CRÍTICA DE SUA NATUREZA JURÍDICA

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DIREITOS ANTIDUMPING
(CRÍTICA DE SUA NATUREZA JURÍDICA)
Marcelo Jatobá Lôbo
Mestre em Direito do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Professor
do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET). Foi Professor-Assistente do curso de
especialização em Direito Tributário da PUC/SP e Professor da Escola Superior da Magistratura do
Estado de Sergipe.Advogado da União. Ex-Procurador do Estado de Sergipe.
RESUMO: Este trabalho é uma síntese da nossa dissertação de mestrado sobre o tema,
publicada pela Quartier Latin com o título “Direitos Antidumping”. O artigo examinará a
natureza jurídica desses direitos. Trata-se de tema bastante polêmico. Ficamos
vivamente impressionados com a controvérsia que lavra na doutrina, refletida nos
trabalhos publicados por juristas nacionais e estrangeiros. No desenvolvimento dos
nossos estudos, identificamos que a imposição dos direitos implica o estabelecimento de
duas relações jurídicas distintas, quais sejam: i) uma relação jurídica de direito subjetivo
(Estado-importador), e ii) uma relação jurídica de direito potestativo (Estadoexportador).Por desconsiderar a existência desses dois vínculos jurídicos, a doutrina tem
priorizado, ora a relação Estado/importador, ora o liame Estado/exportador,
manifestando posições necessariamente fragmentárias. Apoiados na distinção em
perspectiva, consideramos as categorias jurídicas que têm sido aventadas pelos que se
dedicam ao estudo do tema: a) tributo, b) sanção, c) modalidade não-tributária de
intervenção no domínio econômico, e d) um instituto sui generis. Passando por cada uma
dessas categorias, concluímos que os direitos antidumping consistem em medidas
sancionatórias, impostas para reprimir a prática de dois atos ilícitos: o dumping
condenável propriamente dito (ato do exportador) e a importação em condições de
dumping condenável (ato do importador). Procuramos demonstrar que os argumentos
contrários a essa tese não se atêm às notas definidoras do conceito lógico-jurídico de
sanção, apegando-se a elementos contingentes que dependem da experiência de cada
sistema positivo. Para tanto, foi necessário mergulhar no universo temático dos conceitos
jurídicos, enfocando especialmente a dicotomia conceitos jurídico-positivos/conceitos
lógico-jurídicos. O desenvolvimento do trabalho permitiu-nos estabelecer uma
interlocução com a Filosofia e a Teoria Geral do Direito, com o Direito Internacional, com
o Direito Tributário e com o Direito Econômico Internacional.
PALAVRAS-CHAVE: Dumping. Direitos Antidumping. Natureza Jurídica. GATT. OMC.
SUMÁRIO. 1 Introdução; 2 Sobre o dumping e os direitos
antidumping;
2.1 A normativa aplicável; 2.2 Dumping: o
conceito e as espécies previstas no artigo VI do GATT; 2.3 Os
direitos antidumping; 2.3.1 Alguns aspectos do procedimento
de aplicação; 2.3.2 Duas relações jurídicas; 3 As concepções
doutrinárias acerca da natureza jurídicas dos direitos
antidumping ; 3.1 A finalidade das categorizações no Direito e
a necessária distinção entre natureza e regime jurídico; 3.2 A
caracterização dos direitos antidumping como tributos; 3.2.1 A
exaustividade do subsistema constitucional tributário brasileiro;
3.2.2 O conceito de tributo e a discricionariedade na imposição
dos direitos antidumping; 3.2.3 Os motivos pelos quais os
direitos antidumping não constituem tributos; 3.2.4 Os direitos
antidumping como imposto de importação; 3.2.5 Os direitos
antidumping como contribuição de intervenção no domínio
econômico; 3.2.5.1 Destinação ao custeio de uma intervenção
estatal na ordem econômica; 3.2.5.2 Ausência de lei
complementar; 3.2.6 Os direitos antidumping como taxas de
1
polícia; 3.2.7 Um tributo da competência residual da União; 3.3
Os direitos antidumping como modalidades não-tributárias de
intervenção no domínio econômico; 3.4 Um instituto sui
generis;
4
Os
direitos;
antidumping
como
medidas
sancionatórias; 4.1 Considerações iniciais 4.2 As características
definitórias de um conceito; 4.3 Conceitos jurídico-positivos e
lógico-jurídicos; 4.4 As características definitórias dos conceitos
lógico-jurídicos;
4.5 Os argumentos contrários à natureza
sancionatória dos direitos antidumping; 4.6 O conceito lógicojurídico de sanção; 4.7 O dumping condenável e o código
binário lícito/ilícito; 4.8 Dumping e antidumping na estrutural
lógica da regra de direito.
1 INTRODUÇÃO
A política de liberalização comercial, inaugurada pelo Governo brasileiro no início
da década de noventa do século passado, ampliou as relações de comércio exterior,
oportunizando a imposição de medidas de resguardo à economia nacional, especialmente
dos direitos antidumping. Cresce, aqui e alhures, o recurso a esses direitos, algumas
vezes motivado por interesses que lhes desvirtuam o sentido, convertendo-os em
instrumentos de discriminação inconciliáveis com os artigos I e III, do Acordo Geral
Sobre Tarifas e Comércio.
Em palavras introdutórias, pode-se afirmar que o dumping decorre de uma política
de diferenciação de preços entre mercados nacionais distintos. O exportador vende a
U$10 no seu país de origem e exporta a U$ 8 para o Estado importador. A diferença
entre os valores corresponde precisamente à margem de dumping praticada. Quando a
indústria nacional do Estado importador sofre ou se vê na iminência de sofrer prejuízo
mercê da distinção de preços, agrega-se ao valor do produto exportado uma quantia
igual ou inferior àquela margem de dumping, sempre com o objetivo de afastar o dano
ou a ameaça de dano a um setor produtivo nacional. Referida importância recebe o nome
de direitos antidumping.
Por envolver uma série de interesses e preocupações, os direitos antidumping
situam-se, ao lado das outras medidas de defesa comercial (direitos compensatórios e
salvaguardas), no centro das discussões contemporâneas sobre o comércio exterior. Não
é por acaso que se traduzem num dos pontos de maior complexidade com que se
deparam os plenipotenciários da Rodada Doha de negociações da OMC.
Mas o que seriam, afinal, esses direitos? Em que categoria jurídica conhecida
poder-se-ia enquadrá-los? Aqui as divergências dão o tom. Ficamos vivamente
impressionados com a controvérsia que lavra na doutrina, refletida nos trabalhos
publicados por juristas nacionais e estrangeiros. Seus estudos conduzem a pelo menos
quatro categorias jurídicas possíveis:
a) sanção;
b) tributo;
c) modalidade não tributária de intervenção no domínio econômico; e
d) um instituto com natureza jurídica própria.
Sem a veleidade de pretender chegar a uma posição definitiva acerca dessa
temática, interessa-nos estudá-la considerando alguns aspectos propedêuticos de
fundamental importância. O objetivo perseguido é o de demonstrar que os direitos
antidumping constituem medidas sancionatórias e que os argumentos contrários a essa
tese não se atêm às notas definidoras do conceito lógico-jurídico de sanção, apegando-se
a elementos contingentes que dependem da experiência de cada sistema positivo.
2
Ver-se-á que a expressão “direitos antidumping” denota algo mais complexo do que
se tem sugerido. Não se trata de uma única realidade. São, pelo menos, duas relações
jurídicas distintas: uma, a que envolve o exportador; outra, a que enlaça o importador
do produto com dumping. Semelhante complexidade não pode deixar de ser considerada
na investigação da natureza jurídica das chamadas “medidas antidumping”. Por
desconsiderá-la, a doutrina tem priorizado, ora o vínculo Estado/importador
(circunstância comum entre os que postulam a natureza tributária), ora a relação
Estado/exportador (postura assumida pelos que sustentam a índole de uma modalidade
não tributária de intervenção no econômico), manifestando posições necessariamente
fragmentárias.
Algumas incursões teóricas se farão sentir no desenvolvimento do trabalho. Serão
pontos de apoio para a coerência do pensamento exposto, sempre com objetivo de
melhor explicar o fenômeno com que estamos nos ocupando. Não pretendemos nos
perder em divagações teóricas estranhas às possibilidades pragmáticas. Inspira-nos o
sempre citado magistério de LOURIVAL VILANOVA que propugna a intersecção entre
teoria e prática, entre ciência e experiência1.
2 SOBRE O DUMPING E OS DIREITOS ANTIDUMPING
2.1 A normativa aplicável
O dumping é regulado, em âmbito internacional, pelo artigo VI do GATT (Acordo
Geral sobre Tarifas e Comércio) e pelo acordo para a implementação daquele dispositivo,
conhecido como Código Antidumping. O Código atual foi aprovado na rodada Uruguai de
negociações multilaterais do GATT, concluída em 15 abril de 1994, na cidade de
Marrakesh. A relação que entretém com o citado artigo VI, embora não seja de ordem
hierárquica, é de complementaridade. Suas “disposições –específicas e por vezes
bastante minuciosas – esclarecem, definem e regulamentam o procedimento pertinente à
aplicação de medidas antidumping”2.
O Brasil, que já era signatário do Acordo Geral Sobre Tarifas e Comércio e do
Código Antidumping da rodada Tóquio, recepcionou em sua ordem normativa o GATT-94,
referendando-o por meio do Decreto Legislativo 30/94, e promulgando-o mediante o
Decreto 1355/94.
Outrossim, foram editados a Lei 9019/953 e o do Decreto 1602/95, sempre com o
escopo de promover a adequação da ordem jurídica nacional aos termos do GATT. As
normas internacionais do GATT/OMC4, aliadas à legislação interna, disciplinam o dumping
e os direitos antidumping no Brasil.
2.2 Dumping: o conceito e as espécies previstas no artigo VI do GATT
Não se costuma imprimir muito rigor na elucidação do que seja dumping. As
definições doutrinárias não raro imbricam-no com outras figuras jurídicas ou confundemno com uma sua espécie. Para que se tenha a exata dimensão do que ora se afirma,
1
“O jurista, no sentido mais abrangente, é o ponto de interseção da teoria e da prática, da ciência e da experiência: seu conhecimento não é
desinteressado: é-o com vistas à aplicabilidade do que se denomine, regra, preceito, como quer que se denomine. Por isso, na teoria mais
abstrata, há potencialmente uma manipulação com fatos” (Fundamentos do Estado de Direito, Revista de Direito Público, nº 43/44,
jul./dez,1977, p. 21- 22).
2
BARRAL, welber. Dumping e comércio internacional: a regulamentação antidumping após a rodada Uruguai. Rio de Janeiro:
Forense, 2000. p.95.
3
Essa lei sofreu alterações recentes, promovidas pela Medida Provisória nº 2158-35/2001.
4
As negociações da rodada Uruguai resultaram na criação da OMC (Organização Mundial do Comércio), a quem foi incumbida a tarefa de
administrar os resultados da aludida rodada e resolver possíveis disputas entre os membros do GATT.
3
apresentar-se-ão quatro assertivas encontradas na doutrina, declinando-se algumas
observações sobre elas:
I-
O dumping pode resultar de práticas comerciais desenvolvidas nos limites do
território nacional5.
II-
O exportador, ao praticar o dumping, visa a afastar a concorrência dos
produtores nacionais, buscando alcançar uma situação de monopólio propícia
ao estabelecimento das suas próprias condições de mercado 6.
III- O dumping só se perfaz com a ocorrência de dano ou ameaça de dano à
indústria nacional ou, ainda, com o retardamento da implementação de uma
atividade industrial no país importador 7.
IV-
O dumping pode ser praticado pelos produtores-exportadores ou pelas
próprias autoridades do país exportador8.
A primeira afirmação atribui ao conceito uma amplitude que ele não tem. O
dumping não se verifica dentro nos lindes do território nacional. Pressupõe sempre uma
prática de comércio exterior. No mercado interno podem ocorrer o underselling e o preço
predatório. O primeiro caracteriza-se pela venda abaixo do valor de custo do produto; o
segundo, pela intenção de eliminar concorrentes por meio da venda do produto a preços
impraticáveis. Ao contrário do que ocorre com essas duas figuras, o dumping sempre
ultrapassa as fronteiras de um só território, exigindo a discriminação de preços entre
mercados nacionais distintos9.
Se a primeira assertiva amplia o conceito, a segunda restringe-o sobremodo: para
a caracterização do dumping não é necessário que o exportador esteja imbuído de um
intuito predatório, alimentando a pretensão de afastar a concorrência dos produtores
nacionais. Não o exige, como se verá a seguir, o artigo VI do GATT. Além disso, a
situação de monopólio “depende de condições de mercado raramente existentes”10.
5
É como pensa, entre outros, ELIANE MARIA OCTAVIANO MARTINS:“Há que se distinguir dois aspectos do ‘dumping’ como
concorrência desleal: sob a ótica interna, como infração à ordem econômica (lei antitruste 8884/94, art.21 XVIII) e sob a ótica
internacional [...]”. Mais adiante, observa: “ Relativamente ao ‘dumping’ no mercado interno, os meios legais disponíveis encontram-se
portanto na Lei 8884/94, na Lei 8079/90 e no Código Penal” (“Da concorrência desleal: o ‘dumping’ predatório no contexto internacional
e no mercado interno brasileiro”, Revista de direito do mercosul-de derecho del mercosur, v.2, nº 3,125-128,jun.1998, p.126-127).
6
É como o define, por exemplo, FREDERICO DO VALLE MAGALHÃES MARQUES: “ Dentro desse contexto, a prática de dumping,
segundo o melhor entendimento, vem a ser o lançamento, no mercado estrangeiro, de mercadorias a preços baixos, na maioria das vezes
inferiores ao próprio custo de produção, com o objetivo de eliminar a concorrência, tanto de produtores do país importador como de
outros produtores estrangeiros” (O “ dumping” na Organização Mundial do Comércio e no direito brasileiro, in: CASELA, Paulo Borba e
MERCADANTE,Araminta (Corrds).Guerra comercial ou integração mundial pelo comércio? : a OMC e o Brasil. São
Paulo:LTR,1998, p. 299). No mesmo sentido é a definição de MARTA RODRIGUEZ FERNANDEZ: “Con estas exportaciones
anormalmente baratas se trata, como finalidad última, por una parte, de eliminar la competencia de los productores nacionales y, por otra,
alcanzar una situación monopolística de hecho que permitiría a tales empresas imponer a más largo plazo sus propias condiciones en el
mercado” (“El procedimiento de imposición de derechos antidumping ante la comisión”, Revista de derecho financiero y hacienda
pública,v.45,, nº237,686-709, jul./sept,1995, p.686).
7
Assim pensa ADILSON RODRIGUES PIRES: “É oportuno lembrar, todavia, que o dumping só se completa com a ameaça de dano
considerável a um setor de produção do país-membro, ou, ainda, se a prática retardar sensivelmente a implementação de projeto de
instalação de atividade industrial no país.” Em outra passagem de sua obra, observa: “ O dano ou ameaça de dano, portanto, é imanente à
conceituação do dumping [...]” (Práticas abusivas no comércio internacional. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.131 e 135). É também a
posição de Maria Carolina Mendonça de Barros: “Para que o dumping seja caracterizado, é necessário haver a comprovação do dano
material ou ameaça de dano material à indústria doméstica já estabelecida ou o retardamento na implantação de uma indústria, bem como
do nexo causal [...] (O Direito Antidumping Como Arma Protecionista. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Universidade de São
Paulo, 2002, p.13).
8
Fez essa distinção HUYSSER, como observa JOSÉ ROBERTO PERNOMIAN RODRIGUES: “Merece breve comentário, por fim, a
distinção de Huysser a respeito do dumping subvenção e dumping de preços. Afirma Huysser que ‘segundo o autor do dumping,
distingue-se de uma parte o dumping que praticam as autoridades de países exportadores e que se chama de dumping de subvenção, e de
outra aquele que é organizado e praticado pelos produtores-exportadores.’ Tal distinção é hoje superada, entendendo Jackson que
dumping e subsídios são conceitos distintos tendo em vista o seu agente e a sua forma de implementação” [Destaques do próprio autor] (
Os efeitos do dumping sobre a competição, Revista de direito econômico, nº 22,29-43,jan/mar,1998, p.36).
9
Para o aprofundamento da distinção entre dumping, underselling e preço predatório, ver WELBER BARRAL, op. cit, p.157-161.
WELBER BARRAL, op. cit., p.71.
