A representatividade como critério de seleção de fontes: um

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A representatividade como critério de seleção de fontes: um
problema epistemológico
Silvana Gurgel
Centro de Documentação em Historiografia Lingüística – CEDOCH – Universidade de
São Paulo – [email protected] – www.fflch.usp.br/cedoch
Abstract This article aims at discussing about the representativeness subject
as a criterion of source selection using as the place of study pieces of searches
which built their corpora of Brazilian grammar texts or of metagrammar ones.
For that, the relativeness present on this matter will be analysed considering
that the concept of what is a representative source just build itself from the
procedures of analisys came from the relation existent between theory and
problem of a particular study (Luna, 1996).
Keywords. Epistemology; representative source; criteria of source selection
Resumo. Este artigo propõe discutir a questão da representatividade como
critério de seleção de fontes, utilizando como lugar de análise trechos de
pesquisas que constituíram seus corpora de textos gramaticais ou
metagramaticais brasileiros. Para tanto, a relatividade desta questão será
analisada, visto que o conceito do que venha a ser uma fonte representativa só
se constrói a partir da configuração de procedimentos de análise advinda da
relação teoria-problema de uma determinada pesquisa (Luna, 1996).
Palavras-chave. Epistemologia; fonte representativa; critérios de seleção de
fontes.
1) Apresentação
Este artigo foi organizado em duas seções, a primeira O Argumento da
Representatividade exporá uma seleção de trechos recortados de pesquisas que
analisaram textos de autores brasileiros que descrevem a língua portuguesa ou que
historiografam a produção lingüística brasileira. Nesse momento, estaremos mapeando
como os autores das obras aqui selecionadas justificaram a formação de seus corpora.
Algumas colocações a esse respeito revelam o que chamamos de ‘problema
epistemológico’ do trabalho científico por estarem amparadas no argumento ‘fontes
representativas’ sem maiores explicitações.
Posteriormente, em A relatividade da noção de representatividade como critério
de seleção de fontes defendemos que, se é fundamentalmente a delimitação de um temaproblema numa pesquisa que configura, por exemplo, um corpo de critérios a serem
utilizados numa seleção de fontes para constituição de um corpus, cada pesquisa teria
que, assim, explicitar o que vem a ser considerado ‘fontes representativas’ a partir de
outros critérios oriundos de seus objetivos, dado o caráter não definido desta colocação
dentro de um contexto específico.
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2) O Argumento da representatividade
O incômodo com a argumentação que alguns autores vêm utilizando ao
justificarem seus corpora de análise fez com que refletíssemos melhor sobre esse
problema epistemológicoi, já que a falta de uma explicitação mais clara das razões pela
qual uma dada seleção de fontes é feita pode implicar no grau de certeza que o
conhecimento veiculado na pesquisa quer imprimir.
O argumento da ‘representatividade’ é entendido aqui, primeiramente, como um
critério utilizado pelos pesquisadores para justificarem uma determinada seleção de
fontes, uma vez que eles utilizam esse termo como um preceito, ou seja, como algo que
de primeira mão não requer justificativa: “São aqui analisadas as obras dos autores
mais representativos do século, no Brasil, de Moraes e Silva a Maximino Maciel”.
(Fávero e Molina, 2006). Porém, o que queremos atestar neste artigo é que a questão da
‘representatividade’ não funciona como um critério na argumentação dos pesquisadores,
já que seu conceito é constantemente reconstruído pelos próprios recortes oriundos da
problemática de uma determinada pesquisa, e por isso deve ser explicado, como
mostraremos a seguir.
Em cada um dos casos de estudo, ou seja, dos trechos que recortamos para
análise, o conceito de representatividade foi tentado ser flagrado através do mapeamento
de critérios outros utilizados pelos autores. Eles, portanto, acabarão por fazer parte da
conceituação do que se entenderá por ‘representatividade’ em cada pesquisa.
Vale explicar que o argumento da representatividade de fontes foi flagrado nos
trechos que apresentaram colocações também sinônimas a essa idéia, como: ‘obras
relevantes’, ‘autores mais representativos’, ‘uma gramática é o marco’, ‘textos mais
significativos’.
Apresentamos abaixo os autores utilizados para este estudo nesta seção,
organizados por ordem alfabética de sobrenome:
1) Agustini, Carmen Lúcia Hernades. 2004. A Estilística no Discurso da Gramática. Campinas: Pontes,
São Paulo: Fapesp.
