Redes - Filosofia e Teologia - 15 - CAPA

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a.8 n.15 jul./dez. 2010 - Iftav/Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo
Nº 15
julho/dezembro 2010
n. 15
a. 8
REDES
Revista Capixaba de Filosofia e Teologia
Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória - ES
Diretor: Hugo Scheer
Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo
Diretor Executivo: Jolmar Luis Hawerroth
REDES
Revista Capixaba de Filosofia e Teologia
Uma publicação do Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória e da
Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo
Coordenador
Paulo Cesar Delboni
[email protected]
Vice-coordenador
Renato C. Gama
Comissão Editorial
Antônio Vidal Nunes, Fábio Eulalio dos Santos, Hugo Scheer, Paulo Cesar Delboni
e Renato C. Gama.
Conselho Editorial
Antonio Donizetti Sgarbi (Instituto de Filosofia e Teologia de Vitória - Iftav), Antônio
Vidal Nunes (Universidade Federal do Espírito Santo - Ufes), Claudia P. C. Murta
(Ufes), Edebrande Cavalieri (Ufes), Franz Helm (Instituto de Teologia das Religiões,
St. Gabriel, Viena - Áustria), Geraldo Caliman (Universidade Católica de Brasília - DF),
Giovani Marinot Vedoato (Iftav), Guido Gatti (Pontifícia Universidade Salesiana - Itália), Jair Miranda de Paiva (Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo), Joachim
G. Piepke (Faculdade de Filosofia e Teologia St. Augustin - Alemanha), Kelder J. B.
Figueira (Iftav), Mario Toso (Pontifícia Universidade Salesiana - Itália), Renato C. Gama
(Iftav), Tiago Adão Lara (Universidade Federal de Juiz de Fora - MG) e Virgínia A.
Carrara (Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo).
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Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória - Iftav
Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo
REDES
Revista Capixaba de Filosofia e Teologia
a. 8 - n. 15 - julho/dezembro 2010
Vitória-ES
FILOSOFIA E RELIGIÃO
ISSN 1679-4265
Redes: Revista Capixaba de Filosofia e Teologia
Vitória
a. 8 n. 15 p. 1-180
jul./dez. 2010
© 2010 - Iftav/Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo
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sem autorização da editora constitui violação da LDA 9.610/98.
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Capa: Edson Maltez Heringer
Revisão geral: Djalma José Vazzoler
Elaboração e revisão dos abstracts: Jussara Braz da Conceição
Editoração: Edson Maltez Heringer | 27 8113-1826 - [email protected]
Impressão: Gráfica Quatro Irmãos | 27 3326-1555 - [email protected]
Editora: Iftav/Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo
Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo
Redes: Revista Capixaba de Filosofia e Teologia. Ano Vitória, a. Vitória, a. 8, n. 15 (Jul./Dez. 2010). - Vitória : Iftav / Faculdade Católica
Salesiana do Espírito Santo, 2010.
180 p. ; 21,5 cm.
Semestral
ISSN 1679-4265
1. Filosofia - Periódicos. 2. Teologia - Periódicos. I. Instituto de Filosofia e Teologia
da Arquidiocese de Vitória - ES. II. Faculdade Católica Salesiana do Espírito
Santo.
CDU 1+2 (05)
Tiragem: 300 exemplares | Periodicidade: Semestral
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .................................................................................................7
A REALIZAÇÃO DA ERÓTICA:
CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE E. DUSSEL ...................................09-21
The realization of the eroticism: considerations from E. Dussel
Daniel Pansarelli
EXTERIORIDADE E PRINCÍPIO ÉTICO MATERIAL
EM ENRIQUE DUSSEL ..............................................................................22-36
Exteriority and ethical material principle in Enrique Dussel
Deodato Ferreira da Costa
QUESTÕES MORAIS À LUZ DE ARISTÓTELES
E TOMÁS DE AQUINO ..............................................................................37-60
Moral questions in accordance with Aristóteles and Tomás de Aquino
Suderlan Tozo Binda
O DESAFIO COLOCADO POR MAX WEBER ...................................61-70
The Challenge Raised by Max Weber
Fábio Eulálio dos Santos
O LUGAR DA METAFÍSICA NO PENSAMENTO
MODERNO: O RE-PROPOR DA QUESTÃO SOBRE O
SER NO PENSAMENTO DE MARTIN HEIDEGGER .....................71-85
The place of metaphysics in the modern thought: the re-propose of the matter about the
being in Martin Heidegger’s thought
Werbson Beltrame Pereira
O CONCEITO DE FRONTEIRA NA
ÓTICA DOS ESTUDOS CULTURAIS .....................................................86-94
The concept of Boundary from the perspective of the cultural studies.
Wuldson Marcelo Leite Souza e José Carlos Leite
DIE KATHOLISCHE KIRCHE IM „DRITTEN REICH“ ................95-117
The catholic Church and the National Socialism in Germany
P. Karl Josef Rivinius, SVD
FALAR DE DEUS NA HISTÓRIA: O DEUS DOS POBRES
COMO MANIPULAÇÃO DO DEUS VERDADEIRO? ..................118-139
Talk about God in history: the God of the poor as manipulation of the true god?
Adriano Souza Viana
AS RAÍZES DA CRIAÇÃO ......................................................................140-151
The roots of creation
Francimar Arruda
SEGUINDO OS PASSOS DE MARIA:
UMA CAMINHADA CHEIA DE FÉ, EMOÇÕES
E FATOS SOBRENATURAIS .................................................................152-172
Following Mary’s steps: a walk full of faith, emotion and supernatural facts
Regina Coeli F. Silva
RESENHA ....................................................................................................173-174
REVISTAS EM PERMUTAS ...................................................................175-178
NOTA AOS COLABORADORES .........................................................179-180
APRESENTAÇÃO
A Revista Capixaba de Filosofia e Teologia (Redes), fundada em
2003, de circulação semestral, é fruto de uma parceria dos cursos de
Filosofia da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo e Teologia
do Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória (Iftav).
O periódico foi concebido para estimular e difundir a construção
do conhecimento filosófico-teológico produzido pelos professores
e alunos dos citados cursos, bem como de pesquisadores de outras
instituições de ensino e pesquisa. O nome Redes conserva a universalidade dos temas básicos da revista, que são filosofia e teologia. O
conhecimento é aqui pensado como entrelaçamento de significações.
“Rede” traz à tona as ideias de acentrismo, metamorfose, heterogeneidade, multiplicidade, transdisciplinaridade. A Redes busca a coerência
entre a práxis dos cursos de Filosofia e Teologia, além da integração
multidisciplinar com diversas outras áreas do conhecimento, como as
ciências da religião, incluindo aí vários recortes que podem ser feitos
no estudo do fenômeno religioso, destacando-se a antropologia, a
comunicação social, a história, a pedagogia, a psicologia e a sociologia.
Paulo Cesar Delboni
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 7, jul./dez. 2010
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A REALIZAÇÃO DA ERÓTICA:
CONSIDERAÇÕES A PARTIR DE ENRIQUE DUSSEL
Daniel Pansarelli*
Resumo
Propõe-se o estudo de elementos da história da América Latina à luz do
pensamento recente de Enrique Dussel, buscando compreender a erótica,
conceito caro ao autor, em dois momentos, a saber: a dominação erótica que
se realizou como parte da dominação ético-política no processo de colonização e o sentido ético da realização da erótica em um desejado contexto de
não opressão.
Palavras-chave: Erótica. Ética. História. América Latina.
Introdução
Como tudo aquilo que o entendimento humano pode acessar, a
história, para fazer algum sentido, deve ser interpretada. Para além de
uma sucessão de fatos observáveis e constatáveis, numa palavra, para
além da objetividade, é preciso atribuir sentido, incluindo então o elemento subjetivo, humano. Por ser humano, o ponto de vista que fundará
a interpretação, o ângulo a partir do qual serão considerados os fatos,
é sempre localizado histórica e geograficamente, nunca é universal.
Ainda que o resultado da interpretação ambicione sê-lo. As verdades,
portanto, têm sido costumeiramente tomadas como construções com
prazo máximo de validade, no geral, desconhecido. Essa constatação
* Professor no Curso de Filosofia da Universidade Federal do ABC. Graduado em
Filosofia, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo. Contato: pansarelli@
gmail.com.
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 9-21, jul./dez. 2010
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Daniel Pansarelli
que há tempos é aceita pelas comunidades intelectuais no tocante ao
conhecimento científico, parece não ter, ainda, produzido efeitos mais
radicais quando o objeto a ser interpretado é a história.
Ao abordar o assunto em suas obras mais recentes, destacadamente
em 1492: o encobrimento do outro (1994), em Ética da libertação (1998)
e no primeiro volume da Política da libertação: história mundial e crítica
(2007), Enrique Dussel propõe uma radical reinterpretação da história
mundial e, consequentemente, da América Latina, sua história e seu
lugar no contexto global.
Iniciaremos este artigo com uma exposição sintética da proposta
hermenêutica de interpretação da história tal qual elaborada por Enrique Dussel. Passaremos, então, a considerações sobre a forma como as
relações eróticas se colocaram ao longo da história, esta última compreendida tal como nos ensina a tradição. Concluiremos, então, apontando
novas perspectivas que se abrem às relações eróticas neste novo contexto
interpretativo histórico, oferecido pelo esforço dusseliano.
1 História reinventada
No “Preâmbulo geral” de sua Contra-história da filosofia, Michel Onfray afirma que a história registrada é sempre a história dos vencedores.
O autor entende que a historiografia é uma verdadeira “arte da guerra”
que, em sua estratégia ofensiva, registra exclusivamente a “escrita dos
vencedores” (ONFRAY, 2008, p. 11, 15). A tomada da historiografia
como arma não ocorre ao acaso. O esforço de Onfray será o de mostrar
que a “filosofia dos vencedores” (ONFRAY, 2008, p. 16), registrada na
história oficial, é aquela que atendeu e, por consequência, ainda atende
aos interesses da religião cristã.
Dussel, filósofo oriundo da tradição cristã e autor, também, de obra
no campo da história da Igreja, parece concordar com a primeira parte
da formulação de Onfray, sobre a história dos vencedores, e mesmo com
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REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 9-21, jul./dez. 2010
A realização da erótica: considerações a partir de E. Dussel
parte da segunda, sobre os interesses religiosos interferindo na história,
na medida em que critica a Igreja naqueles seus atos que se distanciam
dos interesses das vítimas.1 A ressalva dusseliana seria acerca da condição de vencedores conferida por Onfray a alguns. Numa perspectiva mais
próxima de Paulo Freire, Dussel recusaria o fatalismo imposto pela
formulação do pensador francês, buscando construir caminhos para
transformação – não reversão – da situação.
O exercício hermenêutico de interpretação da história feito por
Dussel conduz à identificação de uma dupla possibilidade, paradigmática, de interpretação da realidade. Nos momentos em que trata explicitamente do assunto em sua Ética da libertação, o autor anuncia utilizar o
termo paradigma ou paradigmático “para falar como Kuhn” ou “para nos
expressarmos como Thomas Kuhn” (DUSSEL, 2002, p. 53, 60). Esta
menção não deve passar despercebida, para que não se perca de vista a
força com que Dussel pretende tratar a dualidade interpretativa posta.
Tenhamos conosco que a comunicabilidade entre os intérpretes de
paradigmas diferentes é, no mínimo, muito sofrível. Talvez impraticável.
É a partir desta premissa que se podem considerar ambos os paradigmas
que serão expostos, um sob perspectiva eurocêntrica, outro que Dussel
chama de mundial.
