UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ DAYANE FIGUEIRA DE ANDRADE CONTAMINAÇÃO DE ALIMENTOS ATRAVÉS DE MANIPULAÇÃO INADEQUADA: PRINCIPAIS DOENÇAS DE ORIGEM ALIMENTAR CURITIBA 2015 DAYANE FIGUEIRA DE ANDRADE CONTAMINAÇÃO DE ALIMENTOS ATRAVÉS DE MANIPULAÇÃO INADEQUADA: PRINCIPAIS DOENÇAS DE ORIGEM ALIMENTAR Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de Médica Veterinária. Orientadora acadêmica: Prof.ª. M.ª Ana Carolina Camargo de Oliveira Aust Orientadora profissional: Renata dos Santos Oliveira CURITIBA 2015 Reitor Prof. Luiz Guilherme Rangel Santos Pró-Reitor Administrativo Sr. Carlos Eduardo Rangel Santos Pró-Reitora Acadêmica Prof.ª Carmem Luiza da Silva Pró-Reitor de Planejamento Sr. Afonso Celso Rangel dos Santos Diretor de Graduação Prof. João Henrique Faryniuk Secretário Geral Prof. Bruno Carneiro Diniz Coordenador do Curso de Medicina Veterinária Prof. Welington Hartmann Coordenador de Estágio Curricular do Curso de Medicina Veterinária Prof. Welington Hartmann CAMPUS BARIGUI Rua Sidnei A. Rangel Santos, 238- Santo Inácio CEP: 82010-330 – Curitiba – PR TERMO DE APROVAÇÃO DAYANE FIGUEIRA DE ANDRADE CONTAMINAÇÃO DE ALIMENTOS ATRAVÉS DE MANIPULAÇÃO INADEQUADA: PRINCIPAIS DOENÇAS DE ORIGEM ALIMENTAR O presente Trabalho de Conclusão de Curso foi julgado e aprovado para obtenção do título de Médica Veterinária por banca examinadora do Curso de Graduação em Medicina Veterinária da Universidade Tuiuti do Paraná Curitiba, 22 de junho de 2015. __________________________________ Medicina Veterinária Universidade Tuiuti do Paraná BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________ Orientador Prof.ª M.ª Ana Carolina Camargo de Oliveira Aust Universidade Tuiuti do Paraná ___________________________________________________ Prof. Dr. José Maurício França Universidade Tuiuti do Paraná ___________________________________________________ Flavia de Mello Wolff Centro de Controle de Zoonoses de Araucária AGRADECIMENTOS Aos meus pais Gerson Figueira de Andrade e Odete Aparecida Comparim Figueira de Andrade que apesar de todas as dificuldades conseguiram ensinar aos seus filhos grandes valores, e a partir daí cada um pode conquistar seus objetivos de forma justa, honesta e persistente. Ao meu marido Diego Ricardo Lopes Venâncio, que esteve comigo nos melhores e piores momentos; me apoiou em decisões difíceis; me deu ânimo quando precisei; me ouviu quando desabafei, enfrentou o sono e o frio para me acompanhar até o ponto de ônibus fazendo contagem regressiva! Seu companheirismo foi fundamental para eu chegar até aqui, te amo muito! A P.G., M.L. e Vicky pela presença, pelo calor no inverno, pelas lambidas quando cheguei cansada, por me chamarem para passear e me mostrarem que o importante é estarmos juntos, aqui e agora. E claro! Por serem meus modelos de estudos e experimentos, essa conquista também é de vocês. À Faculdade Evangélica do Paraná por ter sido minha segunda casa durante toda a minha formação. Tive a oportunidade de conhecer grandes mestres, inspirações profissionais e pessoais, com quem aprendi praticamente tudo o que sei. Durante o período que nosso curso esteve vigente, formamos uma equipe de excelência! E levaremos esse conceito, sempre, aonde formos! Em especial, agradeço a Prof.ª Flávia Wolff, pelos ensinamentos e inspiração, pela amizade, pelo carinho, pelo Caetano e por aceitar me avaliar nesta etapa final. À Universidade Tuiuti do Paraná por ter nos recebido com carinho e atenção em um momento delicado e dolorido de nossa formação. Em especial, agradeço à minha orientadora Prof.ª M.ª Ana Carolina Camargo de Oliveira Aust, pela paciência, pela orientação e por todos os conselhos. Agradeço também o professor Vinícius Ferreira Caron que foi fundamental para eu concluir essa etapa de minha formação, e por aceitar minhas solicitações de última hora, mesmo estando com a agenda cheia. Aos meus grandes amigos e companheiros de jornada, com quem sorri, chorei, briguei, compartilhei conhecimentos, medos, revoltas, e muitos cafés! Raiza Schissel dos Santos (desde o primeiro dia de aula hein!); Adriano Kosteski (Sargento); Andresa Vieira (Didi); Roberta Domanski (Rô); Pâmela Larissa (Pâm) e Paula Eloize (Paulinha)! A caminhada ficou mais fácil com vocês ao meu lado! Aos amigos que não compartilharam da minha formação, mas que de várias formas contribuíram para que eu chegasse até o fim com fôlego: Manoel Ricardi (Noel), Roberta Kreutz (Beluga), Jordão Violin (Belugo), Ana Karina Tamoto do Prado, Bil Fioreze Vilas Boas, Fagner Zadra (Gaúcho), Caroline Lenz, Heliberton Cesca, Elaine Ramos, vocês me incentivaram muito! Obrigada Silvia de Lourdes Machado (Lurdinha), que na reta final reapareceu para me mostrar o valor das grandes amizades. A “Zica”, uma cadela que cruzou meu caminho certa vez, e mudou minha vida completamente! Sem você eu não teria nem começado, obrigada esteja você aonde estiver. DEDICATÓRIA Dedico este trabalho às três pessoas mais importantes da minha vida. Ao meu pai, por me fazer ser quem sou. A minha mãe por me apoiar e me reerguer sempre que ameacei desabar. Ao meu marido por me ensinar a sonhar. EPÍGRAFE “A segurança alimentar e nutricional é a realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis” (CONSEA, 2004). APRESENTAÇÃO Este Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Curso de Medicina Veterinária da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde da Universidade Tuiuti do Paraná, pela universitária Dayane Figueira de Andrade, como requisito parcial para obtenção do título de Médica Veterinária, descreve sobre a contaminação de alimentos através da manipulação inadequada, e cita as principais doenças de origem alimentar que podem ser contraídas através desta prática. O Relatório de Estágio foi realizado no período de 23 de fevereiro de 2015 a 06 de maio de 2015, em uma empresa supermercadista do estado do Paraná, cumprindo a carga horária de 400 horas de atividades. RESUMO O Relatório de Estágio Curricular realizado em uma rede supermercadista do estado do Paraná, na área de higiene e segurança alimentar, teve como objetivo demonstrar as experiências vivenciadas no ambiente profissional do setor de comércio varejista, dentro de um estabelecimento que comercializa e manipula produtos de origem animal, possui o serviço de inspeção, e por esse motivo a obrigatoriedade da presença de um profissional Médico Veterinário. Dentro das várias atividades realizadas durante o período de estágio, o treinamento e as orientações dos manipuladores de alimentos estavam incluídos, assim como as verificações de inconformidades geradas pela manipulação inadequada de produtos, durante as visitas técnicas aos estabelecimentos. Este trabalho tem como objetivo chamar a atenção para a manipulação inadequada dos alimentos como fonte de transmissão de doenças de origem alimentar, e a importância de um treinamento contínuo e eficiente para essa classe profissional. Palavras-chave: Controle de Qualidade. Doenças de Transmissão Alimentar. Manipulador de Alimentos. Abstract The Curricular Training Report conducted in a supermarket network in Paraná/Brazil, in the area of hygiene and food safety, aimed to demonstrate the experiences in the professional environment of the retail trade sector, within an establishment that sells and handles source products animal, has the inspection service, and therefore the mandatory presence of a professional veterinarian. Within the various activities carried out during the probation period, training and orientations of food handlers were included as well as non-conformity checks generated by improper handling of products during the technical visits to merchants. This paper aims to draw attention to the improper handling of food as a source of transmission of food-borne diseases, and the importance of continuous and efficient training for this professional class. Keywords: Quality Control. Food Transmitted Diseases. Food Handler. LISTA DE ILUSTRAÇÕES FIGURA 1 -- COLABORADOR DEVIDAMENTE UNIFORMIZADO .................... 22 FIGURA 2 -- PROCEDIMENTOS DE HIGIENIZAÇÃO DE ÁREA DE MANIPULAÇÃO ....................................................................................................... 22 FIGURA 3 -- CÂMARA FRIA LIMPA E ORGANIZADA........................................ 23 FIGURA 4 -- ÁREA DE VENDA DO AÇOUGUE COM PRODUTOS NO BALCÃO REFRIGERADO DE AUTOSSERVIÇO ..................................................................... 23 FIGURA 5 -- AFERIÇÃO DE TEMPERATURA EM PRODUTOS PERECÍVEIS . 24 FIGURA 6 -- FORMA CORRETA DE HIGIENIZAÇÃO DAS MÃOS .................... 29 FIGURA 7 -- EXEMPLO DE CONTEÚDO EXPOSTO NOS CURSOS DE BOAS PRÁTICAS DE MANIPULAÇÃO E INTEGRAÇÃO ................................................... 29 FIGURA 8 -- ENTÉRICOS FIGURA 9 ROTA FECAL-ORAL DE TRANSMISSÃO DE PATÓGENOS ....................................................................................................... 31 -- DIAGRAMA DO SISTEMA DIGESTÓRIO HUMANO COM A LOCALIZAÇÃO DA AÇÃO DE ALGUNS MICRORGANISMOS PATOGÊNICOS ...... 43 FIGURA 10 -- MANIPULADOR DE ALIMENTOS ................................................. 61 FIGURA 11 -- MANIPULADOR DE ALIMENTOS EM ÁREA DE AÇOUGUE........ 63 FIGURA 12 -- EXEMPLO DE MANIPULADOR DE ALIMENTOS EM INCONFORMIDADE: UNIFORME INCOMPLETO E PRESENÇA DE BARBA ......... 66 LISTA DE TABELAS TABELA 1 -- LEGISLAÇÕES DISCUTIDAS DURANTE O ESTÁGIO CURRICULAR .......... 21 TABELA 2 -- VALORES DE ATIVIDADE DE ÁGUA EM ALGUNS PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL ...................................................................................................................... 35 TABELA 3 -- VALORES DE ATIVIDADE DE ÁGUA MÍNIMA PARA MULTIPLICAÇÃO DE MICRORGANISMOS IMPORTANTES EM ALIMENTOS ..................................................... 35 TABELA 4 -- VALORES DE pH PARA MULTIPLICAÇÃO DE ALGUMAS BACTÉRIAS ........ 36 TABELA 5 -- PADRÃO MICROBIOLÓGICO SANITÁRIO PARA ALGUNS ALIMENTOS ...... 54 LISTA DE ABREVIATURAS Aa - Atividade de Água ABRAS - Associação Brasileira de Supermercados ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária BPF - Boas Práticas de Fabricação BPM - Boas Práticas de Manipulação CD - Centro de Distribuição CDC - Center of Disease Control and Prevention CI - Comunicação Interna CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional CFMV - Conselho Federal de Medicina Veterinária CRMV-PR - Conselho Regional de Medicina Veterinária do Paraná DTA - Doenças de Transmissão Alimentar DNA - Ácido Desoxirribonucleico EUA - Estados Unidos da América EaggEC - Escherichia coli Enteroagregativa EHEC - Escherichia coli Entero-hemorrágica EIEC - Escherichia coli Enteroinvasiva EPEC - Escherichia coli Enteropagotênica ETEC - Escherichia coli Enterotoxigênica FTO - Formação Técnica Operacional HSA - Higiene e Segurança Alimentar HUS - Síndrome Urêmica Hemolítica ICMSF - International Comission on the Microbiological Specification for Foods INPPAZ - Instituto Pan Americano de Proteção de Alimentos e Zoonoses MAPA - Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento MS - Ministério da Saúde Ng - Nanogramas OMS - Organização Mundial da Saúde OPLS - Outros Produtos Livres de Serviço PCMSO - Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional PDG - Programa de Desenvolvimento de Gerentes PDL - Programa de Desenvolvimento de Líderes PGRS - Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos pH - Potencial Hidrogeniônico POP - Procedimento Operacional Padrão RDC - Resolução de Diretoria Colegiada RT - Responsabilidade Técnica SIM - Serviço de Inspeção Municipal TGI - Trato Gastrointestinal UFC - Unidade Formadora de Colônia VISA - Vigilância Sanitária SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 16 2 DESCRIÇÃO DA UNIDADE CONCEDENTE DO ESTÁGIO ................................ 18 3 DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS .......................................... 19 3.1 RESPONSABILIDADE TÉCNICA .................................................................. 27 3.2 TREINAMENTOS ........................................................................................... 28 4 REVISÃO DE LITERATURA ................................................................................ 30 4.1. MICRORGANISMOS PRESENTES NOS ALIMENTOS ................................. 32 4.2. PRINCIPAIS BACTÉRIAS PATOGÊNICAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS.............................................................................................................. 38 4.3. DOENÇAS DE TRANSMISSÃO ALIMENTAR ................................................ 41 4.3.1 BOTULISMO .................................................................................................. 44 4.3.2 GASTROENTERITE CAUSADA POR Clostridium perfringens ...................... 46 4.3.3 GASTROENTERITE CAUSADA POR Bacillus cereus ................................... 48 4.3.4 GASTROENTERITE CAUSADA POR Staphylococcus aureus ...................... 49 4.3.5 GASTROENTERITE CAUSADA POR Escherichia coli .................................. 52 4.3.6 GASTROENTERITE CAUSADA POR Salmonella spp. ................................. 56 4.4. MANIPULADORES DE ALIMENTOS ............................................................. 60 5. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 66 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 68 16 1 INTRODUÇÃO A busca de serviços e produtos alimentícios que sejam práticos, de rápido acesso e de fácil consumo tem se mostrado crescente na sociedade moderna, e nesse contexto, as redes varejistas de alimentos, assim como os supermercados, estão inseridos nos hábitos diários dos consumidores, pois ofertam diferentes gêneros alimentícios nos setores de padaria, confeitaria, açougue, fiambreria (fracionamento de queijos, presuntos, e frios em geral), produtos prontos para o consumo na rotisseria, entre outros. Essa realidade demanda a necessidade de implementação de programas como o de Boas Práticas de Fabricação (BPF), que garante uma maior adequação dos produtos em relação à qualidade e inocuidade em todas as etapas de produção. As etapas incluem desde o recebimento de matérias-primas até o armazenamento, preparo, manipulação e exposição para venda, além do cuidado com toda a rotina de trabalho, que visa impedir ou reduzir o risco de contaminação dos alimentos (SOTO, et al, 2006). O programa de BPF está intimamente relacionado com a qualidade dos produtos e serviços de alimentação, e é composto por um controle sistemático de ações e condições durante todas as etapas de fabricação, a fim de evitar os riscos de perigos físicos, químicos ou biológicos (PRATA & FUKUDA, 2001). Os alimentos podem ser contaminados de várias formas durante toda a etapa de produção e/ou industrialização; principalmente através da manipulação inadequada, porém outras importantes formas de contaminação da matéria-prima podem ocorrer, por exemplo na etapa de transporte ou ainda na recepção e armazenamento da mesma. Pode ocorrer a contaminação nos locais de distribuição, como supermercados, mercearias, restaurantes, ou até mesmo nas residências. Durante qualquer etapa a manipulação dos alimentos pode ocorrer com falta de condições mínimas de higiene, contaminando, além dos alimentos, utensílios, equipamentos, móveis e o ambiente como um todo (ZANDONADI, 2007). O contato da mão do manipulador com o alimento é o fator contaminante mais frequentemente relatado nos Estados Unidos (EUA) (EUA, 1992). No Brasil, a mão de obra admitida para realização das atividades relacionadas com manipulação de alimentos, frequentemente, não é qualificada, nem recebe treinamento para assumir as atividades referentes à produção. Estima-se que apenas 22% da mão de obra seja 17 qualificada; 56% não qualificada e 22% seja semiqualificada. A falta de informação quanto às normas de segurança alimentar na produção de alimentos ocorre em todos os setores (ARBACHE et al., 2006 e ZANDONADI et al., 2007). Durante o período de estágio curricular, realizado em uma rede supermercadista do estado do Paraná, foi possível observar que assim como na maioria das empresas brasileiras, ocorre uma intensa rotatividade de colaboradores. Todos os novos funcionários, que semanalmente eram contratados, participavam de um ciclo de palestras envolvendo vários assuntos pertinentes ao desempenho das atividades, história da empresa, benefícios entre outros. Este ciclo de palestras chamado de integração, era realizado para todos os funcionários, sem distinção de cargo. Dentre as vagas disponíveis existiam as que eram destinadas para os setores de alimentos perecíveis, ou seja, direta ou indiretamente, esses novos funcionários trabalhariam com manipulação de alimentos. Muitos desses novos funcionários não possuíam experiência anterior na área, nem conhecimento prévio sobre manipulação de alimentos e/ou nível de escolaridade desejado. Durante as palestras de manipulação de alimentos e outros treinamentos dentro desta temática, muitos mostravam-se intrigados com os conhecimentos repassados sobre contaminação, microrganismos, cuidados com a manipulação, Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs) entre outros. Tendo em vista esse cenário atual, o manipulador de alimentos torna-se um potencial transmissor de microrganismos (bactérias, fungos, leveduras, vírus, protozoários, parasitas) patogênicos ou não, para o alimento, e com isso, podemos afirmar que é um dos principais disseminadores de DTAs em todo o processamento e distribuição destes alimentos. Esse trabalho teve como objetivo chamar a atenção para a importância do manipulador como possível disseminador de DTAs, em especial, as doenças relacionadas a contaminação por bactérias patogênicas, incluindo: Salmonella spp., Staphylococcus aureus, Clostridium botulinum, Clostridium perfringens, Bacillus cereus e Escherichia coli; e com isso a importância de um treinamento contínuo dentro das empresas que incluem em seus serviços a manipulação de alimentos. 18 2 DESCRIÇÃO DA UNIDADE CONCEDENTE DE ESTÁGIO O estágio curricular foi realizado em uma grande rede de supermercados no estado do Paraná, que iniciou suas atividades em 1974, em um pequeno mercado de 110 m², empregando apenas 5 funcionários. Atualmente, com 41 anos, a empresa é constituída por 40 lojas, sendo 18 classificadas como supermercados e 22 classificadas como hipermercados, espalhadas por 15 cidades do estado do Paraná. Além das lojas de venda a varejo, a rede possui dois Centros de Distribuição (CD) localizados na cidade de Curitiba responsáveis pelo recebimento, armazenamento e distribuição de produtos perecíveis, hortifrutigranjeiros, entre outros. Com o objetivo de venda a varejo, a empresa conta hoje com 11.000 colaboradores, e tem como meta chegar ao final de 2016 com 45 lojas, 12.000 colaboradores diretos e faturamento superior a R$ 4 bilhões, consolidando a liderança de vendas no Paraná e buscando também, expandir a atuação para outros estados. Segundo o Ranking de 2014 da ABRAS (Associação Brasileira de Supermercados) a rede ocupa a 7ª posição dentre as redes supermercadistas no Brasil, levando em conta o faturamento dos super e hipermercados, e no Paraná é a maior rede ocupando o 1º lugar (ABRAS, 2015). A equipe de Higiene e Segurança Alimentar (HSA), composta por Nutricionistas e Médicas Veterinárias, atua nesta empresa com a Responsabilidade Técnica (RT) exigida pela Lei 5.517 de 23 de outubro de 1968, que dispõe sobre o exercício da profissão de Médico Veterinário e cria os Conselhos Federal e Regionais de Medicina Veterinária. Esta lei indica a competência privativa do Médico Veterinário na inspeção e fiscalização sob o ponto de vista sanitário, higiênico e tecnológico de todos os estabelecimentos que produzam, manipulem, armazenem e/ou comercializem produtos de origem animal. Na empresa, as profissionais realizam um trabalho preventivo e, principalmente, de orientação aos funcionários, encarregados dos setores e gerentes das lojas. Essa orientação é realizada de diversas formas, conforme será explicado na descrição das atividades desenvolvidas, tendo como embasamento as legislações nacionais, estaduais e municipais, com por exemplo a Resolução de Diretoria Colegiada (RDC) nº 216 de 15 de setembro de 2004 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que dispõe sobre o Regulamento 19 Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação e a RDC nº 275 de 21 de outubro de 2002 (ANVISA) que dispõe sobre o Regulamento Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados (POP) e a lista de verificação das Boas Práticas de Fabricação aplicados aos estabelecimentos produtores e/ou industrializadores de alimentos, entre outras. Todas as atividades desenvolvidas durante o estágio curricular foram realizadas sob a supervisão, acompanhamento e orientação desta equipe. 3 DESCRIÇÃO DAS ATIVIDADES DESENVOLVIDAS O período de estágio curricular foi realizado de 23/02/15 a 06/05/2015, totalizando 400 horas de atividades, distribuídas em 8 horas diárias, das 08h00 às 17h00, de segunda à sexta-feira. A supervisão profissional do estágio foi realizada pela Médica Veterinária Renata dos Santos Oliveira, CRMV-PR 12232, integrante da equipe de Higiene e Segurança Alimentar, e a orientação acadêmica foi realizada pela Médica Veterinária Prof.ª M.a Ana Carolina Camargo de Oliveira Aust, CRMV-PR 8907, docente da Universidade Tuiuti do Paraná. No decorrer das atividades do estágio foi possível acompanhar tanto as Médicas Veterinárias quanto as Nutricionistas da equipe de HSA, na maioria das lojas situadas no município de Curitiba e região metropolitana. As atividades foram desenvolvidas principalmente nos setores de perecíveis, depósitos, recebimento de mercadorias e destinação de resíduos dentro dos estabelecimentos da rede. Os setores de perecíveis são: açougue, fiambreria (local responsável pela manipulação de queijos, presuntos, frios em geral, embutidos, bacon, entre outros), cozinha, refeitório, confeitaria, padaria, rotisseria (local de comercialização de alimentos preparados como salgadinhos, saladas, sanduíches, entre outros), hortifrutigranjeiros e Outros Produtos Livres de Serviços (OPLS, que abrange todos os produtos perecíveis não manipulados, como iogurtes, manteiga, congelados entre outros). Durante o estágio foram desenvolvidas atividades relacionadas à inspeção sanitária, controle de potabilidade de água, aplicação de BPF, aplicação de legislações sanitárias vigentes, treinamento de colaboradores, atualização de manuais de BPF, 20 procedimentos de inauguração de lojas, relacionamento com a Vigilância Sanitária (VISA) e apresentação semanal às integrantes da equipe de HSA de trabalhos de pesquisa, sobre temas pertinentes. Todas as atividades foram acompanhadas por uma responsável técnica Médica Veterinária ou Nutricionista. Os cronogramas de todas as funcionárias do setor de HSA eram elaborados às segundas-feiras, após reunião com a coordenadora da equipe. Nesta reunião eram debatidos diferentes assuntos, repassadas informações, e elaborados os cronogramas com as atividades das estagiárias do setor, bem como, quais técnicas acompanhariam estas atividades. Nos primeiros dias de estágio as atividades foram voltadas ao contato com as principais legislações vigentes da ANVISA, Ministério da Saúde (MS) e Leis Municipais, conforme Tabela 1, todas relacionadas com segurança alimentar, controle de BPF e Serviço de Inspeção Municipal (SIM); entre outras legislações municipais, estaduais e federais, relacionadas aos serviços executados dentro de uma rede de varejo de alimentos. Dentre as atividades propostas pela equipe de HSA estava a elaboração e apresentação de trabalhos semanais, ou quinzenais, dependendo do cronograma, sobre temas relacionados com as atividades diárias. Foram elaborados e apresentados os seguintes trabalhos: Controle de Qualidade da Água – Principais Microrganismos Veiculados aos Alimentos; Qualidade do Pescado Fresco – Aspectos Microbiológicos; Bacalhau – Principais Alterações no Produto. As visitas técnicas das RTs ocorriam nas diversas filiais da rede, sem aviso prévio, com o intuito de mimetizar a ação da VISA nas lojas. As Médicas Veterinárias realizavam as inspeções nos setores de açougue, fiambreria, OPLS, hortifrutigranjeiros, recebimento, descarte de resíduos e depósito; e as Nutricionistas realizavam suas atividades nas áreas de cozinha, refeitório, rotisseria, confeitaria e padaria. Durante as inspeções eram analisados vários pontos nos setores visitados, tais como: manutenções necessárias nas instalações, equipamentos e troca de utensílios; a limpeza das salas de manipulação, câmaras frias, áreas de atendimento e áreas de venda; o fluxo de produção e a correta identificação dos produtos, assim como, o armazenamento e qualidade das matérias-primas utilizadas, o asseio pessoal dos funcionários, a manipulação correta dos alimentos, e os hábitos dos manipuladores. 21 TABELA 1 – LEGISLAÇÕES DISCUTIDAS DURANTE O ESTÁGIO CURRICULAR Legislação Número e Data Título RDC 216 de 15 de setembro de 2004 Dispõe sobre o Regulamento Técnico de ANVISA RDC Boas Práticas para Serviços de Alimentação. 12 de 02 de janeiro de 2001 ANVISA RDC Aprova o Regulamento Técnico sobre os padrões microbiológicos para alimentos. 275 de 21 de outubro de 2002 ANVISA Dispõe sobre o Regulamento Técnico de Procedimentos Operacionais Padronizados e a lista de verificação das Boas Práticas de Fabricação aplicados aos estabelecimentos produtores e/ou industrializadores de alimentos. Portaria 1.428 de 26 de novembro de 1993 Ministério da Aprova o Regulamento Técnico para inspeção sanitária de alimentos. Saúde Portaria 326 de 30 de julho de 1997 Aprova o Regulamento Técnico sobre as Ministério da condições higiênico-sanitárias e de Boas Saúde Práticas de Fabricação para estabelecimentos produtores e/ou industrializadores de alimentos. Portaria 2.914 de 12 de dezembro de 2011 Dispõe sobre os procedimentos de controle e Ministério da vigilância da qualidade Saúde consumo humano e da seu água padrão para de potabilidade. Lei Municipal 10.168 de 24 de maio de 2001 Cria o Serviço de Inspeção Municipal de produtos de origem animal de Curitiba – SIM CURITIBA - e dá outras providências. Decreto 70 de 15 de fevereiro de 2002 Aprova o Regulamento do Serviço de Inspeção Municipal de produtos de origem animal de Curitiba – SIM CURITIBA. 22 FIGURA 1 – COLABORADOR DEVIDAMENTE UNIFORMIZADO FONTE: OLIVEIRA, 2013 FIGURA 2 – PROCEDIMENTO DE HIGENIZAÇÃO DE ÁREA DE MANIPULAÇÃO FONTE: OLIVEIRA, 2013 23 FIGURA 3 – CÂMARA FRIA LIMPA E ORGANIZADA FONTE: OLIVEIRA, 2013 FIGURA 4 – ÁREA DE VENDA DO AÇOUGUE – PRODUTOS NO BALCÃO REFRIGERADO DE AUTOSSERVIÇO FONTE: FONSECA, 2010. 24 A temperatura dos diversos locais e equipamentos com temperatura controlada (laboratórios de manipulação, câmaras frias de armazenamento, balcões refrigerados, balcões congelados, balcões quentes e buffet) eram verificadas regularmente; assim como, a frequência e o correto preenchimento das planilhas de controle diários de verificação de temperatura, no setor de perecíveis e na área de recebimento. Nos depósitos (depósito geral, depósito de embalagens, depósito de hortifrutigranjeiros, depósito de material de limpeza e áreas de trocas de produtos) eram observados, de modo geral; a organização, a limpeza e a manutenção. FIGURA 5 – AFERIÇÃO DE TEMPERATURA EM PRODUTOS PERECÍVEIS FONTE: QUALISAN, 2014. A área do manejo de resíduos e recebimento de mercadorias era incluída durante as inspeções dos depósitos. Nestes locais eram observadas as áreas das compactadoras do lixo orgânico e as coletas de resíduos cárneos (sebo e osso) originados do açougue. A coleta de resíduos cárneos era realizada por empresa própria que utilizava como matéria-prima para ração animal. Em algumas lojas havia a coleta e destinação do lixo orgânico para insumos de outros produtos, como por exemplo adubo, realizado por empresa específica para este fim. Durante as inspeções, ao encontrar falhas em algum dos pontos observados, 25 imediatamente os funcionários eram comunicados e orientados sobre o procedimento correto, e as mesmas orientações eram repassadas para os encarregados do setor. No final de cada inspeção, eram elaborados os relatórios de visita técnica, informando quais foram as inconformidades encontradas em cada setor e as orientações de como estas deveriam ser adequadas. Este relatório era encaminhado via e-mail para o gerente geral da loja, a coordenadora da equipe de HSA e para o gerente de recursos humanos da rede. Após o envio do relatório, os pontos críticos eram repassados diretamente para os gerentes gerais das lojas e os gerentes dos setores de perecíveis. Todos os relatórios repassados aos responsáveis nas filiais eram de extrema importância para comprovar as orientações técnicas fornecidas pelas profissionais da equipe de HSA. O profissional Médico Veterinário, como RT, é corresponsável por atos ilegais e fraudes exercido pela empresa em que trabalha, respondendo ética, legal e tecnicamente pelas suas orientações ou ausência delas, uma vez caracterizada culpa, negligência, imprudência, imperícia ou omissão (BRASIL, 2014). Uma vez por mês, ou sempre que necessário, durante uma das visitas técnicas, as profissionais deixavam para os gerentes gerais um relatório de Comunicação Interna (CI), contendo as inconformidades encontradas durante a inspeção. Este relatório era manuscrito, em três vias, e ao recebê-lo os gerentes assinavam ciência das ocorrências, ficando uma via armazenada na sede da HSA e as demais vias com os gerentes. Acompanhou-se também a utilização do relatório de reincidências, que tinha por objetivo específico, enumerar as adequações solicitadas que não eram solucionadas, e reincidiam semanalmente. Este relatório era aplicado em um período de um mês, sendo posteriormente elaborado um gráfico para demonstração, aos gerentes gerais, sobre a situação de cada loja. No período