10
4
A terceira afirmação confunde o dumping, como gênero, com uma sua espécie: o
dumping condenável. Os efeitos que advêm da discriminação de preços entre os
mercados exportador e importador é, sim, de suma importância, mas para a separação
dos dois tipos de dumping previstos pelo artigo VI do GATT. Constitui, dizendo-o de outra
forma, a diferença específica, isto é, o atributo que se agrega ao gênero para definir as
espécies.
A última assertiva não se sustenta, pois confunde o dumping com a figura do
subsídio. Este último pressupõe a concessão de benefícios pelo Estado exportador aos
produtores domésticos, a fim de que a exportação seja feita em condições mais
vantajosas que a venda no seu mercado interno. Aquele, ao contrário, caracteriza-se
pela prática individualizada dos produtores-exportadores, sem o concurso do ente
estatal. A nítida separação entre as duas figuras jurídicas pode ser encontrada no Acordo
Constitutivo OMC, que inclusive as disciplinou em códigos diferentes.
Mas qual a referência, qual o dado empírico a partir de cuja análise pode-se chegar
à noção dumping? Como já antecipamos, o conceito de dumping deve ser buscado
inicialmente, pelo menos no âmbito dos países Signatários do GATT, no artigo VI do
Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio. Reza o referido dispositivo:
As partes contratantes reconhecem que o ‘dumping’ que introduz produtos
de um país no comércio de outro país, por valor abaixo do normal, deve
ser condenado se causa ou ameaça causar prejuízo material a uma
indústria estabelecida no território de uma parte contratante, ou se
retarda,
sensivelmente,
o
estabelecimento
de
uma
indústria
nacional”11[...].
Vê-se que o dispositivo contenta-se com a discriminação de mercados, de sorte que
o preço de exportação seja inferior ao “valor normal”12 do produto similar no país
exportador. Esta a conotação do gênero próximo dumping. Inseridos em seu campo
denotativo estão todos os acontecimentos que atendam àquela característica definitória,
não interessando a intenção do exportador nem tampouco as conseqüências da
exportação. Basta a objetiva diferença entre o valor do produto importado e o preço
praticado no mercado de origem daquele produto13.
O dispositivo transcrito promove, todavia, uma distinção que é de suma
importância para o tema que faz aqui nossos cuidados. Referimo-nos à separação entre o
dumping condenável e o dumping não condenável14. O primeiro traz conseqüências
prejudiciais à industria nacional. O segundo, pelo contrário, não causa dano ou ameaça
de dano a qualquer setor produtivo do país importador.
11
“The contracting parties recognize that dumping, by which products of one country are introduced into the commerce of another country at
less than the normal value of the products, is to be condemned if it causes or threatens material injury to an established industry in the
territory of a contracting party or materially retards the establishment of a domestic industry. [...]”
12
O artigo VI do GATT considera abaixo do valor normal o preço que: “a) é inferior ao preço comparável que se pede, nas condições
normais de comércio, pelo produto similar que se destina ao consumo no país exportador; ou b)na ausência desse preço nacional, é
inferior: i) ao preço comparável mais alto do produto similar destinado à exportação para qualquer terceiro país, no curso normal de
comércio; ou ii) ao custo de produção no país de origem mais um acréscimo razoável para as despesas de venda e o lucro. Em cada caso,
levar-se-ão na devida conta as diferenças nas condições de venda, as diferenças de tributação e outras diferenças que influam na
comparabilidade dos preços”.
13
Welber Barral insiste neste ponto, distinguindo o dumping de outras figuras como o preço predatório (preço impraticável, estabelecido
com o intuito de eliminar a concorrência) e o underselling (preço abaixo do custo de produção). Para um maior aprofundamento, ver
Dumping e comércio internacional: a regulamentação antidumping após a rodada Uruguai , p. 157-161.
14
Foi Aquiles Augusto Varanda quem, por vez primeira, chamou atenção para distinção feita pelo artigo VI do GATT entre o dumping
condenável e o dumping não condenável: “A expressão ‘dumping’ condenável é utilizada no Acordo Geral para identificar uma espécie
do gênero ‘dumping’. Por oposição à espécie ‘dumping’ condenável, utilizaremos a expressão não condenável para identificar a outra
espécie, tendo por base a função-de-verdade ‘negação’, da Lógica das funções-de-verdade.” [Os grifos constam do original]
(VARANDA, Aquiles Augusto. A disciplina do ‘dumping’ do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio: tipificação de um
delito num tratado internacional?. Tese de doutorado. São Paulo:Universidade de São Paulo,1987, p.13).
5
Interessa-nos mais de perto o estudo do dumping condenável. Para sua
configuração faz-se necessária, como se pode inferir do citado artigo VI, a presença de
três elementos:
a)
venda por preço inferior ao valor normal;
b)
ocorrência de dano à indústria nacional; e
c)
nexo causal existente entre o primeiro e o segundo elemento. O primeiro
requisito é atributo do próprio gênero dumping; os dois últimos são apanágios
da espécie dumping condenável.
Promovendo a distinção em causa, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio
veiculou dois comandos. Um tem sentido negativo; o outro, positivo. Este traduz-se na
possibilidade de se reprimir o dumping condenável; aquele, na impossibilidade de se
coibir o dumping não condenável. É, ao que nos parece, a melhor exegese para o já
mencionado artigo VI do GATT/OMC.
2.3 Os Direitos antidumping
2.3.1 Alguns aspectos do procedimento de aplicação
A prática do dumping condenável rende ensejo à aplicação de medidas
antidumping15. Estas consistem genericamente num montante em dinheiro, igual ou
inferior à margem de dumping apurada, exigido por ocasião das importações realizadas a
preços de dumping, com o objetivo de afastar os efeitos danosos à indústria nacional.
O procedimento conducente à aplicação dessas medidas pressupõe duas formas
bastante distintas de atuação dos órgãos administrativos16. Uma delas é levada a efeito
pela SECEX (Secretaria de Comércio Exterior) e consiste numa atividade de caráter
eminentemente técnico e imparcial, que se dirige a investigar a ocorrência do dumping
condenável. A outra, longe de ser investigativa, é predominantemente política,
reivindicando um ato de decisão. É realizada pela CAMEX17 (Câmara de Comércio
Exterior), órgão integrado por vários ministros de Estado. Aqui a imparcialidade cede
passo à discricionariedade, sendo possível deixar de impor os direitos, ainda que
caracterizado o dumping condenável, se assim o exigirem os interesses nacionais.
A discricionariedade na aplicação dos direitos antidumping tem sido considerada
pela doutrina uma característica relevante para definir-lhes a natureza jurídica. Sobre
este último aspecto discorrer-se-á largamente em momento posterior. Por ora, fica o
registro de que a opção da CAMEX pela ausência de aplicação dos direitos deve pautar-se
sempre por critérios que atendam ao interesse público18. Só em situações excepcionais é
possível deixar de exigi-los, a despeito da caracterização do dumping condenável19.
15
Os direitos antidumping não devem ser confundidos com os direitos compensatórios. Estes útlitmos destinam-se a combater o subsídio, e
não o dumping. Aquele, o subsídio, pressupõe a concessão de benefícios pelo Estado exportador aos produtores domésticos, a fim de que
a exportação seja feita em condições mais vantajosas que a venda no seu mercado interno. Já o dumping caracteriza-se pela prática
individualizada dos produtores-exportadores, sem o concurso do ente estatal. A nítida separação entre essas duas figuras jurídicas pode
ser encontrada no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, que as tratou, inclusive, em códigos diferentes.
16
Cf. DEL CHIARO, José José; DA SILVA, Marcos; e FERREIRA, Selma M. Fundamentos e objetivos da legislação antidumping, Revista
de direito econômico, nº25, 61-70, Jan./Jul, 1997, p.66-68.
17
Antes da Medida Provisória 2158-35/01, a aplicação dos direitos antidumping dava-se mediante decisão conjunta dos Ministros da
Fazenda e da Indústria, do Comércio e do Turismo. Tratava-se, pois, de ato complexo, na medida em que exigia o concurso de vontades
de dois órgãos da Administração Pública.
18
José Roberto Pernomian, em tese de doutorado recentemente defendida na Universidade de São Paulo, chega a sustentar- partindo, é
certo, de um conceito mais restrito de dumping condenável- que não existe, em nosso sistema jurídico, espaço para o julgamento acerca
da conveniência e oportunidade da aplicação dos direitos antidumping. Para esse autor, só haveria margem de discricionariedade na
determinação do quantum desses direitos. (Cf. RODRIGUES, José Roberto Pernomian. Dumping como forma de expressão do abuso
do poder econômico: caracterização e conseqüências. Tese de doutorado. São Paulo: Universidade de São Paulo,1999, p.217-221)
19
Não é outra a redação do artigo 64, §3º, do Decreto 1602/95: “Em circunstâncias excepcionais, mesmo havendo comprovação do
dumping e de dano dele decorrente, as autoridades referidas no art. 2º poderão decidir, por razões de interesse nacional, pela suspensão
6
Outro aspecto sempre relacionado à temática da natureza jurídica respeita à
chamada “retroatividade das medidas antidumping”. Em alguns casos, é possível aplicálas às importações ocorridas antes do ato que as impôs. Afirma-se que os direitos não
poderiam ser tributos, justamente em razão da possibilidade de serem cobrados de
forma retroativa. Em momento oportuno, ver-se-á que esta orientação incorre no
equívoco de definir um instituto pelo regime jurídico a ele aplicável.
2.3.2 Duas relações jurídicas
Tem-se optado por exigir os direitos antidumping do importador. Isso ocorre por
razões de arrecadação. Seria temerário exigi-los do exportador, mercê dos limites
impostos pelo princípio da territorialidade formal20. Não se faz possível, justamente por
força desse primado, realizar atos de cobrança e execução, que se traduzem em
manifestações de soberania estatal, no território do Estado de residência do exportador.
Para se obter sucesso na arrecadação, seria necessário que aquele último possuísse bens
no território nacional, o que nem sempre acontece.
Por não se cobrar os direitos antidumping do exportador do produto favorecido por
dumping, poder-se-ia imaginar que o Estado só entretém relação jurídica com o
importador, de quem se exige a quantia relativa àqueles direitos. O exportador só
sofreria, nesta ordem de idéias, conseqüências de natureza econômica na medida em
que perderia mercado pelo encarecimento do seu produto.
É o caso, então, de indagarmos: a imposição dos direitos antidumping implica a
constituição de algum vínculo jurídico entre o Estado brasileiro e o exportador do produto
objeto de dumping? A doutrina de uma maneira geral não aborda esse problema, o que
torna mais difícil o seu enfrentamento. Isso não é motivo, contudo, para que deixemos
de examiná-lo, até porque a análise dessa questão é de fundamental importância para o
estudo do tema que faz os nossos cuidados neste trabalho.
O primeiro aspecto a ser realçado é o de que não há a exigência de uma prestação
a ser realizada pelo exportador. Dito com outras palavras: os direitos antidumping não
lhe exigem nenhuma conduta positiva ou negativa. Isso afasta, de plano, possíveis
cogitações acerca de um direito subjetivo do Estado em face daquele sujeito. Sim,
porque direito subjetivo em sentido estrito é direito à prestação, quer positiva, quer
negativa.
Se não há direito subjetivo, não há dever, seu correlato lógico. Logo, é lícito
concluir que o exportador – diferentemente do importador, que realiza uma prestação de
caráter pecuniário - não assume o pólo passivo de um vínculo jurídico que tenha “aquela
correspectividade direitos/deveres, específica das relações obrigacionais”21.
Mas é de se notar que ao exportador do produto objeto de dumping é dirigida
uma conseqüência jurídica, traduzida no acréscimo de valor que se agrega ao preço do
seu produto durante o período em que se estender a aplicação dos direitos antidumping.
A empresa exportadora submete-se a tal imposição. O bem por ela exportado estará
gravado com esse plus, independentemente de quem seja o importador. Semelhante
gravame não deriva – note-se bem- de razões de ordem econômica, mas decorre
diretamente de uma norma jurídica. É só perguntar pela causa: o que gera o acréscimo
que vai permanecer agregado ao valor do produto importado/exportado? Será uma causa
econômica (causalidade econômica, inerente ao plano do ser)? Certamente que não. O
da aplicação do direito ou pela não homologação de compromissos de preços....”. (sublinhamos).
20
Examinando o princípio da territorialidade em sentido formal, observou Heleno Tôrres: “ Por isso, nenhum Estado admite a prática de
atos de império ou produção automática de efeitos de atos públicos de um outro Estado no seu território, como efeito do limite territorial
ao jurisdiction to enforce, cuja extrapolação implica em conseqüente agressão à soberania alheia. Como afirmava Manlio Udina, ‘o
Estado não pode atuar coativamente fora de suas fronteiras sem atentar contra a outra soberania’ ” (Pluritributação internacional sobre as
rendas de empresas. 2. ed.São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001, p.85).
21
VILANOVA, Lourival.Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,2000. p.231.
7
referido acréscimo surge como conseqüência jurídica, isto é, como efeito atribuído por
uma norma de direito (causalidade normativa, pertencente aos domínios do dever ser).
A conseqüência jurídica de que se está cogitando é, em tudo e por tudo, distinta
daquela outra que tem por destinatário o importador e que consiste na exigência de uma
prestação. Tanto isso é verdade que o ingresso do produto objeto de dumping no
mercado nacional estará sujeito ao pagamento dos direitos antidumping, não
interessando quem o importe. O ônus permanecerá independentemente de quem seja o
importador.
Se é certo que há uma relação jurídica entrelaçando o Estado e o exportador do
produto favorecido por dumping, e que tal relação não tem por objeto uma prestação
(não envolve um direito subjetivo), qual seria, afinal, a natureza desse vínculo? O Estado
a cujo território se destina o bem objeto de dumping condenável tem, a nosso aviso, um
direito potestativo em face do exportador. Para demonstrá-lo, vamos recorrer à lição
precisa de Lourival Vilanova22:
Às vezes distingue-se o direito subjetivo, em sentido estrito, do
denominado direito potestativo. Naquele, ao titular ativo contrapõe-se o
titular passivo com dever jurídico (conduta ação/omissão). O titular
passivo na relação de direito potestativo não tem dever a prestar, pois fica
reduzido à posição de sujeição. Suporta os efeitos jurídicos do exercício de
poderes de seu titular, que por ato unilateral, só por si, é capaz de
provocar constituição, modificação ou desconstituição de relações
jurídicas. Assim, por exemplo, no direito potestativo constitutivo, perfazse a relação jurídica de servidão de passagem. O titular, dono do imóvel
serviente, não tem dever jurídico a cumprir, senão o dever de tolerar, o
de não-impedimento diante dos efeitos constitutivos do exercício do
direito potestativo. De sorte que - ponto que aqui interessa - na relação
jurídica não se vê aquela correspectividade direitos/deveres, específica
dos direitos obrigacionais.
Como observou o mestre Vilanova, num vínculo de direito potestativo o sujeito
passivo fica reduzido à condição de sujeição. Note-se que exportador do produto objeto
de dumping não tem uma prestação a cumprir, mas deve sujeitar-se, não obstante, à
imposição dos direitos antidumping sobre seus produtos. Cabe a ele, exportador, tolerar
a imposição enquanto durarem seus efeitos.
Temos, portanto, que a aplicação das medidas antidumping implica dois vínculos
jurídicos distintos, a saber: i) uma relação jurídica de direito subjetivo (Estadoimportador), e ii) uma relação jurídica de direito potestativo (Estado-exportador). Ter-seá presente tal constatação no desenvolvimento deste trabalho.
3 AS CONCEPÇÕES DOUTRINÁRIAS ACERCA DA NATUREZA JURÍDICA DOS
DIREITOS ANTIDUMPING
3.1 A finalidade das categorizações no Direito e a necessária distinção entre
natureza e regime jurídico
A inserção de uma entidade jurídica qualquer numa categoria ou classe
preestabelecida exige dois procedimentos básicos. Em primeiro lugar, faz-se necessário
surpreender a conotação da classe em cujo círculo denotativo pretende-se inserir a figura
jurídica em questão. Na seqüência, verifica-se se essa mesma figura reúne todas as
notas que compõem a conotação do conjunto em que se pretende subsumi-la, inserindose, por conseguinte, em seu campo denotativo.
22
VILANOVA, Lourival.Causalidade e relação no direito. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p.231.