Com efeito, logo no início de sua exposição sobre o tema na Ética
da libertação, Dussel informa que “há dois paradigmas da Modernidade”
(DUSSEL, 2002, p. 50), o que, considerada a profundidade da questão
dos paradigmas, faz o autor advertir que
[...] exigirá uma nova interpretação de todo o fenômeno da Modernidade,
para poder contar com momentos que nunca estiveram incorporados à Modernidade europeia, e que subsumindo o melhor da Modernidade europeia
A noção de vítimas é a atualmente utilizada pelo autor para expressar com maior
precisão o que anteriormente fora chamado de pobres ou oprimidos. Sobre isso, ver a
dissertação Ética da libertação: a vítima na perspectiva dusseliana, de Claudenir M. Alves.
1
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 9-21, jul./dez. 2010
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Daniel Pansarelli
e norte-americana, afirmará “desde fora” dela mesma componentes essenciais
das próprias culturas excluídas, para desenvolver uma nova política futura, a
do século XXI (DUSSEL, 2007, p. 145).
O primeiro paradigma interpretativo da Modernidade é aquele
que o autor chama de europeu, ou que se desenvolve a partir de um
horizonte eurocêntrico. Propõe que “o fenômeno da Modernidade é
exclusivamente europeu; que vai se desenvolvendo desde a Idade Média
e se difunde, posteriormente, em todo o mundo” (DUSSEL, 2002, p.
50). Este paradigma interpretativo, hegemônico – único comumente
difundido, portanto, com ar de verdade incontestável – contém em si
o que Dussel chama de “‘falácia desenvolvimentista’” (DUSSEL, 1994,
p. 13), na medida em que sugere que a cultura europeia superou as
demais por meio de um desenvolvimento próprio, interno, intrínseco.
Nas palavras do autor, segundo esta interpretação, ter-se-iam registrado
na Europa “características excepcionais internas, que lhe permitiram
superar essencialmente por sua racionalidade a todas as outras culturas”
(DUSSEL, 2002, p. 50).
Ainda buscando explicitar a concepção dusseliana sobre este paradigma, antes de pensarmos em suas consequências para a América
Latina, observemos como o autor o sintetiza na oitava Tese de sua
Ética da libertação:
O “paradigma eurocêntrico da Modernidade” (universalmente aceito, que
tem em Weber um autorizado expoente), cuja opinião é que a Europa,
a partir de uma superioridade intrínseca, se expande na Idade Moderna,
sobre todas as outras culturas, devido a algum tipo de superioridade
(tecnológica, militar, política, econômica, religiosa etc.) acumulada na
Idade Média (DUSSEL, 2002, p. 621).
Esta forma de compreensão da história gerará a divisão didática
dos períodos comumente encontrados nas historiografias, em ida12
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 9-21, jul./dez. 2010
A realização da erótica: considerações a partir de E. Dussel
des Antiga, Medieval, Moderna e Contemporânea (DUSSEL, 2002,
p. 50-1). Duas observações sobre esta compreensão da história precisam
ser feitas. Primeiro, a forma ideológica como no imaginário comum
tanto a Antiguidade quanto a Modernidade são épocas estritamente
europeias. Assim, concebe-se a Europa como centro desde sempre, e sua
centralidade teria sido exercida pela Grécia clássica, e posteriormente
pela “Itália do Renascimento, a Alemanha da Reforma e do Iluminismo,
até a França da Revolução francesa. Tratar-se-ia da Europa central”
(DUSSEL, 2002, p. 51).
A ausência da centralidade europeia no largo intervalo entre Antiguidade e Modernidade, ou seja, durante a Idade Média, é o segundo
elemento a ser observado nesta compreensão eurocêntrica da história
e em sua divisão didática. A observação da própria designação dada
ao período, Idade Média, que sugere tratar-se de meio, não de princípio
nem de fim, carrega em si elementos ideológicos. Período intermediário, sem grandes feitos, idade das trevas, em que a gestação da superior
racionalidade centro-europeia se fazia. Assim supostamente se justifica,
nesta divisão da história, a ausência da centralidade europeia desde a
queda de Roma até o Renascimento: tratava-se apenas de um período
intermediário, algo como um intervalo na ordem natural do mundo.
O outro paradigma interpretativo, que será defendido por Dussel,
é apresentado pelo autor como sendo representativo de um “horizonte
mundial” (DUSSEL, 2002, p. 51), o que não deixa de ter uma conotação
enviesada, paradigmática, ideológica. Na mesma oitava Tese, já citada,
Dussel esclarece que
O “paradigma mundial da Modernidade”, que propõe que a Europa, sem
ter uma superioridade própria (e se a teve em algum aspecto particular
não foi por causa da Modernidade), pelo descobrimento da Ameríndia em
1492 teve um horizonte geopolítico, econômico, político e cultural
que lhe deu uma vantagem comparativa (especificamente sobre o mundo
otomano-muçulmano e chinês), a partir do qual acumulou durante os
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Daniel Pansarelli
séculos XVI e XVII suficiente potencial para superar, a partir do século
XVIII, agora sim, as altas culturas asiáticas. É uma miragem eurocêntrica
“antecipar” a evidente superioridade (especialmente tecnológica) europeia sobre as outras culturas periféricas, lograda no século XVIII, à
Idade Média europeia. Superioridade teve a Europa, certamente, sobre
a Ameríndia, ainda no século XV (mas não sobre o mundo otomano-muçulmano, a Índia e, sobretudo, a China) (DUSSEL, 2002, p. 621).
Segundo este paradigma, a centralidade da Europa não se dá desde
sempre, mas começa a gestar-se apenas a partir do momento em que ela
descobre a América. Durante toda a Idade Média e mesmo no início
da Modernidade, “a China se havia adiantado em séculos em relação
à Europa, sob um ponto de vista político, comercial, tecnológico e
até científico” (DUSSEL, 2007, p. 146). Por seu turno, “a cultura europeia, menos desenvolvida (em comparação à islâmica, indostânica
e especialmente à chinesa), separada pelo ‘muro’ otomano-islâmico
das regiões centrais do continente asiático-afro-mediterrâneo, periférica, portanto, empreenderá um lento desenvolvimento posterior”
(DUSSEL, 2007, p. 146).
Este entendimento vem apontar que, em oposição à ideia da
centralidade natural europeia, o velho continente começa a deixar sua
condição de periferia com a colonização das terras por eles recém-descobertas. Apenas começa, nesta ocasião, a sua escalada rumo ao
centro, e o começa somente por ter encontrado uma periferia mais periférica que si mesmo. Por meio da expropriação das riquezas encontradas,
vai ampliando lentamente seu poder, ao ponto de séculos mais tarde
iniciar a transformação do seu ethos particular em ethos hegemônico,
mundial. A conquista desta hegemonia vem, por sua vez, representar
a subsunção dos sistemas regionais anteriormente vigentes, por um
sistema único, global, pela primeira vez experimentado na história
ético-política da humanidade. É o que nosso autor vem chamar de
sistema-mundo, que será caracterizado pela expressão de sua totalidade
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A realização da erótica: considerações a partir de E. Dussel
(dimensão totalitária) e, portanto, pela negação de qualquer forma
de alteridade.
Há, novamente, uma dupla implicação neste entendimento. Primeiro, que “a Modernidade europeia não é um sistema independente
autopoiético, autorreferente, mas apenas uma ‘parte’ do ‘sistema-mundo’: seu centro” (DUSSEL, 2002, p. 51), ou seja, a Europa não
constituiu a si mesma como centro, tampouco apresenta-se de maneira
qualitativamente superior, mas tão somente ocupa um posto – central
– na mesma escala tópica em que se encontra sua periferia. Ligado a isto,
está o entendimento de que “a Modernidade, então, é um fenômeno
que vai se mundializando” (DUSSEL, 2002, p. 51). Vai, aos poucos,
se expandindo, por meio da dominação econômica, que, por sua vez,
expressa-se em poderio bélico e, por fim, em imposição cultural. Não
há uma condição ontológica ou epistemológica de superioridade, como
gostaria Hegel,2 mas apenas uma condição política, que por definição
é passível de transformação.
2 Erótica da dominação
Na mesma medida em que o paradigma eurocêntrico de compreensão da história é mais amplamente difundido que o outro, mundial,
a erótica também vem se caracterizando ao longo da história como uma
erótica de dominação. A erótica fálica do conquistador, sexista, masculino,
2 Em sua Ética da libertação, Dussel nos mostra que os chineses já haviam navegado
até a costa leste da América do Norte, antes que os espanhóis “descobrissem” o
continente. Este entendimento é bastante difundido entre os historiadores, que falam
em aproximadamente sete viagens chinesas à América. Documentos históricos chineses
confirmam a hipótese. Nas palavras de Dussel: “Os chineses se dirigiram para o leste,
chegaram até o Alasca e, ao que parece, até a Califórnia ou ainda mais ao sul, mas por
não encontrar nada que pudesse interessar a seus comerciantes, e por distanciarem-se
cada vez mais do ‘centro’ do ‘sistema inter-regional’, certamente abandonaram esta
empresa. A China não foi a Espanha por razões geopolíticas” (DUSSEL, 2002, p. 53).
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Daniel Pansarelli
branco, europeu, se faz presente no imaginário popular, nas literaturas
diversas e também das ciências.
Por erótica compreendemos duas qualidades de relações, a saber: a
erótica em sentido amplo e a erótica propriamente dita. Em seu sentido amplo,
a erótica é tomada como relação que se constrói em espaços de abrangência quantitativa restrita, inversamente à política, entendida como
um campo de “influência muito maior (quantitativamente)” (DUSSEL,
1996, p. 87), portanto como campo das multidões. Assim, assumiremos
o campo das relações eróticas como próprio das relações intersubjetivas
não massivas, personalizadas, tendo o reconhecimento do rosto do outro como critério limítrofe: no âmbito erótico estão as relações em que o
rosto do outro pode ser reconhecido na sua singularidade; são relações
como aquela entre o professor e seus estudantes, entre o médico e seu
paciente, entre o pai ou a mãe e seus filhos e filhas. Como parte dessas
relações encontra-se aquela que poderíamos chamar de erótica propriamente dita, a saber, as relações sensuais, sexuais, de afetividade carnal nas
configurações diversas que a sexualidade contemporânea comporta e
outras que poderá vir a comportar.
Desnudo como pode ser observado na proximidade das relações
eróticas, o ser humano tal como concebido na modernidade não teria
como formulação originária de sua compreensão a condição de coisa
pensante cartesiana. Um século e meio antes do ego cógito, o homem3
europeu começa a formar-se como ego conquiro: o bárbaro habitante da
Europa então periférica, que tinha de lançar-se a mortíferas navegações
rumo ao centro produtivo da época, as Índias, encontra o sujeito mais
fraco que si mesmo, os ameríndios, podendo aliar na conquista desses
“fracos” dois desabafos históricos: o poder de agredir, que passava a
possuir aquele que era desde sempre agredido; e o poder de enriquecer,
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Homem em particular, não ser humano em geral.
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A realização da erótica: considerações a partir de E. Dussel
expropriando as riquezas naturais encontradas, daquele que era, por
todo o medievo, o pobre.4
Em suma, a interpretação da história à luz do paradigma mundial
sugere que: (1) a Europa ocupava posto periférico nas relações internacionais ao longo da Idade Média, condição que só viria a ser superada com a riqueza extraída do continente americano; (2) a identidade
antropológica do europeu, tal como a conhecemos, começa, portanto,
a ser gerada com base na sua conquista da América. Este eu conquistador
formulará a erótica da dominação, falocrática tal como a conhecemos. Dussel
escreve que “chegou àquele mundo cultural ameríndio a conquista do
europeu. O varão conquistador se transformou em pai opressor, em
mestre dominador [...]. As ‘mulheres’, índias, seriam as mães violentadas
do filho: órfão índio ou mestiço latino-americano” (DUSSEL, 1997,
p. 128). De forma menos poética, Darcy Ribeiro informa que “a documentação espanhola, mais rica nisso, revela que em Assunção havia
europeus com mais de oitenta temericó”,5 constituindo-se verdadeiros
“criatórios de gente” (RIBEIRO, 1995, p. 82-3). Esta é a origem da
subjetividade que mais tarde caracterizaria o homem europeu.
