PERSPECTIVAS CORREIO DO POVO - 24 e 25 de dezembro de 2002 FOTOS AFP / CP Cada vez mais reduzido, o poder de compra do consumidor dá uma percepção de inflação superior à dos índices oficiais Fome Zero tem apoio de instituições financeiras internacionais, como o BID, presidido por Enrique Iglesisas 5 & imagens Economia: ‘O BRASIL SE TORNOU REFÉM DO MERCADO’ O deputado federal Antônio Delfim Netto (PPB-SP) apoiou a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno das eleições movido por uma certeza. “O país precisava mudar”, declara. Aos 74 anos, o paulistano Delfim, eleito para o quinto mandato consecutivo – começou na Câmara em 1987, como deputado constituinte –, ex-ministro da Fazenda, da Agricultura e do Planejamento nos governos militares, justifica a sua escolha explicando que o presidente Fernando Henrique Cardoso fez um governo anticrescimento e levou o Brasil a se tornar um refém do mercado. Mesmo otimista em relação ao governo Lula, o parlamentar prevê dificuldades. A primeira delas: inflação. “O Banco Central foi leniente no processo eleitoral, quando deveria ter puxado os juros. Não o fez porque, naquele momento, isso prejudicaria o candidato da situação. Agora estamos colhendo os frutos”, assinala. Ele afirma que é uma brincadeira perigosa criar terrorismo sobre a volta da inflação, embora isso não deixe de ser verdade na opinião dele. Para Delfim, o risco está na credibilidade do regime. Segundo ele, o sistema de metas permite à sociedade acreditar que a inflação convergirá para 4%, por exemplo. Na medida em que se consolida essa crença, não só a meta se firma, mas a variância das expectativas em torno da média diminui. Ela passa então a ser usada como uma padrão na correção de salários e nos preços, organizando as expectativas. Professor emérito da Faculdade de EconoDelfim mia, Administração e Contabilidade da USP, o pepebista afirma que o PT não terá muita margem de manobra na política econômica e estima um crescimento baixo do Produto Interno Bruto (PIB) em 2003, primeiro ano da administração petista. “Não é o governo que produz o crescimento, que é promovido pelo setor privado, justamente aquele que o governo espolia”, pondera. Na opinião dele, é por isso que o crescimento foi tão baixo nos últimos anos. Delfim acredita que, se houver alguma expansão, será algo bem modesto, com alguns setores em melhor situação do que outros, entretanto com um efeito muito pequeno. O ex-ministro salienta ainda que Lula terá de domar o PT. “Quem ganhou a eleição foi ele. O PT é um contrabando no processo eleitoral e entenderá isso com toda a clareza.” Para Delfim, trata-se de uma sigla hierarquicamente definida e disciplinada, cujos melhores quadros estarão no Palácio do Planalto: José Dirceu, Antônio Palocci, Luiz Dulci e Luiz Gushiken. Para o deputado, o presidente eleito tem personalidade forte e saberá lidar com os radicais petistas. Delfim garante que a “fantástica intuição” de Lula o levou a colocar o combate à fome como o centro da agenda da administração, estratégia com vantagens em dois campos. No âmbito externo, tem apoio entusiasmado de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID); no âmbito interno, ganha tempo para agir enquanto busca condições de uma retomada do crescimento da economia. “Ele impôs uma agenda, com a qual ganha tempo, porque as pessoas perceberão que não crescemos tanto, mas que melhorou a condição social no país. Eliminar a fome é tão ou mais importante do que crescer rapidamente.” Delfim reserva uma severa avaliação a respeito do governo que termina. “O presidente é um homem decente, com uma retórica extraordinária, mas o seu governo foi um desastre”, frisa. Para o ex-ministro, se Fernando Henrique Cardoso tivesse empregado, em qualquer reforma, um quinto do esforço que despendeu pela reeleição, as mudanças sairiam sem o menor problema. “Mas o governo não terminou as reformas pretendidas”, Netto destaca o ex-ministro. Ele afirma que voltar ao crescimento significa ter um governo com esse viés. “A gestão de FHC teve um anticrescimento, assim como teve antes um antiexportador.” Na análise de Delfim, o governo e o mercado construíram a atual dívida interna, o enorme déficit nas contas correntes e a política que deixou o Brasil prisioneiro do mercado. “Se o mercado tivesse se recusado a financiar o buraco das contas correntes, por exemplo, ele teria se extinguido. O mercado tem ciclos de entusiasmo, em que expande o crédito” diz. “Um governo irresponsável toma e o banqueiro empresta. Quando se inverte a roda, o governo quebra e o banqueiro recebe o seu”, alerta. “Não é o governo que produz crescimento e sim o setor privado.” Preocupação com a fome ressaltada pelo presidente eleito dá uma mensagem aos eleitores: eliminar o problema é mais importante que o rápido crescimento econômico AE / CP Escolha de Henrique Meirelles (E) para dirigir o Banco Central indica que a política monetária não terá alterações radicais