8
Sem o objetivo de nos estender neste ponto, até porque a ele voltaremos
oportunamente, importa registrar, em grandes linhas, a diferença entre denotação e
conotação. A primeira consiste no conjunto de todas as entidades compreendidas no
âmbito de abrangência de um nome geral ou palavra de classe23. Maria e Joana estão
inseridas no campo denotativo da palavra “mulher”. Já a segunda, a conotação, consiste
no critério de uso da mesma palavra de classe, isto é, no conjunto das características
que os entes devem possuir para “caber” em seu círculo denotativo24. O critério de uso
da palavra “mulher”, para ficarmos com o mesmo exemplo, pode ser traduzido em: “ser
humano do sexo feminino”. “Ser humano” designa o gênero próximo; “do sexo
feminino”; a espécie. Aquele, por conotar menos, denota mais do esta: toda mulher é ser
humano, mas nem todo ser humano é mulher. O plus de conotação da espécie há nome
“diferença específica”25.
A conotação da palavra de classe define-lhe o conceito. É a sua “pedra de toque”,
26
recorrendo-se à expressão de RICARDO GUIBOURG et al .Em outros sítios do
conhecimento científico, a recondução a uma classe ou conceito dá-se com propósitos
exclusivamente cognoscitivos, visando a promover uma melhor organização do
pensamento. Na Ciência Jurídica, o objetivo é mais amplo. Não se resume a uma
perspectiva didática, teórica, mas tem outrossim “ reflexos diretos na vida do cidadão e
27
na prática do jurista e do profissional do direito” . Isso ocorre porque o enquadramento
de uma dada entidade num conceito jurídico persegue a finalidade de conferir-lhe certo
regime jurídico. No dizer de EROS ROBERTO GRAU: “Atribuída à coisa, estado ou
situação uma determinada significação (conceito jurídico), quanto a ela aplicar-se-ão
28
umas – e não outras, ou nenhuma –determinadas normas jurídicas” .
Uma advertência é necessária. Não se deve confundir natureza com regime jurídico.
Este é uma decorrência lógica daquela. O conjunto de normas a ser aplicado a uma dada
figura jurídica deriva da natureza que ela tiver, e não o contrário. É uma conseqüência,
um posterius. Utilizá-lo para ampliar ou reduzir o campo denotativo de uma determinada
23
Distinguem-se os nomes próprios ou individuais dos nomes gerais ou palavras de classe. Aqueles respeitam a objetos específicos; estes
dizem com um número potencialmente infinito de indivíduos. No primeiro caso, a escolha do nome resulta de mera preferência e dessa
escolha forma-se uma classe com um único elemento; no segundo, fixam-se conceitos, vale dizer, elegem-se determinados atributos que
os entes devem possuir para pertencer à classe representada pelo nome em questão, integrando-lhe o campo denotativo (Cf. Paulo de
Barros Carvalho, IPI – Comentários sobre as regras gerais de interpretação da tabela NBM (TIPI/TAB), Revista dialética de direito
tributário, n. 12,42-60,st.,1996, p.53).
24
As palavras de RICARDO GUIBOURG et al. podem tornar mais claro o discernimento entre denotação e conotação: “La palabra
‘ciudad’,por ejemplo, sirve para referirse indistintamente a cualquier entidad de una larga lista, que incluye a Buenos Aires, Córdoba ,
Neuquén, París, Barcelona, Cantón, Acapulco, Estocolmo, Florencia, Jantum y también a Sodoma, Nínive, Menfis o Tenochtitlán. El
conjunto de todos los objetos o entidades que caben en la palabra ‘ciudad’ se le llama la denotación de esta palabra. Pero aquella lista no
ha sido formada al azar: si llamamos ‘ciudad’ a Montreal y a Salta, pero no a la Edad Media ni a la isla de los Estados, nuestra conducta
no es caprichosa sino producto de un criterio. Existen ciertas razones, más o menos uniformes, por las que incluimos un objeto en una
clase o lo excluimos de ella. Estas razones forman el criterio de uso de la palabra de clase, y tal criterio es la piedra de toque del concepto:
tenemos el concepto de mosca cuando estamos dispuestos a usar cierto criterio para llamar mosca (o mouche, o fly) a los objetos que lo
satisfagan, y para no llamar con ese vocablo a las cosas que no se ajusten a sus requisitos. El conjunto de estos requisitos o razones, es
decir, el criterio de uso de una palabra de clase (determinante y demostrativo del concepto correspondiente) se llama designación de esa
palabra” (GUIBOURG, Ricardo A.; GHILIANI,Alejandro M.; GUARINONI, Ricardo.Introducción al conocimiento científico.Buenos
Aires: Eudeba,1985, p. 42).
25
PAULO DE BARROS CARVALHO tratou do tema com a precisão habitual: “Os diversos grupos de uma classificação recebem o nome
de espécies e de gêneros, sendo que espécies designam os grupos contidos em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o grupo mais
extenso. A presença de atributos ou caracteres que distinguem determinada espécie de todas as demais espécies de um mesmo gênero
denomina-se “diferença”, ao passo que “diferença específica” é o nome que se dá ao conjunto das qualidades que se acrescentam ao
gênero para a determinação da espécie, de tal modo que é lícito enunciar: a espécie é igual ao gênero mais a diferença específica
(E=G+De)” (IPI – Comentários sobre as regras gerais de interpretação da tabela NBM (TIPI/TAB), Revista dialética de direito
tributário, n. 12, p.54).
26
Op. cit., p.42.
27
SANTI, Eurico Marcos Diniz. As classificações no sistema tributário brasileiro. In: Justiça Tributária: direitos do fisco e garantias dos
contribuintes nos atos de administração e no processo tributário (1°Congresso internacional de direito tributário). São Paulo: Max
Limonad, 1998, p. 126.
28
Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito.São Paulo: Revista dos Tribunais,1988, p.209.
9
categoria jurídica traduz-se numa evidente inversão de perspectivas. Por desconsiderálo, a doutrina tem sistematicamente recorrido a elementos que não se prestam a definir
a natureza jurídica dos direitos antidumping. Exemplo disso vamos encontrar já no
próximo tópico, que se destinará ao exame da suposta índole tributária das medidas
antidumping.
3.2 A caracterização dos direitos antidumping como tributos
3.2.1. A exaustividade do subsistema29 constitucional tributário brasileiro
A Constituição brasileira reservou um número considerável de seus dispositivos ao
tratamento da matéria tributária. Forjou, com isso, um subsistema constitucional
tributário exaustivo, cujo nível de detalhamento e perfeição não encontra paradigma em
outros ordenamentos jurídicos.
GERALDO ATALIBA, em seu Sistema constitucional tributário brasileiro, chamou
atenção para essa singularidade do nosso sistema tributário em relação aos
ordenamentos de outros países de cultura ocidental30. O autor enfatizou – e essa é tônica
da sua obra – a reduzida margem de atuação cometida ao legislador ordinário no Brasil.
A este último caberia explicitar apenas os comandos fixados pela Constituição, sendo-lhe
inteiramente defesa qualquer iniciativa no sentido de modificar o que já foi
preestabelecido pela Carta Magna. ATALIBA chegou mesmo a afirmar que o constituinte
“esgotou a disciplina da matéria tributária, deixando à lei, simplesmente, a função
regulamentar”31.
Não é diferente o pensamento de JOSÉ ARTUR LIMA GONÇALVES, para quem a
“exaustividade do subsistema tributário brasileiro não encontra paralelo no direito
comparado em geral, e, muito menos, em especial, no direito norte-americano” 32.
PAULO DE BARROS CARVALHO também destaca esse traço peculiar do sistema
tributário brasileiro, observando que a Constituição dispensa à “matéria tributária farta
messe de preceitos, que dão pouca mobilidade ao legislador ordinário, em termos de
exercitar seu gênio criativo” 33.
A exaustividade do nosso sistema constitucional tributário, reconhecida e realçada
pela doutrina, deve ser levada em consideração em qualquer estudo que envolva a
matéria tributária no Brasil. Procuraremos não nos desviar dessa diretriz quando
estivermos desenvolvendo os próximos subitens desse tópico.
3.2.2 O conceito de tributo e a discricionariedade na imposição dos direitos
antidumping
Para saber se as medidas antidumping ostentam natureza tributária, é necessário,
antes de mais nada, firmar o conceito de tributo. A doutrina tem recorrido à definição do
artigo 3º do CTN34.
29
O sistema constitucional tributário consiste numa subclasse do sistema constitucional que, por sua vez, é um subconjunto do sistema
global: o ordenamento jurídico vigente. Suas unidades possuem a mesma estrutura lógica de todas as outras regras do sistema, delas
destacando-se apenas quanto ao conteúdo.
30
Quando escreveu o seu clássico “Sistema constitucional tributário brasileiro”, ATALIBA não tinha como referência a atual Constituição.
Mas suas conclusões a respeito da peculiaridade do direito tributário nacional são, no entanto, inteiramente aplicáveis ao sistema jurídico
inaugurado pela Carta de 1988.
31
ATALIBA, Geraldo. Sistema constitucional tributário brasileiro.São Paulo: Saraiva, 1968, p.18.
32
Imposto sobre a renda: pressupostos constitucionais. São Paulo: Malheiros, 1997, p.213.
33
Curso de direito tributário.13. ed.,São Paulo: Saraiva,2000,p.141.
34
“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito,
instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
10
Semelhante definição não discrepa, de um modo geral (e isso é reconhecido pela
generalidade dos autores), dos ditames constitucionais. Mas não é nela que se deve
buscar o conceito de tributo. A disciplina da ação tributária não se inaugura, em nosso
sistema jurídico, no Código Tributário Nacional, mas na própria Constituição. É para lá,
portanto, que as atenções deverão estar voltadas quando se pretender chegar ao referido
conceito.
Vamos tomar, nesta ordem de idéias, como ponto de partida para a análise acerca
da índole dos direitos antidumping, as definições de tributo de duas das mais autorizadas
vozes do Direito Tributário brasileiro, construídas com fulcro na própria Constituição
Federal:
GERALDO ATALIBA35:
Constrói-se o conceito jurídico-positivo de tributo pela observação e
análise das normas jurídicas constitucionais. [...] Juridicamente define-se
tributo como obrigação jurídica, ex lege, que se não constitui em sanção
de ato ilícito, cujo sujeito ativo é uma pessoa pública (ou delegado por lei
desta), e cujo sujeito passivo é alguém nessa situação posto pela vontade
da lei, obedecidos os desígnios constitucionais (explícitos ou implícitos).
ROQUE ANTÔNIO CARRAZA36:
Temos, pois, que , tributo, ao lume de nosso Estatuto Magno, é a relação
jurídica que se estabelece entre o Fisco e o contribuinte (pessoa colhida
pelo direito positivo) , tendo por base a lei, em moeda, igualitária e
decorrente de um fato lícito qualquer ( grifo do autor).
Note-se que os excertos doutrinários citados deixam de mencionar o tipo de
atividade administrativa empregada na exigência do gravame. Esse elemento não parece
estar incluído no conceito constitucional de tributo para aqueles autores. Está inserido,
porém, na definição do artigo 3º do CTN. Como ficamos? A arrecadação por meio de
atividade administrativa vinculada é, ou não, um elemento definidor do conceito de
tributo? A solução para esse questionamento é de fundamental importância, porquanto a
principal objeção da doutrina à natureza tributária dos direitos antidumping descansa
justamente na discricionariedade que caracteriza a cobrança desses direitos.
Uma resposta afirmativa para aquela indagação pode ser encontrada nas lições de
Rubens Gomes de Souza37. Esse autor não só defendeu a inclusão da parte final do
mencionado artigo 3º, mas a elegeu como o mais importante elemento definidor do
conceito de tributo. São suas as palavras:
Então, o que tem de novo este art. 3º, é a sua parte final: ‘cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada’. Na realidade,
em última análise, é este o elemento definidor do tributo em contraste
com outras receitas públicas, entre as quais haverá as que tenham por
igual modo, o caráter de compulsoriedade e de legalidade, ou seja,
autorização da lei, não sendo portanto, estes dois elementos,
compulsoriedade e legalidade, típicos ao tributo. O que então tipifica o
tributo, nesta definição, é o tipo de atividade administrativa empregado na
sua arrecadação.
Vamos discordar do citado mestre neste ponto. Em primeiro lugar, porque o
conceito de tributo no Brasil é constitucional e, portanto, não é o CTN que vai
determinar, pelo menos em caráter definitivo, os seus elementos definidores. Mas,
35
36
37
ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6 ed. São Paulo: Malheiros,2000. p.34.
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário.16. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p.337.
SOUSA, Rubens Gomes de. Comentários ao código tributário nacional: parte geral.Em co-autoria com Paulo de Barros Carvalho e
Geraldo Ataliba. São Paulo: Revista dos Tribunais,1985. p.31-32.
11
mesmo que a construção do conceito dependesse do recurso àquele Estatuto, não nos
parece que a cobrança mediante atividade administrativa vinculada pudesse constituir
um seu elemento definidor e, muito menos, ser o principal deles, como quis Rubens
Gomes de Souza. E porque o afirmamos? Simplesmente porque essa forma de cobrança
não é uma característica definitória do conceito de tributo, mas uma conseqüência
(posterius) que advém da categorização de um dado vínculo jurídico como tributo
(prius)38. É, com outras palavras, efeito daquela categorização, não a sua causa.
Constata-se, primeiro, a presença de um gravame tributário para, só em seguida,
cogitar-se da forma de arrecadação a ele relativa.
Vale insistir: o legislador do Código Tributário Nacional não comete qualquer
injuridicidade ao exigir que a cobrança dos tributos seja realizada por meio de uma
atividade administrativa plenamente vinculada. Atende, pelo contrário, a princípios
constitucionais muito caros, como a legalidade, a segurança jurídica etc. Mas briga com
limites lógicos quando pretende incluir, entre as características definitórias do conceito de
tributo, uma conseqüência que depende justamente da configuração daquele conceito.
Por essas razões, não parece adequado concluir que as medidas antidumping
deixam de ostentar natureza tributária em virtude da discricionariedade que lhes
caracteriza a cobrança. Semelhante inferência incorre no equívoco de definir a causa pelo
efeito39. O raciocínio deve ser outro: caso sejam tributos (causa), tais medidas deverão
ser arrecadadas mediante atividade administrativa plenamente vinculada (efeito).
Outrossim, incorrem na mesma inversão de perspectivas aqueles que pretendem
afastar a natureza tributária dos direitos antidumping, sob o argumento de que esses
direitos não se coadunam com o regime jurídico dos tributos, especialmente com o
primado da irretroatividade40. Pode até não ser desejável submetê-los às limitações
constitucionais ao poder de tributar, mas essa ponderação de natureza política não é
suficiente para descaracterizá-los como tributos.
Retome-se o problema da vinculação na cobrança. É lícito afirmar que a grande
maioria dos tributos não são exigidos por meio de uma atividade administrativa
vinculada. Basta lembrar que, nas exações sujeitas ao mal chamado “lançamento por
homologação”, cabe ao próprio contribuinte constituir a norma individual e concreta que
documenta o seu dever, e realizar em seguida o pagamento do valor devido41. Fá-lo
38
Conseqüência essa que, aliás, não se faz sentir necessariamente. Basta lembrar que, nos tributos sujeitos ao mal chamado “lançamento por
homologação”, o contribuinte pode formalizar o crédito tributário e promover o pagamento do tributo devido, sem que haja a necessidade
de qualquer cobrança por parte do Fisco. Tudo pode cingir-se, com efeito, à esfera de inciativa do próprio particular, sem que seja
necessária a constituição de um ato administrativo de lançamento (Cf., entre outros, CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário:
fundamentos jurídicos da incidência. 2. ed. São Paulo: Saraiva,1999. p.248-252).
39
Estamos empregando as expressões “causa” e “efeito” em sentido metafórico. Os vínculos de causa e efeito só existem, em rigor, no
mundo fenomênico. Vale aqui a advertência de Gregorio Robles Morchon: “ La necesidad causal expresa la conexión entre dos
fenómenos que pertenecen al mundo de los acontecimientos o eventos [...] Aunque sea admisible este uso figurado del término “causa”,
no lo es la creencia de que en todos los contextos significa lo mismo. ” (MORCHÓN,Gregorio Robles. Teoria del derecho:
fundamentos de teoria comunicacional del derecho. Madrid: Civitas, 1998, p.245).