do estágio pode-se acompanhar a aplicação do check list, esta atividade é realizada duas vezes ao ano em todas as lojas da rede. O procedimento é composto pelo preenchimento de um questionário que tem por objetivo avaliar a execução dos procedimentos das BPF, conforme orientações semanais passadas pelas técnicas aos funcionários, encarregados e gerentes, com base na RDC nº 216 de 15 de setembro de 2004 da ANVISA. Aplicado em todos os setores da área de perecíveis, depósitos, recebimento e sanitários, esse questionário minucioso atribuí uma nota para cada loja da rede, estabelecendo um ranking e chamando a atenção dos gestores. Após a divulgação das notas os responsáveis ficam mais atentos para as melhorias sugeridas, buscando uma pontuação cada vez melhor, e com isso, 26 adequando os procedimentos mais próximos aos padrões exigidos pelas legislações vigentes. O controle de qualidade da água é realizado semestralmente em todas as filiais da rede, e dentro do período de estágio foi possível acompanhar a técnica responsável pela coleta e envio ao laboratório das amostras de água de algumas lojas. Após a análise das amostras, realizado por um laboratório terceirizado, os laudos eram enviados via e-mail para a técnica responsável, e estes eram repassados aos gerentes das lojas, com as devidas orientações e adequações das limpezas das caixas de água, caso apresentasse alguma não conformidade. No mês de março ocorreu a inauguração de uma nova loja da rede, um hipermercado situado em região metropolitana de Curitiba. As inaugurações de lojas exigem acompanhamento intensivo por parte da equipe de HSA, por esse motivo duas profissionais, uma Médica Veterinária e uma Nutricionista, são designadas para acompanhar todo o processo, até a liberação da licença sanitária do estabelecimento pela VISA. Durante esse processo de inauguração acompanhou-se as técnicas no recebimento de empresas que realizam o controle integrado de vetores e pragas urbanas (ratos, moscas, baratas, etc.). Estas empresas compareceram na loja e realizaram o reconhecimento do perímetro, possíveis rotas de entrada destas pragas, pontos críticos para estabelecer o controle, visitaram o depósito e questionaram sobre aonde seriam armazenados os principais gêneros alimentícios neste setor. Além disso, os profissionais destas empresas avaliaram as características de todo o entorno do terreno onde a loja estava localizada. As técnicas não decidem qual empresa será contratada, mas orientam os gerentes das lojas, embasadas por legislações, sobre quais aspectos deverão ser observados em cada empresa candidata, como por exemplo: presença do RT da empresa; princípios ativos dos produtos utilizados no controle dos vetores; cadastro destes produtos junto aos órgãos competentes; características de contaminante aos alimentos e ambiente destes produtos, entre outros. A VISA do município de Curitiba esteve sempre presente, visitando mensalmente as lojas da rede que possuem o SIM, emitindo licenças sanitárias para funcionamento de lojas e renovando as já existentes, realizando toda a fiscalização pertinente a este órgão. Dentro das atividades no estágio, pode-se acompanhar o relacionamento da equipe da HSA com este órgão municipal, tanto na parte de renovação de licença sanitária, que é um procedimento anual, quanto ao solicitar 27 documentos atualizados, e adequações nas inspeções das lojas. 3.1 RESPONSABILIDADE TÉCNICA O RT é um agente que visa garantir a saúde pública através da qualidade dos produtos comercializados, e sua obrigação é orientar em conformidade com as normas e regras estabelecidas nas legislações específicas vigentes e no Código de Deontologia e Ética Profissional, contido na Resolução 722 de 16 de agosto de 2002 do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV). Cada loja possui como RT uma Médica Veterinária e uma Nutricionista, elas possuem entre outras atividades, a responsabilidade de elaborar, implantar e manter atualizado o manual de BPF de cada filial, e durante o período de estágio pode-se acompanhar a atualização de alguns exemplares. Os manuais de BPF são documentos onde ficam descritos de forma minuciosa todos os procedimentos realizados pela empresa, para garantir que os alimentos produzidos e comercializados apresentem segurança e qualidade sanitária aos seus consumidores. Ele reproduz a realidade, e, portanto, contém toda a identificação e documentação obrigatória da empresa (alvará, licença sanitária, vistoria do corpo de bombeiros, licença do SIM, etc.) e a documentação do RT do estabelecimento. Além disso, o manual de BPF contém as informações de recursos humanos (capacitações, quadro de funcionários, alimentação, Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional – PCMSO entre outros); documentos descritivos das condições ambientais; instalações e edificações; controle de potabilidade de água e limpeza das caixas de água; manutenção e calibração dos equipamentos; manejo de resíduos (Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos – PGRS); controle de pragas e vetores; controle de produção; recebimento; planilhas de controle de higienização, temperatura e manutenção de equipamentos; modelo de check list utilizado; fluxograma de cada setor. Os POPs devem fazer parte do manual, pois nestes, está descrito de forma clara e detalhada todos os procedimentos de higienização de cada setor e de cada equipamento e móvel contido dentro dos setores, os produtos e materiais de limpeza necessários, a frequência que deverá ser realizado, e o modo de fazer a higienização, passo a passo. 28 3.2 TREINAMENTOS Uma das responsabilidades da equipe de HSA é realizar treinamentos para colaboradores, dentro da área de BPF. Alguns são obrigatórios, ou seja, exigidos pela VISA, outros não são obrigatórios, mas fazem parte do compromisso da empresa em formar continuamente os funcionários e com isso, aprimorar a qualidade dos alimentos manipulados. Participou-se como ouvinte e ministrante de alguns cursos no decorrer do estágio curricular. A empresa realiza um processo para novos funcionários chamado de integração, que consiste em um ciclo de palestras sobre vários temas pertinentes ao trabalho desenvolvido. Neste ciclo de palestras a HSA participa com a palestra de manipulação de alimentos, direcionado a todos os novos funcionários, independente da atuação na área de manipulação direta ou indireta de alimentos. Nesta palestra são abordados os seguintes assuntos: formas de contaminações; conservação de produtos perecíveis; espécies de microrganismos presentes no alimento e que podem ser introduzidas com uma manipulação inadequada; relação de temperatura com proliferação de microrganismos; correta higienização das mãos; maus hábitos dos manipuladores, durante as atividades de manipulação, que podem contaminar os alimentos; algumas doenças que podem ser transmitidas para as pessoas através da manipulação de alimentos entre outros. A linguagem de fácil entendimento, os exemplos da rotina de quem vai trabalhar com manipulação de alimentos e exemplos facilmente encontrados em casa, eram fundamentais para o entendimento e interação dos ouvintes. Os cursos de Boas Práticas de Manipulação (BPM) e DTA, por exigência da VISA, são ministrados nas lojas para pelo menos 75% dos funcionários dos setores de perecíveis, a cada seis meses, no mínimo, ou sempre que se julgar necessário. O primeiro curso aborda higiene pessoal; higiene do setor; tipos de contaminação; higienização das mãos, conforme figura 6; identificação correta dos produtos; armazenamento em câmaras frias; organização dos setores, etc. Este treinamento é similar à palestra ministrada na integração sobre manipulação de alimentos, porém a diferença é o uso de exemplos específicos dos setores, sendo um curso mais personalizado às equipes de trabalho, onde são identificados pontos críticos dentro de cada setor. Já o curso de DTA aborda as principais infecções, intoxicações e 29 toxiinfecções alimentares; sintomas; formas de contaminação; formas de prevenção; cuidados na manipulação e ações com foco preventivo para estas doenças. FIGURA 6 – FORMA CORRETA DE HIGIENIZAÇÃO DAS MÃOS FONTE: OLIVEIRA, 2012 FIGURA 7 – EXEMPLO DE CONTEÚDO EXPOSTO NOS CURSOS DE BOAS PRÁTICAS DE MANIPULAÇÃO E INTEGRAÇÃO FONTE: http://nutrindoa.blogspot.com.br/2012/05/temperaturas-portaria-26192011.html 30 Outros cursos específicos são ministrados nas lojas, como o curso sobre controle de temperatura, para o correto manuseio do termômetro e correta aferição da temperatura nos setores, voltado para os fiscais de loja; curso básico de BPM para promotores dos setores de perecíveis; curso de técnicas dietéticas entre outros. O setor HSA também participa do Programa de Desenvolvimento de Líderes (PDL) e Programa de Desenvolvimento de Gerentes (PDG); orientações aos programas de trainee para encarregados; e curso de Formação Técnica Operacional (FTO) voltado para comunidade carente, através de projetos sociais realizados pela empresa, com o objetivo de instruir os participantes para trabalhar como cozinheiros, confeiteiros, padeiros, etc. De todos os cursos elaborados e ministrados pela equipe, foi possível participar como ouvinte e ministrante das palestras de manipulação de alimentos nas integrações; curso de BPM e de cursos aos promotores. Participou-se do curso oferecido pela empresa Eletrofrio Refrigeração, onde foram abordadas as especificações técnicas e processos de funcionamento dos produtos utilizados para refrigeração e congelamento, presentes em todas as lojas da rede. Além disso, foram repassadas as condições ideais de abastecimento e procedimentos adequados de limpeza, com o intuito de não sobrecarregar os equipamentos e exigir manutenções frequentes. Foram expostas as formas de manutenção preventiva e como seria a aplicação no dia a dia das filiais, e revelado o projeto de implantação desse tipo de manutenção na rede. Durante o período de estágio, quinzenalmente, o relatório com a descrição das atividades diárias realizadas era entregue à orientadora profissional e à coordenadora da equipe de HSA. Algumas técnicas, ao acompanhar as atividades diárias, solicitavam relatórios de visita técnica nas lojas, com as recomendações para os pontos que foram julgados com inconformidades, e estes eram enviados via e-mail. 4 REVISÃO DE LITERATURA O aumento do consumo de refeições fora do ambiente doméstico é uma realidade crescente nos países em desenvolvimento e um hábito nos países desenvolvidos em todo o mundo. No Brasil a cada cinco refeições realizadas, uma é 31 feita fora de casa, potencializando o surgimento de DTAs. Essa nova realidade de alimentação fora do domicílio é um grande contribuinte para aumentar a ocorrência de DTA, pois esse tipo de refeição é produzida em larga escala, tornando difícil o controle efetivo de todas as preparações (APLEVICZ et al., 2010). As DTAs são caracterizadas pela ingestão de alimentos ou água que contenham agentes etiológicos, ou toxinas, em quantidades suficientes para afetar o indivíduo ou uma população (BRASIL, 2010). Embora diversas doenças infecciosas possam, ser contraídas por meio de alimentos, existem aquelas que são veiculadas exclusiva ou predominantemente pelo consumo de produtos alimentícios. Os microrganismos causadores de doenças alimentares podem ser transmitidos a partir de fezes contaminadas, pelas mãos dos manipuladores de alimentos com hábitos de higiene insatisfatórios, por insetos voadores ou rasteiros e também pela água, entre outros. A rota fecal-oral é a rota principal para as bactérias enteropatogênica (JAY, 2005). FIGURA 8 – ROTA FECAL-ORAL DE TRANSMISSÃO DE PATÓGENOS ENTÉRICOS FONTE: JAY, 2005 Silva Jr. (2012) trouxe como os principais fatores relacionados à ocorrência de 32 DTAs a má condição de higiene na manipulação dos alimentos, o uso incorreto do binômio tempo/temperatura, más condições de armazenamento e conservação e falta de adequação e conservação de estrutura física dos estabelecimentos. A responsabilidade de oferecer alimentos inócuos, ou seja, dentro do conceito de alimento seguro, está distribuída entre todos os participantes da cadeia produtiva do alimento até o consumidor final, envolvendo as fases como: produção, processamento, transporte, conservação, comercialização e consumo. Cada etapa da cadeia produtiva pode influir direta ou indiretamente na contaminação do alimento (SOTO, et al, 2006; HOBBS, 1999). Os agentes patogênicos dos alimentos são controlados através da manipulação higiênica, que tem como objetivo prevenir a contaminação, crescimento e sobrevivência destes microrganismos (BRASIL, 2004). A Organização Mundial da Saúde (OMS) define o termo “manipuladores de alimentos” como todas as pessoas que podem entrar em contato com os alimentos, em qualquer etapa da cadeia produtiva, desde a sua fonte até o consumidor. As condições do ambiente de trabalho, as características de utensílios e equipamentos, e as condições técnicas do material de limpeza têm grande importância na manipulação de alimentos, mas nada substituí a importância das técnicas apropriadas de manipulação e a própria saúde dos manipuladores dentro da epidemiologia das DTAs (BRASIL, 2004). Segundo Venturi et al (2004), os alimentos podem ser contaminados ou deteriorados na produção, manipulação, transporte, armazenamento ou distribuição, com isso todos os envolvidos deverão ser conscientizados quanto seu papel na cadeia produtiva de alimentos. 