Séculos mais tarde e no ápice da construção e interpretação desta
subjetividade, a psicanálise tomaria o modelo falocrático como universal, impondo a toda a humanidade a tragédia edípica como condição
nata. Freud afirma que mesmo em sociedades primitivas a manifestação
edípica era presente, baseando, para tanto, suas teorias de Totem e tabu
em uma leitura exclusivamente eurocêntrica da história. Afirma:
4 Tratamos longamente do assunto nos dois primeiros capítulos de nossa tese
de doutoramento, Filosofia e práxis na América Latina, disponível em: http://www.teses.
usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-20042010-143015/pt-br.php [acesso em 29
out 2010].
5Conforme Darcy Ribeiro, temericós são formas de laço de parentesco
classificatório dos índios, representados pela figura da índia que era dada como esposa
a um estrangeiro, tornando-o membro da família, inclusive com direitos privilegiados.
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 9-21, jul./dez. 2010
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Daniel Pansarelli
Há homens vivendo em nossa época que, acreditamos, estão muito próximos do homem primitivo, muito mais do que nós, e a quem, portanto,
consideramos como seus herdeiros e representantes diretos. Esse é o
nosso ponto de vista a respeito daqueles que descrevemos como selvagens ou semisselvagens; e sua vida mental deve apresentar um interesse
peculiar para nós, se estamos certos quando vemos nela um retrato bem
conservado de um primitivo estágio de nosso próprio desenvolvimento
(FREUD, 1976, p. 8).
Para além de tomar preconceituosamente como similares os homens pré-históricos e os aborígenes que mantinham sua condição em
tempos de modernidade europeia, Freud revela profunda fragilidade
metodológica ao basear-se tão somente em fontes secundárias de uma
ciência – a antropologia – que, como se constatou, tinha à época marcas
fortes de preconceitos e dogmatismo.6
Críticos do modelo dogmático proposto por Freud, Deleuze e
Guattari perguntam: “Será possível que, assim, a psicanálise retome a
velha tentativa de nos rebaixar, de nos aviltar e de nos tornar culpados?”
Ao que respondem:
Ora, na medida em que a psicanálise envolve a loucura num “complexo paternal” e reencontra a confissão de culpabilidade nas figuras de
autopunição que resultam do Édipo, ela não inova, mas completa o que a
psiquiatria do século XIX tinha começado: erigir um discurso familiar e moralizado da patologia mental (DELEUZE; GUATTARI, 2010, p. 70-1).
Isso ganha contornos dramáticos quando se “faz de Édipo um
tipo de símbolo católico universal, para além de todas as modalidades
imaginárias”, residindo na universalização o mal maior: aquilo que talvez
Ainda no início de Totem e tabu, Freud informa: “Tanto por razões externas
como internas, escolherei como base dessa comparação as tribos que foram descritas
pelos antropólogos como sendo dos selvagens mais atrasados e miseráveis” (p. 8).
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A realização da erótica: considerações a partir de E. Dussel
descreva os europeus é imposto como padrão antropológico ao mundo,
num “processo de edipianização furiosa” (DELEUZE; GUATTARI,
2010, p. 74-80). Reeditou-se cientificamente o pecado original ao mesmo
tempo em que se criou uma desejada escusa ao modelo falocrático
instaurado pela modernidade europeia. O homem justifica-se como
conquistador; a mulher, seu objeto de conquista. A mais precária das
relações eróticas universaliza-se como natural.
3 Erótica. Alteridade realizada
O termo eurocêntrico, com o qual vimos lidando criticamente, pode
favorecer um equívoco quanto à identificação do ponto preciso de
nosso alvo. O ponto que, entendemos, precisa ser questionado e derrubado não é o “euro”, mas o “cêntrico”, sobretudo em função de sua
expressão no singular. Em outras palavras, não se trata de fazer aqui
um ensaio antieuropeu, mas de defender o direito às tantas perspectivas
e possibilidades de ser que se manifestam no mundo, distintas daquela
perspectiva única que se vem tentando nos impor desde o início da
Modernidade. Neste sentido, talvez nossa palavra-chave seja pluralidade.
Tomemos aqui as duas expressões de pluralidade que parecem
necessárias. A primeira, mais imediata, é desdobramento direto do
questionamento feito por Deleuze e Guattari, a saber, sobre outras
formas não edípicas de ser. Salvo por dogmatismo, não há via que leve
a compreender que todo ser humano é – e que todo ser humano que
vir a ser, será – marcado por um e mesmo complexo. Talvez as condições histórico-políticas europeias tenham favorecido uma erótica da
dominação, a qual gerou, por seu turno, o fenômeno edípico em larga
escala naquele continente e, por influência eurocêntrica, em outros. Daí
à naturalidade há uma transposição que não se pode fazer.
Mas, sob uma perspectiva interna à problemática própria da erótica, a pluralidade desejada ganha outros contornos. Na erótica do eu
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Daniel Pansarelli
conquistador não há espaço para alteridade. Os outros são objetos a serem
conquistados: caças, alimentos, diversão, troféus. O espaço de vida e de
manifestação própria da presa é dado pelo predador, o falo. O sujeito,
sendo si mesmo, torna-se único, negando ao outro o direito à existência
própria. Em um trabalho recente, escrevemos que
Sem o reconhecimento da alteridade, sem o pleno respeito à condição
de outro, que é condição à ruptura da totalidade que confina o mesmo em
si, não é possível se chegar ao outro. Sem este movimento de irrupção da
totalidade, os limites do mesmo prevalecem, havendo apenas o movimento
pseudo-dialético entre o mesmo e a imagem-do-outro-segundo-o-mesmo.
Não há coito, senão masturbação (PANSARELLI, 2010, p. 173).
O reconhecimento da alteridade, portanto, passa de possibilidade a
necessidade caso se queira consumar a erótica de forma mais intensa,
possibilitando que o desejo alcance horizontes antes desconhecidos,
inimagináveis. Este passo de irrompimento rumo ao outro, à outra, depende do reconhecimento de sua condição de possuidor de existência
própria, de vida não objetivável pelo desejo primário do ego conquistador
transformado em ego cógito. Este modelo, moderno-europeu, não é único.
Nem desejado.
Referências
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Dissertação de Mestrado em Filosofia. São Paulo: PUC-SP, 2005.
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“mito de la Modernidad”. La Paz: Plural Editores, 1994.
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exclusión. 4. ed. Madrid: Editorial Trotta, 2002.
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A realização da erótica: considerações a partir de E. Dussel
DUSSEL, E. Filosofía de la liberación. 4. ed. Bogotá: Nueva América, 1996.
______. Filosofía ética latinoamericana III: de la erótica a la pedagógica en
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2007.
FREUD, S. Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1976 (Edição Standard
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HEGEL, G. W. F. Lecciones sobre la filosofía de la historia universal. Madrid:
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ONFRAY, M. Contra-história da filosofia: as sabedorias antigas, v. 1. São
Paulo: WMF Martins Fontes, 2008.
PANSARELLI, D. Filosofia e práxis na América Latina. Tese Doutorado
em Educação. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2010.
RIBEIRO, D. O povo brasileiro. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras,
1995.
THE REALIZATION OF THE EROTICISM: CONSIDERATIONS FROM E. DUSSEL
Abstract
It is offered the study of elements of the history of Latin America in accordance with Enrique Dussel’s recent thought, seeking to understand the
eroticism, beloved concept to the author, in two moments, namely: the erotic
domination that has come true as part of the ethic-political domination in
the process of colonization and the ethic meaning of the da realization of
the eroticism in a desirable context of non-oppression.
Key words: Eroticism. Ethics. History. Latin America.
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EXTERIORIDADE E PRINCÍPIO ÉTICO
MATERIAL EM ENRIQUE DUSSEL
Deodato Ferreira da Costa*
Resumo
A questão da exterioridade, para além de uma simples metáfora de caráter
espacial, se justifica como postura, pessoal e coletiva, crítico-reflexiva – por
isso libertadora –, como concepção que rejeita e resiste a toda e qualquer
forma de dominação e totalitarismo, que atentam, em toda e qualquer
dimensão da vida humana, contra a liberdade, a autonomia, a dignidade e
o respeito de pessoas e de grupos ou comunidades, de povos inteiros, em
nome do poder ideológico e da hegemonia político-econômica. A exterioridade, bem entendida, é o espaço privilegiado de abertura e liberdade do
ente humano, desde onde manifesta e revela sua alteridade.
Palavras-chave: Exterioridade. Razão do outro. Exclusão. América Latina.
Dussel.
Importa apresentar a questão da exterioridade como uma categoria fundamental que propiciou a Enrique Dussel empreender – desde
quando assumiu o princípio da alteridade como lógica norteadora de sua
reflexão filosófica a partir da realidade da América Latina – um diálogo
profícuo e crítico com a tradição filosófica ocidental bem como trilhar
um caminho original e fecundo de um pensar reflexivo e situado que
permitiu privilegiar a práxis e a própria vida humana como conteúdos
do exercício filosófico.
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Amazonas
(FAM). Desenvolve tese de doutorado no Programa Integrado de Doutorado em
Filosofia (Pidfil) UFPB-UFPE-UFRN. É bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado do Amazonas (Fapeam).
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Exterioridade e princípio ético material em Enrique Dussel
O próprio Dussel nos dá o tom da originalidade da reflexão filosófica própria e situada que desenvolve a partir da América Latina:
Sem querer me arrogar o direito de representar um movimento amplo,
a Filosofia da Libertação, que eu ponho em prática desde 1969, toma
como ponto de partida uma realidade regional própria: a pobreza
crescente da maioria da população latino-americana; a vigência de
um capitalismo dependente, que transfere valores para o capitalismo
central; a tomada de consciência da impossibilidade de uma filosofia
autônoma dentro dessas circunstâncias; a existência de tipos de opressão que estão a exigir não apenas uma filosofia da “liberdade”, mas
uma filosofia da “libertação” (DUSSEL, 1995, p. 45-46).
A categoria da exterioridade proporcionou a Enrique Dussel o instrumental hermenêutico-epistemológico a partir do qual pôde desenvolver seu projeto de pensar a realidade latino-americana – marginalizada
e excluída do cenário mundial – como questão filosófica. Aplicada à
realidade de pobreza, opressão e exclusão – realidade das vítimas do
sistema –, a categoria da exterioridade é entendida aqui como a condição de abertura e acesso ao ente concreto em sua própria condição
humana de ser: ser outro enquanto ente distinto que não se reduz à
mera representação da consciência dadora de sentido no mundo; ser
outro enquanto ente que em sua alteridade de ser é portador de seu
próprio sentido.
Dussel entende que a filosofia da libertação deu um importante
passo justamente quando um grupo de intelectuais argentinos começou
a refletir a partir de e com grupos sociais que, dada a condição de pobreza na qual estavam mergulhados, começaram a reivindicar dignidade
e melhores condições de vida.
Foi assim que a reflexão de uma “comunidade de filósofos” (argentinos, no final da década de sessenta), que desde dentro da sociedade
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Deodato Ferreira da Costa
reprimida pela ditadura militar periférica, militantemente articula com
movimentos populares (e também populistas) que lutavam por sua
libertação, fez compreender a importância do pensamento de Emmanuel Lévinas, não só nem principalmente naquilo que se refere ao
“Outro” como linguagem (ainda que também como linguagem), mas
essencialmente como pobre: como o miserável que sofre traumaticamente em sua corporalidade a opressão e a exclusão dos “benefícios”
da Totalidade. O pobre como o “Outro”: como América Latina periférica, como as classes oprimidas, como mulher, como juventude...