40
Não é possível, como regra geral, exigir direitos antidumping em relação às importações ocorridas antes do ato que os impôs. Devem eles
alcançar, tão-somente, os produtos despachados para consumo após aquela imposição. Mas para essa regra há exceções. A primeira delas
diz com o período em que forem aplicadas medidas provisórias (previstas no artigo 2 do GATT), desde que haja, é claro, uma
determinação final de ocorrência de dano. Nesta hipótese, os valores pagos à guisa de direitos provisórios são convertidos em receita
pública. A par da conversão dos direitos provisórios em definitivos, ressalva-se também a possibilidade de se exigir direitos antidumping
definitivos sobre “produtos que tenham entrado para consumo até 90 dias antes da data de aplicação das medidas provisórias, sempre que
as autoridades concluírem que: a) há antecedentes de dumping, ou que o importador deveria estar consciente de que o exportador pratica
dumping e de que este causaria dano; e b) o dano é causado por volumosas importações a preços de dumping em período de tempo
relativamente curto, o que prejudicaria seriamente o efeito corretivo dos direitos anti-dumping definitivos aplicáveis no futuro, desde que
aos importadores afetados tenha sido dada a oportunidade de se manifestarem sobre a medida”40. (MARQUES, Frederico do Valle
Magalhães. “O ‘Dumping’ na Organização Mundial do Comércio e no Direito Brasileiro – Decreto n.1602/95, In: CASELA, Paulo Borba
e MERCADANTE, Araminta de Azevedo (coords.) Guerra comercial ou integração mundial pelo comércio?: a OMC e o Brasil,São
Paulo, Ltr, 203-326, 1998, p.319.
41
Ressalta-o PAULO DE BARROS CARVALHO: “A experiência da realidade jurídica brasileira é farta em exemplos de normas jurídicas,
individuais e concretas, produzidas pelo administrado no campo dos tributos. Ninguém ousaria ignorar que legislações de impostos como
o IPI e o ICMS, importantes fontes de receita para a União e para os Estados federados, respectivamente, registram muitos preceitos
12
independentemente de qualquer cobrança da Administração Pública. Tudo se resolve na
sua própria esfera de iniciativa, sem que seja necessária a constituição do ato
administrativo de lançamento. Somente quando o sujeito passivo da exação deixa de
cumprir o dever, é que tem lugar a ação do Fisco, a quem caberá promover o
lançamento e impor a penalidade cabível.
Portanto, nesses gravames tributários que permitem o “autolançamento”42, a
atividade administrativa plenamente vinculada não se faz presente na imensa maioria
das vezes.Passados cinco anos do pagamento do tributo devido, opera-se a homologação
tácita, extinguindo-se o vínculo fisco/contribuinte, sem o implemento de qualquer ato
administrativo direcionado à exigência do valor devido. Não há vinculação, simplesmente
porque sequer existe cobrança. O pagamento é feito voluntariamente pelo próprio
obrigado, e não porque a Administração assim determinou.
Se a atividade vinculada de cobrança pode deixar de ocorrer, não lhe é apropriada
a condição de elemento definidor do conceito de tributo. Ainda que pudesse consistir
numa nota daquele conceito- o que já vimos não ser possível – jamais poderia compor o
conjunto das suas características definitórias. Não fosse assim, e quedaria desrespeitado
o princípio lógico “dici de omni dici de nullo” , segundo o qual o que se diz de todos
corresponde a que o inverso pode ser dito de nenhum (todo homem é mortal = nenhum
homem é imortal)43. Se digo que todos os tributos são cobrados mediante atividade
administrativa plenamente vinculada, tenho necessariamente que concluir que nenhum
tributo deixa de ser exigido dessa forma. Basta que um só caso desminta a conclusão,
para que a tese esgrimida não se sustente.
Portanto, se a forma de cobrança fosse uma característica definidora do conceito de
tributo (o que não é), seria um traço contingente ou acidental, que se faria sentir
apenas em algumas oportunidades, mas já não uma característica definitória,
necessariamente presente em todas as exações. Tem-se mais um motivo para que a
discricionariedade não seja um óbice à categorização dos direitos antidumping como
tributos.
3.2.3 Os motivos pelos quais os direitos antidumping não constituem tributos
Até o presente momento, apresentamos argumentos que não afastam a índole
tributária dos direitos antidumping. Incumbe-nos agora declinar os motivos pelos quais
não lhes atribuímos tal natureza.
Foi adotada a premissa de que duas relações jurídicas distintas decorrem da
imposição dos direitos antidumping. A primeira delas é de direito potestativo e envolve o
Estado e o exportador responsável pela prática danosa à indústria nacional. A segunda é
de direito subjetivo e enlaça o Estado e o importador do produto objeto de dumping.
Deve-se afastar sem mais a natureza tributária daquele primeiro vínculo, de vez
que o conceito de tributo pressupõe a existência de uma prestação pecuniária a ser
realizada pelo contribuinte. Como o exportador apenas tolera a imposição das medidas
antidumping (nada prestando), não poderia entreter com o ente estatal uma relação
jurídico-tributária.
É interessante notar que o segmento doutrinário que associa os direitos
antidumping ao conceito de tributo termina priorizando a relação Estado/importador,
deixando de ter presente o liame envolvendo o exportador do produto com dumping.
Opera-se justamente o oposto do que se passa com os partidários da tese que postula a
disciplinadores da atividade do sujeito passivo na construção dessas regras. Cabem-lhe individualizar o evento tributário, constituindo-o
como fato jurídico, e estruturar, denotativamente, todos os elementos integrantes da relação jurídica do tributo. Em outras palavras, a lei
dá competência ao contribuinte para constituir o fato jurídico e a obrigação tributária que dele decorre, pelo fenômeno da causalidade
jurídica (Lourival Vilanova)” (Curso de direito tributário, p.427).
42
43
Assim o designa PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p.224.
Cf. NEWTON FREIRE-MAIA, A ciência por dentro, p.39.
13
índole de uma modalidade não-tributária de intervenção no domínio econômico, como
será visto oportunamente.
Desconsiderando-se a relação de direito potestativo, pode-se passar ao vínculo de
direito subjetivo. Teria ele natureza tributária? Por dois motivos entende-se que não,
quais sejam: i) as medidas antidumping constituem sanções; e ii) tais medidas não se
enquadram em quaisquer das espécies de tributos previstas no direito brasileiro44.
Deixemos a fundamentação do primeiro asserto para mais adiante, centrando a atenção
na segunda assertiva. Para demonstrá-la, vamos examinar as modalidades de tributos às
quais tem recorrido a doutrina para justificar a natureza tributária dos direitos
antidumping.
3.2.4 Os direitos antidumping como impostos de importação
Como observa Welber Barral45, a categorização dos direitos antidumping como
tributos, no Brasil, não se iniciou na doutrina, mas na resolução CPA1227/87, que os
qualificou como “imposto de importação adicional”. Mais recentemente, todavia, foi
editada a Lei 9019/95, que, segundo alguns, teria “alterado” a natureza jurídica desses
direitos.
Em verdade, não é com suporte em nenhum dos dois diplomas legislativos que se
vai desvendar a natureza jurídica dos direitos antidumping. Para saber se estes últimos
constituem, ou não, um adicional do imposto de importação, é de mister examinar a
hipótese de incidência constitucional desse imposto, prevista no art. 153, I da CF.
Laboram, pois, em equívoco tanto os que se deixaram impressionar com as palavras da
resolução CPA 1227, quanto os que atribuem à Lei 9019/95 o mérito de haver corrigido a
impropriedade daquele ato administrativo, “modificando”46 a natureza jurídica dos
direitos antidumping.
Mas qual seria, então, a materialidade que o texto constitucional reservou ao
imposto de importação? Esse gravame, incluído no âmbito de competência da União
Federal, recai, a teor do que prescreve o já citado art. 153, I, sobre a importação de
produto estrangeiro. Entende-se por importado o produto que entra no território nacional
para uso comercial ou industrial e consumo, não aquele que se encontra em trânsito, isto
é, destinado a outro país47.
À primeira vista, parece haver uma coincidência entre os acontecimentos que
desencadeiam a obrigação tributária e o dever de pagar os direitos antidumping, já que
ambos pressupõem o ingresso do produto no território nacional. Isso levou alguns
autores a concluir pela identidade entre os fatos jurídicos que implicam aqueles dois
laços jurídicos de conteúdo econômico.
Não é bem assim, contudo. Se fossem idênticos os fatos, o dever de pagar os
direitos antidumping surgiria com a mera importação. Mas não é isso o que ocorre. Só é
44
Com isso, adotamos, como característica definitória do conceito de tributo, a necessidade de que a instituição do gravame decorra do
exercício das competências tributárias estabelecidas pela Constituição. Com efeito, não nos parece possível afirmar a natureza tributária
de uma imposição que não possa ser reconduzida a quaisquer das faixas de competência que o texto constitucional cometeu aos entes
políticos. Por atribuirmos essa nota definitória ao conceito jurídico-positivo de tributo, é que se tornar oportuno verificar se os direitos
antidumping poderiam inserir-se em alguma das modalidades tributárias previstas no Estatuto Fundamental.
45
Op. cit., p.58.
46
47
Adilson Rodrigues Pires observa, neste sentido, que: “Em 30 de março de 1995, a Lei nº9019, em que se converteu a Medida Provisória nº
926, do mesmo ano, corrigiu a impropriedade apontada, ao modificar a natureza jurídica dos direitos antidumping, retirando-lhe o caráter
tributário, ao contrário do que prescrevia a legislação anterior, consubstanciada na Resolução CPA nº 1227/87.” (PIRES, Adilson
Rodrigues. Práticas abusivas no comércio internacional. Rio de Janeiro:Forense,2001, p.150). Não é diferente a perspectiva de José
Roberto Pernomian Rodrigues: “Com a alteração da natureza jurídica dos direitos antidumping operada pela Lei 9019/95 e pelo decreto
que a regulamentou, embora não tenha estabelecido nitidamente qual seria a nova natureza (artigo 7º desta lei pode auxiliar nesta tarefa),
afastou-se a natureza tributária.” (Op. cit., p. 185).
Cf. DERZI,Misabel Abreu Machado. Nota ao livro Direito tributário brasileiro, de Aliomar Baleeiro. 11. ed. Rio de Janeiro: Forense,
2000. p.215.
14
possível exigir o valor relativo a tais medidas nas hipóteses de importação em condições
de dumping condenável48, cuja determinação pressupõe, como já visto, um procedimento
específico. Sem esse plus (a existência do dumping condenável) não se há falar em
direitos antidumping, apesar de ser devido o imposto de importação.
São dois fatos jurídicos diferentes que surgem com a incidência de duas normas
igualmente distintas, a saber:
a)
importar mercadorias estrangeiras → critérios para identificação do liame
jurídico no bojo do qual surge o dever de pagar o imposto de importação;
b)
importar mercadorias em condições de dumping condenável → critérios para
identificação da relação jurídica que tem por objeto o pagamento dos direitos
antidumping49.
É oportuno lembrar que o tributo é sempre identificado pelo binômio hipótese de
incidência/base de cálculo50. As hipóteses de incidência do imposto de importação e dos
direitos antidumping coincidem apenas quanto ao verbo do critério material (importar).
Distinguem-se, entretanto, no que concerne ao complemento, pois o da primeira
(produtos estrangeiros) é menos extenso que o da segunda (produtos estrangeiros em
condições de dumping condenável). Apartam-se, além disso, no que atina com a base de
cálculo. O imposto de importação recai sobre o valor do produto importado51, ao passo
que os direitos antidumping incidem sobre um valor correspondente ou inferior à
margem de dumping apurada.
Tendo hipótese de incidência e base de cálculo diversas daquelas que
individualizam o imposto de importação, os direitos antidumping não se revestem da
qualidade de adicional daquele tributo. Para constatá-lo, basta recordar que o adicional
consiste numa simples majoração do principal, identificando-se perfeitamente com ele.
Atente-se para esse primor de lição de Rubens Gomes de Souza52:
Tratar-se-á sempre do mesmo impôsto que lhe serve de base, do qual se
cobra, com o nome de ‘adicional’ uma simples majoração. Portanto, é da
essência do adicional que êle se identifique perfeitamente com o impôsto
principal. A não ser assim, tratar-se-á de um imposto autônomo, cuja
natureza jurídica terá de ser pesquisada, para se apurar se o govêrno que
o criou tinha competência para fazê-lo. E, para essa pesquisa, o nome que
o legislador lhe tenha atribuído – ‘adicional’ ou outro qualquer - será
irrelevante (Código Tributário Nacional , art. 4º, n.I).
Pode-se dessumir, portanto, que os direitos antidumping não devem ser
confundidos com o imposto de importação. No próximo subitem, ver-se-á que esses
direitos não são, de igual modo, contribuições de intervenção no domínio econômico.
48
Cf. RÍOS, Gabriela e GARCÍA,Tonatiuh.Diferencias entre impuestos aduaneros y cuotas compensatórias del comercio exterior mexicano,
en el ámbito del derecho tributario.Reflexiones sobre la constitucionalidad de las últimas. Boletín mexicano de derecho comparado, ano
XXXI,173-193,enero-abril,1998, p.188.
49
Nessas normas gerais e abstratas vamos encontrar, como se pode perceber, hipóteses de incidência e prescritores normativos diferentes, a
partir de cujos critérios se constrói, por meio do relato em linguagem competente, fatos jurídicos (antecedentes de normas individuais e
concretas) e fatos jurídicos relacionais (conseqüentes de normas individuais e concretas) igualmente distintos. (Cf. Paulo de Barros
Carvalho, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, passim.)
50
51
52
Cf. Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário.13.ed.São Paulo:Saraiva,2000,, p.29.
Que não corresponde necessariamente ao preço encetado na compra e venda de que resulta a importação. O que interessa para se
determinar a base de cálculo desse imposto é, conforme preceituam o art. VII do GATT e o art. 20,II do CTN, o valor normal do produto
importado, ou seja, aquele que seria estabelecido numa venda em condições de livre concorrência (at arm´s lenght). Para um estudo
detido sobre o princípio am´s lenght, ver TORRES, Heleno Taveira. Direito tributário internacional: planejamento tributário e
operações transnacionais.São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2001, p. 163 e segs.
SOUSA, Rubens Gomes de. O imposto territorial urbano, a tributação extrafiscal e o art. 202 da Constituição de 1946. Revista dos
tribunais, v. 386,36-47,1967, p.38.
15
3.2.5 Os direitos antidumping como contribuições de intervenção no domínio
econômico
O propósito deste subitem não é – nem poderia ser – o de analisar mais
detidamente as diversas nuances que circundam o instigante tema das contribuições de
intervenção no domínio econômico (daqui em diante, “CIDE”). Vamos manter a postura
que já adotamos em relação ao imposto de importação, examinando apenas aspectos
que poderiam apartar a CIDE dos direitos antidumping53 e também alguns pontos de
aproximação entre eles.
3.2.5.1 Destinação ao custeio de uma intervenção estatal na ordem econômica
Contribuições interventivas e direitos antidumping apresentam em comum o fato de
instrumentalizarem intervenções na economia nacional.São vínculos jurídicos que têm
por objeto prestações pecuniárias compulsórias cuja realização está vocacionada a
influenciar o processo econômico . Se o tipo de intervenção levada a efeito pelos direitos
antidumping amolda-se à forma de intervenção exigida para que seja criado um tributo a
título de CIDE, é o que será examinado nos próximos parágrafos.
O artigo 149 da CF atrelou a instituição da CIDE a uma finalidade obrigatória: a
intervenção no domínio econômico. Para um significativo segmento doutrinário, essa
intervenção materializar-se-ia sempre por meio de uma atividade estatal. A CIDE serviria
de instrumento para essa atuação interventiva, custeando-a. Assumiria, pois, a condição
de um instrumento de custeio “dos serviços e encargos da intervenção no domínio
econômico”54.
EDUARDO SHUERI55 é incisivo, ao vincular a CIDE a uma atuação estatal sobre a
ordem econômica:
Já do texto do artigo 149, extrai-se que a intervenção a que se refere o
dispositivo é uma atuação do Estado, já que a contribuição é o
instrumento daquela. E não se trata de uma atuação qualquer; é uma
intervenção, isto é, uma atuação em campo que originariamente não
comete ao Estado.
RICARDO MARIZ DE OLIVEIRA56 caminha pela mesma trilha:
Neste sentido, deve-se ter em mente que o termo ‘contribuição’ liga-se
indissociavelmente ao conceito de custeio de alguma utilidade, o que, por
conseqüência, deve ser atribuído a quem participa dessa utilidade. [...]