4.1 MICRORGANISMOS PRESENTES NOS ALIMENTOS A importância da limpeza e da higiene na produção de alimentos demorou muito para ser reconhecida. Foi por volta do século XIII, na Europa, que surgiram as primeiras normas de inspeção de carnes e de abatedouros de animais. Acredita-se que A. Kircher, em 1658, foi o primeiro a sugerir a existência de relação entre a 33 decomposição de carnes e leite e a presença de “vermes” invisíveis a olho nu. Porém a primeira pessoa a avaliar e entender a presença e o papel dos microrganismos nos alimentos foi Pasteur em 1837, e em 1890 surge a primeira lei nacional de inspeção de carnes (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Hoje sabemos que os microrganismos podem desempenhar papéis muito importantes nos alimentos, e podemos classificá-los em três grupos distintos, microrganismos deteriorantes; benéficos e patogênicos, dependendo do tipo de interação existente entre eles e o alimento. Os microrganismos nos alimentos podem ser causadores de alterações químicas prejudiciais resultando no que chamamos de deterioração microbiana. As deteriorações resultam das alterações de cor, odor, sabor, textura e aspecto do alimento, sendo consequentes da atividade metabólica natural dos microrganismos, ao utilizar o alimento como fonte de energia. Estes microrganismos são incorporados nos alimentos ao longo da cadeia alimentar, e são considerados como contaminantes (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Existem microrganismos que causam alterações benéficas em um alimento, modificando suas características originais e transformando em um novo alimento. Este grupo é composto por microrganismos que são intencionalmente adicionados aos alimentos para que determinadas reações químicas sejam realizadas, denominados culturas starters. Neste grupo também estão aqueles que já estão presentes nos alimentos, integrantes da microbiota original, e basta estimular seletivamente sua atividade biológica para que alterações ocorram no processo tecnológico dos alimentos. Alguns exemplos de alimentos onde estes agentes são comumente utilizados são: queijos, vinhos, cervejas, pães e vegetais (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Outros microrganismos podem apresentar risco à saúde, sendo estes denominados como patogênicos, afetando tanto o homem quanto os animais. Eles chegam ao alimento por inúmeras vias, sempre refletindo condições precárias de higiene durante a produção, armazenamento, distribuição ou manuseio. Cada doença causada por estes microrganismos depende de uma série de fatores ligados ao alimento, ao microrganismo patogênico e ao indivíduo afetado, que serão abordados em maiores detalhes a seguir. (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Os microrganismos que contaminam os alimentos são originários de várias fontes: solo, água, plantas, utensílios com higienização inadequada, trato intestinal do homem e de animais, manipuladores de alimentos (mãos, roupas, fossas nasais, boca 34 e a pele, condições precárias de higiene), pele dos animais, ar e poeira entre outros (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Dentre os vários microrganismos importantes para a contaminação de alimentos, como fungos, leveduras, vírus, bactérias, protozoários, parasitas, algumas bactérias patogênicas serão abordadas com ênfase neste trabalho. A capacidade de sobrevivência ou de multiplicação dos microrganismos que estão presentes em um alimento depende de uma série de fatores, aqueles relacionados com as características próprias do alimento, os fatores intrínsecos; e os relacionados com o ambiente em que o alimento se encontra, os fatores extrínsecos. São considerados fatores intrínsecos mais relevantes a atividade de água (Aa), o potencial hidrogeniônico (pH), a composição química, a presença de fatores antimicrobianos naturais e as interações entre os microrganismos presentes nos alimentos. Entre os fatores extrínsecos, os mais importantes são a umidade e a temperatura ambientais e também a composição química da atmosfera que envolve o alimento (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Os microrganismos necessitam de água para sua sobrevivência, para realizar seu metabolismo e multiplicação entre outros. A Aa de um alimento, ou de uma solução qualquer, é o parâmetro que mede a disponibilidade de água em um alimento. Esse parâmetro é definido como a relação existente entre a pressão parcial do vapor de água contida na solução ou no alimento, e a pressão parcial de vapor de água pura, a uma dada temperatura: Aa=P/Po. Os valores variam de 0 a 1, e na maioria dos alimentos frescos a Aa é superior a 0,99. Considerando que Aa da água pura é 1 e que os microrganismos não se multiplicam em água pura, o limite máximo para o crescimento microbiano é ligeiramente menor do que 1 (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). As bactérias Gram-negativas são mais exigentes que as Gram-positivas em relação à Aa necessária. A maioria das bactérias deteriorantes não se multiplica em Aa inferior a 0,91. Porém, algumas bactérias causadoras de toxiinfecções alimentares, o S. aureus por exemplo, podem tolerar Aa até 0,86 para a sua multiplicação, enquanto o Clostridium perfringens não se multiplica em alimentos com Aa inferior a 0,94. Os valores mais baixos relatados na literatura, relacionados com multiplicação bacteriana é 0,75 para bactérias halofílicas (bactérias que possuem afinidade a altas concentrações de sais, como cloreto de sódio - NaCl). Dessa forma considera-se o 35 valor de 0,6 como o valor de Aa limitante para multiplicação de qualquer microrganismo (FRANCO & LANDGRAF, 1996). A Aa, temperatura e disponibilidade de nutrientes são interdependentes. Assim, a qualquer temperatura, a capacidade de multiplicação dos microrganismos diminui quando Aa é reduzida. Quanto mais próxima da temperatura ótima de multiplicação, mais larga é a faixa de Aa em que o crescimento bacteriano é possível. A presença de nutrientes também é importante, pois amplia a faixa de Aa em que os microrganismos podem se multiplicar. Alguns microrganismos como o S. aureus tem multiplicação quase normal, mesmo em baixa Aa, mas certos metabólitos extracelulares, como as enterotoxinas, não são produzidas (FRANCO & LANDGRAF, 1996). TABELA 2 – VALORES DE ATIVIDADE DE ÁGUA EM ALGUNS PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL Alimento Aa Aves e pescados frescos >0,98 Carnes frescas >0,95 Ovos 0,97 Queijos (maioria) 0,91 a 1,00 Carnes curadas 0,87 a 0,95 Mel 0,54 a 0,75 FONTE: BANWART, G.J., 1989 - MODIFICADA TABELA 3 – VALORES DE ATIVIDADE DE ÁGUA MÍNIMA PARA MULTIPLICAÇÃO DE MICRORGANISMOS IMPORTANTES EM ALIMENTOS Organismos Aa GRUPOS Bactérias deteriorantes 0,91 ORGANISMOS ESPECÍFICOS Clostridium botulinum tipo E 0,97 Escherichia coli 0,96 Clostridium botulinum tipos A e B 0,94 Clostridium perfringens 0,94 Staphylococcus aureus 0,86 FONTE: JAY, J.M., 1992 - MODIFICADA 36 Assim como ocorre com Aa, os microrganismos têm valores de pH mínimo e máximo para sua multiplicação. O pH em torno da neutralidade, isto é, entre 6,6 e 7,5 é o mais favorável para a maioria dos microrganismos. Entre as bactérias, verifica-se que as patogênicas são as mais exigentes quanto ao pH. Um pH adverso afeta pelo menos dois aspectos de uma célula microbiana viva: o funcionamento de suas enzimas e o transporte de nutrientes para o interior da célula. Quando os microrganismos são colocados em meios com pH abaixo ou acima da neutralidade, sua capacidade de proliferar depende da capacidade de modificar o pH do meio para um valor ou faixa ótima (JAY, 2005). De acordo com o pH, os alimentos são subdivididos em três grandes grupos: os alimentos de baixa acidez, ou seja, que possuem o pH superior a 4,5; os alimentos ácidos, que possuem pH entre 4,0 e 4,5, e os alimentos muito ácidos, pH inferior a 4,0. Essa classificação está baseada no pH mínimo para multiplicação e produção de toxina do bacilo Clostridium botulinum (4,5) e no pH mínimo para multiplicação da grande maioria das bactérias (4,0). Nos alimentos ácidos, há predominância de crescimento de leveduras, bolores e algumas espécies bacterianas como as láticas e Bacillus (FRANCO & LANDGRAF, 1996). TABELA 4 – VALORES DE pH PARA A MULTIPLICAÇÃO DE ALGUMAS BACTÉRIAS pH Organismos Mínimo Ótimo Máximo Bactérias (maioria) 4,5 6,5 a 7,5 9,0 Bacillus cereus 4,9 6,0 a 8,5 9,3 Clostridium botulinum 4,8 a 5,0 6,0 a 8,0 8,5 8,8 Clostridium perfringens 5,0 a 5,5 6,0 a 7,6 8,5 Escherichia coli 4,3 a 4,4 6,0 a 8,0 9,0 a 10 Salmonella 4,5 a 5,0 6,0 a 7,5 8,0 a 9,6 S.Typhi 4,0 a 4,5 6,5 a 7,2 8,0 a 9,0 Staphylococcus aureus 4,0 a 4,7 6,0 a 7,0 9,5 a 9,8 FONTE: BANWART, G.J., 1989 - MODIFICADA Para que a multiplicação microbiana seja possível, os seguintes nutrientes devem estar disponíveis: água, fonte de energia (amido, celulose, lipídios), fonte de nitrogênio 37 (aminoácidos e outros compostos nitrogenados), vitaminas e sais minerais para realizarem suas reações enzimáticas (sódio, potássio, cálcio, magnésio, ferro, cobre, manganês, molibdênio, zinco, cobalto, fósforo e enxofre). As vitaminas são mais importantes para as bactérias Gram-positivas, pois as bactérias Gram-negativas e os bolores são capazes de sintetizar todos os seus fatores de crescimento, e dispensam alguns nutrientes (JAY, 2005). A estabilidade de alguns alimentos diante da presença e ataque dos microrganismos se deve à presença de substâncias naturais com atividades antimicrobianas e/ou, a cobertura natural, estruturas físicas recobrindo o alimento e fornecendo uma proteção contra a entrada e degradação dos tecidos animais e vegetais (JAY, 2005). Dos fatores extrínsecos, a temperatura é o fator ambiental mais importante, pois afeta a multiplicação de microrganismos, que possuem uma faixa de multiplicação bastante ampla (-35°C a 90°C). A classificação mais aceita para dividir as classes de microrganismos quanto a temperatura ideal de multiplicação é: microrganismos psicrófilos, são os que possuem sua temperatura de multiplicação entre 0°C e 20°C com ótimo de 10°C a 15°C; microrganismos psicrotróficos possuem sua temperatura de multiplicação ótima entre 0°C a 7°C; microrganismos mesófilos possuem sua temperatura ótima entre 25°C a 40°C, sendo a temperatura mínima entre 5°C a 25°C e a temperatura máxima entre 40°C a 50°C e os microrganismos termófilos, são os que possuem temperatura ótima entre 45ºC a 65°C, sendo sua temperatura mínima 35ºC a 45°C e máxima 60°C a 90°C (FRANCO & LANDGRAF, 1996). As classes dos microrganismos psicrófilos e psicrotróficos multiplicam-se bem em alimentos refrigerados, sendo os principais agentes de deterioração de carnes, pescados, ovos, frangos e outros. Já os microrganismos mesófilos são a maioria de importância em alimentos, e por fim os termófilos têm como principais representantes os agentes dos gêneros Bacillus e Clostridium (C.botulinum e C. perfringens), por serem gêneros com linhagens produtoras de esporos termorresistentes (JAY, 2005). Existem três intervalos de temperatura distintos para a estocagem de alimentos sob baixas temperaturas. Temperaturas de resfriamento são aquelas apresentadas pelo refrigerador comum (5ºC a 7ºC) e temperaturas ambientes, normalmente entre 10ºC a 15ºC. Temperaturas de refrigeração são aquelas entre 0ºC e 7ºC (idealmente não maiores que 4,4ºC). Temperaturas de congelamento são aquelas iguais ou abaixo de -18ºC. Sob circunstâncias normais, o crescimento de todos os microrganismos é 38 inibido sob temperaturas de congelamento; todavia, alguns microrganismos podem crescer no intervalo de temperaturas de congelamento, mas com uma velocidade extremamente lenta (JAY, 2005). A composição gasosa do ambiente que envolve um alimento pode determinar os tipos de microrganismos que poderão nele predominar. A presença de oxigênio favorecerá a multiplicação de microrganismos aeróbios, enquanto que sua ausência causará predominância dos anaeróbios (FRANCO & LANDGRAF, 1996). 4.2 PRINCIPAIS BACTÉRIAS PATOGÊNICAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS Dentro de vários microrganismos importantes para a contaminação de alimentos, como fungos, leveduras, vírus, bactérias, protozoários, parasitas, as bactérias patogênicas Sthaphylococcus aureus, Salmonella spp., Escherichia coli, Bacillus cereus, Clostridium botulinum e Clostridium perfringens serão abordadas neste trabalho. Um microrganismo para ser considerado patógeno específico de doenças de origem alimentar, precisa superar vários obstáculos até conseguir causar esta doença. Um patógeno intestinal por exemplo, deve sobreviver à passagem pelo ambiente extremamente ácido do estômago; colonizar as paredes intestinais ou ligar-se a essas paredes para se multiplicar, passando pela camada protetora de muco que cobre a mucosa intestinal (alguns microrganismos não necessitam colonizar a parede intestinal, como é o caso do Clostridium perfringens). Deve ser capaz de superar os mecanismos de defesa do hospedeiro, como o tecido linfoide intestinal e possuir uma habilidade competitiva, pois há uma grande e heterogênea microbiota intestinal instalada, além de sobreviver em um ambiente com baixa concentração de oxigênio. E uma vez aderidos às paredes do intestino, os microrganismos precisam ser capazes de elaborar produtos tóxicos, ou atravessar a parede intestinal e penetrar nos fagócitos ou em células somáticas (JAY, 2005). Os gêneros bacterianos importantes para alimentos podem ser agrupados em sete categorias: bactérias Gram-negativas, aeróbias e microaeróbias; bactérias Gramnegativas aeróbias estritas; bactérias Gram-negativas anaeróbias facultativas; cocos Gram-positivos; bacilos Gram-positivos produtores de esporos; bacilos Gram- 39 positivos não esporulados e outros. No grupo das bactérias Gram-negativas anaeróbias facultativas, estão incluídas as famílias Enterobacteriaceae e Vibrionaceae, contendo muitos gêneros, dentre eles Escherichia e Salmonella. Supõese que estes dois agentes partiram de um antecessor comum há 120-160 milhões de anos (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). Dentro do gênero Escherichia, a principal espécie é a E.coli. Pertencente ao grupo dos coliformes fecais, que são indicadores de contaminação fecal de alimentos, estes microrganismos podem causar reações indesejáveis nos alimentos, além de várias linhagens serem patogênicas para o homem e para os animais, indicam condições sanitárias inadequadas durante o processamento, produção ou armazenamento. Os microrganismos indicadores são utilizados na avaliação da qualidade microbiológica da água há algum tempo, e também foram incluídos na avaliação dos alimentos, devido às dificuldades na detecção de microrganismos patogênicos, como por exemplo a Salmonella Typhi. Em alimentos processados, a presença de um número considerável de coliformes e de E.coli indica um processamento inadequado e/ou recontaminação pós-processamento, sendo uma das causas mais frequentes a manipulação sem higiene (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Já o gênero Salmonella, são bacilos não esporulados, sendo a maioria móvel. Seu principal reservatório é o trato gastrointestinal (TGI) do homem e de animais, principalmente aves e suínos. Este gênero abriga vários sorovares causadores de doenças em várias espécies animais. Para este trabalho foram considerados os sorovares que causam doenças de origem alimentar em humanos, como os agentes da febre tifoide (S. Typhi); das febres entéricas (S. Paratyphi A, B e C) e das enterocolites por Salmonella (salmoneloses) (FRANCO & LANDGRAF, 1996). O grupo dos cocos Gram-Positivos inclui a linhagem Staphylococcus, pertencente à família Micrococcaceae, são microrganismos anaeróbios facultativos, ocorrendo isolados ou aos pares e em aglomerados. A maioria pode multiplicar-se em 7,5% a 15% de NaCl, ou seja, são denominados halotolerantes. São encontrados em muitos alimentos, mas não competem bem com os outros microrganismos presentes. Os S. aureus podem ser produtores de enterotoxinas nos alimentos, causando intoxicação quando consumidos. Além disso podem ser encontrados em lesões de pele e nas vias aéreas superiores do homem, sendo facilmente transferidos para os alimentos (FRANCO & LANDGRAF, 1996). 