(DUSSEL, 1993, p. 14, tradução nossa).
É clara a referência a Emmanuel Lévinas. É do judeu lituano-francês
o mérito da sui generis reflexão filosófica sobre a questão do outro no
pensamento contemporâneo. A alteridade não é tratada como um simples momento do princípio da identidade, mas é elevada à condição de
princípio que norteia e orienta a reflexão, a partir da qual toda subjetividade, em sua ipseidade, é irredutível à representação que se possa
fazer dela. Daí, para Lévinas, o outro, enquanto existente, encontrar-se
fora, separado, exterior ao mundo do eu que, em seu imperativo de ser,
tende à representação, à redução do outro ao mundo que acredita ser
o único verdadeiro e o “melhor dos mundos”. Neste sentido, o outro
se encontra sempre na exterioridade do mundo do eu e da totalidade
que este constitui desde a identidade do si-mesmo, que a tudo permite
manejar e abarcar sem mais.
A reflexão filosófica levinasiana não serve somente de inspiração, mas
oferece mesmo, pelo menos a princípio, o próprio instrumental teórico-interpretativo que permite o irromper de um novo discurso filosófico
a partir da realidade da América Latina. É possível até mesmo falar de
uma imbricação entre libertação latino-americana e Emmanuel Lévinas.
A filosofia da libertação inspirou-se no pensamento de Emmanuel
Lévinas, porque ele nos permitia definir claramente a posição de “exte24
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Exterioridade e princípio ético material em Enrique Dussel
rioridade” (como filosofia, cultura popular, economia latino-americana
em relação aos Estados Unidos e à Europa) enquanto “pobres” (quer
dizer, desde uma economicidade antropológica e ética) e em referência
à “totalidade” hegemônica (político-autoritária, econômico-capitalista,
erótico-machista, pedagógico-ilustrada, cultural-imperial-publicitária,
religião fetichista etc.) (DUSSEL, 1993, p. 34).
É a partir desta novidade da reflexão que apresenta e constitui a
novidade do outro em sua exterioridade como ponto de partida da
reflexão filosófica que Enrique Dussel percebe a importância dessa
chave de leitura para o projeto de um pensar que inaugura uma nova
fase do diálogo filosófico mundial, em vista da “libertação” pretendida.
Na realidade, não somos “aquele outro, diferente da razão”, mas, ao
contrário, o que pretendemos é expressar eficazmente “a razão do
Outro”: do índio assassinado por genocídio, do escravo africano reduzido a uma mercadoria, da mulher vilipendiada como objeto sexual,
da criança subjugada pedagogicamente (sujeito “bancário” como a
define Paulo Freire). Pretendemos ser a expressão da “Razão” dos
que se situam mais além da “Razão” eurocêntrica, machista, pedagogicamente dominadora, culturalmente manipuladora, religiosamente
fetichista. Intentamos uma filosofia da libertação do Outro, daquele
que está mais além [fora, distante] do horizonte do mundo hegemônico
econômico-político (do fratricídio), da comunidade de comunicação
real eurocêntrica (do filicídio), da eroticidade fálica e castradora da
mulher (do uxoricídio) e, não por último, do sujeito que considera a
natureza como mera mediação explorável para a valorização do valor
do capital (do ecocídio) (DUSSEL, 1993, pág. 35).
A filosofia da libertação parte de uma situação que não é, pura e
simplesmente, a expressão de um momento isolado ou de um determinado período da história da América Latina. Parte de uma história
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Deodato Ferreira da Costa
inteira, através dos séculos, de dominação, exploração e opressão do
povo latino-americano. É a partir dessa situação entendida como exterioridade que o discurso filosófico crítico-situado ganha sentido. Daí
a importância de compreendermos a exterioridade não somente no
plano da distinção da condição de cada existente, como ser concreto,
desde Lévinas, mas também como o faz a filosofia da libertação, no
plano conceitual, como uma categoria analítica, que permite aplicar
esta reflexão às demais dimensões da vida humana, mas em especial a
uma economia política crítica, desde Marx, por motivos estratégicos.
A filosofia da libertação afirma categoricamente a importância comunicativa, estratégica e libertadora da “razão”, denuncia o eurocentrismo
e a pretensão de universalidade da razão moderna, e se compromete
na reconstrução de um discurso filosófico crítico que, partindo da
Exterioridade (com Lévinas e Marx, por exemplo), assume uma responsabilidade prático-política na “explicitação” da práxis de libertação
dos oprimidos (DUSSEL, 1993, p. 9).
Por isso, para Enrique Dussel, a exterioridade, dentre as diversas
categorias utilizadas pela filosofia da libertação, a saber: – proximidade,
totalidade, mediação, alienação, libertação –, é a que tem um destaque
significativo, porque dá sentido a todas as demais. Ela constitui mesmo
a condição de possibilidade dessa reflexão crítico-filosófica e histórico-libertadora. Daí sua importância:
Aqui abordamos a categoria mais importante, enquanto tal, da filosofia
da libertação, em minha interpretação. Somente agora se poderá contar
com o instrumental interpretativo suficiente para começar um discurso
filosófico a partir da periferia, a partir dos oprimidos. Até este momento,
o nosso discurso foi como que um resumo do já sabido. A partir de agora começa um novo discurso, que quando for implantado em seu nível
político correspondente e com as mediações necessárias, que faltam nos
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Exterioridade e princípio ético material em Enrique Dussel
filósofos do centro que usam estas mesmas categorias, poderemos, agora
sim, dizer que é um novo discurso na história da filosofia mundial [...].
Quando nos voltamos para a realidade, como exterioridade, pelo simples
fato de ser uma realidade histórica nova, a filosofia que dela se desprende,
se é autêntica, não poderá deixar de ser igualmente nova. É a novidade
dos nossos povos o que se deve refletir como novidade filosófica, e não
ao contrário (DUSSEL, p. 55; ed. brasileira, 1982, p. 45).
O sentido, a noção de exterioridade pode ser compreendida desde o
próprio âmbito da vida cotidiana, do sistema ou dos sistemas nos quais
sempre nos encontramos desempenhando e assumindo papéis sociais.
O ente humano enquanto rosto, enquanto alguém, por definição, guarda uma distância distintiva de todo e qualquer outro ente, humano ou
não-humano, vivente ou não-vivente. Diz Dussel:
O rosto do homem se revela como outro quando se apresenta em
nosso sistema de instrumentos como exterior, como alguém, como
uma liberdade que interpela, que provoca, que aparece como aquele
que resiste à totalização instrumental. Não é algo; é alguém [...]. Exterioridade quer indicar o âmbito onde o outro homem, como livre e
incondicionado por meu sistema e não como parte de meu mundo, se
revela (DUSSEL, 1996, p. 56-57; ed. brasileira, 1982, p. 47).
A noção de exterioridade pensada por Dussel assume um lugar
mais contundente e determinado na constituição do discurso histórico
e libertador. Explicita mesmo o critério metodológico do pensar situado a partir da realidade de onde se empreende a reflexão filosófica.
Esta se eleva acima das relações mediadas na singularidade do sujeito,
consumadas, no mais das vezes, na intersubjetividade. Por isso, com
clareza de intenção, diz o argentino:
O rosto do outro, primeiramente como pobre e oprimido, revela realmente um povo, mais do que a mera pessoa singular [...]. Descrever a
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experiência da proximidade como experiência individual, ou a experiência metafísica do rosto-a-rosto como uma vivência entre duas pessoas,
é simplesmente esquecer que o mistério pessoal se verifica sempre na
exterioridade da história popular. A individualização desta experiência
pessoal-coletiva é uma das deformações europeias dependentes da
revolução burguesa. Cada rosto, único, mistério insondável de decisões
ainda não tomadas, é rosto de um sexo, de uma geração, de uma classe
social, de uma nação, de um grupo cultural, de uma idade da história.
O outro, a alteridade metafísica, a exterioridade no nível antropológico,
é primeiramente social, histórico-popular (DUSSEL, 1996, p. 60; ed.
brasileira, 1982, p. 50).
É com essa clareza de intenção que Dussel se reporta ao sentido
da exterioridade para o âmbito econômico produtivo, para o centro
do sistema capitalista, lugar onde se dá, concretamente, a exploração
e a negação do ente humano como tal. Anuncia-se aqui o critério do
princípio material do pensar: “O trabalhador ‘livre’ é a exterioridade
com respeito ao capital (ao capitalista), quando ainda não vendeu sua
capacidade de trabalho. Porém, é igualmente exterioridade, ‘pleno nada’,
o pobre (pauper, dizia Marx) descartado pelo capital e expulso do ‘mundo’” (DUSSEL, 1996, p. 57).
Na proposta de libertação e de transformação da realidade do
mundo pensada e articulada por Dussel ao longo do desenvolvimento
de sua obra, o pensamento de Marx se mostra indispensável para sua
reflexão filosófica, crítico-libertadora. Cabe aqui pontuar, mais uma
vez, em vista da interpretação pessoal, particular, feita por Dussel a
respeito da obra de Marx, que o argentino, em seu projeto ético-político que pode ser entrevisto na arquitetônica de sua ética, tem uma
maneira peculiar de aceder à realidade, a partir da América Latina, e
um posicionamento filosófico-hermenêutico definido de leitura dessa
realidade como alteridade, como exterioridade. E é a partir dessas
coordenadas que Dussel faz sua leitura filosófica de Marx:
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Exterioridade e princípio ético material em Enrique Dussel
Tudo isto não se desenvolve com tanta claridade em O capital, talvez
porque apareceria como demasiado filosófico ou hegeliano, porém, justamente para uma leitura latino-americana, era essencial descobrir o último
manancial de seu pensar, que se encontra, segundo nossa interpretação,
na positividade da realidade do não-ser do capital (não-capital) que se
situa na exterioridade, no âmbito transcendental do capital (que temos
denominado metafisicamente: o mais além analético): a alteridade da
corporalidade concreta, da pessoa mesma do trabalhador, do sujeito que,
no entanto, se encontra – antes do intercâmbio e da obtenção da mais-valia por parte do capital – “cara-a-cara” ante o capitalista mostrando
sua “pele” – como escreverá em O capital – sua corporalidade sensível,
sofredora, pobre, desnuda... (DUSSEL, 1991, p. 17).
Neste sentido, contrapor-se ao discurso dominador é desmascará-lo
ainda lá onde ele imprime a dominação de fato, onde concretamente
o homem é atacado em sua dignidade e negado como ser livre. Dussel
percebe que a verdadeira libertação só pode acontecer se for efetiva
tanto no plano teórico-ideológico quanto no plano prático-produtivo.
É preciso trazer a reflexão também para a dimensão econômica da vida,
sobre a qual esta realmente se afirma. É no nível da produção material
da vida que o discurso se torna mais incisivo e adquire caráter de instrumento de transformação. Aplicada à análise do sistema capitalista de
produção, que explora o trabalhador e nega sua dignidade, a categoria da
exterioridade indica o lugar a partir do qual o outro homem se afirma
como livre e incondicionado ante o sistema.
Por isso, faz-se necessário compreender que o critério ético vem de
fora, é externo à totalidade ontológica e, neste caso, ao sistema capitalista de produção. Segundo Dussel, Marx entende que a “moral” ou o
“direito” burguês justifica, a partir de dentro, tudo aquilo a que forem
aplicados os seus próprios princípios. A título de exemplo, podemos
lembrar que o trabalho escravo e a fraude em relação à qualidade da
mercadoria são considerados injustos no modo de produção capitalista.