Portanto, a União pode instituir uma contribuição de intervenção no
domínio econômico, desde que além de todos os demais requisitos acima
elencados, faça da sua arrecadação um efetivo instrumento de custeio da
sua atividade intervencionista.
53
AGOSTINHO TOFFOLI TAVOLARO não concorda possa a CIDE ser apartada da medida antidumping em questão. São suas as
palavras:“No direito constitucional brasileiro os direitos antidumping têm natureza de contribuições de intervenção no domínio
econômico, prevista no art.149 da CF” (A natureza jurídica dos direitos antidumping, Cadernos de direito tributário e finanças públicas
nº 18, p.249.
54
GRAU,Eros Roberto. IAA- Contribuição de intervenção no Domínio Econômico- Transformação em imposto – Inconstitucionalidade no
Regime da EC 1/69 e não recepção pela Constituição de 1988 - Princípio da Legalidade e Bitributação. Revista de direito tributário nº
53,jul./set, 1999, p.154.
55
Algumas considerações sobre a contribuição de intervenção no domínio econômico no sistema constitucional brasileiro. A contribuição
ao programa universidade-empresa, In: Contribuições de intervenção no domínio econômico e figuras afins São Paulo:
Dialética,2001,p.368.
56
Contribuições de intervenção no domínio econômico – concessionárias, permissionárias e autorizadas de energia elétrica – “aplicação”
obrigatória de recursos (Lei 9.991), in:GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuição de intervenção no domínio econômico e figuras
afins. São Paulo: Dialética, 2001, p.379-380.
16
A intervenção a que se refere o art. 149 da Lei Fundamental não se concretizaria,
para essa doutrina, com a simples cobrança da CIDE. Seria de império que a instituição
do tributo estivesse sempre vinculada à finalidade de custear uma ação interventiva do
Estado na ordem econômica.
Aceitando-se
essa
premissa,
será
forçoso
concluir
que
o
direito
antidumping/importador não poderia ser criado a título de contribuição de intervenção no
domínio econômico, já que o objetivo da instituição desse direito não é o de fornecer
recursos a uma atividade de intervenção do Estado na economia. Sua exigência não está
atrelada a tal finalidade. Isso implicaria, para a tese em exame, a ausência de um dos
requisitos necessários à caracterização da CIDE.
Mas há também quem sustente posição diametralmente oposta, isto é, a de que a
CIDE somente poderia ser, ela própria, o instrumento de intervenção no processo
econômico. É o parecer de GASTÃO ALVES DE TOLEDO:
Com efeito, se não vemos possível a intervenção no domínio econômico,
sob o manto da atual Constituição e, sim, uma simples participação nesse
mesmo domínio, nos termos em que a mesma é admitida pelo art. 173
(sob todas as condicionantes ali estatuídas), não há como presumir-se a
possibilidade de que tal contribuição sirva de coadjuvante a uma ação
interventiva. Ela ( a contribuição) é a própria forma de intervir, isto é,
intervém-se por seu intermédio”57 [destaques originais].
Não nos parece que a solução possa estar nessas duas posições extremadas.
Inexiste, no texto constitucional, espaço para as interpretações restritivas por elas
sugeridas.
O artigo 149 da CF refere-se simplesmente à intervenção na ordem
econômica, exigindo apenas que a CIDE seja um meio para alcançar esse desiderato.
Como a exigência de qualquer tributo interfere, direta ou indiretamente, no econômico,
nada obsta a que a União Federal utilize a própria arrecadação da CIDE para o propósito
de interferir nos destinos da economia58, desde que essa interferência encontre acústica
no texto constitucional, mais especificamente nos comandos relativos à ordem
econômica. Reforça-o a circunstância de que a Constituição atual não mais alude ao
custeio de serviços e encargos, como o fazia a Carta de 1967.
Por outro lado, não tem consistência a restrição proposta por GASTÃO ALVES DE
TOLEDO. Nada obsta, por exemplo, a que o Estado arrecade a CIDE para, com apoio no
artigo 174 da CF, incentivar ou fiscalizar um determinado setor da economia. Na
ilustração de GERALDO ATALIBA59, “ pode a lei [...] exigir aos plantadores e
industrializadores de certos produtos, aos empresários de atividades de extração,
contribuições em benefício de entidades legalmente encarregadas de assegurar preços,
regular mercados, fomentar a produção, fiscalizar qualidade de produtos etc”. Portanto, é
lícito ao Estado alcançar seus propósitos também mediante o investimento do produto da
arrecadação da CIDE em despesas públicas relacionadas com as finalidades da ação
interventiva.
Quer nos parecer, pois, que a “ intervenção no domínio econômico” a que se refere
o artigo 149 comporta as duas situações acima referidas, vale dizer, tanto admite seja a
contribuição instituída para fazer frente a despesas públicas, quanto autoriza a sua
utilização, dela própria, como instrumento de intervenção na ordem econômica.
57
O direito constitucional econômico e sua eficácia, p.274.
58
Assim pensam, entre outros: MARCO AURÉLIO GRECO, Contribuições: Uma figura ‘sui generis’,São Paulo: Dialética,2000, p.236.;
DANIEL VITOR BELLAN, Contribuições de intervenção no domínio econômico,Revista de direito tributário nº78,15-34,mar.2002,
p.23; Paulo Roberto Lyrio Pimenta, As contribuições de intervenção no domínio econômico em face da Emenda Constitucional nº
33/2001, Revista de direito tributário nº 81, 74-79,jun.,2002,p.74-75.
59
Hipótese de incidência tributária, p.180.
17
Seja como for, fica o registro de que os adeptos da tese que postula a vinculação
da CIDE ao custeio de uma atividade interventiva contam com mais um argumento para
não confundir o direito antidumping/ importador com um tributo criado a esse título.
3.2.5.2 A ausência de lei complementar
O já citado artigo 149 da CF determinou a aplicação do artigo 146, III do mesmo
Estatuto Fundamental às contribuições ali previstas. A remissão feita a este último
dispositivo rende ensejo a uma acirrada controvérsia doutrinária. Alguns autores
entendem que as contribuições não poderiam ser criadas antes que uma lei
complementar lhes desenhasse os contornos, instituindo normas gerais sobre os
aspectos a que alude o artigo 146. Outros, por outro lado, postulam a possibilidade de a
lei ordinária criar esses tributos independentemente da prévia edição de lei
complementar.
Filiamo-nos à corrente de pensamento que circunscreve o papel das normas gerais
de direito tributário à realização de duas finalidades específicas: dispor sobre limitações
constitucionais ao poder de tributar e regular possíveis conflitos de competência entre as
entidades tributantes. Os numerosos aspectos mencionados no inciso III do artigo 146
não suscitam conflito de competência a respeito das contribuições sociais, mercê da
competência exclusiva da União para instituí-las. Por esse motivo, “descabe falar em uma
pretensa ‘norma geral’ necessária e imprescindível à instituição daquelas
contribuições”60.
Mesmo não sendo a lei complementar o instrumento normativo necessário à
instituição da CIDE, sê-lo-ia para criação dos direitos antidumping, se estes últimos
pudessem ser instituídos a seu título. O asserto reclama algumas considerações.
O constituinte, ao contrário do que fez em relação aos demais tributos, não
predeterminou as materialidades sobre as quais poderão recair as contribuições previstas
no artigo 149 da CF. Com isso, reservou ao legislador ordinário maior liberdade para
escolher os acontecimentos tributáveis. Mas duas observações devem ser feitas. A
primeira, não se criou uma quarta espécie de tributo. Tributos só o são os impostos (não
vinculados a um agir do Estado), as taxas (diretamente vinculadas a uma atuação
Estatal) e as contribuições de melhoria (indiretamente vinculadas a uma atividade do
Estado). Em uma das duas primeiras classes haverão de se inserir aquelas
contribuições61.
A segunda, cabe ao legislador da União manter-se dentro dos limites de sua
própria competência. Assim, se fizer opção por acontecimentos que configuram hipóteses
de incidência de impostos (por serem fatos quaisquer, alheios a qualquer atuação
estatal), haverá de recorrer às materialidades que lhe foram reservadas pelo artigo 153
da CF. Ser-lhe-á lícito ainda lançar mão da sua competência residual. Mas neste caso
submeter-se-á às limitações impostas pelo artigo 154, I, entre as quais figura a exigência
de lei complementar. Vale conferir, a respeito, o escólio de ROQUE ANTONIO CARRAZA62:
Se tiverem hipótese de incidência de algum imposto da chamada
“competência residual” da União (art. 154, I, da CF), as “contribuições de
intervenção no domínio econômico” deverão ser instituídas por lei
60
TÔRRES,Heleno Taveira. Contribuições – Constitucionalidade (Mesa de debates H do XV Congresso Brasileiro de Direito Tributário),
Revista de direito tributário n. 85, 155-164, [s/d], p.158-159.
61
Tais contribuições não podem, todavia, “nem mesmo em tese, revestir a natureza de contribuição de melhoria, já que, pelas finalidades
que devem alcançar, não se coadunam com a regra-matriz deste tributo (valorização imobiliária causada por obra pública). Além disso, o
sujeito passivo possível da contribuição de melhoria é o proprietário do imóvel que experimentou valorização em decorrência de obra
pública realizada nas imediações. Ora, isto não tem nada a ver nem com seguridade social, nem com intervenção no domínio econômico,
nem, muito menos, com interesses de categorias profissionais ou econômicas” (ROQUE ANTONIO CARRAZA, Curso de direito
constitucional tributário,p. 495-496).
62
Op. cit., p. 503-504.
18
complementar, não poderão ter hipótese de incidência ou base de cálculo
iguais às de qualquer dos impostos elencados nos arts. 153,155 e 156 da
CF e precisarão observar a regra da não cumulatividade.Se tiverem
hipótese de incidência de algum imposto da chamada “competência
explícita” da União ( art.153 da CF) – o que também é perfeitamente
possível –, deverão ser criadas por meio de lei ordinária, e, é claro, não
precisarão obedecer à mesma regra da não cumulatividade (grifo do
autor).
Como os direitos antidumping não se encaixariam em quaisquer das materialidades
previstas no citado artigo 153 da CF, para que constituíssem contribuições de
intervenção no domínio econômico, teriam de ser instituídos necessariamente por lei
complementar, o que não acontece.
É lícito concluir, portanto, que as medidas antidumping não poderiam ter sido
criadas a título de contribuição de intervenção no domínio econômico, por lhes faltar um
requisito de ordem formal: a instituição por lei complementar. A ausência desse requisito
compromete a existência jurídica do tributo, numa palavra, sua validade.
3.2.6. Os direitos antidumping como taxas de polícia
Já se cogitou em atribuir aos direitos antidumping a natureza de taxa decorrente
do exercício do poder de polícia63. A verdade, no entanto, é que tais medidas são
inteiramente incompatíveis com a modalidade tributária em questão. Para demonstrá-lo,
é necessário tecer algumas rápidas palavras sobre as taxas, enfocando especialmente
essa particular espécie, a taxa de polícia.
As taxas consistem em tributos vinculados a uma atuação do Estado imediatamente
referida ao contribuinte. Seu princípio informador é o da retributividade. O contribuinte
retribui, com o pagamento de um valor pecuniário, a atuação estatal a ele dirigida.
A cobrança dessa exação está, pois, atrelada a uma atividade do Estado. E não é
qualquer atividade. No nosso sistema tributário, só são capazes de tornar exigível tal
gravame a prestação de serviço público específico e divisível (destacável em unidades de
utilização), e o exercício do poder de polícia, isto é, da atividade conducente à imposição
de limitações à liberdade e à propriedade dos indivíduos para a preservação do bem
comum.
Para distinguir uma taxa – e, de resto, qualquer tributo- não basta lançar os olhos
sobre o fato previsto na hipótese de incidência: é imprescindível verificar a base de
cálculo. Se esta não mensurar uma atividade estatal, a espécie tributária – se de tributo
se tratar- será outra, um imposto.
No que concerne especificamente à taxa de polícia, a base imponível deverá
“referir-se exclusivamente às diligências que levaram à prática do ato de polícia”64.
Dimensionará, para dizê-lo com outras palavras, o custo da atividade estatal.
Com essas considerações, já é possível notar que os direitos antidumping não se
incluem na classe relativa ao tributo de que se está cogitando. Em primeiro lugar, porque
esses direitos não são cobrados para custear o exercício de um poder de polícia, mas
como resposta à importação em condições de prática desleal de comércio, vale dizer, à
importação em situação de dumping condenável.
63
“Neste sentido, admitindo-se que o dumping não seja um ilícito, mas haja necessidade de coibi-lo, e que a atividade administrativa com
esse objetivo seja vinculada, poder-se-ia considerar o valor cobrado a título de direitos antidumping como uma taxa decorrente do
exercício do poder de polícia, consistente na fiscalização pela Administração das atividades dos administrados.” (José Roberto
Pernomian, O dumping como forma de expressão do abuso do poder econômico: caracterização e consequencias, p.204).
64
CARRAZA, op. cit., p.464.
19
Sobremais, é da essência dessas medidas refletirem a margem de dumping
apurada, não podendo assim dimensionar o custo de nenhuma atividade estatal. O
quanto a ser pago não dependerá dos atos realizados para levar a efeito o exercício de
um poder de polícia, mas da diferença entre o preço de importação e o valor normal do
produto. Se fossem taxas de polícia, teriam de mensurar as diligências empregadas no
procedimento de investigação do dumping condenável, o que não acontece, como visto.
3.2.7 Um tributo da competência residual da União
Se os direitos antidumping não se encaixam em nenhuma das modalidades
tributárias afetas de forma expressa à competência da União Federal, haveriam, caso
fossem tributos, de ser oriundos do exercício da competência residual dessa pessoa
jurídica de direito público interno.
Acontece que a competência impositiva prevista pelo artigo 154, I da CF exige – já
averbamos - a utilização de um veículo normativo específico: a lei complementar. Os
direitos antidumping não são veiculados por esse instrumento introdutor de normas, o
que nos autoriza a concluir que tais medidas, sobre não se enquadrarem em nenhum dos
tributos da “competência explícita” da União, deixam de se inserir, de igual modo, entre
os impostos da competência residual dessa pessoa política.
3.3 Os direitos antidumping como modalidade não tributária de intervenção no
domínio econômico
Tércio Sampaio Ferraz et al. após criticarem a tipificação dos direitos antidumping
como tributo e como sanção, atribuem-lhes a natureza de uma modalidade não tributária
de intervenção no domínio econômico, observando que esses direitos “constituem
conteúdo de normas de direito econômico internacional, que impõe ao produto
exportado/importado condições de acesso ao mercado do país importador, que podem
ser o pagamento dos direitos ou a assunção de obrigações por parte dos exportadores de
eliminação do dumping ou do subsídio, tudo isso de modo que a comercialização seja
condizente com o interesse global da economia”65.
Welber Barral66, por sua vez, encampou a tese em questão, apresentando novos
argumentos. Para o referido autor, a imposição dos direitos antidumping encontra
embasamento constitucional no art. 174 da CF, mais especificamente na possibilidade,
conferida por esse dispositivo, de o Estado exercer a função de incentivo econômico.
Semelhante função corresponderia, ainda segundo Barral, ao que Eros Roberto Grau
chamou de “intervenção por indução”.
Vale ressaltar, neste passo, com apoio no escólio do professor Eros Grau, que
existem três formas de intervenção no domínio econômico:
a)
participação ou absorção;
b)
direção; e
c)
indução. No primeiro caso, o Estado intervém no domínio econômico como
agente econômico, assumindo total (absorção) ou parcialmente ( participação)
“ o controle dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da
atividade econômica em sentido estrito...”67. Na segunda hipótese, o ente
estatal atua sobre a atividade econômica, impondo comportamentos (direção),
ou apenas estimulando a adoção de determinadas condutas (indução).
65
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio et. al.Direitos Anti-“dumping” e Compensatórios: Sua Natureza Jurídica e Conseqüências de tal
caracterização. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nº 96, 87-109, out.94, p.95.
66
Op. cit., p.65.
67
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ª ed. São Paulo: Melheiros, 1997, p.156.
20
A indução - que nos interessa mais de perto - visa a convencer os agentes
econômicos a assumir certa postura, sem determiná-la. Pressupõe a utilização de
mecanismos ou instrumentos que estimulam a adoção da conduta desejada. Quando se
quer, por exemplo, que uma indústria se instale numa região específica, pode-se induzila a tanto mediante a concessão de benefícios fiscais. O Estado não obriga a realização
do comportamento almejado, mas a estimula valendo-se de normas promocionais.
