Corporations and the Cause of Environmental Protection

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Revista VITAS – Visões Transdisciplinares sobre Ambiente e Sociedade – www.uff.br/revistavitas
Nº 2, janeiro de 2012
Resenha do ensaio “Corporations and the Cause of Environmental
Protection”, de autoria de Napoleon M. Mabaquiao Jr.
Eubios - Journal of Asian and International Bioethics nº12 (2002), p. 11-15.
Resenhado por Selene Herculano
AS GRANDES EMPRESAS E A PROTEÇÃO AMBIENTAL: UMA DISCUSSÃO
MORAL
Mabaquiao, professor associado do Departamento de Filosofia da
Universidade das Filipinas, traz autores do campo da filosofia para discutir a
possibilidade das corporações terem responsabilidades ambientais. Ele cita
Kant e Heidegger, mas seu autor central é Peter French 1, cujo recado vem a ser o
seguinte: o mundo social da atualidade é corporativo. A influência das
corporações (as grandes empresas) permeia todas as nossas vidas, define nosso
cotidiano e seu poder transcende todas as outras formas de organização. Dito
de outra forma, governam-nos mais que as famílias, igrejas, escolas, governos e
Estado.
O advento e predominância das corporações trouxeram mudanças que
somam novas dimensões ao nosso mundo moral e precisamos rever nossas
perspectivas éticas para acomodar tais dimensões novas.
No caso da crise ecológica, as corporações seriam a ponte entre as
gerações presentes e futuras por causa da sua existência mais longa que a
humana e seus objetivos a longo prazo.
1
French, Peter 1992. The corporation as a moral person. Business ethics: a philosophical reader. Edited by Thomas
White. New York: Macmillan Publishing Co.
French, Peter 1995. Corporate ethics. New York: Harcourt Brace and Company.
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As corporações extraem recursos da natureza e lançam nela seus dejetos
em grande escala. Os desastres ambientais, tais como derrame de óleo e
vazamento de substâncias tóxicas, o abuso e maus-tratos a animais são
causados por elas. Muitos deduzem daí que as corporações desconsideram o
meio ambiente em quase todas as suas decisões porque buscam atender aos
interesses de seus acionistas e não se sentiriam obrigadas a nada que não lhes
fosse imposto por força de lei. Por serem entidades artificiais, elas não tem
status moral nem, portanto, obrigações morais.
Mabaquiao vai debater esta questão destacando três pontos: (1) se faz
sentido falar em responsabilidades morais das corporações; (2) partindo do
pressuposto que sim, que as corporações têm status moral, se a natureza pode
ser objeto dessas responsabilidades; (3) qual, dentre as várias teorias morais
sobre a natureza, seria aquela apropriada para justificar que as corporações
devam contribuir com a causa da proteção ambiental.
Ele parte do argumento de que as corporações têm status moral, mas
somente em relação a humanos e a outras corporações. As capacitações
funcionais que lhes dão status moral só podem ser divididas com humanos.
Mas isso não quer dizer que as corporações estão eximidas de proteger a
natureza, uma vez que, dentre as responsabilidades morais diante dos
humanos, inclui-se a responsabilidade de lhes assegurar seu ambiente de vida.
Além disso, como foi dito, elas são a ponte entre as gerações.
Mabaquiao cita French e seu raciocínio de que o que confere status moral
a uma entidade é a posse de certas capacitações funcionais: a habilidade de agir
intencionalmente, de tomar decisões racionais e de poder considerar
argumentos racionais sobre a forma de realizar seus interesses, bem como a
possibilidade de fazer as alterações necessárias em relação ao comportamento
que é danoso aos outros. Os seres humanos são seres morais porque têm essas
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capacitações. Se outras entidades também as tiverem, também serão seres
morais. Tal raciocínio de French ele vê como similar ao de Kant.2
Mabaquiao cita ainda um conceito cunhado por French, a “Decisão
Interna Corporativa” – Corporate Internal Decision (CID) para avaliar a moral
das corporações. Este CID é um mecanismo interno derivado de uma estrutura
que transforma as várias intenções individuais de seus membros nas intenções
corporativas. Portanto, a decisão corporativa não é a soma das intenções
individuais de seus membros, submetidos a esses processos internos.
Uma questão se segue: se as corporações são atores morais legítimos, isso
exclui de responsabilidade os humanos que contribuíram para a formação de
suas intenções? Mabaquio cita outro autor, Christopher Meyers3 que diz que
não, pois os humanos que contribuíram com a formação das intenções da
corporação – diretores, gerentes, supervisores – são moralmente responsáveis
pela intenção final aprovada, especialmente se tal aprovação resulta de
compromisso de interesses individuais em competição. Por outro lado, Meyers
também argumenta que esses executivos não são moralmente responsáveis no
sentido de que as intenções da corporação não são redutíveis as dos seus
membros. Ele aponta para um dilema: ou definimos que a corporação é
responsável por comportamento imoral e eximimos seus membros, ou
condenamos os membros individuais e concebemos a corporação como nada
mais que uma ficção legal.