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No entanto, o trabalho assalariado e a propriedade privada são perfeitamente condizentes com este modo de produção, mesmo sendo injustos
com o trabalhador que, com seu “trabalho vivo”, produz riqueza sem
participar efetivamente dela. Importa atentar ainda para a situação do
trabalhador sem trabalho, cuja condição é, sem sombra de dúvida,
injusta. Aqui, não há por que não reconhecermos a semelhança do
pensamento de Marx com o de Lévinas: o outro em sua exterioridade
é diferente, distinto da totalidade, seja esta o “sistema” da totalidade
ontológica, o mundo da vida vigente, seja o próprio sistema de produção capitalista. Citamos de Marx:
Em vista disso, a Economia Política desconhece o trabalhador que não
trabalha, o homem de trabalho, à medida que se encontra fora (ausser)
dessa relação trabalhista. O mandrião, o sem-vergonha, o mendigo (!),
o miserável(!) e o delinquente são figuras (Gestalten) que para ela não
existem, mas somente para os outros olhos(!): para os olhos do médico,
do juiz, do coveiro, do oficial de justiça, os pobres são fantasmas (Gespenster) que ficam fora (ausserhalb) do seu reino. A existência abstrata
do homem enquanto mero homem de trabalho, isto é, de quem por
isso mesmo pode diariamente se precipitar do seu pleno nada (Nichts)
para o nada absoluto (absolute Nichts) (DUSSEL, 1995, p. 53-54).
Até então aceitamos que o “ser é o fundamento de todo sistema,
e do sistema de sistemas que é o mundo cotidiano” (DUSSEL, 1996,
p. 57; ed. brasileira, 1982, p. 47), mas, a partir do sentido de exterioridade que até então foi explicitado, é claramente possível afirmar que
para além do ser ainda há realidade, da mesma forma como sabemos
e acreditamos que há cosmos para além do mundo. Portanto, para
além do fundamento e da identidade ontológica da luz que ilumina a
totalidade do mundo, há ainda a realidade: realidade daquele que se
opõe e resiste à unidade do ser, à compreensão do mundo, à interpretação do sistema constituído e acabado, às determinações e aos
condicionamentos da totalidade fechada; que afirma sua alteridade,
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Exterioridade e princípio ético material em Enrique Dussel
seu outro modo de ser, sua cultura, seus direitos, sua dignidade.
É a presença interpelante do outro que se encontra além do sistema,
do mundo, da totalidade ontológica, que se manifesta como realidade
prática e questiona a estrutura do sistema vigente, o status quo de dominação e opressão. Essa percepção da realidade incide diretamente
sobre a concepção lógica que sustenta e afirma a verdade do sistema,
da totalidade vigente, ou que a nega e busca sua superação. Sobre esse
confronto entre lógicas, Dussel esclarece:
A lógica da totalidade estabelece seu discurso desde a identidade ou
fundamento para a diferença. É a lógica da natureza ou do totalitarismo.
É a lógica da alienação da exterioridade ou da coisificação da alteridade,
do outro homem. A da exterioridade ou da alteridade, pelo contrário,
estabelece seu discurso a partir do abismo da liberdade do outro. Essa
lógica tem outra origem, outros princípios: é histórica e não evolutiva; é
analética e não meramente dialética ou científico-fática, embora assuma
ambas (DUSSEL, 1996, p. 58; ed. brasileira, 1982, p. 48).
Para Dussel, cada uma dessas lógicas explicita movimentos consequentes e decisivos na forma de conduzir a realidade do ente humano,
da sociedade e da própria humanidade. Além, é claro, de determinar a
relação homem–natureza, ser humano–seres viventes não humanos.
Assim, no interior da totalidade fechada o movimento lógico está
voltado para a identificação, a diferenciação e a exclusão. Ao contrário, no âmbito da exterioridade, por manter-se numa perspectiva de
abertura, o movimento lógico está voltado para a alteridade, para a
distinção e para a convergência, permitindo a plena manifestação do
outro em sua exterioridade.
Cabe lembrar que o confronto dessas lógicas se dá exatamente no
transcorrer da própria realidade histórica, e só se justifica porque em algum momento dessa mesma história a totalidade se fechou na intenção
de sua autoafirmação hegemônica, de sua totalização e absolutização,
não reconhecendo a real presença do outro em sua exterioridade alterativa. Diz o argentino:
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O outro é exterioridade de toda totalidade porque é livre. Liberdade
aqui não é somente uma certa possibilidade de escolher entre diversas
mediações que dependem do projeto cotidiano. Liberdade agora é a
incondicionalidade do outro com relação ao mundo no qual sempre
sou centro [...]. É-se outro na medida em que se é exterior à totalidade,
e neste mesmo sentido se é rosto (pessoa) humano interpelante. Sem
exterioridade não há liberdade nem pessoa (DUSSEL, 1996, p. 61; ed.
brasileira, 1982, p. 50-51).
A questão da exterioridade, bem entendida, como âmbito de abertura e de liberdade a partir do qual o outro se manifesta na inteireza
e na integridade de sua alteridade, é, no fim das contas, a condição de
possibilidade real e concreta da própria história humana e de tudo o
que a caracteriza e a constitui. Sem exterioridade não há alteridade, não
há novidade. A liberdade do outro, em sua exterioridade alterativa, é a
fissura que fende a totalidade e, com sua resistência de outro, a abre,
desde seu interior, para um novo momento no tempo histórico.
Importa, então, compreender que a questão da exterioridade, para
além de uma simples metáfora de caráter espacial, se justifica como
postura, pessoal e coletiva, crítico-reflexiva – por isso libertadora –,
como concepção que rejeita e resiste a toda e qualquer forma de dominação, de totalitarismo, que atentam, em toda e qualquer dimensão da
vida humana, contra a liberdade, a autonomia, a dignidade e o respeito
de pessoas, de grupos ou comunidades, de povos inteiros, em nome,
pura e simplesmente, do poder ideológico e da hegemonia político-econômica. A exterioridade, bem entendida, é o espaço privilegiado
de abertura e liberdade do ente humano desde onde manifesta e revela
sua alteridade. Diz Dussel:
A categoria da exterioridade pode ser entendida de maneira equivocada
e pensar-se que o que está “além” do horizonte do ser do sistema o
é de maneira total, absoluta e sem nenhuma participação no interior
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Exterioridade e princípio ético material em Enrique Dussel
do sistema. Para evitar esse mal-entendido dever-se-ia compreender a
exterioridade como transcendentalidade interior à totalidade. Nenhuma
pessoa, enquanto tal, é absolutamente ou só parte do sistema. Todas,
mesmo no caso das pessoas membros de uma classe opressora, têm
uma transcendentalidade com relação ao sistema, interior ao mesmo
(DUSSEL 1996, p. 64; ed. brasileira, 1982, p. 53).
Trata-se, então, de considerar os graus de exterioridade no interior
da totalidade, sem, no entanto, desconsiderar a irredutibilidade do outro
ao mesmo, ao sistema com o qual se defronta. Ora, se realmente levarmos a sério essa questão, em toda discussão racional, mesmo e principalmente na de nível transcendental e universal, teríamos de incluir,
indispensavelmente, como elemento de sua definição e como elemento
crítico dessa razão, uma possível “exterioridade” – em grau diverso – de
cada pessoa, de cada participante de todo grupo, classe ou instituição
e mesmo de toda e qualquer comunidade de comunicação real, como
sendo um outro em potência. Outro não destituído de racionalidade,
mas, ao contrário, portador de sua própria razão, como sendo a “razão”
do Outro. Uma outra razão que “interpela” e “provoca” a fim de fazer
reconhecer o princípio do qual parte sua argumentação racional como
postulação da verdade que se revela a partir da exterioridade do outro.
Assim, se tomarmos como referência a comunidade humana,
será preciso aceitar que cada um dos membros possui o direito de se
posicionar a partir do lugar onde se constitui como outro na composição
dessa comunidade. Posicionar-se a partir da exterioridade não implica
negar a comunidade, mas permite descobri-la e dela fazer parte de forma
livre, sem ser reduzido e conformado a parâmetros, cânones e dogmas
hegemônicos sempre possíveis de surgir. Participar da comunidade
humana (ou de toda e qualquer outra comunidade de âmbito menor) a
partir da exterioridade é ressignificar o sentido da unidade maciça que
se fecha em si e abrir-se a um novo momento da história, cujo respeito
às diferenças singulares, às diversidades coletivas se constitua no modus
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Deodato Ferreira da Costa
operandi de uma comunidade que se paute nas distinções e na pluralidade
da vida humana. Em outras palavras, a racionalidade que legitima a
comunidade humana (e toda e qualquer comunidade real) não pode se
fechar, em momento algum, à razão do outro, como se esta não tivesse
o direito de justificar e legitimar a verdade que se explicita a partir de sua
alteridade como fundamento de sua própria vida.
Deixemos as palavras finais deste pequeno trabalho a Enrique
Dussel: “Uma razão que se preze desse nome sempre estará aberta à
‘razão do Outro’, a outra razão: e somente esse tipo de razão é que se
pode denominar de razão crítica e histórica e, muito mais do isso, é uma
razão ética” (DUSSEL, 1995, p. 62).
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Deodato Ferreira da Costa
EXTERIORITY AND ETHICAL MATERIAL PRINCIPLE IN
ENRIQUE DUSSEL
Abstract
The matter of exteriority, to beyond of a simple metaphor of spacial
nature, justifies itself as attitude, personal and collective, critical-reflexive
– therefore liberating –, as conception that rejects and resists to all and any
form of domination, of totalitarism, that make an attempt, in all and any
dimension of the human life, on the liberty, the autonomy, the dignity and
the respect of the persons, of groups or communities, of entire peoples,
in the name of the ideological power and of the political-economic hegemony. The exteriority, well understood, is the privileged space of openness
and liberty of the human being, from where he/she manifests and reveals
his/her alterity.
Key words: Exteriority. Reason of the Other. Exclusion. Latin America.
Dussel.
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QUESTÕES MORAIS À LUZ DE
ARISTÓTELES E TOMÁS DE AQUINO
Suderlan Tozo Binda*
Resumo
A partir de alguns tópicos da filosofia de Aristóteles e da filosofia de Tomás
de Aquino, buscamos interpretar questões morais relevantes, discorrendo
sobre assuntos que perpassam o “ato humano” como tal, caracterizando,
assim, nossa liberdade em certas circunstâncias. Discutimos perguntas como
estas: Alguma circunstância justifica nosso ato? Existe algum ato humano
que vale por si mesmo? O homem pode ser injusto contra si mesmo? E,
se pode, quais as suas condições? O que torna legítima a finalidade de uma
ação? Temos consciência que não fazemos justiça à grandeza desses dois
autores, mas, apesar da “distância” que nos separa e de nossas próprias
limitações, deles buscamos “escutar algumas palavra”.
Palavras-chave: Aristóteles. Tomás de Aquino. Voluntariedade. Circunstância. Ato moral.
Introdução
Tomaremos o pensamento de Aristóteles e o de Tomás de Aquino
para trabalhar algumas questões morais da ordem do dia, mas à luz do
filósofo grego, que viveu entre os anos 384 a. C. e 322 a. C. e de Santo
Tomás, que viveu de 1225 a 1274. Não temos a pretensão de confrontar
o pensamento dos dois filósofos entre si e com o pensamento atual, mas
simplesmente trabalhar questões morais que são nossas hoje também,
com a ajuda do pensamento aristotélico e do pensamento tomasiano.
*
Professor de Filosofia na Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo.