40 Durante um estudo com processamento de vegetais, os pesquisadores descobriram que um aumento gradativo de Staphylococcus ocorre à medida que a matéria prima passa pelas sucessivas etapas de processamento, em que a principal fonte de microrganismos é a mão dos manipuladores. No geral, alimentos chamados de delicatessen, como saladas e sanduíches, que normalmente são preparados com as mãos, estão sujeitos a aumento da incidência de agentes patogênicos, como o Staphylococcus, e uma vez presente nestes alimentos, o ritmo de multiplicação é favorecido devido à redução na biota normal do alimento causada pelo cozimento anterior dos seus ingredientes. Em estudo realizado com saladas e sanduíches vendidos no comércio o agente estava presente em 60% dos sanduíches e em 39% das saladas, e pode estar presente em todos os produtos intensamente manipulados como carnes moídas, e demais produtos fracionados (JAY, 2005). Dentro do Grupo de Bacilos, existem os produtores de esporos e os não esporulados. Os produtores de esporos de interesse para este trabalho são os gêneros Bacillus e Clostridium. O esporo é constituído por uma estrutura formada por um centro contendo o material genético da bactéria, envolvido por várias camadas de mucopeptídeo e capas externas de natureza proteica. Os mecanismos que estimulam a esporulação ainda não são bem conhecidos. A formação de esporos é importante para a sobrevivência do microrganismo, e da mesma forma é um desafio para a microbiologia dos alimentos, pois estas estruturas são resistentes ao calor, as radiações ionizantes, compostos químicos, desidratação e congelamento. A reversão da forma de esporo para a forma vegetativa pode resultar na multiplicação bacteriana e consequente deterioração do alimento ou produção de toxinas (FRANCO & LANDGRAF, 1996). O gênero Bacillus possui a maioria das espécies móveis e produtoras de catalase, possuindo características bastantes diferentes entre si (psicrotróficas, mesófilas, termófilas, temperatura mínima e máxima, pH, halotolerância entre outras) e podem ser encontrados no solo, água, material fecal e diversos alimentos. Este grupo abriga as espécies patogênicas B. cereus, que causa gastroenterite de origem alimentar e B. anthracis, causadora da doença antrax (FRANCO & LANDGRAF, 1996). O gênero Clostridium, em sua maioria são anaeróbios estritos e catalase negativo. A principal fonte de clostrídios é o solo, sendo encontrados também no trato intestinal do homem e de animais, além dos alimentos. Incluí dentre suas várias 41 espécies, apenas duas consideradas patogênicas e que podem ser veiculados por alimentos: C. botulinum e C. perfringens (FRANCO & LANDGRAF, 1996). 4.3 DOENÇAS DE TRANSMISSÃO ALIMENTAR De acordo como Center of Disease Control and Prevention (CDC), o centro de controle e prevenção de doenças dos EUA, define-se como surto de DTA a ocorrência de dois ou mais casos de doenças associados a um único alimento (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Pesquisas realizadas no Brasil informaram que em um período de 10 anos houve um total de 3.984 surtos detectados, sendo que 23% tiveram como principal alimento envolvido preparações à base de ovos crus e/ou malcozidos, 17% ocorreram devido ao consumo de alimentos mistos, 12% devido ao consumo de carnes vermelhas, 11% por sobremesas, 9% por água, 7% leite e derivados e em 21% dos casos não foi possível identificar o alimento envolvido (BRASIL, 2008). Nos EUA os principais fatores que contribuíram para a ocorrência de surtos alimentares entre 1961 e 1982 foram a refrigeração inadequada com 44% dos casos; o intervalo de 12 horas ou mais entre o preparo e o consumo com 23% dos casos e a contaminação por manipulação inadequada com 18% dos casos; outros 15% (JAY, 2005). A identificação de um surto de DTA é realizada através de um inquérito epidemiológico, conduzido entre os indivíduos que tenham e que não tenham consumido o(s) alimento(s) suspeito(s), quer tenham apresentados os sintomas característicos, quer não, e também através de exames laboratoriais em amostras clínicas e nas amostras de alimentos. Deve-se considerar também que nem todos os indivíduos que consomem o mesmo alimento contendo um agente patogênico apresentam a mesma sintomatologia. O período de incubação, a gravidade e a duração da doença podem ser diferentes, em função da idade, do estado nutricional, da sensibilidade individual e da quantidade de alimento ingerido (FRANCO & LANDGRAF, 1996). O número de casos de DTA notificado é apenas uma pequena parcela da realidade de casos que ocorrem. Segundo estudos, para cada caso notificado existem, aproximadamente, 136 casos de enfermidades com quadro clínico brando 42 ou assintomático na mesma comunidade (FORSYTHE, 2000). Outro estudo diz que a maioria dos casos de DTAs não são notificados às autoridades sanitárias, tanto em nosso país como internacionalmente, devido a sintomatologia branda, fazendo com que a vítima não busque auxílio médico (COSTALUNGA, 2002; FORSYTHE, 2010; VAILLANT, 2005). Em muitos países, inclusive no Brasil, os surtos notificados, geralmente, se restringem àqueles que envolvem um maior número de pessoas ou quando a duração dos sintomas é mais prolongada (CARMO, 2005). Dor de estômago, náusea, vômitos, diarreia e febre, são os sintomas mais comuns de uma DTA. Dependendo do agente etiológico envolvido, porém, o quadro clínico pode ser extremamente sério, com desidratação grave, diarreia sanguinolenta, insuficiência renal aguda e insuficiência respiratória (FORSYTHE 2000, RODRIGUES et al, 2004; CARMO et al, 2005; MÜRMANN et al, 2008). Os alimentos, ao sofrerem contaminação por esses diferentes agentes, podem provocar doenças pela ação desses microrganismos ou, ainda, por suas toxinas (STAMFORD et al., 2006). As DTAs são subdivididas em duas grandes categorias: intoxicação alimentar e infecção alimentar. A intoxicação alimentar ocorre quando há a presença de toxinas microbianas pré-formadas no alimento ingerido. Estas toxinas são produzidas durante a intensa proliferação dos microrganismos patogênicos no alimento. Dentre os agentes causadores destas toxinas estão o Clostridium botulinum; Staphylococcus aureus e Bacillus cereus. A infecção alimentar, por sua vez, ocorre quando há ingestão de alimentos contendo células viáveis de microrganismos patogênicos. Estes microrganismos aderem à mucosa do intestino humano e proliferam, colonizando-o. Em seguida, pode ocorrer a invasão da mucosa e penetração nos tecidos. Entre as bactérias invasivas, destacam-se Salmonella spp., Escherichia coli invasora, entre outras. Pode ocorrer ainda uma toxinfecção alimentar, que acontece quando há a ingestão de alimentos contendo microrganismos viáveis, e estes produzem toxinas no interior do TGI, alterando o funcionamento das células intestinais. Neste último caso temos como exemplo de agente a Escherichia coli enterotoxigênica e o Clostridium perfringens, entre outras (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). A ingestão de alimentos com boa aparência, sabor e odor normais, sem qualquer alteração sensorial visível, são as características relacionadas à maioria dos surtos. Isso ocorre porque a dose de patógenos alimentares que pode causar dano ou agravo 43 à saúde costuma ser menor que a quantidade de microrganismos necessária para degradar os alimentos. Esses fatos dificultam a rastreabilidade dos alimentos causadores de surtos, uma vez que os consumidores afetados dificilmente conseguem identificar sensorialmente os alimentos fonte da DTA (FORSYTHE, 2010). FIGURA 9 – DIAGRAMA DO SISTEMA DIGESTÓRIO HUMANO COM A LOCALIZAÇÃO DA AÇÃO DE ALGUNS MICRORGANISMOS PATOGÊNICOS FONTE: JAY, 2005 – MODIFICADO 44 4.3.1 BOTULISMO A espécie Clostridium botulinum é composta por bacilos Gram-positivos, apresentam flagelos, são formadores de esporos e produtores de gás. São anaeróbios estritos, capazes de produzir toxinas de natureza proteica conhecidas como as toxinas A, B, C1, C2, D, E, F e G. Os tipos A, B, E, F e G são causadores de botulismo no homem. As cepas deste agente são classificadas em quatro grupos, designados I, II, III e IV, de acordo com o tipo de toxina que produzem e a atividade sobre proteínas e açúcares. Este agente é produtor da chamada neurotoxina botulínica, causadora da DTA denominada botulismo (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). O termo botulismo provém de botulus, que significa linguiça em latim devido ao envolvimento deste alimento nos primeiros casos de botulismo cientificamente comprovados, ocorridos na Europa Central no final do século passado. O botulismo clássico é causado pela ingestão de neurotoxinas pré-formadas no alimento. Já o botulismo infantil é uma doença infecciosa causada pela ingestão dos esporos do agente, com subsequente germinação, multiplicação e toxigênese no intestino de crianças com menos de um ano de idade. Embora seja possível que em adultos esporos botulínicos germinem e produzam pequenas quantidades de toxina, o trato intestinal colonizado não favorece a germinação dos esporos, assim como em criança com mais de 1 ano de idade, pois possuem uma biota intestinal mais estável. Os alimentos veículos do botulismo infantil são aqueles que normalmente não são submetidos a processamento térmico para destruir os esporos, sendo os mais comuns xaropes e mel. As formas dessa doença são clinicamente semelhantes (FRANCO & LANDGRAF, 1996). O botulismo de origem alimentar tem um período de incubação, variando de 12 a 72 horas, dependendo da quantidade de toxina ingerida. A doença inicia-se com problemas gastrointestinais como náuseas, vômitos e diarreia. Às vezes, a diarreia ocorre nos primeiros estágios da doença, e, em seguida é substituída pela constipação intestinal. O início da ação da neurotoxina botulínica provoca fadiga, tonturas, cefaleia, ressecamento da pele, e fraqueza muscular. Esses sintomas são acompanhados por problemas de visão, tais como queda das pálpebras, resposta alterada da pupila à luz e visão dupla, não há febre. Secura da boca, dificuldade de deglutição e de controle da língua são sintomas característicos. A musculatura que 45 controla a respiração é progressivamente paralisada, podendo provocar a morte em 3 a 5 dias por parada respiratória. Em geral a duração da doença é de 1 a 10 dias, ou mais, dependendo da resistência do hospedeiro e de outros fatores (FRANCO & LANDGRAF, 1996). As toxinas botulínicas apresentam ação neurotóxica, através do bloqueio da liberação do neurotransmissor nas junções neuromusculares. Após a internalização da toxina pelo sistema nervoso, não é mais possível bloquear seu efeito neurotóxico (FRANCO & LANDGRAF, 1996). O C. botulinum encontra-se amplamente distribuído na natureza, sendo o solo e o ambiente aquático seu habitat principal. As necessidades nutricionais desses organismos são complexas, sendo necessários aminoácidos, vitaminas do complexo B e minerais. A faixa de temperatura para crescimento é bem ampla, e algumas linhagens podem se desenvolver desde 3,3ºC até 50ºC. Geralmente, assume-se que o crescimento não ocorre em pH igual ou inferior a 4,5. Aparentemente, este organismo não pode crescer e produzir toxinas em competição com um grande número de outros microrganismos. Os alimentos que contêm toxinas geralmente estão destituídos de competição devido aos tratamentos térmicos aplicados (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). Acredita-se que os surtos desta doença são subdiagnosticados, e são frequentemente causados por produtos que passaram por procedimentos inadequados no seu processamento, sendo em sua maioria produtos marinhos e cárneos contaminados, conservas vegetais de preparação caseira, mel, entre outros. O maior perigo está em alimentos preparados em conservas caseiras que são impropriamente manipuladas ou que sofrem tratamentos térmicos insuficientes para destruir os esporos botulínicos. Esses alimentos são frequentemente consumidos sem tratamento térmico prévio. Para controlar esta doença é necessária a destruição de todas as células vegetativas e esporos, através do tratamento térmico elevado. Embora as células vegetativas apresentem baixa resistência térmica, semelhante à de outros microrganismos patogênicos, os esporos de C. botulinum são bastantes resistentes ao calor. As neurotoxinas são termolábeis, sendo destruídas pelo aquecimento a 80°C durante 30 minutos ou a 100°C em poucos minutos. O congelamento assim como a refrigeração não tem nenhum efeito prático na destruição de células vegetativas, esporos ou neurotoxinas botulínicas (FRANCO & LANDGRAF, 1996). 46 4.3.2 GASTROENTERITE CAUSADA POR Clostridium perfringens O C. perfringens, também denominado Clostridium welchii, é associado com gastroenterite desde 1895, porém a primeira demonstração da sua importância etiológica nas intoxicações alimentares foi realizada em 1945. O agente é um bacilo Gram-positivo, anaeróbio, esporulado, apresenta cápsula e é imóvel, cresce bem em uma variedade de meios, desde que possua condições anaeróbias ou uma suficiente capacidade redutora, porém não é um anaeróbio estrito. Microrganismo mesófilo, possui uma temperatura ótima para o crescimento entre 37ºC e 45ºC, e sua menor temperatura para o crescimento está em torno de 20ºC e a maior 50ºC. A faixa ótima de pH é de 5,5 a 8,0. Produz uma série de proteínas biologicamente ativas, algumas com atividade tóxica e outras com atividade enzimática. De acordo com a produção das quatro toxinas extracelulares mais importantes (toxinas alfa, beta, épsilon e iota), as cepas de C. perfringens são classificadas em cinco tipos: A, B, C, D e E. Os tipos A, C e D são também produtores de enterotoxina, mas quase todos os casos descritos de toxinfecção alimentar por este microrganismo foram causados por cepas do tipo A. A enterotoxina deste agente é uma proteína associada aos esporos, por isso é produzida durante a esporulação das células da bactéria no TGI (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). O microrganismo é responsável por dois tipos diferentes de toxinfecção alimentar, sendo as cepas do tipo A causam a toxinfecção alimentar na forma clássica e as do tipo C causam a enterite necrótica bem mais grave. Os sintomas da forma clássica são dores abdominais agudas, diarreia com náuseas e febre, sendo vômitos raros entre 8 a 12 horas após a ingestão de alimento contendo número elevado de bactérias (106 a 107 células por grama de alimento ou mais). A duração dos sintomas é de 12 a 24 horas. Normalmente é um quadro brando, exceto em pessoas idosas ou imunodebilitadas, porém a ocorrência desta intoxicação é muito comum, em todas as partes do mundo (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). A verdadeira incidência do C. perfringens em intoxicações alimentares é desconhecida, pois, por ser uma doença relativamente branda, apenas surtos envolvendo grupos de pessoas são notificados e registrados. A taxa de mortalidade é muito baixa, e não provoca imunidade. A enterite necrótica, é rara e os sintomas são dores abdominais agudas, muito intensas, diarreia sanguinolenta, algumas vezes 47 vômitos, e inflamação necrótica do intestino delgado, sendo frequentemente fatal. Os casos descritos na literatura têm sido associados ao consumo de carne de porco malcozida (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). A intoxicação é causada por uma enterotoxina que aparece quando se forma o esporo de C. perfringens. A esporulação pode ocorrer excepcionalmente no alimento, mas este fenômeno ocorre principalmente no intestino. É pouco provável que a toxina pré-formada no alimento venha causar a intoxicação, uma vez que grandes quantidades de toxina (8 a 10 mg) são necessárias para o desenvolvimento dos sintomas. Além disso, a enterotoxina não resiste ao pH ácido do trato digestivo, nem à ação das enzimas digestivas. Desta forma, a intoxicação alimentar ocorre pela ingestão de alimentos contendo números elevados de células viáveis de C. perfringens, que esporulam no intestino delgado, liberando a enterotoxina durante este processo. A toxina é uma proteína, sendo destruída pelo aquecimento a 60°C por 10 minutos (FRANCO & LANDGRAF, 1996). A enterotoxigênese começa quando o agente se liga a uma ou mais proteínas receptoras das células epiteliais do TGI, iniciando uma série de alterações na permeabilidade da membrana que levam à morte das células por lise ou distúrbios do metabolismo (JAY, 2005). Este microrganismo faz parte da microbiota do solo, especialmente as cepas do tipo A, sendo comum também no conteúdo intestinal do homem e de muitos animais. Pode ser encontrado também na água, alimentos, poeira, especiarias entre outros. Sua ampla distribuição na natureza é devida aos esporos que C. perfringens produz, altamente resistentes às condições ambientais, e são transmitidos para as carnes diretamente pelo abate ou pela contaminação posterior por utensílios, manipuladores ou poeira, podendo resistir a condições adversas na matéria prima como dessecação, aquecimento e a ação de determinados compostos tóxicos. Esse microrganismo é facilmente isolado de alimentos, tanto crus quanto processados, especialmente em pratos à base de carne, e pratos preparados em um dia e consumidos no dia seguinte. O tratamento térmico dado a tais alimentos é supostamente inadequado para destruir os esporos termorresistentes. Em muitos países, o C. perfringens é o agente etiológico mais frequentemente isolado em surtos desta natureza (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). 