Quando falamos de cuidados com a natureza, isso implica no
reconhecimento de responsabilidades em relação a ela e aos seus membros nãohumanos. Mas como este cuidado é possível? Partindo da distinção que
2
Kant, Immanuel. 1952. The fundamental principles of the metaphysics of morals. Great books of the western world
42 Kant. Edited by Robert Maynard Hutchins. Chicago: Encyclopedia Britannica, Inc.
3
Meyers, Christopher. 1992. The corporation, its members, and moral accountability. Business ethics: a
philosophical reader. Edited by Thomas White. New York: Macmillan Publishing Co.
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Heidegger4 fez entre o cuidado baseado na utilidade (mentalidade do equipar),
de algo que nos é útil para atingir um fim, e o cuidado baseado na empatia, nas
afinidades, no pertencimento a um grupo comum, Mabaquio destaca que o que
confere o sentido da responsabilidade é o segundo. São os humanos que sentem
certas afinidades uns com os outros que se sentem responsáveis uns por outros.
Quando os humanos reconhecem certas responsabilidades diante da natureza,
deveriam sentir afinidades com seus membros não-humanos. As diversas
visões sobre a natureza ou as teorias da ética ambiental são as respostas
variadas à questão. O antropocentrismo vê as afinidades dos humanos uns com
os outros e se refere à racionalidade e à liberdade como as únicas afinidades
morais relevantes e portanto não reconhece responsabilidade moral em relação
à natureza; sua preocupação em relação a esta está baseada na utilidade, como
um meio de satisfazer as necessidades humanas. Para o biocentrismo a única
afinidade moral relevante refere-se àquela compartilhada por todos os
membros da natureza: a capacidade funcional de existir em interdependência
natural com os sistemas ecológicos. O que leva ao entendimento de que os seres
humanos têm responsabilidade moral em relação a todo e qualquer membro da
natureza. 5
Qual destas visões morais da natureza é mais plausível é matéria
controversa. A adequação da visão moral deve ser examinada em relação a
situações especificas, conclui Mabaquiao, citando French e sua referência ao um
princípio ao qual ele se refere como “Princípio de Nozick”: “utilitarismo para os
animais, kantianismo para as pessoas”.
4
Heidegger, Martin. 1962. Being and time. Translated by J. Macquarie and E. Robinson. New York: Harper and
Row.
5
Leopold, Aldo. 1999. The land ethic. Applying ethics. 6th ed. Edited by Jeffrey Olen and Vincent Barry. New York:
Wadsworth Publishing Co.
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Agora que sabemos o que significa para os humanos cuidar da natureza,
vejamos o que os cuidados corporativos significam em relação a ela. Os autores
W. M. Hoffman6 e Eric Katz são citados por acharem que as corporações
deveriam adotar a perspectiva biocêntrica, uma vez que é por se identificarem
com a perspectiva antropocêntrica que as corporações infligem danos ao
ambiente. Curiosamente, Katz chega à mesma opinião por defender o uso
corporativo dos animais das críticas ao utilitarismo.
Mas Mabaquiao os cita para mostrar sua discordância: o que torna as
corporações atores morais é a sua posse irredutível e não-metafórica de certas
capacitações funcionais e que se referem primordialmente à sua capacidade de
fazer escolhas racionais. Se ficou estabelecido que só se pode ser moralmente
responsável em relação aos nossos semelhantes ou em relação àqueles com
quem compartilhamos capacitações funcionais relevantes, segue-se que as
corporações só podem ser moralmente responsáveis por suas semelhantes e
pelos humanos, pois só com eles compartilham as capacitações funcionais
moralmente relevantes. Isso significa que as corporações não podem ter
obrigações morais diante dos membros não-humanos da natureza. Além disso,
as corporações são entidades artificiais, artefatos humanos, e portanto não são
membros dos sistemas ecológicos, faltando-lhes assim a afinidade fundamental
com a natureza.
Isto não significa que as corporações sejam antropocêntricas, porque o
antropocentrismo dá importância primordial aos interesses humanos, o que não
é o caso das corporações, cujos interesses os suplantam. Em segundo lugar, isto
também não significa que seja permissível às corporações fazerem o que
quiserem com o ambiente natural devido à sua racionalidade kantiana: os seres
6
Hoffman, Michael. 1992. Business and environmental ethics. Business ethics: a philosophical reader. Edited by
Thomas White. New York: Macmillan Publishing Co.