A intervenção por indução, como observa Eros Grau, não se dá sempre por meio de
instrumentos positivos. O ente estatal pode intervir no domínio econômico também
mediante o uso de instrumentos negativos.
O recurso às medidas antidumping
enquadrar-se-ia, ao que parece, nesta última hipótese. Vejamos o que nos informa a
respeito Welber Barral:
Estas razões, bem como as anteriormente apresentadas, encaminham
este trabalho a defender a última alternativa teórica apresentada na
doutrina. Ou seja, que a natureza jurídica dos direitos antidumping é a de
modalidade não tributária de intervenção no domínio econômico. 68 (grifo
nosso).
E mais adiante, observa:
A função de incentivo, no contexto constitucional, deve ser compreendida,
segundo a lição de Eros Roberto Grau, como ‘intervenção por
indução’.Esta intervenção estatal, buscando incentivar a economia
nacional, poderá adotar a forma de norma promocional ou de norma
condicional. A medida em análise [os direitos antidumping] se subsume
na segunda hipótese, consagrando condição para que concorrentes
estrangeiros tenham acesso ao mercado nacional, a fim de gerar
vantagens concorrenciais para os produtores domésticos69.
Não nos parece que os direitos antidumping sejam instrumentos de intervenção por
indução, como quer o autor citado. É que, como será visto mais adiante, o dumping
condenável consiste numa prática ilícita, e a intervenção por indução não convive com a
ilicitude. Com efeito, a norma interventiva não obriga ou proíbe qualquer
comportamento. Sua inobservância não gera, pois, um ilícito. No próximo capítulo, verse-á que o dumping que causa dano à indústria nacional é proibido e que quem o pratica
comete um ato ilícito, submetendo-se, por via de conseqüência, à imposição de medidas
sancionatórias.
Agregue-se, outrossim, que construção teórica em perspectiva, ao atribuir aos
direitos antidumping a natureza de uma modalidade não tributária de intervenção no
domínio econômico, acaba incorrendo numa definição pela negativa. Expliquemos este
asserto.
Deve-se ter presente que o Estado pode recorrer a mecanismos variados para
realizar a intervenção na ordem econômica. Pode valer-se, inclusive, das diversas
modalidades tributárias. A par do exemplo já mencionado - o dos benefícios fiscais -,
poder-se-ia acrescentar, mais uma vez com Eros Roberto Grau, que há “ norma de
intervenção por indução quando o Estado, v.g., onera por imposto elevado o exercício de
determinado comportamento, tal como no caso de importação de certos bens”70.
68
Op. cit., p.63
69
Op. cit., p.65
70
A ordem econômica na Constituição de 1988, p.158.
21
Assim, quem sustenta, por exemplo, que essas medidas constituem imposto de
importação não tem motivo para negar-lhes a qualidade de instrumento de intervenção
no domínio econômico. A recíproca é verdadeira: não será lícito afastar, a priori, a índole
tributária pelo tão-só fato de restar caracterizada uma modalidade de intervenção na
atividade econômica. E o motivo é singelo: são categorias - a de tributo e a de norma
interventiva- que não se excluem.
A tese em causa postula, entretanto, que as medidas antidumping são
instrumentos de intervenção sem natureza tributária (“modalidade não tributária de
intervenção no domínio econômico”). Faz saber, com isso, que esses direitos não são
tributos. Mas termina – e este ponto é crucial - não elucidando a sua natureza. Incorre,
como já antecipamos, no vício lógico da definição pela negativa. Deve-se explicar “o que
o termo significa e não o que ele não significa. Isso é importante porque, para a grande
maioria dos termos, há uma quantidade excessiva de coisas que não significam para que
qualquer definição negativa tenha a possibilidade de abrangê-la toda”71.
Temos, pois, que a tese sob exame não explica, com o devido respeito, a natureza
das medidas antidumping. Diz o que elas não são, mas deixa de esclarecer, afinal, o que
são.
Parece-nos, finalmente, que os partidários dessa posição doutrinária acabam pondo
acento na relação Estado/exportador. É o contrário da doutrina que postula a natureza
tributária dos direitos antidumping, sendo conveniente lembrar que esta última prioriza a
relação Estado/importador. Vale repetir este trecho da lição de WELBER BARRAL: “A
medida em análise [os direitos antidumping]
se subsume na segunda hipótese,
consagrando condição para que concorrentes estrangeiros tenham acesso ao mercado
nacional, a fim de gerar vantagens concorrenciais para os produtores domésticos”
[sublinhamos].
Qual a doutrina que sustenta a índole tributária, a tese em perspectiva termina,
com o devido acatamento, por refletir uma visão fragmentária do problema, não se
atendo à existência das duas relações jurídicas a que já se fez referência..
3.4 Um instituto sui generis
Foi Guillermo Cabanellas72 quem atribuiu inicialmente aos direitos antidumping uma
natureza sui generis. Para o jurista argentino, as medidas em questão “Constituyen un
mecanismo sui generis de protección que no puede ser suplido adecuadamente, en virtud
de las razones que se han expuesto en esta obra (Cap.I), ni por la legislación antitrust ni
por los derechos de importación usuales.”
Não podemos concordar com a atribuição de uma natureza jurídica sui generis aos
direitos antidumping, porque acreditamos que esses direitos podem ser reconduzidos à
classe das sanções. E só se faz possível – vale ressaltar - atribuir a determinado instituto
um gênero próprio, se não houver a possibilidade de inseri-lo numa categoria teórica já
existente73. Por esse motivo, não nos parece adequado categorizar as medidas
antidumping como um instituto jurídico sui generis.
4. OS DIREITOS ANTIDUMPING COMO MEDIDAS SANCIONATÓRIAS
4.1 Considerações iniciais
É chegado o momento de firmar nossa posição sobre a natureza jurídica dos
direitos antidumping. Antes, porém, seja-nos permitido fazer uma necessária digressão
pelo campo dos conceitos. Não temos evidentemente o objetivo de realizar uma
71
COPI, Irving M. Introdução à lógica. 2ª ed. São Paulo: Mestre Jou, 1978, p.133.
72
CABANELLAS, Guilhermo. El dumping: legislación argentina y derecho comparado. Buenos Aires: Heliasta, 1981, p.83.
73
Cf. Welber Barral, op. cit., p.63.
22
investigação minuciosa nesta vasta e complexa seara. Nossas pretensões são bem mais
modestas. Interessa-nos, tão-somente, introduzir algumas considerações sobre a
diferença entre características definitórias e secundárias e sobre a classificação dos
conceitos em lógico-jurídicos e jurídico-positivos. Ao concluir essa rápida digressão,
passaremos a dispor do instrumental teórico necessário para o enfrentamento do tema
com o qual estamos nos ocupando.
4.2 As características definitórias de um conceito
Jacob Bazarian74 define conceito como sendo “uma imagem subjetiva do mundo
objetivo, mas uma imagem mental e não-sensível como na percepção. Enquanto a
imagem sensível é concreta e particular, o conceito é abstrato e geral. O conceito reflete
os aspectos essenciais, universais do objeto, abstraindo-se os aspectos secundários.”
O citado autor distingue, como se pode notar, as características que determinam
um conceito daquelas que são simplesmente acidentais ou secundárias. Esta é,
outrossim, a perspectiva de Lourival Vilanova75, para quem o “conteúdo do conceito é
justamente a identidade que o pensamento destaca na multiplicidade do objeto, é a
unidade e a permanência que coexistem no objeto, ao lado da pluralidade e da variação.”
Quando se afirma que X é Y, está-se asseverando que X reúne todas as
características definitórias76 do conceito Y, significa dizer, atende ao critério de uso77 da
palavra aqui representada por Y, inserindo-se em seu campo denotativo. Inversamente,
se se nega esteja X incluído no âmbito de denotação da palavra de classe78 Y, está-se,
implicitamente, afirmando que X não ostenta qualquer um daqueles atributos definidores.
Em uma ou outra hipótese, a afirmação será verdadeira se estiver calcada nas
caraterísticas definitórias do conceito em questão. Não o será, todavia, se quem a fizer
incorrer no equívoco de pretender determinar o conceito por atributos secundários ou
acidentais do objeto a que ele se refere. Estas últimas características são inteiramente
irrelevantes, podendo estar, ou não, presentes no objeto ou fenômeno ao qual se atribuí
o nome geral ou palavra de classe. Por isso mesmo é que se “le llamam características
concomitantes o acidentales respecto de ese nombre”79.
No que concerne especificamente aos conceitos jurídicos, há duas formas bastante
distintas de se perscrutar suas características definitórias. Não se pode compreendê-las,
entretanto, sem passar antes pela classificação dos conceitos em jurídico-positivos e
lógico-jurídicos.
74
BAZARIAN, Jacob. O problema da verdade. São Paulo: Círculo do Livro, [s.d.]., p. 115.
75
VILANOVA, Lourival. Sobre o conceito de direito. Recife: Imprensa oficial,1947, p.17.
76
Fique registrado que essas características não são definitórias por si mesmas. São-no em relação com certo nome, dependendo, pois, da
nossa linguagem. Em rigor, as notas definitórias “ no son las que hacen que algo sea una cosa y no otra, sino las que, de hallarse presentes
en un objeto, nos mueven a llamarlo con cierto nombre según la clasificación que hemos escogido o aceptado”. (GUIBOURG, Ricardo
A.; GHILIANI, Alejandro M. e GUARINONI, Ricardo V. Introducción al conocimiento científico. Buenos Aires: Eudeba, 1985,p.47).
77
“Existen ciertas razones, más o menos uniformes, por las que incluimos un objeto en una clase o lo excluimos de ella. Estas razones
forman el criterio de uso de la palabra de clase, y tal criterio es la piedra de toque del concepto: tenemos el concepto de mosca cuando
estamos dispuestos a usar cierto criterio para llamar mosca (o mouche, o fly) a los objetos que lo satisfagan, y para no llamar con ese
vocablo a las cosas que no se ajusten a sus requisitos. El conjunto de estos requisitos o razones, es decir, el criterio de uso de una palabra
de classe ( determinante y demonstrativo del concepto correspondiente) se llama designación de esa palabra”. (Ricardo A. Guibourg et.
al.,op. cit., p.42).
78
Distinguem-se os nomes próprios ou individuais dos nomes gerais ou palavras de classe. Aqueles respeitam a objetos individuais; estes se
referem a um número potencialmente infinito de indivíduos. No primeiro caso, a escolha do nome resulta de mera preferência; no
segundo, fixam-se conceitos, vale dizer, elegem-se determinados atributos que os entes devem possuir para pertencer àquela classe
representada pelo nome em questão.
79
Ricardo A. Guibourg et al. Introducción al conocimiento científico, p.46.
23
4.3 Conceitos jurídico-positivos e lógico-jurídicos
Juan Manoel Terán separa os conceitos jurídicos em duas classes: i) a dos lógicojurídicos, e ii) a dos jurídico-positivos. Os primeiros ostentam as mesmas feições onde
quer que haja direito. Os segundos, diferentemente, têm seus contornos definidos por
cada sistema jurídico-positivo. Como exemplos destes últimos, poder-se-iam citar os
conceitos de tributo, de compra e venda, de furto etc. Já como exemplos daqueles
primeiros, apresentar-se-iam os conceitos de relação jurídica, de sujeito de direito, de
direito subjetivo etc. Vale conferir as palavras do próprio Terán80:
En conclusión: uno es el plano de los conceptos jurídicos-positivos e otro
el plano de la nociones o fundamentos lógico-jurídicas. Los conceptos
jurídico-positivos tienen un ángulo equivalente al de la positividad del
derecho concreto que los ha comprendido e implantado, en tanto que los
fundamentos lógicos pretenden tener una validez común y universal para
todo sistema jurídico y, por lo tanto, para toda conceptuación jurídica.
A despeito da sua indiscutível importância, a distinção entre conceitos lógicojurídicos e jurídico-positivos nem sempre tem sido observada. Não são incomuns as
lições que tratam destes últimos conceitos (os jurídico-positivos) sem ter presente o
sistema normativo em que estão inseridos. Demonstra-o a ocorrência de afirmações do
tipo: “a imunidade tributária alcança exclusivamente os impostos”, “a decadência jamais
se interrompe”, etc. Autores da mais alta suposição já demonstraram que essas
assertivas são feitas à revelia do sistema positivo 81.
Por outro lado, surpreende-se, em algumas situações, o tratamento de conceitos
lógico-jurídicos como se fossem jurídico-positivos, um de cujos exemplos vamos
encontrar justamente na temática dos direitos antidumping. Far-se-á a demonstração
desse asserto mais adiante. Por ora, cumpre insistir na distinção entre conceitos jurídicopositivos e lógico-jurídicos, enfocando o modo de construção das características
definitórias de ambos.
4.4 As características definitórias dos conceitos lógico-jurídicos
Para a formulação de um conceito jurídico-positivo é necessário, antes de mais
nada, lançar os olhos sobre o sistema normativo em cujos limites terá ele validade. Se se
pretender chegar, por exemplo, ao conceito de empresa no direito brasileiro, será
necessário estudar as normas jurídicas que disciplinam esse instituto. E que normas? As
normas encartadas no ordenamento jurídico brasileiro, não interessando as regras do
sistema americano, espanhol etc. O jurista estará, pois, sempre jungido à experiência de
um sistema normativo específico quando pretender formular um conceito jurídicopositivo.
80
81
TERÁN, Juan Manuel. Filosofia del derecho. 14ª ed. México: Porrúa,1998, p.82. As idéias do jurista mexicano são reforçadas por
Geraldo Ataliba80:“ O conceito de h.i – como o de relação, sanção, preceito e pessoa- é universal, no sentido de que não decorre da
observação de um sistema particular, nem se compromete com nenhum instituto jurídico localizado no tempo e no espaço (cf. Juan
Manoel Terán, Filosofia del derecho, Ed. Porrúa, México, 1952,pp.79 e ss.). É aplicável assim ao direito vigente como ao revogado ou
constituendo. É válido aqui, como alhures, onde haja direito, porque conceito lógico-jurídico” (Hipótese de incidência tributária, p.5960).
Paulo de Barros Carvalho demonstrou o equívoco da afirmação consoante a qual a imunidade não alcança os impostos, indicando, na
Constituição de 1988, os preceitos que infirmam esse suposto truísmo (Curso de direito tributário, p.128-130). O mesmo autor chamou
atenção para o fato de que o Código Tributário Nacional estabelecera, no item II do art. 173, uma hipótese de interrupção do prazo de
decadência, contradizendo a decantada afirmação de que o lapso decadencial não se interrompe (Ibidem, p.314-315). O autor citado
demonstrou, pois, o equívoco dessas assertivas que, ao lado de outras tantas, não se baseiam na experiência do sistema jurídico brasileiro,
confundindo conceitos jurídico-positivos com conceitos lógico-jurídicos.
24
O mesmo não pode ser dito em relação aos conceitos lógico-jurídicos. Por terem a
pretensão de ser universais, tais conceitos não dependem de uma investigação empírica
deste ou daquele sistema jurídico-positivo. São conceitos a priori e, portanto, atemporais
82
e a-espaciais. Mais uma vez, recorre-se às lições de Juan Manuel Terán :
Por otra parte, los conceptos jurídico-positivos son calificados como
nociones a posteriori; es decir se obtienen una vez que se tiene la
experiencia del derecho positivo, de cuya comprensión se trata; en tanto
que los otros conceptos, los lógico-jurídicos, son calificados como
conceptos a priori; es decir, con validez constante y permanente,
independiente de las variaciones del derecho positivo.
Ora, se os conceitos lógico-jurídicos são independentes da experiência concreta
deste ou daquele sistema normativo, não podem ter suas características definidoras
aferidas com base em elementos jurídico-positivos. Seus atributos definitórios devem ser
universais, é dizer, presentes ali onde houve direito. Trata-se de uma conclusão
evidente, que dispensa maiores considerações.
Pois bem, o conceito de sanção é lógico-jurídico. Logo, não se pode recolher seus
traços definitórios em elementos contingentes, que dependam da opção política de cada
sistema positivo. Essa constatação tem passado despercebida por alguns autores que se
ocupam com o estudo dos direitos antidumping. Examinaremos, no próximo item, alguns
argumentos que confirmam essa afirmação. Em seguida, apresentaremos o nosso
entendimento sobre o conceito de sanção e, finalmente, analisaremos se os direitos
antidumping podem atender ao critério de uso que adotamos para palavra de classe
“sanção”.