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Suderlan Tozo Binda
As questões trabalhadas, as do pensamento de Aristóteles, são: Em
uma dada “circunstância” justifica-se fazer uma opção por uma vida ou
outra? Existe algum “ato humano” que vale “por si mesmo”? Até que
ponto diante da “violência” o homem é livre? Há possibilidade de injustiça
a si mesmo ou não? Trabalharemos tais questões recorrendo ao pensamento de Aristóteles, com pequenas críticas efetuadas por nós e a partir
de novos critérios1, mas nossa intenção primordial é perceber como “o
filósofo”, em seu tempo e com seus recursos, respondeu a tais questões.
As questões trabalhadas, as do pensamento de Tomás, são: Como
um princípio da ordem universal-formal pode servir de orientação nas
particularidades da vida cotidiana? Em que medida as circunstâncias
influenciam uma ação? Quando a finalidade é legítima? Quando um
ato moral é legítimo? Qual o fundamento da ação livre?
Trabalharemos primeiro as questões referentes à filosofia de Aristóteles, logo depois discorreremos sobre as questões referentes à filosofia
do Doutor Angélico. Não temos a pretensão de oferecer respostas
absolutas e que dissequem a filosofia de ambos os filósofos, mas uma
tentativa de dizer uma palavra sobre questões contundentes sob o olhar
de dois Grandes Filósofos.
1
Questões discutidas à luz de Aristóteles
1.1 Em uma dada “circunstância” justifica-se fazer opção por
uma vida ou por outra?
Trabalharemos em primeiro lugar as questões referentes à filosofia
de Aristóteles, buscando utilizar como referência sua obra Ética a Nicômaco. Temos consciência que a obra tem muito mais a oferecer, mas para
o momento queremos discutir somente as questões levantadas aqui.
O que não é justo para com Aristóteles, mas somente para tornar mais
compreensível o texto.
1
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Questões morais à luz de Aristóteles e Tomás de Aquino
Primeiro observamos que Aristóteles coloca um limite na questão
quando afirma: “[...] todas as coisas que se cumprem por medo de mal
maior por motivo de qualquer bem, colocam a questão se são involuntárias ou voluntárias” (ARISTÓTELES, 2005, p. 56). E observa ele
que o mal será sempre maior que o bem alcançado caso não realize a
ação à qual está constrangido a realizar; ou seja, não cumprir a ação à
qual está constrangido levará a um mal pior.
Aristóteles nos oferece o seguinte exemplo�������������������������
: “[...] se um tirano ordenasse a uma pessoa que praticasse um ato ignóbil, e tal pessoa tivesse
os pais e os filhos em poder daquele tirano e por isso cometesse o ato
para salvá-los, pois do contrário seriam mortos [...]” (ARISTÓTELES,
2005, p. 56). Nossa atenção se endereça sobre esse “ato ignóbil”, que
Aristóteles não define; porém, vamos supor que para salvar a vida de
meus genitores e meus filhos tenho de matar dez pessoas inocentes.
Afirma Aristóteles: “Em verdade, os homens são às vezes até louvados
pela prática de ações desse tipo, quando se submetem a algo vil ou
menos em troca de alguma coisa nobre e elevada [...]” (ARISTÓTELES, 2005, p. 57), mas no ato ignóbil em nosso exemplo, o que seria
coisa mais nobre e elevada? Em tal circunstância, qual princípio devo
tomar para guiar-me? Existiria tal princípio? Ou ainda como manter-se
“sujeito” em tal circunstância? Tal circunstância tolhe por completo a
voluntariedade da ação ou ainda oferece um espaço à voluntariedade?
Devemos ser justos, pois logo adiante observa ele: “Às vezes é difícil
determinar o que devemos escolher e a que custo, e o que devemos
suportar em troca de que resultado” (ARISTÓTELES, 2005, p. 57).
Em tal situação, podemos nos perguntar o que está e o que não
está em nosso poder dada a circunstância?2 É possível em tal circuns Mesmo que Aristóteles tenha definido o campo da ação humana como aquele
espaço que depende de nós, em tal circunstância seria possível uma ação voluntária ou
não? Tal circunstância oferece espaço à voluntariedade? Parece que cada circunstância
é única e pode tolher por completo o espaço da voluntariedade.
2
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Suderlan Tozo Binda
tância agir voluntariamente? Se tomarmos como ponto de partida
que o ato voluntário é aquele que depende inteiramente do sujeito
agente no momento da ação, em tal circunstância que não depende
do sujeito agente, pois a circunstância revela-se contingente, como
fazer para que em tal circunstância possa-se agir voluntariamente? Ou,
em outras palavras, como podemos ter o pleno poder sobre nossa
ação ainda que não tenhamos poder sobre as circunstâncias que nos
levam a agir? Em tal circunstância bastaria uma disposição interior, ou
virtude que permitiria responder racionalmente e prudentemente as
situações que não foram escolhidas nem determinadas por nós com
um ato voluntário? Existe alguma circunstância em que podemos
sacrificar uma vida humana para salvar outra?
Se tomarmos o princípio de que é o sujeito na circunstância que
escolhe, pois o princípio movente da escolha é inerente ao mesmo,
porém, não por sua vontade, mas por motivo da constrição que sofre, a ação será mista. Portanto, sua ação será mista, pois, se, por um
lado, sua ação é voluntária por ser fruto de uma escolha, por outro,
é involuntária por não partir da sua vontade. A escolha não parte da
vontade, mas da constrição que limita o campo da voluntariedade,
fazendo com que a circunstância modifique a finalidade de uma ação.
Em tal circunstância de constrição, a vontade que se verte em
relação ao fim jamais será livre em tal escolha, pois em nenhuma
circunstância a vida humana, por ser “fim em si mesma”, poderá ser
avaliada em um cálculo entre vantagens e desvantagens, como se ela
tivesse um preço em que uma vale mais que a outra. Portanto, em tal
circunstância defendemos que um ser humano em suas faculdades
normais jamais será totalmente livre para exercer tal escolha, pois a
escolha somente é escolha no verdadeiro sentido da palavra, guiada
pela vontade.
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Questões morais à luz de Aristóteles e Tomás de Aquino
1.2 Existe algum “ato humano” que vale “por si mesmo”?
Segundo Aristóteles, nem toda ação ou paixão3 admite um meio-termo, pois algumas entre elas têm nomes4 que já em si mesmos implicam maldade, como o despeito, o despudor, a inveja e, no âmbito das
ações, o adultério, o roubo, o assassinato, e, segundo ele, nessas ações e
outras semelhantes a maldade não está na falta ou excesso, mas implícita
nos próprios nomes. Aqui observamos que em tais ações, definidas, por
assim dizer, de um modo substancial-formal, nunca será possível haver
retidão, mas tão-somente erro.5
Parece que, para Aristóteles, nada que possa ser acrescentado a
tais ações mudará o seu valor moral em relação à sua bondade ou à
sua maldade, uma vez que essas lembram algo substancial; de fato,
afirma o Estagirita: “[...] tampouco a bondade ou a maldade dependem, por exemplo, de cometer adultério com a mulher certa, no
momento e da maneira certos, mas simplesmente qualquer delas é
um erro” (ARISTÓTELES, 2005, p. 51-52). Ou seja, não é o lugar,
o tempo, a modalidade que qualificam tais ações, mas essas em sua
essencialidade são em si desqualificadas. Em outras palavras, tais ações
já são constituídas de antemão como um ser natural, com substância
própria, à qual nada pode ser acrescentado ou tolhido. Substância essa
aprisionada por sua essencialidade, que, por não mais admitir coisa
alguma, revela-se unívoca.
Aristóteles, em tais casos, não deixa espaço nem mesmo à razão
para construir a ação estabelecendo conexões várias com diferentes
circunstâncias, circunstâncias essas (como, por exemplo, o lugar, o
tempo e o modo) que possam mudar a espécie de um ato, torná-lo bom
3 Trataremos em nosso texto somente das ações, não discutiremos a questão das
paixões.
4 No sentido de conceitos que em si porta a sua essencialidade.
5 C.f. EN., II, 6, 1107a, 5-15, p. 50-51.
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ou mau; circunstâncias que podem assumir importância particular em
relação à razão e tornar boa uma ação que, em si, abstrativamente ou
formalmente, seria má. Ainda, como é bom lembrar, acrescentar uma
nova espécie moral a tais ações.
Qual seria o erro de Aristóteles, segundo o nosso entender? O de
conferir “substancialidade-formal” a tais ações. Como tais ações valem
em si e por si, não podem ser menos que substâncias; e, sendo assim,
não podem ser modificadas. Porém, pensamos que as ações não são
substâncias, mas o modo de uma sustância se manifestar incluindo todas
as categorias possíveis de sua manifestação, portanto necessariamente
envoltas por circunstancialidade.
Tratando tais ações como substâncias, Aristóteles perdeu o movimento delas; assim, separadas do movimento, tais ações não adquirirão
a condição de objeto da ação nas circunstâncias, e, segundo a lógica da
substancialidade-formal, valerão em si e por si, isto é, o nome já diz
tudo da ação, bastando, assim, o juízo analítico. Aqui, segundo nosso
entender, erra Aristóteles, porque ele analisa de um modo necessário-formal a realidade contingente. Portanto, tais ações que não admitem
“algo a mais” valem sim, mas para um mundo perfeito e necessário
idealizado pelo filósofo, e não para um mundo imperfeito e contingente
onde vive o filósofo.
1.3 Até que ponto diante da “violência” o homem é livre?
Aristóteles declara que o ato involuntário é aquele ato que se cumpre por constrição e por ignorância.6 Ora, queremos discutir os atos
constritos por violência, como esses se manifestam e até que ponto
realmente a violência pode constrangê-los, segundo o pensamento do
Estagirita.
6
42
C.f., EN., III, 1, 1110a, 35-36, p. 57.
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Questões morais à luz de Aristóteles e Tomás de Aquino
Constrito, segundo nosso filósofo, é aquilo no qual o princípio é
fora do sujeito, de tal modo que na ação que alguém pratica, ou sofre,
não há nenhuma influência7. Como exemplo nos oferece o seguinte:
“[...] quando uma pessoa é levada a alguma parte pelo vento, ou por
homens que a têm em seu poder” (ARISTÓTELES, 2005, p. 57). Aqui
encontramos o primeiro tipo de constrição por violência, violência
que nos impede de fazer algo além de sofrer a constrição. No entanto,
perguntamos: neste caso, a violência pode coagir a vontade? “Parece”
que sim! Pois, neste caso, não se há o que fazer, simplesmente se sofre
a coação. Encontramos, assim, um tipo de violência na qual não há
espaço para nenhuma reação.
O segundo caso de constrição por violência é aquele em que se
cumpre uma coisa por medo de um mal maior a motivo de um bem
qualquer; nesse caso, segundo o filósofo, se coloca a questão se são
involuntários ou voluntários. Como no primeiro exemplo, aqui também
existe violência, que podemos chamar de “chantagem”, mas perguntamos: esse tipo de violência pode coagir a vontade? “Parece” que não!
Explicamos: a vontade, por ser interior, não pode ser coagida por essa
violência, uma vez que dependerá da vontade, mesmo que coagida, a
tarefa de fazer a escolha entre bens. Porém, a violência pode agir sobre
os atos exteriores pelos quais a vontade se exprime, para produzi-los
ou impedi-los; não obstante, será a vontade a realizar tais ações. Afirma
Aristóteles: “De fato, nas situações de que estamos falando, o homem
age voluntariamente, pois nele se encontra o princípio que move as
partes do corpo apropriadas em tais ações, e, quando o princípio motor
está no agente, nele está igualmente o poder de praticar ou não tal ação”
(ARISTÓTELES, 2005, p. 57).
Porém, tais atos são voluntários na medida em que a vontade realiza
uma escolha entre bens; não é, todavia, uma escolha realizada “por si
7
C.f., EN., III, 1, 1110a, 37-38, p. 57.