48 4.3.3 GASTROENTERITE CAUSADA POR Bacillus cereus O Bacillus cereus é um bacilo Gram-positivo, aeróbio, mesófilo em sua maioria, com flagelos e produtor de esporos. Classificados como catalase positivo, todas as cepas são produtoras de hemolisinas (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Este gênero contém uma grande heterogeneidade, o que levou à formação de cinco grupos, contendo várias espécies, porém apenas dois patógenos: B. anthracis, causador da doença denominada antrax e B. cereus, agente da gastroenterite. Pesquisadores europeus confirmaram a síndrome gastroenterite por Bacillus cereus em 1950 (JAY, 2005). O B. cereus é o responsável por duas formas distintas de gastroenterite, a síndrome diarreica e a síndrome emética. A síndrome diarreica caracteriza-se por possuir um período de incubação variando entre 8 a 16 horas e seus principais sintomas são diarreia intensa com fezes aquosas, dores abdominais, tenesmos retais, raramente ocorrendo náusea e vômito e não há a presença de febre. A doença dura de 12 a 24 horas e tem como alimentos envolvidos pratos à base de cereais, vegetais crus e cozidos, produtos cárneos, pescados, massas, leite, sorvete, pudins à base de amido entre outros. A síndrome emética tem um período de incubação curto, sendo considerada mais grave e aguda, cerca de 1 a 5 horas, causando vômitos, náuseas e mal-estar geral, em alguns casos, diarreia com 6 a 24 horas de duração. Está quase que exclusivamente associada a alimentos farináceos, contendo cereais, principalmente arroz. Em temperatura ambiente os esporos, comuns em cereais, germinam, ocorrendo a multiplicação rápida das células vegetativas resultantes (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). Este microrganismo tem uma temperatura mínima de crescimento de aproximadamente 4ºC a 5ºC, com a máxima em torno de 48ºC a 50ºC; e quanto ao pH, foi observado crescimento na faixa entre 4,9 e 9,3. Os esporos possuem resistência ao calor típica de esporos de outros mesófilos. A maioria das cepas é capaz de produzir uma série grande de metabólitos extracelulares, dos quais alguns estão relacionados com seu mecanismo de virulência. Entre estes metabólitos destacam-se as toxinas diarreicas e eméticas, responsáveis pelas síndromes anteriormente citadas (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). 49 A toxina diarreica é uma enterotoxina de natureza proteica, termolábil, sendo destruída pelo aquecimento a 55°C por 20 minutos. A enterotoxina é produzida durante a fase logarítmica do crescimento bacteriano, e é responsável por causar hemólise, lise celular, dermonecrose, permeabilidade vascular e atividade enterotóxica. Cerca de 107 células/ml são necessárias para a demonstração da atividade tóxica, sendo a produção favorecida na faixa de pH 6,0 a 8,5. Por outro lado, a toxina emética não é tão conhecida quanto a diarreica; sabe-se que as linhagens que produzem essa toxina crescem no intervalo de 15ºC a 50ºC, com uma temperatura ótima entre 35ºC e 40ºC. Alguns estudos sugerem que a produção da toxina está relacionada com o processo de esporulação e não existem evidências suficientes sobre a produção simultânea das toxinas eméticas e diarreica por uma mesma cepa de B. Cereus (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). Este agente é largamente distribuído na natureza sendo o solo o seu reservatório natural, contaminando facilmente alimentos como vegetais, cereais, condimentos, etc., mas também pode ser encontrado na poeira e na água. Dentre os vegetais, destaca-se o arroz, que tem sido o alimento mais frequente, pois o microrganismo permanece associado com a planta durante todo o seu desenvolvimento. É encontrado também na superfície de carne bovina, suína e de frango, certamente devido à contaminação com o solo, além de ser um problema sério em laticínios. No Brasil, é encontrado em vários alimentos como queijos, farinhas, amidos, alimentos desidratados, carne moída, entre outros. O controle deve ser feito através do consumo de alimentos recém-preparados, com tratamento térmico eficiente como cozimento em vapor, sob pressão, fritura e/ou assar bem os alimentos, para destruir tanto células vegetativas quanto esporos. Cozimento em temperatura inferior a 100°C pode não ser eficaz para destruição de todos os esporos (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). 4.3.4 GASTROENTERITE ESTAFILOCÓCICA CAUSADA POR Staphylococcus aureus Os microrganismos deste gênero são cocos Gram-positivos, pertencentes à família Micrococcaceae, sendo visualizados no microscópio como cachos de uva. São 50 facultativos anaeróbios, com maior crescimento sob condições aeróbias, quando, então, produzem catalase. São bactérias mesófilas, e apresentam temperatura de crescimento entre 7°C a 47,8°C, as enterotoxinas são produzidas entre 10°C e 46°C, porém sua temperatura ótima está entre 40ºC e 45ºC. O microrganismo S. aureus foi o primeiro causador de doenças alimentares que teve sua patogenicidade determinada em 1930 por G. M. Dack e colaboradores. Os surtos de intoxicação alimentar são provocados por alimentos que permaneceram neste intervalo de temperatura por tempo variável, de acordo com a quantidade de microrganismos e temperatura de incubação. Em geral, quanto mais baixa for a temperatura, maior será o tempo necessário para a produção de enterotoxina. Em condições ótimas, a enterotoxina torna-se evidente em 4 a 6 horas (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). O S. aureus causa intoxicação provocada pela ingestão do alimento que contenha uma ou mais toxinas pré-formadas por algumas espécies e linhagens de estafilococos. Portanto, o agente causal não é a bactéria em si, mas várias toxinas (A, B, C1, C2, C3, D e E) produzidas por esta bactéria, conhecidas como enterotoxinas. O período de incubação de um surto varia de 30 minutos a 8 horas, sendo a média de 2 a 4 horas, após a ingestão do alimento contaminado. Os sintomas variam com o grau de suscetibilidade do indivíduo, concentração da enterotoxina no alimento e a quantidade consumida do alimento. Os principais sintomas da gastroenterite estafilocócica são náusea, vômito, cãibras abdominais geralmente bem dolorosas, diarreia e sudorese. Podem ocorrer ainda dores de cabeça, calafrios, queda de pressão arterial e, raríssimas vezes, febre, quando a quantidade de toxina ingerida é grande. Os sintomas duram de 24 a 48 horas e a doença não é fatal, a menos que o indivíduo esteja debilitado (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). O homem e os animais são os principais reservatórios de S. aureus. A cavidade nasal é o principal habitat dos estafilococos no homem e, a partir deste foco, atingem tanto a epiderme e feridas, como o ar, água, solo, leite, esgoto e qualquer superfície ou objeto que tenha entrado em contato com o homem. Os portadores nasais e os manipuladores de alimentos com mãos e braços que apresentem feridas infectadas com S. aureus; ou que realizem a manipulação inadequada sem os cuidados com a higiene, são importantes fontes de contaminação do alimento. A maioria dos animais domésticos abriga este agente, por exemplo, nos rebanhos leiteiros a mastite estafilocócica é bem conhecida, e a chance de contrair uma intoxicação alimentar 51 através do consumo do leite de animais contaminados, ou queijos fabricados com este leite, é alta (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Estas toxinas produzidas pelo agente são higroscópicas e facilmente solúveis em água e soluções salinas. São resistentes a várias enzimas (tripsina, quimiotripsina, renina, papaína) em valores de pH baixo. Os agentes podem multiplicar-se em um pH entre 4,0 e 9,8, mas sua faixa ótima está entre 6,0 e 7,0 e também são tolerantes a elevadas concentrações de sal (7 a 10% de NaCl). As toxinas, diferentemente dos microrganismos, são termorresistentes, sendo essa informação muito importante, pois a maioria dos alimentos processados sofrem algum tratamento térmico durante o processamento, no entanto uma vez contaminados por esta toxina, o processo térmico não será suficiente para destruí-la. Em relação à Aa os estafilococos são os únicos organismos capazes de crescer em valores menores que outras bactérias nãohalofílicas (0,83) (FRANCO & LANDGRAF, 1996, JAY, 2005). As enterotoxinas estafilocócicas são classificadas como superantígenos bacterianos, e são proteínas que ativam diferentes células do sistema imunológico do hospedeiro produzindo os sintomas. Apresentam várias ações: ação emética, diarreica, enterite e imunológica. A ação emética é a mais frequente neste tipo de intoxicação. Os sítios desta ação estão no intestino, e o estímulo é transferido através dos nervos vago e simpático ao centro do vômito, localizado no sistema nervoso central, que induz a retroperistaltia do estômago e intestino delgado provocando o vômito. A ação diarreica é o segundo sintoma mais comum, e o mecanismo não está elucidado, sendo diferente de outras diarreias. A ação que causa enterite não é facilmente observada (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). Após cessarem os sintomas, a pessoa acometida não possui imunidade comprovada a intoxicações recorrentes, e é natural que culturas de fezes possam ser negativas para a presença de S. aureus, tendo em vista ser esta doença causada pela ingestão da toxina pré-formada. A prova da intoxicação é estabelecida mediante a recuperação do agente nas sobras de alimentos suspeitos. A quantidade mínima de enterotoxina necessária para causar a doença em humanos é aproximadamente 20 nanogramas (ng) (JAY, 2005). A principal medida para controle desta doença é o treinamento dos manipuladores de alimentos em BPF, nas empresas que oferecem serviços de alimentação, evitando a contaminação durante a manipulação inadequada. Outras medidas de prevenção são o cozimento ou processamento do alimento, em 52 temperatura adequada (acima de 60ºC), logo após sua manipulação, destruindo microrganismos viáveis, prevenindo a proliferação e produção da toxina; manter os alimentos susceptíveis sob refrigeração, sendo o resfriamento rápido (abaixo de 4,4ºC) uma das medidas para prevenção e controle desta intoxicação; e, evitar preparar alimentos com muita antecedência ao momento do consumo, permanecendo os mesmos em faixa de temperatura de crescimento dos agentes por mais de 3 a 4 horas. Ao controlar os fatores que afetam o crescimento do microrganismo a produção da enterotoxina também será controlada, e consequentemente os surtos de intoxicação (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). Os casos notificados desta doença constituem somente uma pequena parcela do número total, contudo, estima-se que o número de casos de gastroenterite estafilocócica de origem alimentar esteja entre 1 milhão e 2 milhões por ano nos EUA. Os principais alimentos envolvidos com os surtos nos EUA são carne suína, produtos de confeitaria, carne bovina, peru, frango e ovos (JAY, 2005). 4.3.5 GASTROENTERITE CAUSADA POR Escherichia coli A E. coli é um bacilo Gram-negativo, não esporulado, fermentador de glicose com produção de ácido e gás, e em sua maioria, fermentador de lactose. Espécie predominante entre os diversos microrganismos anaeróbios facultativos que fazem parte da flora intestinal de animais de sangue quente, esse microrganismo pertence à família Enterobacteriaceae. Foi isolada e estudada pela primeira fez em 1885 durante uma tentativa de isolamento do agente da cólera, por Escherich, e em 1892 foi o primeiro microrganismo indicado a ser utilizado como um indicador de poluição fecal, devido a facilidade do isolamento e identificação quando comparado a outros patógenos presentes na água (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). O significado da presença de E. coli em um alimento deve ser avaliado sob dois ângulos. Inicialmente, E. coli, por ser uma enterobactéria, uma vez detectada no alimento, indica que esse alimento tem uma contaminação microbiana de origem fecal e, portanto, está em condições higiênicas insatisfatórias (FRANCO & LANDGRAF, 1996). 