4.5 Os argumentos contrários à natureza sancionatória dos direitos
antidumping
A principal objeção oposta à natureza sancionatória dos direitos antidumping
repousa na discricionariedade que caracteriza a sua aplicação. É sempre este o primeiro
argumento: se as medidas antidumping fossem sanções, teriam de ser necessariamente
aplicadas83. A obrigatoriedade da imposição é, pois, compreendida como uma nota
definidora do conceito de sanção.
Os que defendem essa tese não se apercebem de que o modo de aplicar a
penalidade consiste num elemento jurídico-positivo, alheio, portanto, às características
definitórias do conceito lógico-jurídico de sanção. Nada obsta, com efeito, a que um dado
sistema positivo determine a imposição obrigatória da penalidade para alguns fatos
ilícitos e não a exija para outros. Trata-se de uma opção legislativa perfeitamente
compreensível, pois o interesse na aplicação da medida sancionatória cede passo, por
vezes, ao resguardo de interesses maiores.
Se a forma de imposição da penalidade – discricionária ou obrigatória - é assunto
afeto à política legislativa de cada sistema jurídico-positivo, não pode constituir-se
evidentemente num elemento definidor de um conceito a priori, como o de sanção.
82
83
Op. cit., p. 83.
Tércio Sampaio Ferraz et al. : “... ora, se o dumping ou o subsídio forem considerados atos ilícitos, o Estado terá a obrigação - não apenas
a faculdade – de aplicar as penalidades correspondentes.É evidente que ao ato ilícito não pode corresponder a aplicação de uma pena
facultativa...” (Op. cit., p.94). Welber Barral: “A duas, as medidas antidumping não caracterizam sanção, justamente porque só são
aplicadas a juízo discricionário do Estado. Exclui-se, assim, a presença de um dos elementos essenciais do ato sancionatório, que é a
obrigação do Estado em aplicá-lo...” (Op. cit., p.58). Adilson Rodrigues Pires: “Além disso, aplicação de direitos é facultativa, como
prescreve o acordo, enquanto o caráter sancionatório atribuiria ao Estado a obrigatoriedade de aplicação da sanção toda vez que se
manifestasse o ato ilícito.” (Op. cit., p.148).
Agostinho Toffoli Tavolaro: “Refutando esta teoria, mostram eles que a mesma encontra óbice na discricionariedade da aplicação da multa,
que pode deixar de ser aplicada no caso de dumping, sendo evidente que ao ato ilícito não pode corresponder uma sanção facultativa.” (
Op. cit., p.246).
25
Equivocam-se, portanto, aqueles que pretendem estabelecer uma vinculação necessária
entre a ocorrência de um fato ilícito qualquer e a imposição da respectiva penalidade,
como se fora algo que não dependesse de uma opção política.
A demonstração ad rem do que ora se afirma pode ser colhida numa comparação
com o direito penal. É nesta seara que surge a figura do perdão judicial, autorizando o
juiz a deixar de aplicar, no que concerne a determinados crimes, a sanção abstratamente
prevista. O recurso a esse instituto jurídico “pressupõe sempre a verificação do fato
criminoso em todos os seus elementos essenciais. Perdoa-se a um culpado, não a um
inocente”84.
A melhor doutrina acentua o caráter discricionário do perdão judicial. Vejamos dois
posicionamentos neste sentido.
Eugenio Raúl Zafaroni e José Henrique Pierangeli85: “[o perdão judicial] é a
faculdade que tem o juiz de avaliar político-criminalmente a aplicação de uma causa
pessoal de exclusão ou de extinção da punibilidade, nos casos em que a lei prefere deixálas ao critério do juiz, de concreto.” (Esclarecemos nos colchetes – o destaque é
original).
Ney Moura Teles86: “ Permite a norma que o juiz, conforme as circunstâncias,
deixe de aplicar a pena. É certo que deverá levar em conta condições pessoais
particulares do agente, sua situação pessoal, dificuldades que atravessava, para, apesar
de condená-lo, isentá-lo da pena, aplicando-lhe o perdão judicial.”
Fosse a imposição obrigatória da penalidade uma característica essencial do
conceito de sanção, e deveria estar presente em todas as medidas sancionatórias. Vê-se,
ao contrário, que o nosso sistema jurídico consagra, para a mais eloqüente das sanções,
uma forma de apreciação discricionária da conveniência e oportunidade de sua
imposição. Seria lícito afirmar que as penas abstratamente previstas para crimes
abrangidos pelo perdão judicial deixariam de ser sanções pelo tão-só fato de poderem
ser afastadas discricionariamente pelo Estado-Juiz?
Pelas razões já expostas, quer nos parecer que não. Teriam, entretanto, de
responder afirmativamente a essa indagação, para manter a coerência do próprio
pensamento, aqueles que não hesitaram em rechaçar a natureza sancionatória das
medidas antidumping pela discricionariedade que marca a sua imposição. Restaria
ausente, para esses autores, uma suposta característica essencial do conceito de sanção:
a obrigatória imposição da penalidade.
O equívoco dessa doutrina, realçado pelo exemplo incisivo do perdão judicial,
radica, insista-se, no tratamento de um conceito lógico-jurídico, como se fora jurídicopositivo. Se a definição de sanção deve ostentar foros de universalidade, não pode
depender de um elemento contingente. Deve antes calcar-se em características
definitórias que se façam notar onde quer que haja direito.
Essa constatação presta-se a profligar outros argumentos igualmente
descompromissados com o caráter lógico-jurídico do conceito de sanção. Não se
sustenta, assim, a objeção segundo a qual os direitos antidumping, para serem sanções,
deveriam ser cobrados em montante “proporcional à gravidade do dano causado à
economia do país”87, e não apenas circunscrito à margem de dumping apurada. Não
prevalece, de igual modo, o argumento que procura afastar a índole sancionatória desses
84
85
86
87
COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao código penal. 4ªed. São Paulo: Saraiva,1998, p.339.
ZAFARONI, Eugenio Raúl e PIERANGELI, José Henrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1997, p.754.
TELES, Ney Moura. Direito penal: parte geral - II. São Paulo: De Direito,1996 , p. 296-297.
Adilson Rodrigues Pires, op. cit., p.148.
26
direitos, mercê da possibilidade de aplicá-los retroativamente. Semelhantes objeções não
poderiam prosperar, pois são alheias à universalidade do conceito de sanção.
Retornemos, contudo, à decantada facultatividade. Nada impediria que o sistema
jurídico brasileiro exigisse – e teria de ser uma exigência constitucional - que toda e
qualquer sanção fosse obrigatoriamente aplicada. Muito bem, seria possível afirmar que,
nesta situação hipotética, a obrigatoriedade da imposição consistiria num elemento
definidor do conceito de sanção? Se a resposta fosse positiva, o conceito em tela deixaria
de ser lógico-jurídico, pois estaria dependendo da experiência de cada sistema positivo.
Mas não é isso o que ocorre. Ter-se-ia, na situação aventada, apenas uma conseqüência
ou efeito, a ser observado todas as vezes que restasse caracterizada a presença de uma
medida sancionatória. Calham aqui as mesmas considerações que fizemos no tópico
referente ao conceito de tributo.
Vimos de ver que os principais argumentos contrários à natureza sancionatória
das medidas antidumping não se ajustam ao conceito lógico-jurídico de sanção. Cabe-nos
manifestar agora a nossa compreensão acerca desse conceito.
4.6 O conceito lógico-jurídico de sanção
Hans Kelsen88 enfatizou a circunstância de que a ilicitude de um fato não é
determinada por um critério transcendente ao direito positivo. Com efeito, um
comportamento não é ilícito simplesmente porque o reputamos contrário aos valores, ou
por sua “qualidade imanente”; é-o, segundo o referido autor, quando se encontra ligado,
por determinada ordem jurídica, a uma sanção. Vale conferir suas palavras:
A relação entre ilícito e conseqüência do ilícito não consiste, assim – como o pressupõe a
jurisprudência tradicional-, em à acção ou omissão, pelo facto de representar um ilícito ou
delito, ser ligado um ato de coacção como conseqüência do ilícito, mas em uma acção ou
omissão ser um ilícito ou delito por lhe ser ligado um ato de coacção como sua
conseqüência. Não é uma qualidade imanente qualquer e também não é qualquer relação
com uma norma metajurídica, natural ou divina, isto é qualquer ligação com um mundo
transcendente ao direito positivo, que faz com que uma determinada conduta humana tenha
de valer como ilícito ou delito – mas única e exclusivamente o fato de ela ser tornada, pela
ordem jurídica positiva, pressuposto de um ato de coerção, isto é, uma sanção.
Kelsen procurou um critério para definição de ilícito não ético ou sociológico, mas
estritamente jurídico. “Para una teoría pura del derecho de orientación iuspositivista no
es admisible la suposición de que hay conductas que son ilícitas por su propria
naturaleza, esto es, que su licitud pueda determinarse mediante el análisis de sus
características intrísecas. Un ato sólo es ilícito cuando su prohibición resulta de las
normas del derecho positivo”89.
É interessante notar, todavia, que o critério a que chegou o mestre de Viena faz a
noção de ilícito depender exclusivamente do conceito de sanção, na exata medida em
que o pressuposto para a caracterização daquele passaria a ser a existência desta.
Dever-se-ia, dizendo-o com outras palavras, centrar a atenção inicialmente na
conseqüência imposta pelo sistema jurídico à realização condicional de um determinado
comportamento, para, só em seguida, surpreender a licitude ou ilicitude deste último90.
88
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6ª ed. Trad. João Baptista Machado. Coimbra: Armênio Amado, 1984., p.167.
89
ZULETA, Hugo R., Ilícito. In: VALDÉS, Ernesto Garzón e LAPORTA, Francisco J. (Coords.). Enciclopedia iberoamericana de filosofía,
Tomo XI: “El derecho y la justicia”, Madrid: Trotta, p. 333-342, 1996, p. 334.
90
A perspectiva de Kelsen é coerente com seus postulados. Vale lembrar que, para ele, não existem sanções porque há deveres que podem
ser descumpridos, mas, ao contrário, há deveres jurídicos exclusivamente porque há sanções. Da sanção se chega ao ilícito, do ilícito se
chega ao dever jurídico e do dever jurídico se chega ao direito subjetivo. O conceito de sanção é, pois, central na obra deste autor. O
ilícito aparece simplesmente como o seu pressuposto. O dever jurídico surge como sendo o comportamento contrário à conduta ilícita,
27
A maioria dos autores segue o caminho oposto, compreendendo a sanção como a
conseqüência que advém da prática de um ato ilícito91. Assim, tem-se por sanção a
resposta de um sistema jurídico ao cometimento de um ato tido, por essa mesma ordem
jurídica, como contrário a direito. Por esse prisma, a presença do ilícito passa a ser o
pressuposto para a caracterização da sanção, e não o contrário. Haveria, em verdade,
como observou Paulo José da Costa Júnior, uma relação entre antecedente (ilícito) e
conseqüente (sanção) lógicos92.
Esta última perspectiva parece mais adequada, até porque, na maioria das vezes,
só se conhecerá a natureza de uma relação jurídica perscrutando-se a índole do fato que
a desencadeou. Demonstrou-o Paulo de Barros Carvalho93, referindo-se à distinção entre
a relação jurídica do tributo e os vínculos sancionatórios decorrentes do descumprimento
de deveres tributários:
Foi oportuna a lembrança, uma vez que os acontecimentos ilícitos vêm
sempre atrelados a uma providência sancionatória e, fixando o caráter
ilícito do evento, separa-se, com nitidez, a relação jurídica do tributo da
relação jurídica atinente às penalidades exigidas pelo descumprimento de
deveres tributários. Como são idênticos os vínculos, isoladamente
observados, é pela associação ao fato que lhe deu origem que vamos
conhecer a índole da relação.
Vê-se que a sanção surge sempre como conseqüência da prática de um ilícito. Para
a identificação da primeira, é, portanto, fundamental saber da caracterização do
segundo. Só assim será possível estremar, com segurança, o vínculo sancionatório de
outros laços jurídicos. Em primeira aproximação, pois, pode-se dizer que a sanção
consiste numa providência desfavorável que se imputa à realização de um ato ilícito.
Essa definição não estará completa, todavia, sem o esclarecimento acerca do
critério de uso da palavra “ ilícito” (e de seus equivalentes: “delito”, “infração” etc.). Já
se viu que a ilicitude não é determinada por uma característica imanente ao ato, nem
decorre tampouco de uma avaliação puramente subjetiva sobre o seu conteúdo. Mas o
que a caracteriza, afinal?
Na definição sintética e precisa de Hugo R. Zuleta94, “los actos ilícitos son, para el
positivismo jurídico, aqueles que están prohibidos por el derecho positivo.” Como observa
esse autor, constituem comportamentos proibidos tanto a realização de uma conduta
juridicamente proibida, quanto a omissão de uma conduta juridicamente obrigatória. É
no mesmo sentido a lição de Gabriel Garcia Maynez95, para quem são ilícitas “a) la
omissión de los actos ordenados, e b) la ejecución de los prohibidos”.
que se deve seguir para evitar a sanção. E o direito subjetivo não passa de um mero reflexo do dever juridicamente estabelecido.
91
Segundo Gabriel García Maynez, a sanção “puede ser definida como consecuencia jurídica que el incumplimiento de un deber produce en
relación com el obligado” (Introducción al estudio del derecho.51ª ed. México: Porrúa, 2000, p.295). É no mesmo sentido o escólio de
Gregorio Robles Morchon. Esse autor aceita a existência de sanções positivas e negativas, observando que estas últimas consistem na
“respuesta del Derecho a la transgresión de las normas deónticas o normas impositivas de deberes.” (Op. cit, p.360). Essas e outras
definições invertem o itinerário sugerido por Kelsen:: ao invés de se partir da sanção para chegar ao ilícito, segue-se o caminho oposto,
iniciando-se pela infração para, só em seguida, encontrar-se a penalidade dela decorrente.
92
COSTA JR. Paulo José e DENARI Zelmo. Infrações tributárias e delitos fiscais. São Paulo:Saraiva, 1995, p. 3. Os autores citados
reportam-se também a uma antecedência cronológica do ilícito. Com essa última observação não podemos concordar. O que existe é uma
sucessividade de ordem lógica, não cronológica, “do mesmo teor daquela que nos compele a examinar primeiro a prestação, para depois
cogitarmos do descumprimento do dever, antecedente da regra sancionatória, ou a que nos manda verificar a premissa maior e a menor
antes da conclusão, no raciocínio inferencial-dedutivo”. (Paulo de Barros Carvalho, Curso de direito tributário, p.171).
93
Curso de direito tributário, p.26.
94
95
Ilícito, Enciclopedia iberoamericana de filosofía, Tomo XI: “El derecho y la justicia”, p.334.
Introducción al estudio del dercho, p.221.
28
Portanto, para saber se os direitos antidumping constituem, ou não, medidas
sancionatórias, cumpre antes analisar a licitude do dumping condenável ou, dizendo-o
em termos mais específicos, verificar se essa prática é permitida ou proibida pelo sistema
jurídico brasileiro. É o que se fará no próximo tópico.
4.7 O dumping condenável e o código binário lícito/ilícito
O art. VI do GATT reza que deve ser condenado (“is to be condemned”)96 o
dumping que gera dano ou ameaça de dano à indústria nacional ou, ainda, o
retardamento da implementação de uma determinada atividade produtiva. A formulação
literal do dispositivo consiste num indício nada desprezível da ilicitude dessa espécie de
dumping. Assim também pensa José Roberto Pernomian Rodrigues, para quem “O fato
do dumping ser ‘condenável’ – para usar de empréstimo a expressão de Aquiles Varela- o
torna inequivocamente uma prática ilícita”97.
Ao determinar a condenação da prática do dumping que causa prejuízo à indústria
nacional, o artigo VI do GATT tem-na, pelo menos numa primeira análise, por contrária a
direito. Para constatá-lo basta observar que uma das acepções do termo “condenar”
corresponde justamente a: “ declarar ilegal um ato, procedimento etc. (a lei condena o
peculato)”98. O termo “condenado” apresenta, de outra parte, a seguinte conotação:
“considerado incorreto, reprovável ou não conforme com um uso, uma regra[...]”99.