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Suderlan Tozo Binda
mesma”, mas em vista de uma outra coisa, como, por exemplo, atirar
ao mar seus bens para salvar a vida. Sobre o assunto afirma Aristóteles:
“Ações dessa espécie são, portanto, voluntárias, embora, em abstrato,
talvez sejam involuntárias, pois ninguém as escolheria por si mesmas”
(ARISTÓTELES, 2005, p. 57). Portanto, são voluntárias, mas como
preço de determinado bem. Afirma ele:
Com respeito às ações involuntárias em si mesmas que, entretanto, no
momento atual e em virtude das vantagens que trazem consigo, merecem preferência, e cujo princípio motor está no agente, essas, como
dissemos, são involuntárias em si, todavia são voluntárias nessas circunstâncias e em troca dessas vantagens (ARISTÓTELES, 2005, p. 57).
Portanto, são ações voluntárias, pois, entre os bens particulares, se
exercita a liberdade da escolha.
O terceiro caso de coação por violência é aquele em que o medo
provocado por um mal iminente vence as forças naturais humanas
suprimindo a liberdade; neste caso, segundo Aristóteles, se deve
merecer perdão, uma vez que tal medo “parece” agredir a própria
lucidez do agente8.
Portanto, ações forçadas são somente aquelas em que, sem restrições de nenhum tipo, a causa é externa ao agente, o qual em nada
contribui para tal ação.9
1.4 Há possibilidade de injustiça contra si mesmo?
A injustiça contra si mesmo, tanto em plano geral, como em plano
particular, é, para Aristóteles, impossível. Isto porque o ato de injustiça contra si mesmo implicaria a voluntariedade do caráter do sujeito
8
9
44
C.f., EN., III, 1, 1110a, 23-25, p. 57.
C.f., EN., III, 1, 1110b, 35, p. 58.
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Questões morais à luz de Aristóteles e Tomás de Aquino
agente e, também, a involuntariedade do caráter do paciente; de modo
que fazer injustiça a si mesmo comportaria fazê-la voluntariamente e
sofrê-la involuntariamente ao mesmo tempo, o que seria impossível,
pois violaria o princípio de não contradição. Pergunta-se Aristóteles:
Se agir injustamente não é mais do que prejudicar voluntariamente
alguém, e voluntariamente significa conhecendo a pessoa em relação
à qual se age, o instrumento e a maneira pela qual se age, e o homem
incontinente prejudica voluntariamente a si mesmo, não só ele será voluntariamente tratado de modo injusto, mas também será possível agir
injustamente em relação a si próprio (e a questão de saber se alguém
pode agir de modo injusto em relação a si mesmo é uma das que estamos
investigando em nosso assunto) (ARISTÓTELES, 2005, p. 120-121).
Sendo, neste caso, agente e paciente uma só pessoa, isto é, uma
totalidade que parte de um ponto “vital de movimento”10 unívoco que
não comporta contradições internas, fica impossível cometer injustiça
contra si mesmo, uma vez que, para isso acontecer, necessitaria violar
o princípio de não contradição. Assim, para que haja injustiça são necessárias ao menos duas pessoas. Portanto, considerando o ponto “vital
de movimento” de uma forma unívoca, isto é, não comportando em
si contradições, é impossível em si e por si cometer injustiça contra si.
Porém, a partir desse ponto “vital de movimento”, compreendido
não mais de um modo unívoco, mas em um sentido metafórico ou
analógico, pode-se falar de cometer injustiça contra si mesmo pensando a injustiça que se exprime entre as partes de si mesmo, isto é, das
partes que compõem a alma ou princípio de movimento. No entanto,
para bem compreender, devemos lembrar que, para o filósofo, este
princípio vital de movimento é “composto” por partes diferentes.
10
Podemos dizer alma, ou princípio de movimento imanente auto-aperfeiçoante.
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Suderlan Tozo Binda
Isto é, a alma é formada por uma parte irracional que não participa
da regra, por uma parte racional que possui a regra e por uma parte
desiderativa que participa da regra.
Portanto, a injustiça, aqui, não é do homem contra si mesmo, mas
de uma parte do princípio de movimento que impõe sobre a outra parte
o seu poder. Ou seja, há uma espécie de injustiça no homem, não em
relação a si mesmo, mas entre certas partes suas. Confirma o Estagirita:
Com efeito, as relações que a parte racional da alma guarda para
com a parte irracional são desse tipo, e é tendo em vista essas partes
que se pensa que um homem pode ser injusto para consigo mesmo,
porque tais partes podem sofrer alguma coisa contrária aos seus desejos,
de tal modo que parece haver uma justiça entre elas, como aquela que
existe entre governante e governado (ARISTÓTELES, 2005, p. 127).
Assim, é impossível ao homem, sendo um, sofrer injustiça de si
mesmo, mas, porque sua alma é uma, porém com partes diferentes,
esta pode fazer injustiça à outra parte, pois, como são partes diferentes,
desejam coisas diferentes.
2 Questões discutidas à luz de Tomás de Aquino
2.1 Como um princípio da ordem universal-formal pode servir
de orientação nas particularidades da vida cotidiana?
Agora discutiremos as questões referentes à filosofia do Doutor
Angélico, utilizando como referência bibliográfica sua própria obra:
Suma teológica. Como já dissemos, temos consciência que a obra tem
muito mais a oferecer, mas para o momento queremos discutir somente
as questões levantadas.
Primeiro observamos que, de um modo genial, Santo Tomás revela
um paralelismo existente entre a ordem das verdades teoréticas e as
verdades das ações prática. Em relação às verdades teoréticas, o Ser, cuja
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Questões morais à luz de Aristóteles e Tomás de Aquino
intelecção está inclusa em todas aquelas coisas que alguém apreende,
onde o “primeiro princípio indemonstrável é que não se pode afirmar e
negar ao mesmo tempo,11 que se funda sobre a razão de ser e não-ser”
(AQUINO, 1980, p. 1.760), e sobre esse princípio fundam-se todas as
outras coisas. Em relação às verdades das ações práticas, estabelecido
que “é” o Bem aquilo que todas as coisas desejam, segundo Tomás, o
mesmo Bem é o primeiro que cai na apreensão da razão prática, daí
estabelece o princípio de que “[...] o bem deve ser feito e procurado, e
o mal, evitado” (AQUINO, 1980, p. 1.760).
A tarefa agora é entrelaçar tais verdades com o funcionamento das
leis naturais; para isso, afirma o Doutor Angélico: “Sobre isso se fundam
todos os outros preceitos da lei da natureza, como, por exemplo, todas
aquelas coisas que devem ser feitas ou evitadas pertencem aos preceitos
da lei de natureza, que a razão prática naturalmente apreende ser bens
humanos” (AQUINO, 1980, p. 1.760). O ponto de partida como base
do raciocínio em ambos os casos é evidente, mas indemonstrável. Por
um lado, temos o ser, objeto da inteligência teorética; por outro, temos
o bem, objeto da razão prática, sendo este aquilo pelo qual todas as
coisas naturalmente tendem, realizando, assim, sua finalidade.
Tomás chega, assim, a um axioma da lei moral: fazer o bem, evitar
o mal; mas ainda agora nos encontramos em um princípio geral, do
qual se mede a ação de um modo universal e formal. Portanto, como
ancorá-lo, isto é, como torná-lo aplicável nas particularidades exigidas
pela vida cotidiana?
Para resolver o problema, Tomás retorna à ideia de natureza como
constitutivo de um ser em sua realidade profunda e em sua dinamicidade, e por essa mesma natureza um ser exprime-se em suas inclinações
originais, inclinações essas que o revelam. Assim, a partir das inclinações
naturais, que visam a um bem essencial para o homem, Tomás aplica o
11
Princípio de não contradição.
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preceito primeiro, isto é, o axioma universal-formal deve ser aplicado
obedecendo à natureza do homem concreto que busca na ação concreta
seu bem a realizar. Portanto, o princípio primeiro é sempre o mesmo,
a saber, fazer o bem e evitar o mal, mas no cotidiano se ancora sobre
o conceito de natureza, natureza essa que manifesta inclinações ou
tendências naturais.
Sendo assim, em dada realidade podemos nos perguntar: o que
é o bem e o que é o mal? Pela lógica do Doutor Angélico fica fácil
responder: o bem é o que faz o homem realizar sua finalidade, e o mal
é aquilo que o atrapalha de realizar tal finalidade. Portando, o axioma
deve sempre levar em consideração a natureza do homem.
A lei natural revela-se como uma luz racional e irrecusável, pois
essa, na sua dinamicidade, leva o homem a assumir suas tendências
naturais, tendências essas que aparecem como anterior a qualquer raciocínio, pois são constitutivas da própria essência do homem; e, quando
assumidas em sua racionalidade, portam o homem à sua verdadeira
finalidade.
2.2 Em que medida as circunstâncias influenciam uma ação?
As circunstâncias são o elemento da ação que, segundo Santo
Tomás, sem ser essenciais, caracterizam, contudo, sua qualidade moral,
aumentando-a ou diminuindo-a. Porém, observa o doutor angélico:
“Os atos humanos são voluntários ou involuntários de acordo com o
conhecimento ou a ignorância das circunstâncias” (AQUINO, 2003,
p. 137). As circunstâncias necessariamente devem ser consideradas ao
se elaborarem juízos, pois essas mesmas circunstâncias são objetos da
moral, uma vez que nelas se encontra ou é afastado o meio da virtude
nos atos humanos e nas paixões. Ao moralista cabe a tarefa de discernir as circunstâncias que lhe interessam e a elas aplicar as leis morais
universais de um modo concreto. O teólogo, em uma circunstância
concreta, avalia a ação humana a partir de três olhares diferentes, que
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Questões morais à luz de Aristóteles e Tomás de Aquino
se coordenam entre si. Primeiro, a intenção da bem-aventurança divina
como fim último assume a qualidade moral do ato, pois “tudo aquilo
que se ordena a um fim, deve ser proporcionado a este fim. Os atos
são proporcionados ao fim segundo alguma medida determinada pelas
devidas circunstâncias” (AQUINO, 2003, p. 137). Segundo, o olhar do
teólogo sobre o ato humano é diferente do olhar do filósofo, isto é,
seu objeto é outro. Esclarece Tomás: “Porque o teólogo considera os
atos humanos enquanto neles se encontra o bem e o mal, o melhor e o
pior, e essa diversidade se deve às circunstâncias [...]” (AQUINO, 2003,
p. 137). Terceiro, uma circunstância importante para um teólogo pode
ser destituída de valor para um orador ou vice-versa, pois “o teólogo
considera os atos humanos enquanto são meritórios ou demeritórios,
o que cabe aos atos humanos e para isso se requer que sejam atos voluntários” (AQUINO, 2003, p. 137).
A tarefa é determinar quais são as circunstâncias convenientes a
aplicar tais procedimentos morais. A esta questão responde o filósofo
D’Aquino:
[...] os atos são propriamente humanos enquanto voluntários. O motivo
e o objeto da vontade é o fim. Por isso, a mais principal das circunstâncias é aquela que atinge o ato quanto ao fim, isto é, para quê. A
circunstância secundária é aquela que atinge a própria substância do
ato, isto é, o que é feito (AQUINO, 2003, p. 140-141).
Assim, como circunstâncias principais do ato temos, de um lado,
a matéria do ato, isto é, o quê é feito, e, de outro, o seu fim, ou seja, o
para quê. Portanto, para Tomás, a matéria e o fim da ação constituem
os elementos essenciais de um ato, logo, o fim, mesmo não sendo da
substância do ato, é a causa principal dele enquanto o move.