53 O habitat primário da E. coli é o trato intestinal de animais de sangue quente, e não é difícil de encontrar coliformes no ar, na poeira, nas mãos e em muitos alimentos. O problema não está simplesmente na presença dos coliformes, mas sim no seu número relativo, ou seja, se a matéria prima já estiver com a presença destes agentes, mas for processada e manipulada corretamente, a quantidade final de contaminação tende a ser baixa. Uma quantidade baixa de coliformes, não tem significância do ponto de vista de saúde pública, pois sabe-se que por mais que seja indesejável a presença no alimento, a eliminação total desses microrganismos em alimentos frescos e refrigerados é praticamente impossível, sendo adotados critérios e padrões por agências de regulamentação como a International Comission on the Microbiological Specification for Foods (ICMSF) – Comissão Internacional sobre Especificação Microbiológica para Alimentos; para várias classes de alimentos (JAY, 2005). O outro aspecto a ser considerado é que diversas linhagens de E.coli são comprovadamente patogênicas para o homem e para os animais, causando nos homens a infecção e a toxinfecção alimentar. Com base nos fatores de virulência, manifestações clínicas e epidemiologia, as linhagens deste agente são agrupadas em 5 classes: enteropatogênica; enteroinvasora; enterotoxigênica; entero-hemorrágica e enteroagregativa (FRANCO & LANDGRAF, 1996). A Escherichia coli Enteropatogênica (EPEC) é um importante microrganismo causador de gastroenterite em crianças, sendo os mais susceptíveis os recémnascidos e os que estão em fase de amamentação. Os sintomas são diarreia grave, dores abdominais, vômitos e febres, com duração em média de 24 horas e com período de incubação de 36 horas em média. O mecanismo de ação deste agente está associado com a capacidade de adesão à mucosa do intestino e à destruição das microvilosidades das células epiteliais intestinais, e não há produção de enterotoxinas. A maior ocorrência deste patógeno é em países subdesenvolvidos, principalmente os localizados em zona tropical, causando índices de mortalidade altos em crianças. No Brasil a EPEC é responsável por aproximadamente 30% dos casos de diarreia aguda em crianças com idade inferior a 1 ano (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). 54 TABELA 5 -- PADRÃO MICROBIOLÓGICO SANITÁRIO PARA ALGUNS ALIMENTOS Alimento Microrganismo Tolerância para amostra indicativa Salmonella spp./25g Ausente Coliformes a 45ºC/g 104 Coliformes a 45ºC/g 104 Carnes cruas preparadas de bovinos, Coliformes a 45ºC/g 104 suínos e outros mamíferos, refrigeradas; Salmonella spp./25g Ausente Coliformes a 45ºC/g 5x103 Salmonella spp./25g Ausente Staphylococcus aureus/g 5x103 Clostridium perfringens/g 5x103 Coliformes a 45ºC/g 102 Salmonella spp./25g Ausente Staphylococcus aureus/g 5x103 Clostridium perfringens/g 103 Bacillus cereus/g 5x103 Produtos à base de carnes, pescados e Coliformes a 45ºC/g 102 similares crus (quibe cru, sushi e Staphylococcus aureus/g 5x103 sashimi, etc.) Salmonella spp./25g Ausente Carne moída de bovinos, suínos e outros mamíferos Carne resfriada ou congelada, “in natura” de aves Carnes cruas preparadas de aves, refrigeradas; congeladas ou temperadas congeladas ou temperadas Hambúrguer cru, refrigerado ou congelado Sanduíches frios e similares FONTE: ANVISA, 2001 - MODIFICADA A linhagem denominada Escherichia coli Enteroinvasiva (EIEC) é constituída por cepas capazes de penetrar nos enterócitos do cólon onde ocorre a multiplicação destes agentes, modificando o endoesqueleto destas células, levando ao rompimento e liberação destes microrganismos que invadirão células vizinhas e assim sucessivamente, não ocorrendo a produção de enterotoxinas. Os sintomas característicos da EIEC são disenteria com eliminação de muco e sangue juntamente com as fezes, cólicas abdominais, febre e mal-estar geral. A incubação deste agente ocorre em média dentro de 18 horas. Acomete crianças mais velhas e adultos, e sua ocorrência está relacionada com o consumo de água e/ou alimentos contaminados, 55 entretanto, acredita-se que seja mais comum através do contato interpessoal (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Os microrganismos que compõem a linhagem Escherichia coli Enterotoxigênica (ETEC), possuem a capacidade de produzir enterotoxinas após aderirem à mucosa do intestino delgado. A adesão e colonização destes agentes são mediadas por estruturas proteicas denominadas fatores de colonização, descritos como espécieespecífico, ou seja, os fatores da ETEC humana só são encontrados em ETEC causadora de diarreia no homem; assim como a ETEC causadora de diarreia em suínos possuem fatores de colonização específicas da ETEC de suínos. A doença caracteriza-se pela diarreia aquosa, acompanhada de febre baixa, dores abdominais e náuseas. Em sua forma mais severa assemelha-se à cólera, com fezes aquosas, lembrando água de arroz, que leva o indivíduo acometido à desidratação. Em formas mais leves, como no caso da diarreia do viajante, normalmente é auto limitante, não sendo necessária a intervenção médica. A ETEC é normalmente causadora de diarreia em países subdesenvolvidos, sendo endêmica nos locais com saneamento básico precário, atingindo pessoas de todas as faixas etárias. É um dos principais agentes da chamada diarreia do viajante, acometendo indivíduos que se locomovem de áreas desenvolvidas para regiões com problemas de saneamento básico. Em humanos adultos, foi estimado que sejam necessárias 108 a 1010 unidades formadoras de colônia (UFC) para provocar diarreia nas pessoas acometidas (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). A Escherichia coli entero-hemorrágica (EHEC) possui dois sorotipos, o O157:H7, agente etiológico da colite hemorrágica, e o O26:H11. Estas cepas têm a propriedade de produzir citotoxinas que agem inibindo a síntese proteica dos enterócitos localizados no intestino grosso (cólon), alterando o citoesqueleto das células epiteliais da mucosa intestinal, levando a destruição das microvilosidades, com a eliminação de sangue nas fezes. Os sintomas incluem dores abdominais severas e diarreia aguda, seguida de diarreia sanguinolenta, em grande quantidade, porém sem febre. O período de incubação é em média de 4 dias e a duração da doença é de 2 a 9 dias. O quadro pode evoluir ainda para uma doença grave chamada síndrome urêmica hemolítica (HUS). A doença causada por EHEC está diretamente ligada ao consumo de alimentos de origem animal, principalmente carne bovina, pois o gado é um reservatório natural. A colite hemorrágica foi relatada como doença de origem alimentar pela primeira vez em 1982, onde as vítimas consumiram sanduíches com 56 carne de gado moída malcozida em um restaurante de fast-food. Acredita-se que a dose infectante seja 10 UFC (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Finalizando a espécie Escherichia coli, a linhagem Enteroagregativa (EaggEC) foi recentemente descrita e poucos dados estão disponíveis. Possui um modelo único de adesão intestinal, ocorrendo principalmente no cólon, não sendo observada no íleo ou no duodeno. Relatos indicam a produção de toxinas termicamente resistente, porém diferindo genética e imunologicamente das cepas da ETEC. Esse agente interfere no metabolismo celular do enterócito, com ação na absorção de sais e eletrólitos, associando-se a casos crônicos de diarreia, acima de 14 dias, especialmente em crianças, no entanto sua ocorrência em alimentos ou em casos de surtos alimentares ainda não foi relatada (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). Para prevenir surtos com este agente, deve-se levar em consideração a sensitividade térmica desses organismos, deste modo, podemos evitar surtos se os alimentos forem cozidos apropriadamente, ou seja, acima de 60ºC por no mínimo 15 segundos. Além disso, uma vez os alimentos cozidos, evitar armazenar entre 4,4ºC e 60ºC por mais de 3 a 4 horas. Os cuidados com a correta manipulação também são extremamente importantes (JAY, 2006). 4.3.6 GASTROENTERITE CAUSADA POR Salmonella spp. O gênero Salmonella spp. pertence à família Enterobacteriaceae e compreende bacilos Gram-negativos não esporulados, são capazes de crescer em diversos meios de cultura, formando colônias visíveis em 24 horas, a 37ºC. As salmonelas geralmente fermentam glicose produzindo gás. São anaeróbios facultativos e a maioria é móvel, o pH ótimo de crescimento é o próximo da neutralidade, sendo considerados bactericidas valores acima de 9,0 e abaixo de 4,0, e a faixa ótima entre 6,6 e 8,2. As temperaturas mais baixas observadas para o crescimento foram 5,3ºC e as mais altas foram 45ºC (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). Existem várias formas de classificação deste agente, sendo o esquema proposto por Kauffmann-White, o qual contém os agentes mais frequentemente associados à infecção humana, o mais aceito pelos estudiosos. Porém, algumas mudanças ocorreram na taxonomia da Salmonella, e embora cientistas microbiologistas de 57 alimentos e epidemiologistas considerem os 2.324 sorovares como se cada um fosse uma espécie, todas as salmonelas foram agrupadas em apenas duas espécies, a S. enterica e a S. bongori, e 2.000 ou mais sorovares foram divididos em cinco subespécies ou grupos, muitos dos quais classificados como S. enterica. Essas mudanças se basearam em testes com ácido desoxirribonucleico (DNA) e enzimas das salmonelas. Desse modo, a forma existente há muito tempo de tratar sorovares de Salmonella como espécies não é mais válida. Por exemplo, S. typhimurium deve ser referenciada como S. enterica sorovar Typhimurium, ou Salmonella Typhimurium/ Salmonella Typhi (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). O habitat primário da Salmonella spp. é o trato intestinal de animais, como pássaros, répteis, animais de granja, homem e ocasionalmente insetos; porém o agente pode ser encontrado em outras partes do corpo dos seus hospedeiros. Como forma intestinal, os microrganismos são excretados nas fezes, das quais podem ser transmitidos por outros organismos vivos como insetos, para um grande número de localidades, como a água e alimentos, por exemplo. Quando a água contaminada ou o alimento contaminado com Salmonella spp. são consumidos por pessoas, ou outros animais, esses microrganismos passam a ser excretados no material fecal deste hospedeiro, continuando o ciclo. O aumento deste ciclo por meio da navegação internacional de animais e de alimentos é, em grande parte, responsável pela distribuição mundial das Salmonellas spp. (JAY, 2005). Para propósitos epidemiológicos, as salmonelas podem ser distribuídas em três grupos: as que infectam somente o homem (S. Typhi, S. Paratyphi A, S. Paratyhi C); os sorovares adaptados ao hospedeiro, sendo alguns sorovares patógenos humanos (S. Gallinarum; S. Dublin; S. Abortus-equi; S. Abortus-ovis e S. Choleraesuis) e os sorovares não adaptados (sem preferência por hospedeiro). As doenças causadas por estes microrganismos costumam ser subdivididas em três grupos: a febre tifoide, causada por Salmonella Typhi; as febres entéricas, causadas por Salmonella Paratyphi; e as enterocolites (ou salmoneloses), causadas pelas demais salmonelas (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). A infecção alimentar causada por Salmonellas spp. ocorre através da ingestão de alimentos que contenham números significativos de sorovares não-hospedeiroespecíficos deste gênero. Os sintomas surgem em torno de 12 a 14 horas após a ingestão dos alimentos, e consistem em náuseas, vômitos, dores abdominais, dor de cabeça, calafrios, diarreia, fraqueza, fadiga muscular, febre moderada, nervosismo e 58 sonolência, persistindo por 2 a 3 dias. Embora esses microrganismos sejam eliminados rapidamente do trato intestinal, mais de 5% dos pacientes tornam-se portadores após curar a doença (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). A febre tifoide acomete o homem e normalmente é transmitida por água e alimentos contaminados com material fecal humano. Os sintomas são graves e incluem septicemia, febre alta, diarreia e vômitos (FRANCO & LANDGRAF, 1996). As febres entéricas são semelhantes à febre tifoide, mas os sintomas são mais brandos. Enquanto a febre tifoide pode durar de 1 a 8 semanas, as febres entéricas duram até 3 semanas, sendo seus principais meios de contaminação a ingestão de água e/ou alimentos contaminados, em especial leite cru, vegetais crus, mariscos e ovos (FRANCO & LANDGRAF, 1996). As salmoneloses, por sua vez, caracterizam-se por sintomas que incluem diarreia, febre, dores abdominais e vômitos; e aparecem em média 12-36 horas após a ingestão do agente, durando cerca de 1 a 4 dias. Nas crianças e recém-nascidos a salmonelose pode ser bastante grave, principalmente se atingir a corrente circulatória, e em adultos a gravidade só ocorre se estiver concomitante com outras doenças (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Os fatores de virulência das Salmonellas spp. podem agir sinergicamente ou individualmente. As infecções iniciam na mucosa do intestino delgado e cólon; atravessam a camada epitelial intestinal, alcançam a lâmina própria e ali se proliferam. Se o agente permanece na lâmina própria gera a doença chamada enterocolite. No entanto pode ocorrer de os agentes serem fagocitados pelos monócitos e macrófagos, resultando em uma resposta inflamatória do sistema reticuloendotelial. Além disso, as Salmonellas spp. podem chegar à corrente sanguínea e se disseminar por todo o organismo resultando em septicemia, infecção sistêmica e atingindo vários órgãos. A resposta inflamatória do sistema reticuloendotelial está relacionada com a liberação de prostaglandinas, resultando em um aumento de secreção de água e eletrólitos, provocando diarreia aquosa (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Dentro dos macrófagos os agentes S. Typhi se multiplicam e acabam por destruí-los; liberando inúmeras bactérias na corrente sanguínea, podendo atingir diversos órgãos como o fígado, baço, vesícula biliar, etc. Dentro dos macrófagos os agentes estão protegidos da ação dos antibióticos, necessitando de um longo tratamento para ser efetivo. O reservatório da Salmonella Typhi é o homem, e algumas pessoas podem se tornar portadores assintomáticos, sendo a principal fonte de 59 contaminação de água e alimentos, através de maus hábitos de higiene e saneamento básico precário. A S. Typhimurium é caracterizada por sua resistência a vários antibióticos – ampicilina, cloranfenicol, estreptomicina, sulfa, tetraciclina trimetoprima e fluoroquinolonas (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). O estabelecimento dos sintomas e da gravidade das doenças associadas à Salmonella spp. depende de vários fatores, muito além da quantidade ingerida deste agente. Varia conforme o sorotipo do agente envolvido, da competência dos sistemas de defesa inespecíficos e específicos de cada indivíduo afetado e das características do alimento envolvido. Sobre as características do alimento, sabe-se que alimentos com elevado teor lipídico acabam protegendo as bactérias dentro dos glóbulos de gordura, dificultando a ação das enzimas digestivas e a acidez gástrica neste agente; exigindo doses infectantes muito menores para desencadear a doença (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Em diversos países, incluindo o Brasil, os surtos de doenças de origem alimentar envolvem o agente Salmonella spp. Na Inglaterra e países vizinhos, 90% dos casos são originados por este agente; e os países EUA, Canadá e Japão indicam que os relatos de ocorrência de salmonelose aumentam a cada ano. O sorotipo S. Typhimurium é o mais comumente encontrado nos alimentos, e no Brasil um levantamento indicou que os sorotipos mais frequentemente encontrados no homem, alimentos e amostras ambientais são S. Typhimurium, S. Agona, S. Anatum e S. Oranienburg. O CDC nos EUA indica que cerca de 40.000 casos ocorrem a cada ano, com cerca de 500 mortes (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). O trato intestinal do homem e de animais é o principal reservatório natural das Salmonellas spp., e por isso são amplamente distribuídas pela natureza. As aves (galinhas, perus, patos, gansos, entre outros) são os reservatórios mais importantes, pois podem ser portadores assintomáticos, excretando continuamente estes microrganismos pelas fezes. Os suínos, bovinos, equinos e animais silvestres (roedores, anfíbios e répteis) também podem apresentar. Os animais domésticos (cães, gatos, pássaros, etc.) podem ser portadores do agente, representando um grande risco, especialmente para as crianças (FRANCO & LANDGRAF, 1996). Os surtos alimentares causados por Salmonella spp. envolvem os mais variados tipos de alimentos, porém carnes em geral, especialmente a de aves é um dos alimentos mais frequentemente envolvidos. Os produtos derivados de ovos mais envolvidos incluem saladas à base de ovos, sorvetes e sobremesas de fabricação 60 caseira; e nestes o sorotipo S. Enteritidis é o mais encontrado (FRANCO & LANDGRAF, 1996). O calor é uma das formas mais eficientes para a destruição do agente nos alimentos. No entanto cada sorotipo possui uma determinada resistência ou não às temperaturas elevadas; e além do sorotipo, a composição do alimento é muito importante e pode afetar significativamente a resistência do agente. De modo geral todas as salmonelas são destruídas em temperaturas de pasteurização do leite, e em produtos de padaria, foi constatado que ao alcançar a temperatura de 71,1ºC ou mais, podem ser considerados livres de Salmonella spp. (FRANCO & LANDGRAF, 1996; JAY, 2005). O portador de Salmonella spp. tem um papel importante, pois a preparação inadequada e a manipulação de alimentos em residências e em estabelecimentos de alimentação continuam sendo os principais fatores causais de infecções alimentares (JAY, 2005). 