O elemento gramatical é, portanto, bastante expressivo. Não é por acaso que boa
parte dos autores, assim nacionais que estrangeiros, ressaltam expressamente a
proibição do dumping condenável ou, o que é o mesmo, a ilicitude desta prática100. E
talvez seja também por essa razão que alguns autores contrários à natureza
sancionatória dos direitos antidumping terminam por vezes incorrendo em tropeços que
contradizem seu entendimento sobre a matéria101.
Mas a leitura que estamos empreendendo não se deve apoiar apenas na análise da
palavra “condenado” empregada pelo aludido dispositivo. É sempre recomendável
acrescer a perspectiva sistemática à investigação filológica102, cotejando o sentido literal
dos vocábulos com a orientação do próprio sistema. E aqui vem oportuna a separação
que a doutrina e a jurisprudência da OMC fazem, baseadas em normas do próprio
GATT103, entre os pressupostos das medidas de defesa comercial. Referimo-nos à
96
“The contracting parties recognize that dumping, by wich products or own country are introduced into the commerce of another country at
less than the normal value of the products, is to be condemned if it causes....”
97
O dumping como forma de expressão do abuso do poder econômico:caracterização e conseqüências, p.144.
98
99
HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Verbete condenar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p.790.
Dicionário Houaiss da língua portuguesa.Verbete condenado, p.790.
100
Assim pensa ROGER P. ALFORD: “This prohibition is predicated on the assumption that dumping is not based on superior efficiency
but is an attempt to injure or destroy competition” (Why a private right of action against dumping would violate GATT, New York
University Law Review,n.3, p.697). É a perspectiva de FLAVIO FLOREAL GONZÁLES: “Recordemos que el dumping no está
prohibido per se. Para imponer aranceles antidumping es necesario, además, que se demuestre la existencia de dano a una industria
específica del país importador” (Dumping e subsidios en el comercio internacional.Buenos Aires: AD-HOC,2001 p. 58). É, entre nós, a
posição de LUIZ OLAVO BAPTISTA: “Portanto, na abordagem da matéria a seguir, gostaríamos de destacar alguns conceitos que
devem ser recordados no curso da exposição.Primeiro, o fato de que o dumping configura ilícito na esfera da legislação internacional [...]”
(op. cit Duumping e anti-dumping no Brasil. In: AMARAL JUNIOR.Alberto do. (coord.), p. 31). Caminha pela mesma trilha
FREDERICO DO VALLE MAGALHÃES MARQUES: “O dumping é, portanto, um ilícito jurídico-econômico [...] ” (op. cit., p.299).
Esses e outros autores que vêem no dumping condenável uma prática ilícita (pressuposto), conferem aos direitos antidumping – não
poderia ser de outra forma – a inequívoca natureza de sanção (conseqüência).
101
TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ et al., mesmo negando a natureza sancionatória dos direitos antidumping, afirmam: “A punição para a
prática de dumping está prevista no item 2º, do art. VI do GATT: ‘com o fim de neutralizar o dumping, a parte contratante poderá cobrar
um direito anti-dumping [...]”[destacamos] (op. cit.p.87). WELBER BARRAL também nega o caráter de sanção e, a despeito disso,
assevera: “Mesmo porque a existência de outras formas de sanção, além das medidas antidumping, parece violar o princípio da
exclusividade normativa na regulamentação do dumping.” [destacamos] ( op. cit., p.51).
102
Cf.CARLOS MAXIMILIANO, Hermenêutica e aplicação do direito. 19.ed.Rio de Janeiro: Forense,2001, p.221.
103
Cf.WELBER BARRAL, op. cit., nota de rodapé 24, p. 140. Exemplos dessas normas vamos encontrar nas que estabelecem a exigência de
compensação aos Estados atingidos, e nas que fixam a proibição de seletividade (não se pode impor a medida a alguns países e não a
29
conhecida distinção entre “concorrência desleal” ou “injusta” e “concorrência leal” ou
“justa”.
Aqueles que negam o caráter ilícito do dumping condenável ou simplesmente não
se preocuparam com esse aspecto, não deixam de qualificá-lo como uma conduta
“desleal” ou “injusta”. Isso é praticamente pacífico. Trata-se, afirma a doutrina em uma
só voz, da distinção basilar entre dumping e pressupostos para a imposição de medidas
de salvaguarda, a partir da qual se justificam as diferenças de regime jurídico apontadas
no capítulo IV.À guisa de ilustração, confiram-se estes paralelos feitos por duas das mais
respeitadas vozes do direito econômico internacional:
WELBER BARRAL:
Aqui reside a grande distinção conceitual entre estas medidas [as de
salvaguarda] e as medidas compensatórias e antidumping. Estas últimas
são justificadas como sendo uma reação legalizada à concorrência
“injusta” de produtores estrangeiros. Injusta porque realizada com
discriminação de preços (dumping) ou com auxílio estatal (subsídios). A
seu turno, as medidas de salvaguarda são oponíveis às importações
“justas”, mas que provocam um desajustamento no mercado produtor
nacional104 (esclarecemos em colchetes).
ARAMINTA MERCADANTE:
As salvaguardas constituem restrições lícitas à liberalização do comércio
de mercadorias, dentro do quadro de concorrência leal, enquanto o
dumping condenável é considerado concorrência desleal e permite a
aplicação de um direito antidumping[...]105 (grifo nosso).
Ora, a lealdade e a justiça, que são aqui utilizadas como fundamento para a
distinção entre institutos jurídicos, somente poderiam ser compreendidas como licitude.
Com efeito, leal/desleal ou justo/injusto são dicotomias estranhas aos domínios do
jurídico. O direito só conhece o código binário lícito/ilícito. É por ele que opera,
qualificando os comportamentos interpessoais. São elucidativas as palavras de MARCELO
NEVES:
A positivação do Direito na sociedade moderna implica o controle do
código-diferença “lícito/ilícito” exclusivamente pelo sistema jurídico, que
adquire dessa maneira seu fechamento operativo106 (destaque original) .
Como se vê, o universo das relações jurídicas tem seu próprio código-diferença,
que não se confunde com códigos de outros domínios.Essa característica, própria de um
sistema autopoiético107, é também reconhecida por GUNTHER TEUBNER:
outros), que existem quanto à salvaguarda, mas já não no que atina com os direitos antidumping.
104
Op. cit., p. 140.
105
Mercosul: salvaguarda, dumping e subsídios. In: BAPTISTA, Luiz Olavo; MERCADANTE, Araminta de Azevedo; CASELA, Paulo
Borba. Mercosul: das negociações à implantação.São Paulo: Ltr, 1994,p.207.
106
Constitucionalização simbólica.São Paulo: Acadêmica,1994, p. 119-120.
107
Os sistema autopoiéticos possuem abertura cognitiva e autonomia operacional, isto é, comunicam-se com outros sistemas, mas assimilam
essas informações de acordo com os seus códigos particulares. Reproduzem-se a si próprios, não se deixando modificar pela influência
direta de outro domínio. MARCELO NEVES define-os nestes termos: “Etimologicamente, a palavra deriva do grego autós (‘por si
próprio’) e poiesis (‘criação’, ‘produção’). Significa inicialmente que o respectivo sistema é construído pelos próprios componentes que
ele constrói” (op. cit., p.113). Reportando-se ao fechamento operativo e à abertura cognitiva do sistema jurídico, observa o autor: “Se o
fato de dispor exclusivamente do código-diferença ‘licito/ilícito’ conduz ao fechamento operacional, a escolha entre lícito e ilícito é
condicionada pelo meio ambiente” (op. cit., p.120). PAULO DE BARROS CARVALHO, partindo das lições de NEVES, realça a
importância da noção de fechamento operativo: “De tudo quanto se expôs, cabe ressaltar que a doutrina da autopoiesis, que chega
timidamente ao meio jurídico nacional, com superar a visão dos sistemas abertos, em constante intercâmbio direto, vem trazer enorme
reforço à compreensão sistemática do direito positivo, chamando a atenção para a sua autonomia operacional e mostrando que o único
modo de apreender-lhe as mensagens prescritivas é interpretando-o juridicamente, isto é, a partir de suas estruturas, categorias, processos
e formas. Não há como aceitar uma interpretação econômica do direito ou um interpretação histórica do direito, mecanismos espúrios que
ainda contaminam nossa cultura jurídica” (Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 104).
30
Logo que a comunicação jurídica sobre a distinção básica legal/ilegal
comece a diferenciar-se da comunicação social geral, aquela torna-se
invitavelmente auto-referencial e é compelida a tematizar-se a si mesma
no quadro de categorias intrinsecamente jurídicas108.
Lealdade/deslealdade e justiça/injustiça são valores. Como tais, pertencem ao
sistema da moral, sobre cujos domínios recai o código-diferença valor/desvalor. Ao
serem transpostos para o direito, tais valores devem ajustar-se ao código binário
lícito/ilícito. Assim é que a concorrência “desleal” ou “injusta”, referida pela doutrina, só
poderia ser lida juridicamente como concorrência ilícita.
Não se está postulando, vale ressaltar, uma correspondência necessária entre o
“leal” ou “justo” e o “lícito”; ou entre o “desleal” ou “injusto” e o “ilícito”. Evidentemente
não é isto o que estamos afirmando. Como sistemas diferentes que são, o direito e a
moral possuem suas próprias linguagens, suas próprias respostas para um dado
problema. Quantas vezes não se diz que algo, lícito para o direito, traduz-se numa
verdadeira injustiça? Pode-se perfeitamente afirmá-lo, pois as discussões e as conclusões
operam-se em planos distintos. Não fosse assim, e o direito e a moral seriam sistemas
alopoiéticos, que se ajustariam à influência direta de outros domínios.
Mas se uma assertiva qualquer é feita num determinado sistema de linguagem, há
de ser necessariamente compreendida de acordo com esse mesmo sistema lingüístico.
Logo, quando se emprega os termos “desleal” ou “injusto” no discurso jurídico, a
pretexto inclusive de distinguir conceitos inerentes a tal universo de linguagem, passa a
ser indispensável ajustá-los a este último discurso. Por isso é que nos parece apropriado
concluir que “a deslealdade” e a “injustiça” do dumping condenável converte-se em
ilicitude ao adentrar o universo jurídico.
Portanto, quer pela expressa condenação do artigo VI do GATT, quer pela
reconhecida e ressaltada diferença entre os pressupostos das medidas de defesa
comercial, há de se reputar ilícita a prática do dumping condenável.
5 DUMPING E ANTIDUMPING NA ESTRUTURA LÓGICA DA REGRA DE DIREITO
Para facilitar a exposição, vimos empregando indistintamente a expressão
“dumping condenável” para designar tanto a ação do exportador, quanto o ato do
importador do produto favorecido por dumping. Fizemo-lo por acreditar que os
argumentos apresentados aplicam-se às duas situações. Mas é necessário insistir – e é
essa a nossa conclusão - que há dois fatos ilícitos diferentes, engendrando, por força da
causalidade normativa, vínculos sancionatórios igualmente díspares. Não uma só sanção,
o que poderia justificar a espécie externada por Luiz Olavo Batista109. Trata-se de algo
mais complexo do que tem sugerido a doutrina, ora apegada ao vínculo
Estado/importador, ora ao liame Estado/exportador. Pelo nosso ângulo de visão,
entrevemos dois vínculos jurídicos distintos, mas aproximados pelo caráter sancionatório.
Move-nos agora o desafio de situar essas duas relações jurídicas na estrutura lógica
da regra de direito. Iniciemos por dizer que toda e qualquer norma reveste a forma de
um juízo. Não, porém, de qualquer juízo, mas de um juízo hipotético-condicional.
Constitui-se, revestida dessa estrutura, na “unidade mínima e irredutível de manifestação
108
O direito como sistema autopoiético.Trad. José Engrácia Antunes. Lisboa:Calouste Gulbenkian,1989, p. 70.
109
Mesmo reconhecendo a natureza sancionatória dos direitos antidumping, o autor repensa por um instante a sua opção, ao constatar que a
penalidade seria imposta a alguém (o importador) que não o verdadeiro responsável pela infração (o exportador). Confiram-se estes
excertos: “Examinando-se a questão da nominação dos sujeitos ativo e passivo da cobrança do direito Anti-dumping, tudo parece levar ao
entendimento de que o responsável pelo pagamento do direito Anti-dumping , é o praticante do dumping, isto é, o exportador estrangeiro
[...]. Todavia, a dificuldade prática de se efetuar uma cobrança e a conseqüente execução em país estrangeiro levou a que, na prática,
sempre esses direitos devam ser pagos pelos importadores [...] Isso pode ser levado à conta de argumento contra a posição de Varanda e
outros, pois a punição pelo delito alcançaria alguém que não é o delinqüente (a não ser que se considere o importador cúmplice da prática
ilícita) ” (op. cit.,. p. 56-57).
31
do deôntico”110. Afirma-o PAULO DE BARROS CARVALHO, apresentando a arquitetura
lógica da norma jurídica: “Em simbolismo lógico, teríamos D[f (S’R S’’)], se interpreta
assim: deve–ser que, dado o fato F, então se instale a relação jurídica R, entre os
sujeitos S’ e S’’ ”111.
Toda regra de direito expressa-se nesse juízo hipotético-condicional. Não há
normas categóricas, ordens diretas de comportamento. Poder-se-ia cogitar de comandos
dessa natureza em civilizações rudimentares, nas quais quem, por qualquer razão (pela
força física, v.g.), detinha o poder de ordenar, fá-lo-ia diretamente, vocalizando ordens
diretas e concretas a seus subordinados. Não as poderia haver, porém, no direito como o
concebemos nos dias de hoje. Os sistemas jurídicos modernos visam a disciplinar
comportamentos interpessoais, conduzindo-os na direção de certos valores. Projetam-se
para o futuro e, por via de conseqüência, valem-se de normas abstratas, capazes de
fornecer os critérios necessários para que os cidadãos saibam, no futuro (insista-se), que
conduta devem adotar diante desta ou daquela situação . A conduta é informada pelo
conseqüente; a situação, pelo antecedente normativo112.
Um exemplo pode tornar mais claro o que ora se afirma. Tome-se a seguinte
oração: “O importador é obrigado a pagar o valor correspondente aos direitos
antidumping às autoridades aduaneiras”. Semelhante enunciado não revela um sentido
deôntico completo. É bem verdade que já enuncia a conduta devida (pagar a importância
em questão). Mas não informa em que circunstância será possível exigi-la. A resposta
advirá de uma nova assertiva: “Sempre que se realizar uma importação em condições
de dumping condenável”. Os conteúdos dos dois enunciados estão unidos por um vínculo
de implicação. O implemento do segundo (conseqüente) dependerá da realização do
primeiro (primeiro). Os sentidos de ambos unem-se e completam-se, formando um juízo
hipotético-condicional, numa palavra, uma norma jurídica.
Note-se, por outro ângulo, que se trata de uma forma de controlar o próprio poder,
pois quem o detém só o pode exercitar estritamente de acordo com os pressupostos que
fazem as vezes das hipóteses ou antecedentes normativos. Antes de exigir o
comportamento prescrito, o detentor do poder deve verificar se o seu pressuposto (da
conduta prescrita) se faz presente. Caso assim não proceda, estará incorrendo num
arbítrio que se poderá inserir na hipótese de incidência de uma norma sancionadora.
Acolhendo semelhante estrutura-lógica, podemos passar a descrever as normas
jurídicas que veiculam os direitos antidumping importador e exportador. A primeira
norma tem por hipótese de incidência a descrição da prática do dumping condenável em
sentido estrito (exportação abaixo do preço do valor normal do produto, gerando prejuízo
à indústria do país importador); sua proposição-tese prescreve os critérios para a
identificação de um vínculo de direito potestativo em que comparece, no pólo ativo da
relação, o Estado brasileiro e, na condição de sujeito passivo, o exportador do produto
favorecido por dumping, a quem caberá submeter-se à imposição da medida
antidumping.
Já a segunda norma tem por antecedente normativo a importação de produto em
condições de dumping condenável; por conseqüente, a previsão de um vínculo de direito
subjetivo, com a presença do Estado no pólo ativo da relação e com o importador
ocupando o lugar sintático de sujeito passivo, de quem se exige a prestação de um valor
pecuniário.
110
Cf. PAULO DE BARROS CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, passim..
111
Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p.18.
112
É certo que alguns autores apontam o que para eles seriam regras categóricas. Para o referencial teórico adotado neste trabalho, os
exemplos que costumam ser mencionados não traduzem normas jurídicas, mas simples enunciados prescritivos, que devem se unir a
outras sentenças para formar uma mensagem deôntica com sentido completo.
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