2) Altman, Cristina. 1996. “Memórias da Lingüística na Lingüística Brasileira”. Revista da ANPOLL, nº
2, p. 173-189.
3) Altman, Cristina. 2003. A pesquisa lingüística no Brasil (1968-1988). 2 ed. São Paulo: Humanitas.
4) Coelho, Olga Ferreira. 2003. A anguzada lexicográfica luso-bundo-americana: Língua e Identidade
Nacional na segunda metade do século XIX. (Tese defendida na USP)
5) Fávero, Leonor Lopes; Molina, Márcia A. G. 2006. As concepções lingüísticas no século XIX: a
gramática no Brasil. Rio de Janeiro: Lucerna.
6) Pinto, Edith Pimentel (sel./apres.) 1978. Introdução ao seu O Português do Brasil. Textos críticos e
teóricos, 1: 1820/1920, fontes para a teoria e a história XV-LVIII. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e
Científicos; São Paulo: Edusp.
7) Schei, Ane. 2003. A colocação pronominal do português brasileiro: a língua literária contemporânea.
2 ed. São Paulo: Humanitas.
8) Silva, Rosa Mattos e. 2002. Tradição Gramatical e Gramática Tradicional. 5 ed. São Paulo: Contexto.
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Gostaríamos de justificar a escolha desses autores e dessas obras por meio de
algumas observações: a) essas obras estão sendo utilizadas como fontes de apoio na
pesquisa de mestrado que desenvolvo, por isso este trabalho se apresenta como
contribuinte direto aos meus interesses de estudo – motivo, claro - e não poderia ser de
outra natureza - descaradamente subjetivo; b) o critério utilizado para esta seleção se
refere, portanto, à temática das obras; e c) o número de obras analisadas está
relacionado com o espaço oferecido por esta Revista para o desenvolvimento do artigo.
Seguem as análises:
1) Agustini em A Estilística no Discurso da Gramática não dedica em sua obra
um espaço para justificar a escolha de suas fontes, mas Eduardo Guimarães, que faz um
texto de apresentação a seu livro, coloca:
“A autora analisa aqui um conjunto destas obras (artes de correção) relevantes na história
da gramática no Brasil. Ela toma como lugar de observação a articulação entre o corpo da
gramática e aquilo que vem, com freqüência, tratado como partes complementares, com
apêndices, ou, em outros casos, como o que aparece como exceção às regras. Para suas
análises ela toma um conjunto de gramáticas publicadas em torno do momento em que se
estabeleceu a Nomenclatura Gramatical Brasileira – NGB, levando em conta que o interesse
por estas obras está, inclusive, ligado ao fato de que se mantêm reeditadas, e mesmo
refundidas, até hoje. São obras, portanto, marcadas por uma relação muito particular com
um dos acontecimentos institucionais decisivos da ação normativa do Estado sobre a língua
do Brasil.”- Eduardo Guimarães. (p. 9 – grifo meu)
Podemos verificar aqui que os critérios de seleção de fontes relevantes utilizadas
por esta autora foram de ordem: a) eventual – relacionado ao momento político em que
se estabeleceu a NGB; b) repercussiva - relacionado ao número de reedições e ao
impacto na atualidade.
2) Em Altman Memórias da Lingüística na Lingüística Brasileira, encontramos:
“Não segui nenhum critério sistemático para a seleção destes textos, esta ainda é uma tarefa
por fazer. Procurei, apenas, tomar como amostra um manual de cada especialidade, de
reconhecida aceitação e, conseqüentemente, de ampla circulação em certos círculos
acadêmicos...” (p. 174 - grifo meu)
Flagramos nesse trecho o reconhecimento da dificuldade que muitas vezes um
pesquisador encontra para justificar sua seleção. Porém, ainda assim, podemos elencar
dele alguns critérios: a) gênero textual – manual de cada especialidade; b)
repercussividade – reconhecida aceitação, e ainda de ampla circulação em certos
círculos acadêmicos.
