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Title: The lexical cohesion in the text “Circuito Fechado”, by Ricardo Ramos.
Author: Felipe Aleixo.
ABSTRACT: In this report, one aimed to verify, based on Halliday and Hasan’s (1976)
studies, if there is or there is not lexical cohesion in the short story «Circuito Fechado»,
written by the alagoano Ricardo Ramos. Initially, one tried to check if one may consider
this short story a text. Based on coherence and cohesion concept of majority theorics
of Textual Linguistics, except Halliday and Hasan (1976), one verified that one should
consider that Ricardo Ramos’s text has cohesion, however, once there is not gramatical
cohesive elements (such as conjunctions, pronoms, among others), it has no cohesion.
Notwithstanding, according to what postulate Halliday and Hasan (1976) about cohesion and, specifically, about lexical cohesion, one verified that «Circuito Fechado»
presents what such authors name lexical cohesion through collocation and also what
Antunes (1996; 2005), based on Halliday and Hasan’s concept of collocation, names
cohesion through association. Therefore, one may consider that «Circuito Fechado»
gifted of cohesion, once it presents lexical cohesion through collocation, in Halliday and
Hasan’s terms, or cohesion through association, in terms of Antunes (1996; 2005).
Keywords: Lexical cohesion. Textual Linguistics. Semantic Association. Halliday and
Hassan (1976). Collocation.
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