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racionais não devem usar outros seres racionais meramente como meios para
atingirem um fim, mas como um fim em si mesmos. Assim, se é moralmente
errado que os humanos usem outros humanos como meios, será também errado
que humanos usem as corporações, que as corporações usem humanos e que
corporações usem outras corporações como meios para atingirem um fim. Usar
seres racionais como meios é uma desconsideração ou violação de seus direitos
morais, sendo um deles o que se refere ao direito dos humanos ao ambiente
natural. A proteção ambiental é então o meio necessário para que tal direito seja
respeitado e as corporações, em sendo seres racionais e morais, devem fazê-lo
através de seu caráter específico de ponte entre as gerações.
Nosso autor parte de um silogismo: se as corporações são racionais, são
morais, apesar de não serem humanas, pois são artefatos humanos, ou seja, são
humanas por tabela. Faltou ao nosso autor discutir a racionalidade
instrumental, criação do próprio interesse corporativo e que assumiu um status
de moral justificada.
Dois anos após este ensaio, Joel Bakan, professor titular de Direito na
British Columbia University, no Canadá, lançou seu livro e seu documentário
premiado7, onde comparou as corporações a humanos psicopatas, incapazes de
empatia e de sentimento de culpa, mentirosos contumazes, indiferentes aos
seus semelhantes e seus manipuladores.
A
inspiração
de
Bakan para considerar as
corporações como
personalidades psicopatas lhe veio da própria história do conceito de
“personalidade jurídica”. Segundo ele, historicamente as associações para a
realização de trabalhos coletivos passaram a invocar, nos anos finais do século
XIX, a proteção da 14ª Emenda da Constituição dos Estados Unidos, pela qual
7
Joel BAKAN. The Corporation – the pathological pursuit of profit and Power. New York: Free Press, 2004. O
documentário do mesmo nome foi realizado com os cineastas Marc Achbar e Jennifer Abbott e premiado em
festivais.
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se garante a qualquer pessoa igual proteção perante a lei 8. A 14ª Emenda
Constitucional fora criada com o propósito de reconhecer direitos aos negros
ex-escravos, mas um juiz a invocou para dar sua sentença em um processo
judicial contra uma companhia de estradas de ferro, em 1886. Na sua sentença
ele considerava a corporação ré como um indivíduo que também gozaria da
proteção da 14ª Emenda. A partir daí as corporações assim se definiram, a fim
de delinear uma separação lógica entre seus interesses e objetivos e os de seus
CEOs.
Ora, se são pessoas, raciocinou Bakan, podemos analisá-las através da
psicanálise, vendo seu comportamento e atitudes. Bakan levantou na literatura
jurídica e em seus registros os casos de crimes cometidos por empresas
transnacionais, entrevistou seus executivos e fez uma radiografia desses seres
autônomos – as corporações - cujas regras e motivações tem uma dinâmica
própria, a lógica do lucro a qualquer custo, de uma cultura interna corporativa
que se exime de responsabilidade diante da sociedade e de um poder que paira
acima dos Estados nacionais.
Desde as conferências mais recentes da ONU sobre meio ambiente, sobre
direitos sociais, sobre um habitat seguro, as corporações começaram a
desenvolver preceitos de adesão voluntária relativos à responsabilidade social e
ambiental corporativa, a respeito de uma ética empresarial de compromisso
com o mundo à sua volta. Seus críticos as acusam de mera maquiagem verde.
8
“All persons born or naturalized in the United States, and subject to the jurisdiction thereof, are citizens of the
United States and of the State wherein they reside. No State shall make or enforce any law which shall abridge the
privileges or immunities of citizens of the United States; nor shall any State deprive any person of life, liberty, or
property, without due process of law; nor deny to any person within its jurisdiction the equal protection of the
laws” (Parágrafo primeiro da Emenda 14ª da Constituição Federal dos Estados Unidos). Traduzindo: “todas as
pessoas nascidas nos Estados Unidos ou naturalizadas e sujeitas à sua jurisdição são cidadãos dos Estados Unidos e
dos Estados onde residem. Nenhum Estado pode elaborar ou aplicar leis que abreviem privilégios e imunidades aos
cidadãos e nem pode qualquer Estado-membro privar qualquer pessoa de vida, liberdade ou propriedade sem um
processo legal, nem negar a qualquer pessoa na sua jurisdição a proteção igual das leis”.
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Neste ano de 2011 emergiu no noticiário e proliferou pelo mundo o
movimento “Occupy Wall Street”, onde as manifestações de rua dão um basta à
ganância do mundo financeiro e sua destruição do futuro 9. Mas estes jovens e
ativistas não podem ter controle democrático das corporações financeiras, não
há canais institucionais para isso. Os candidatos que elegem para os cargos
executivos públicos, uma vez eleitos, atuam de forma contrária à plataforma
que os elegeu.
Discutir o tipo de moralidade que as grandes empresas teriam, como
Mabaquio faz, é um exercício acadêmico interessante, mas o que continua a ser
mais objetivo é considerar os seus efeitos.
9
Visitar, a propósito, o site www.hellocoolworld.com
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