“Neste texto, entretanto, deixo de lado esta vasta e dispersa literatura e me concentro,
principalmente, em outro tipo de material, nomeadamente, manuais de lingüística, feitos por
lingüistas brasileiros do século XX, de reconhecida competência acadêmico-científica nas
especialidades em que construíram suas carreiras e que, ao menos tal como propuseram em
seus textos, tiveram a intenção de historiar o que consideraram as principais etapas que
levaram à formação e desenvolvimento das suas especialidades. São eles: ....” (p. 176 – grifo
meu)
Há a tentativa aqui de melhor se explicitar o critério do gênero textual: manuais
de lingüística. Outros critérios são tomados: c) função da autoria – lingüistas; d)
nacionalidade da autoria – brasileiros; e) geração da autoria: século XX; novamente b)
repercussividade – reconhecida competência acadêmico-científica; e f) motivacional –
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intenção de historiar o que consideraram as principais etapas que levaram à formação e
desenvolvimento das suas especialidades.
3) Também Altman em A pesquisa lingüística no Brasil (1968-1988) coloca:
“Três tipos principais de materiais serviram de suporte informacional para as tarefas de
análise aqui propostas: artigos de pesquisa publicados nos periódicos que circularam entre,
aproximadamente, 1960 e 1988; materiais informativos de diversa natureza, publicados ou
não publicados, como depoimentos pessoais e testemunhos de pesquisadores que atuaram
como alunos, ou como professores de Lingüística, no período focalizado...” (p. 48 – grifo
meu)
Percebemos que a autora primeiro seleciona suas fontes através dos critérios: a)
gênero textual – artigos, depoimentos, testemunhos; b) temporal – material publicado
entre 1968-1988; c) institucional ou não – publicados ou não; d) função da autoria –
pesquisadores que atuaram como alunos, ou como professores de Lingüística.
Interessante notar como outros critérios surgiram aqui advindos visivelmente dos
interesses da pesquisa da autora.
“...foi definido como corpus representativo da produção lingüística brasileira contemporânea
(1968-1988) os artigos de pesquisa dos seguintes periódicos: ....” (p. 48 – grifo meu)
O corpus ‘representativo’ constituído pela autora foi construído, portanto, pelos
critérios elencados acima. Percebe-se toda uma tentativa de tornar especificado o termo
‘representativo’ nessa argumentação.
4) Os trechos que selecionamos de Coelho em A anguzada lexicográfica lusobundo-americana: Língua e Identidade Nacional na segunda metade do século XIX
demonstram claramente que a seleção de fontes que irão constituir o corpus é
diretamente controlada pela delimitação do problema da pesquisa e pelos objetivos
estabelecidos a partir dele, o que faz com que ela encontre somente três obras que
interessam a sua pesquisa.
A autora utiliza o critério a) histórico – o período da história política do país
denominado Segundo Reinado (1840-1889); b) gênero textual – sínteses gerais sobre o
léxico do Brasil; o próprio critério c) temático – lexical brasileiro. Há outro critério que
acabou sendo visualizado após exposição das fontes do corpus; assim, podem existir
critérios que não são diretamente enunciados pelos pesquisadores, portanto, talvez não
propositais, como o que acontece em Coelho que acaba selecionando autores brasileiros
‘sem querer’, logo o critério da d) nacionalidade do autor.
Coloca também que não considerou textos direcionados ao tratamento da
linguagem em um determinado ponto do país, ou seja, essa exclusão diz respeito ao
critério temático, e afirma que também não considerou os dicionários de língua
portuguesa, o qual se relaciona com o critério de gênero textual.
“... a recorrência a dados biográficos, interpessoais, sócio-econômicos, políticos, ideológicos,
meta-descritivos será determinada pela capacidade que demonstrarem de esclarecer o
‘problema’ sob análise.” (p. 19)
“...nosso estudo...tomou, como primeiro parâmetro, o período da história política do país
denominado Segundo Reinado (1840-1889), sem, no entanto, percorrê-lo extensivamente, já
que tivemos como foco as sínteses gerais sobre o léxico do Brasil – que não recobrem, como
um todo, essa fase. Nesse sentido, o estudo não é linear, apesar de, em relação ao seu tema –
codificação do vocabulário (geral) brasileiro – ser exaustivo.” (p. 11)
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“As fontes primárias centrais deste trabalho foram os textos de Rubim (1853), BeaurepaireRohan (1956[1889]), Macedo Soares (1889[1875/1888]), as únicas obras lexicográficas
gerais sobre o léxico do português do Brasil publicadas durante o Segundo Reinado.