4.4 MANIPULADORES DE ALIMENTOS Os manipuladores de alimentos possuem fundamental importância na higiene e sanidade dos produtos de origem animal e vegetal, uma vez que os alimentos podem ser contaminados durante as fases de processamento, armazenamento, preparação e distribuição. Devido ao contato direto, os manipuladores tornam-se fonte potencial de contaminação caso ocorram falhas no processo de preparo, podendo gerar de casos esporádicos a surtos de doenças de origem alimentar. É essencial o controle das condições higiênico sanitárias em todas as etapas do ciclo alimentar, proporcionando um alimento de boa qualidade (BRAGA, 2009). Segundo dados do Instituto Pan Americano de Proteção de Alimentos e Zoonoses (INPPAZ) 40% das DTAs notificadas nos países da América Central e América do Sul, são originadas durante o preparo, ou seja, durante a manipulação (PAA, 2004). 61 FIGURA 10 – MANIPULADOR DE ALIMENTOS FONTE: OLIVEIRA, 2015. A bactéria Staphylococcus aureus por exemplo, está presente em cerca de 30% da população humana saudável nas cavidades nasais e na pele. Os portadores nasais podem, por meio das mãos, desempenhar papel importante na disseminação do microrganismo, principalmente através de alimentos por eles manuseados, como é o caso dos manipuladores de alimentos. No entanto, a presença de microrganismos na pele pode ser reduzida pela lavagem com água e detergente (GAZOLA et al, 2009). Maki (1978), estudando a veiculação microbiana pelas mãos, verificou que 11% do pessoal amostrado transportava o agente S. aureus, sendo este carreamento tipicamente transitório. Em um estudo realizado em estabelecimentos comerciais em Araraquara/SP com 48 manipuladores de alimentos, foram coletados materiais das fossas nasais e das mãos, e os resultados demonstraram que 62,5% dos manipuladores apresentavam o agente (RADDI, 1988). Outro estudo realizado em Belo Horizonte/MG coletou amostras da mucosa nasal de 49 manipuladores de alimentos que atuavam em restaurantes e o resultado demonstrou que 24,5% dos manipuladores eram portadores do agente S. aureus (GAZOLA et al, 2009). Existe uma deficiência no processo de higienização das mãos dos 62 manipuladores de alimentos, o que representa um perigo à Saúde Pública e evidencia a necessidade de treinamentos periódicos, visando a produção de alimentos de qualidade ao consumidor e evitando a ocorrência de surtos de origem alimentar devido o descuido durante a manipulação de alimentos (BRAGA, 2009). Assim como o S. aureus todos os microrganismos citados nesta revisão podem ser transmitidos aos alimentos através do manipulador, sendo de vital importância os treinamentos contínuos deste profissional. De acordo com a Comissão do Codex Alimentarius, as pessoas envolvidas direta ou indiretamente na manipulação de alimentos devem ser conscientizadas de sua responsabilidade na proteção de alimentos contra a sua contaminação e consequente deterioração (FAO, 2006). Mcintyre (2013) comprovou, através de seus estudos, que os manipuladores de alimentos treinados em segurança alimentar mostraram melhores técnicas em lavagem das mãos e atitudes quando comparados aos manipuladores que não receberam esse treinamento. Por outro lado, em um trabalho realizado por Cunha (2014), demonstrou que embora os autores tenham verificado que o treinamento aumentou o conhecimento em segurança dos alimentos, não observaram diferenças entre as práticas relatadas e as práticas observadas. Os funcionários, apesar de participarem várias vezes das capacitações, geralmente resistem a aplicar os conhecimentos, pois não acreditam nos efeitos dos microrganismos e consideram alguns cuidados recomendados como desnecessários (BAESSE, 2006). Após a realização de estudo com manipuladores de alimentos participantes de um curso de capacitação em “Boas Práticas na Manipulação de Alimentos”, em Araraquara/SP, onde foram avaliados 134 participantes com aplicação de questionário, no início e ao final do curso, abordando higiene pessoal e ambiental, controle de temperatura, contaminação dos alimentos e DTAs; constatou-se que houve maior proporção de respostas corretas em todos os temas (GUILHERME & CATANOZI, 2009). 63 FIGURA 11 – MANIPULADOR DE ALIMENTOS EM ÁREA DE AÇOUGUE FONTE: CARMONA, 2015. Em São José dos Campos/SP foi avaliado o grau de conhecimento de 19 manipuladores, através da aplicação de questionários antes e após o treinamento, e a porcentagem de acerto após o treinamento subiu de 53,7% para 70%. Juntamente com este estudo, foi realizado o monitoramento microbiológico para avaliar o nível de contaminação das mãos dos manipuladores antes e após o aprendizado sobre correta higienização de mãos e uso de álcool gel. A prevalência de colonização das mãos dos profissionais com Staphylococcus foi de 60% e E.coli 14%, outros microrganismos 26%; e após a utilização dos conhecimentos adquiridos no curso a porcentagem de redução das colônias foram de 76,27% para a metodologia de isolamento geral e 100% na metodologia dos coliformes fecais (ASHIBE et al, 2009). Braga (2009) avaliou as mãos de 10 manipuladores de alimentos do setor de açougue para contagem de microrganismos mesófilos aeróbios e coliformes a 35ºC e 45ºC, tendo como resultado todas as amostras positivas para coliformes a 35ºC e 6 amostras positivas para coliformes a 45ºC (60%). Neste mesmo grupo foi realizada a avaliação dos conhecimentos dos profissionais através de questionários, e com os resultados concluiu-se que não existe treinamento constante ou este não é eficaz. Com todos estes resultados de diferentes autores, ficou demonstrado que as mãos dos manipuladores de alimentos são uma importante via de transferência de microrganismos de importância clínica, patogênicos ou não. E a capacitação dos 64 manipuladores de alimentos é muito importante para a redução dos riscos de transmissão de doenças veiculadas por alimentos, além de formar profissionais aptos ao exercício da profissão (ASHIBE, 2009; GUILHERME & CATANOZI, 2009). Salienta-se que, as capacitações para manipuladores de alimentos devem abordar as DTAs e a sua prevenção, uma vez que, a manipulação inadequada é um dos principais fatores responsáveis pela contaminação dos alimentos, e consequente surgimento de DTAs. Uma das formas de se evitar a transmissão de infecções entéricas é através de uma lavagem de mãos efetiva, e o aprendizado da forma correta de lavagem das mãos deve fazer parte dos treinamentos (GREIG e LEE, 2009; FORSYTHE, 2000; HOBBS & ROBERTS, 1999; MANNING, 1994). Assim como na literatura consultada, a empresa onde foi realizado o estágio curricular, enfrenta inúmeras dificuldades quanto aos funcionários contratados. Os problemas envolvem dificuldade de mão de obra qualificada; educação básica precária dos candidatos; alta rotatividade nos setores, dificultando o treinamento dos funcionários manipuladores; aumento na demanda de trabalho e insatisfação dos funcionários devido ao quadro de funcionários sempre estar desfalcado, entre outros. A empresa que conta hoje com cerca de 11.000 colaboradores possui um amplo quadro de profissionais exercendo a função de manipulação de alimentos, sendo direta ou indiretamente; e uma produção diária de alimentos manipulados expressiva. Além dos funcionários da rede, a empresa possui promotores prestando serviços diretos de manipulação, que são funcionários de empresas fornecedoras de matérias-primas. Por não serem funcionários do quadro fixo da empresa, estes colaboradores não participam de alguns treinamentos, como o fornecido para funcionários novos, sobre manipulação de alimentos. Percebe-se certa deficiência com treinamentos dos promotores por parte das empresas contratantes. Com todos estes fatores observados durante o período de estágio foi possível perceber que os diversos riscos mencionados nesta revisão pela manipulação inadequada, estão presentes, e por esse motivo, os treinamentos ministrados pela equipe de HSA são de extrema importância para estes profissionais. Dentro do período do estágio foi possível participar de várias palestras e treinamentos com objetivo de instruir os manipuladores de alimentos contratados pela rede. A empresa possui vários treinamentos no decorrer do ano. Todo os funcionários novos, ao entrarem na empresa, participam de uma palestra sobre manipulação de alimentos. Posteriormente ocorre a programação de treinamentos específicos para as 65 equipes que trabalham com alimentos perecíveis, incluindo manipuladores diretos e indiretos, sobre boas práticas de fabricação, focando em cada equipe, de cada filial, as principais dificuldades e pontos críticos das atividades diárias. Além do treinamento de boas práticas de fabricação, a empresa oferece os cursos de DTAs, no qual o enfoque é chamar a atenção dos manipuladores para os riscos que a manipulação inadequada oferece aos consumidores dos produtos por ele produzidos, na transmissão de doenças. Outros cursos de curta duração também são ministrados conforme exposto na descrição das atividades do estágio curricular. Além dos cursos ministrados, orientações semanais sobre as atividades exercidas pelos funcionários são repassadas pelas RTs da equipe de HSA. Estas orientações ocorrem durante as visitas técnicas e são repassadas aos colaboradores diretamente, aos encarregados dos setores e aos gerentes responsáveis pelos setores de perecíveis. As orientações são verbais, e posteriormente encaminhadas via e-mail, e os encarregados dos setores ficam responsáveis por repassar estas orientações aos funcionários que não estavam presentes neste dia e horário, ou imprimir estas orientações e deixar em edital nos respectivos setores. O entendimento sobre a percepção de risco é primordial para o êxito do programa de capacitação em inocuidade de alimentos e para a elaboração de normas em higiene alimentar (KNOX, 2000). As crenças e práticas de manipuladores de alimentos em relação à segurança dos alimentos foram investigadas por Clayton (2002) onde foi observado que os manipuladores tinham conhecimento dos procedimentos que deveriam realizar; contudo, identificavam obstáculos que os impediam de colocá-los em prática, tais como falta de tempo, de pessoal e de recursos. Assim, embora 95% dos respondentes tivessem recebido capacitação em higiene de alimentos, 63% admitiram não colocar em prática. Ademais, todos os manipuladores tinham a percepção de que seu trabalho oferecia baixo risco à saúde dos consumidores, ainda que todos preparassem alimentos de alto risco. 66 FIGURA 12 – EXEMPLO DE MANIPULADOR DE ALIMENTOS EM INCONFORMIDADE: UNIFORME INCOMPLETO E PRESENÇA DE BARBA FONTE: LAGOA VERMELHA, 2014. 5 CONCLUSÃO O estágio curricular é um período de extrema importância na vida acadêmica pois fornece o conhecimento prático que aliado ao conhecimento teórico forma um profissional qualificado. A vivência profissional dentro de uma rede de comércio varejista como o supermercado pode demonstrar o importante papel do Médico Veterinário como responsável técnico, e a diferença que a presença deste profissional faz na saúde pública. Suas atividades de fiscalização e orientação da manipulação dos alimentos, administrando treinamentos, entre outras ações, diminui os riscos de contaminação e agrega qualidade aos produtos oferecidos pelas empresas alimentícias. Os consumidores exigem cada vez mais qualidade nos produtos e serviços oferecidos na área de alimentação. A percepção dessa postura dos clientes pelos 67 gestores dos estabelecimentos traz o reconhecimento de que a qualidade em termos higiênico-sanitários está relacionada com a redução de perdas da empresa e o aumento da credibilidade junto aos seus clientes, e com isso há o reconhecimento da atuação do Médico Veterinário nestes fatores. As evidências epidemiológicas citadas neste trabalho sugerem que os manipuladores de alimentos constituem uma permanente preocupação para as empresas fornecedoras de alimentos, sendo imprescindível a adoção de programas de treinamento em higiene e segurança alimentar, e tendo em vista à manipulação de produtos de origem animal e a presença de um serviço de inspeção nos estabelecimentos, a atuação do Médico Veterinário é insubstituível. Ao demonstrar a atuação, em redes supermercadistas, do profissional graduado em Medicina Veterinária, o estágio curricular proporcionou a experiência única de unir a capacidade de gerar desenvolvimento através dos conhecimentos do mundo acadêmico com as necessidades destas empresas. 68 REFERÊNCIAS ABRAS. Associação Brasileira de Supermercados. Disponível em: < http://www.abras.com.br/clipping.php?area=31&clipping=50443> Acesso em 02/05/2015. AGUIAR, S.F.B. Análise comparativa sobre importação de alimentos entre o Brasil e o Japão. 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