Delfim Netto

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Delfim Netto, Antônio. “Economia política.” São Paulo: Folha de São
Paulo, 13 de outubro de 1999.
FSP 13-10-99
ANTONIO DELFIM NETTO
Economia política
É incrível o arsenal de desculpas que os "nouveaux économistes"
inventaram para rejeitar qualquer idéia que tenda a acelerar o processo
de crescimento econômico. Consideram-se portadores de uma verdadeira
"ciência econômica", capaz de provar "matematicamente" que basta o Estado
retirar-se da cena e o setor privado ser induzido a operar o "moderno"
liberalismo-internacional-anárquico
para
que
o
mercado
crie,
espontaneamente, uma ordem natural capaz de produzir o máximo de bemestar com o máximo de liberdade.
Adam Smith, numa larga medida o criador do particular tipo de
conhecimento que no século 18 costumava chamar-se economia política e
que, para adquirir status científico, começou a se chamar no século 20 de
teoria econômica, nunca imaginou tal evolução. Ele escreveu um belo e
interessante ensaio sobre a história da astronomia que se encerra com sir
Isaac Newton organizando, matematicamente, os corpos celestes. Se
suspeitasse
que
seus
ensinamentos
pudessem,
um
dia,
terminar
gloriosamente organizando a vida econômica com sir Isaac, teria
abandonado os seus cursos de filosofia moral em Glasgow e se dedicado ao
cálculo dos "fluxions"... Por que essa estranha divagação pelo mundo
smithiano?
A resposta é simples: a teoria econômica moderna pretende ser
"neutra" em relação ao crescimento econômico. O desenvolvimento se produz
(ou não) "espontaneamente": não existe a história (o passado e
instituições
que
restringem
o
presente)
nem
geografia
(a
base
territorial, demográfica e distâncias), o que é, exatamente, a negação da
lição de Adam Smith. Ele criou duas metáforas no seu primeiro livro,
"Teoria dos Sentimentos Morais" (1759): o "espectador imparcial" e a "mão
invisível". A segunda ele fez clássica no livro seguinte, "Uma
Investigação sobre a Natureza e Causas da Riqueza das Nações" (1776).
Resumidamente, o "espectador imparcial" é a nossa própria razão
introspectiva, que julga nosso comportamento com paixão controlada, faz
um juízo moral de nossas ações e é inclinado à simpatia e ao altruísmo. A
"mão invisível" é um mecanismo de coordenação pelo qual nossas ações
egoístas acabam gerando um aumento do bem-estar geral.
O interessante é que o "espectador imparcial" não tem nada a
dizer em relação ao consumo presente ou ao consumo futuro (isto é, ele é
neutro quanto a consumir menos hoje e investir para consumir mais
amanhã). Mas não é isso o que ocorre com o homem real Adam Smith. Ele tem
um claro viés pessoal pela frugalidade do consumo presente, em favor do
investimento que produzirá maior consumo futuro. Ele quer o crescimento
com menor desigualdade! Daqui decorrem as intervenções do Estado
corretoras da "mão invisível" que ele recomenda, inclusive o "abominável"
controle da taxa de juros. A economia política nasceu com um viés para o
crescimento e atenção às várias motivações do homem. A ciência econômica
dos "nouveaux économistes" é tão neutra e tão falsa como o seu agente: o
homem exclusivamente economizador.
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