Distinguimos esses textos daqueles direcionados ao tratamento da linguagem em um
determinado ponto do país e os apartamos também dos dicionários de língua portuguesa,
supostamente depositórios universais das variantes portuguesa e brasileira. Outras obras
publicadas no Brasil durante o século XIX trataram, de modo periférico, da língua
portuguesa no Brasil...”.(p. 22 – grifo meu)
5) Em Fávero e Molina, As concepções lingüísticas no século XIX: a gramática
no Brasil, encontramos:
“Chegamos agora ao século XIX. São aqui analisadas as obras dos autores mais
representativos do século, no Brasil, de Moraes e Silva a Maximino Maciel. Estudamos
também o compêndio de Adélia Ennes Bandeira que, embora não tão significante quanto as
demais, assinala a presença da mulher num momento em que ela começava a reagir contra o
papel ornamental de dona de lar que até então lhe fora outorgado.” (p. 14 – grifo meu)
Perguntamo-nos aqui sobre quais fatores teriam sido elencados na tentativa de
uma explicitação sobre o que levaria determinados autores a serem considerados
representativos nessa pesquisa. Há dois critérios em jogo: o a) repercussivo –
relacionado ao reconhecimento desses autores pela geração em que viveram e pela
atualidade e o b) histórico – que pretende trazer para o presente a produção de uma obra
que talvez não tenha sido reconhecida na época somente pelo fato de ter sido uma
mulher quem a escreveu.
“O trabalho pode ser considerado um estudo sincrônico e em nenhum momento pretendeu-se
a exaustividade, dado o grande número de obras publicadas no período. Antes, restringimonos à análise das consideradas capazes de fornecer uma visão das mudanças por que passou
a produção gramatical do século XIX, registrando a história da gramática no Brasil, à luz dos
princípios da História das Idéias Lingüísticas, e é, evidentemente, o resultado de uma
diacronia, já que cada material aqui rastreado foi elaborado a partir da aceitação ou da
recusa das propostas da gramática geral e filosófica ou das correntes científicas (históricocomparativas).” (p. 14 – grifo meu)
O recorte feito pelas autoras é ainda mais especificado quando afirmam que não
pretenderam a exaustividade por reconhecerem o grande número de obras publicadas no
período. Explicam melhor suas escolhas através de um critério mais c) lingüístico - ao
passo que levam em conta as gramáticas que foram capazes de fornecer uma visão das
mudanças por que passou a produção gramatical do século XIX. Porém, como elas
verificaram que determinadas gramáticas eram capazes de fornecer uma visão das
mudanças por que passou a produção gramatical do século XIX? Nesse momento de
explicitação dos procedimentos de análise, essas perguntas não foram sanadas.
“... analisamos as seguintes obras elaboradas sob orientação da gramática geral e filosófica:
Epitome de Grammatica Portugueza (Antônio de Moraes Silva), Breve Compendio de
Grammatica Portugueza (Frei Joaquim do Amor Divino Caneca), Breve Compendio de
Língua Nacional (Antônio Pereira Coruja), Grmmatica Portugueza (Francisco Sotero dos
Reis), Grammatica Portugueza (Augusto Freire da Silva) e Nova Grammatica Analytica da
Língua Português (Charles Adrien Olivier Grivet).” (p. 14 – grifo meu)
O critério lingüístico é mais bem explicado quando justificam a escolha de parte
de seu corpus considerando a orientação da gramática geral e filosófica, como visto
acima, e do método histórico-comparativo, como colocado abaixo.
“...revisamos algumas das obras que, procurando romper com a tradição logicista, se
basearam nas correntes científicas (histórico-comparativas). São elas: Grammatica
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Portugueza (Julio Ribeiro); Grammatica Portugueza (João Ribeiro); Grammatica Portugueza
(Alfredo Gomes); Grammatica Portugueza (Pacheco da Silva e Lameira de Andrade);
Grammatica Descriptiva (Maximino Maciel) e a Grammatica Portugueza Practica (Adélia
Ennes Bandeira)”. (p. 14 – grifo meu)
6) Em Pinto, Introdução ao seu O Português do Brasil. Textos críticos e teóricos,
1: 1820/1920, fontes para a teoria e a história XV-LVIII, encontramos um trecho que
representa a problemática de se considerar a representatividade como critério de seleção
de fontes.
“Pretendendo, com este trabalho, documentar a evolução do pensamento crítico a respeito
da língua do Brasil, empreendemos o levantamento dos textos mais significativos – aqueles
que, por terem voz própria, dispensam exposição teórica por parte do organizador...” (p. XI –
grifo meu)
O que seria textos terem voz própria? A argumentação que alguns pesquisadores
utilizam para justificarem suas seleções pode muitas vezes apresentar esse problema
epistemológica do trabalho científico por fazerem uso de uma fonte de conhecimento
advinda de suas próprias experiências e da maturidade frente ao assunto de pesquisa.
Podemos também questionar a possibilidade da existência de um certo modo de
fazer ciência por uma geração. Por que muitos não se preocupam ou não se
preocupavam em fazer essa explicitação? Por que há omissão dos procedimentos de
análise?
7) Rosa Mattos e Silva em Tradição Gramatical e Gramática Tradicional diz:
“Na sua parte final (do livro), estão algumas observações sobre a análise da sintaxe nas
primeiras gramáticas do português, a de Fernão de Oliveira e a de João de Barros (século
XVI); na gramática de Jerônimo Soares Barbosa (século XVIII-XIX), que é, sem dúvida, um
marco na história dos estudos gramaticais do português; e na Nova Gramática do português
contemporâneo (1985) de Celso F. da Cunha e de L. F. Lindley Cintra, que são, certamente,
dos maiores estudiosos e conhecedores da Língua Portuguesa nesta segunda metade do
século XX.” (p. 11 – grifo meu)
Podemos levantar deste trecho o critério do a) pioneirismo – primeiras
gramáticas do português; b) repercussivo/lingüístico – marco na história dos estudos
gramaticais do português - não ficou claro aqui por que Jerônimo Soares Barbosa foi um
marco na história dos estudos gramaticais. Pelo tratamento lingüístico que usou nas suas
análise? Pela sua influência político? Pela sua pedagogia, logo pelo número de
reedições de suas obras? A escolha de Cunha e Cintra se relaciona com o critério c) da
repercussividade – maiores estudiosos.
8) Por fim, Schei, em A colocação pronominal do português brasileiro: a língua
literária contemporânea:
“Escolhemos estas gramáticas pelos seguintes motivos: Bechara, Cunha, Cunha & Cintra e
Rocha Lima são amplamente utilizadas no Brasil; a gramática de Luft chama-se gramática
brasileira e não portuguesa, como as outras; Said Ali diz expressamente que dá regras
baseadas no português europeu; por fim, Cuesta & Luz é – ao contrário das demais – uma
gramática originalmente escrita não para um público português ou brasileiro, mas para
falantes de espanhol. Em suma, escolhemos gramáticas um pouco diferentes para vermos se
tratam a colocação pronominal de maneira diferente” (p. 56 – grifo meu)
Os critérios especificados pela autora dizem respeito: a) ao da repercussividade –
visto que ela justifica a escolha das quatro gramáticas por serem amplamente utilizadas
no Brasil. A gramática de Luft foi escolhida somente pelo critério b) nomenclatura de
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obra – gramática brasileira e não portuguesa, a de Said Ali por um critério c) lingüístico
– pois diz basear-se no português europeu e de Cuesta & Luz pelo critério novamente da
a) repercussividade – no que tange a responder para quem tal gramática foi escrita - para
falantes de espanhol. A autora justifica toda essa diversidade de critérios para tentar
flagrar também uma diversidade de tratamentos da colocação pronominal em seu
estudo.
Dos trechos analisados, somente um autor (5) não tentou destrinchar a noção de
representatividade em critérios, porém os outros, ainda assim, o fizeram de uma forma
indireta e incompleta. Listamos a seguir os critérios levantados por esta análise na
argumentação exposta: i) da eventualidade; ii) da função da autoria; iii) gênero textual;
iv) geração da autoria; v) institucional ou não; v) lingüístico; vi) motivacional; vii)
nacionalidade da autoria; viii) nomenclatura da obra; ix) pioneirismo; x) da
repercussividade; xi) temático; xii) temporal.
Possivelmente não haverá uma lista pronta de critérios, dado que eles são
gerados a partir das exigências de uma pesquisa, mas gostaria de chamar a atenção aqui
para o critério da repercussividade, o qual esteve mais presente no levantamento e o que
pode estar mais diretamente relacionado à noção da representatividade, portanto.
Uma reflexão sobre o critério da repercussividade pode levantar as seguintes
questões: 1) Quando uma fonte repercutiu? – No passado ou no presente? Quando no
passado?; 2) Em quem uma fonte repercutiu?; 3) Por que ela repercutiu?; 4) Como ela
repercutiu; 5) Onde ela repercutiu?
O que pudemos perceber desta questão foi que na tentativa de explicitação desse
critério, dados não foram citados. No caso 1, Agustini utiliza obras que se mantêm
reeditadas e refundidas até hoje, ou seja, ela nos responde o quando – a atualidade e o
como – por reedições de obras, mas não sabemos em quais grupos, onde
especificamente e por quê tais obras repercutiram.
3) A relatividade da noção de representatividade como critério de seleção
A definição de um conjunto de ações que produzam dados para uma pesquisa
depende do estabelecimento das fontes que melhor respondam as perguntas feitas. De
acordo com Luna (1996), a questão da confiabilidade da resposta oferecida pela
pesquisa está na tentativa do pesquisador oferecer garantias quanto à sua adequação
procedimental. Porém, o autor coloca que as informações geradas pelos procedimentos
de pesquisa consistem em massas de relatos verbais, verdadeiros discursos (como se diz
hoje) que em geral não são colocados à disposição do leitor, ou pelo seu volume ou
mesmo pela necessidade de manutenção do sigilo. Encontramos aqui talvez a resposta
do porque Pinto (1978), no caso nº 5, omitiu seus critérios de seleção de fonte ao dizer
“...empreendemos o levantamento dos textos mais significativos – aqueles que, por
terem voz própria, dispensam exposição teórica por parte do organizador...”.
Ainda assim, contestamos a omissão total do processo construtor de procedimentos
que aponta para uma tomada de decisão quanto à seleção de fontes, haja vista as
tentativas encontradas nos casos estudados, explicitadas por critérios. Contudo, além de
nos depararmos com um caso de omissão total de procedimentos de seleção, e outros de
omissão parcial, como demonstrado, por exemplo, no caso do critério da
repercussividade que não foi totalmente explicado, o problema em se expor
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fidedignamente por que determinada fonte foi selecionada esteve presente. A esse
respeito Luna coloca:
“Um dos subprodutos da atividade constante de um pesquisador em uma mesma área é a
familiaridade que adquire com instituições, pesquisadores e periódicos associados à área. Ou
seja, ele passa a discriminar material potencialmente relevante pelo nome do autor, da sua
instituição e/ou periódico no qual o artigo foi publicado”. (pg. 94)
Essa ‘familiaridade’ comentada por Luna não deveria, ao nosso ver, prejudicar a
transparência da pesquisa científica, destituindo-a da característica de recortar a
realidade e analisá-la através de procedimentos justificáveis.
Não podemos deixar de considerar que a questão da representatividade também
está diretamente relacionada com a ideológica. Rajagopalan (2003) coloca que toda
representação é uma questão eminentemente ideológica e responde aos interesses
políticos que norteiam seus defensores, e ainda que toda representação é política
porque se constitui num ato de intervenção (p. 120). Por isso que, por mais que em
nossas pesquisas busquemos nos fundamentar em teorias que por sua vez procuram
“transcender a ideologia”ii – como Rajagopalan coloca, percebemos que isso não é
possível visto que utilizamos uma política de representação na escolha das fontes que
comporão o corpus de nossas pesquisas.
Para Hacking (1983: 139) “não há representação sem estilo”. Rajagopalan
explica essa colocação dizendo que toda a representação tem como atributo
indispensável, portanto, a disponibilidade de escolhas. Sendo assim, conclui que são as
pessoas que fazem as representações.
Toda discussão desenrolada neste artigo sobre o que agora chamamos
amplamente de política de representação pode colaborar certamente com o alargamento
da própria reflexão epistemológica.
i
Atitude esta somada com a necessidade de justificar a seleção de fontes que fiz para a minha própria
pesquisa de mestrado ainda em construção e para o projeto ‘Documenta’ do Centro de Documentação
Científica em Historiografia Lingüística - CEDOCH, do qual faço parte.
ii Rajagopalan (2003) acrescenta que as teorias são como representações das realidades que se propõem a
descrever e que funcionam como intervenções na medida em que fazem com que olhemos para o mundo
de uma forma e não de outra.
Referências
ECO, Umberto. Como se faz uma tese [Trad. de Gilson C. C. de Souza do orig. italiano
Como si fa uma tesi de láurea, 1977.] São Paulo: Perspectiva, 1998.
LUNA, Sérgio Vasconcelos de. Planejamento de pesquisa: uma introdução. São Paulo:
EDUC, 2000.
MURRAY, Stephen O. Theory Groups and the Study of Language in North America. A
social history. Amsterdan: John Benjamins, 1994.
RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma lingüística crítica: Linguagem, Identidade e a
Questão ética. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
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