A circunstância significa aquilo que, estando fora da substância, de
certo modo a atinge. Atinge-a de três modos, a saber: “Primeiro, enquanto atinge o ato; segundo, enquanto atinge a causa do ato; terceiro,
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enquanto atinge o feito” (AQUINO, 2003, p. 139). Porém, o fim que
especifica o ato não é a circunstância em si mesma, mas algo acrescido
a ela. Explica Tomás:
[...] quando o forte age fortemente visando o bem da fortaleza, isto
não é circunstância,12 mas, sim, se age fortemente pela libertação de sua
pátria, ou do povo cristão.13 O mesmo se deve dizer da circunstância, o
que, pois, derramar água sobre outro e o molhar não é circunstância,14
mas o é, se isso o refrigera ou aquece, o cura ou faz mal (AQUINO,
2003, p. 140).
Isto é, a circunstância aqui é acrescida à substância da água, que
em si molha, mas que circunstancialmente pode aquecer, resfriar, curar
ou matar.
2.3 Quando a finalidade é legítima?
Segundo Santo Tomás, a intenção é um ato da vontade que recai
sobre o fim último em primeiro lugar, e, em segundo lugar, sobre os
fins intermediários. Porém, ele observa que “a vontade, não ordena,
mas tende para alguma coisa segundo a ordenação da razão. Por isso, o
nome intenção designa o ato da vontade, pressuposta a ordenação da
razão, que ordena para o fim” (AQUINO, 2003, p. 178). No entanto,
os fins intermediários, como objetos da intenção, não são simplesmente
“meios”, ou seja, fazem sim parte da ordem dos meios como bens úteis,
mas superam essa ordem, como nos explica o doutor angélico: “[...]
Uma vez que está inerente à substância do forte a defesa da circunstância, assim
não lhe cabe nenhum mérito.
13A segunda ação do forte não é inerente à sua substância, mas a essa é acrescida,
por isso é digna de mérito.
14Uma vez que a ação de molhar faz parte da substância da água.
12
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pode-se considerar no movimento duplo fim: de um modo, o termo
último, no qual se aquieta, que é o termo de todo movimento; de outro
modo, algum intermédio, que é o princípio de uma parte do movimento,
e o fim ou termo da anterior” (AQUINO, 2003, p. 179).
Assim, quando nossos atos versam sobre realidades que valem por
si mesmas, tais como a Pessoa do outro, a Família etc., essas realidades,
sendo dignas em si mesmas, devem ser amadas e queridas por si e em
si. Contudo, tais realidades, de certo modo, são subordinadas como
fins intermediários ao fim último divino; não, porém, como meio no
sentido utilitarista da palavra, ao contrário, devem ser compreendidas
como “o que é para o fim”.
Falando acerca do movimento intencional, Tomás esclarece: “[...]
no movimento pelo qual se vai de A a C por B, C é o termo último; B
é termo, mas não é o último. E a intenção pode referir-se a ambos. Por
isso, embora seja sempre ‘fim’, nem sempre é necessário que seja o fim
último” (AQUINO, 2003, p. 179).
Portanto, segundo Santo Tomás, realidades como Família e
Pessoa15 não são meios, mas, como afirma o aquinante, “sempre
fim” (AQUINO, 2003, p. 179). No entanto, acrescenta Tomás, “nem
sempre é necessário que seja o fim último” (AQUINO, 2003, p. 179).
Assim, a Pessoa não é meio que se utiliza para alcançar um fim e depois pode ser deixado de lado, mas essa é “abertura” que nos propõe
o que é para o fim; a Família não é meio, mas “abertura” que nos
envolve no que é para o fim; a Pessoa não é meio, mas fim em sim
mesma, essa é “abertura” que nos orienta ao que é para o fim. Em
outras palavras, Família e Pessoa, estão para os fins intermediários
como Deus está para o fim último, isto é, aquelas participam do fim
último em uma analogia intrínseca, porém, não são “o fim último”,
mas, desde agora, deste participam.
15
Tenho consciência que essas realidades não aparecem no texto.
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Existe assim uma conexão entre as duas faces do movimento da
vontade, isto é, um movimento para o fim e um para o que é para o fim.
Afirma Tomás:
[...] enquanto a vontade se refere a ambos absolutamente e por si. E
assim são absolutamente dois movimentos da vontade para os dois. [...]
pode-se considerar enquanto a vontade é levada para o que é para o
fim, por causa do fim. Assim o movimento da vontade que tende para
o fim e para o que é para o fim é um só e o mesmo quanto ao sujeito
(AQUINO, 2003, p. 182).
Portanto, esta íntima conexão entre o objeto da intenção que é o
“fim” e o o objeto da escolha que não é o meio, mas “o que é para o
fim”, é essencial para nosso Autor, pois, estabelecido que um movimento não pode acontecer sem o outro movimento, o objeto da intenção e o
objeto da escolha revelam-se como o critério para julgar a qualidade dos
atos humanos, e os movimentos que vertem sobre o que é para o fim
têm sua dignidade em si mesmos, não são meios, mas vias necessárias
para chegar ao fim último.
2.4 Quando um ato moral é legítimo?
Os atos morais possuem duas partes essenciais, a saber, um ato
interior, que podemos chamar de “intenção” do sujeito agente, e, como
não poderia deixar de ser, um ato exterior, que podemos chamar de
“obra”. Segundo Santo Tomás, não se trata de dois atos separados, mas
de duas dimensões do mesmo e único ato moral.
O fim da obra é objetivo, isto é, seu fim está ordenado por sua
própria natureza; por exemplo: a esmola é, em si e por si, destinada
a amenizar a miséria do pobre, logo é inerente a esse problema a sua
finalidade. O fim do agente é subjetivo, uma vez que este reside na
intenção deliberativa do sujeito agente como tal; sendo assim, aquele
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Questões morais à luz de Aristóteles e Tomás de Aquino
que oferece a esmola pode visar a amenizar a miséria e o sofrimento
daquele que sofre, mas também pode ter a intenção de obter reputação
de generoso para obter glória e ser conhecido socialmente. Portanto,
agindo assim, sua ação não pode ser moralmente boa, pois transforma
o fim objetivo em meio para alcançar benefícios próprios, os quais não
são inerentes este fim.
É evidente que, segundo Tomás, somente quando o fim do agente
coincide com o fim da obra é que temos de fato um legítimo e reto ato
moral, que, em si, pode ser digno de louvor. Tomás afirma:
É preciso, pois, que qualquer ato individual tenha alguma circunstância
pela qual é atraído para o bem ou para o mal, ao menos da parte da intenção do fim. Ora, como é próprio da razão ordenar, o ato que procede
da razão deliberativa, se não está ordenado para o devido fim, por isso
mesmo contraria a razão, e tem razão de mal. Se, porém, está ordenado
para o devido fim convém à ordem da razão, e tem, por isso, razão de
bem. É necessário, pois, que se ordene ou não ao devido fim. Portanto,
é necessário que todo ato humano procedente da razão deliberativa,
considerado no indivíduo, seja bom ou mau (AQUINO, 2003, p. 254).
Assim, segundo o angélico d’Aquino, quando o fim do agente não
coincide com o fim da obra, não temos um legítimo ato moral; mesmo
que a ação em si seja boa, ela não cumpre sua finalidade legítima, uma
vez que se torna um simples meio para alcançar um bem ilegítimo.
Esclarece Tomás: “Para cada coisa há o bem que lhe convém segundo sua forma, e o mal que está para ele além da ordem de sua forma.
Logo, fica claro que a diferença do bem e do mal considerada acerca
do objeto, comprara-se por si à razão, isto é, segundo o objeto lhe é ou
não conveniente” (AQUINO, 2003, p. 246).
Portanto, quando a finalidade objetiva de uma obra que em si é
boa coincide com a intencionalidade deliberativa do sujeito agente, que
em si é livre, temos, por assim dizer, o verdadeiro ato moral louvável e
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bom. Assim, o ato moral tem um caráter ou dimensão individual, cuja
intenção deliberativa do sujeito agente é que o regula, porém, esse ato
moral deve ser regulado por uma dimensão objetiva do próprio objeto
do ato, a saber, a finalidade da obra para a qual esse ato se volta.
Podemos, portanto, concluir que o problema moral é com certeza bem pessoal, mas estende-se bem além do simplesmente caráter
pessoal de cada indivíduo, elevando-se a uma dimensão objetiva, que
oferece as bases para qualificar um ato moral. Assim, temos a dimensão da finalidade inerente à própria obra que, conjugando-se com a
intencionalidade do sujeito agente, definira a essência da qualidade do
ato moral, uma vez que, “[...] assim como a primeira bondade da coisa
material é considerada por sua forma, que lhe dá espécie, assim também
a primeira bondade do ato moral é considerada pelo objeto conveniente
[...]” (AQUINO, 2003, p. 240).
2.5 Qual o fundamento da ação livre?
São Tomás, evidenciando o paralelismo entre a ordem das verdades
teoréticas e a das ações a realizar, determina o funcionamento da lei
natural, em virtude da qual, segundo ele, nossa razão descobre o bem
das inclinações inscritas na própria natureza e, sob tais inclinações que
funcionam como base, fundamenta a ordem moral que deve guiar nossa
ação prática, isto é, “[...] que o bem deve ser feito e procurado e o mal,
evitado” (AQUINO, 1980, p. 1.760).
O qualificativo do valor moral consiste na conveniência do ato e do
objeto com aquilo que a razão apreendeu como um bem, isto é, “[...] é
inerente ao homem a inclinação ao bem segundo a natureza da razão,
que lhe é própria, como ter o homem a inclinação natural para que
conheça a verdade a respeito de Deus e para que viva em sociedade”
(AQUINO, 1980, p. 1.760). Portanto, guiada pela lei natural, a razão
será reta, pois, fiel a si mesma, agirá de dentro dos próprios princípios
primeiros. Assim, como na ordem teórica, o princípio de identidade é
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a base sobre a qual se vai em direção à última Verdade; na ação prática
o princípio moral é a base sobre a qual se vai ao último Bem ou Bem
por excelência.
Esses princípios, ou inclinações naturais, consistem em uma ordem intrínseca à própria razão, que versa sobre o fim último como
horizonte, mas que não tem esse horizonte último como objeto dado
imediato, impedindo, assim, uma ação direta sobre esse fim. Não tendo
como agir sobre o bem último, que se coloca somente como horizonte, o homem deve guiar-se por sua própria natureza, isto é, por aquilo
que lhe constitui em sua realidade mais profunda; esta se exprime em
inclinações originais, que, por sua vez, revelam o seu próprio Bem. É
sobre esse Bem próprio do homem que se aplicam os princípios morais,
como já afirmamos; ele serve de base para pensar e escolher entre os
bens particulares que se oferecem como uma multiplicidade de bens.
Pensando nos bens particulares que são meios para alcançar o Bem
último e fazendo escolha entre eles, o homem exercita a sua liberdade.
Afirma Tomás que o “Bem é aquilo que todas as coisas desejam”
(AQUINO, 1980, p. 1.760), porém, no caso do homem, ser racional,
esse ir em direção ao Bem se dá de modo voluntário e livre. Pensando
nos bens particulares e fazendo escolha entre eles, a razão age livremente, uma vez que, ao exercitar tais ações, ela mantém-se fiel à sua essência
a partir de sua própria lei, não se subordinado, assim, nem a uma lei
estranha, como as leis dos sentidos, nem a uma lei externa.
Portanto, a razão não é uma fonte autônoma dos valores nem é a
medida de si mesma, mas também a razão não é escrava de determinismos “naturais”16 ou de divindades caprichosas. Em seu exercício moral,
a razão se reconhece guiada por um valor absoluto, que, no entanto,
não é objeto imediato, mas lhe serve como base, como horizonte fundamental. Conduzida por tal horizonte, a razão se faz consciente de
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Determinismos esses na ordem moral, não na ordem biológica etc.
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que a vida, por exemplo, é um valor não porque a razão a criou, mas
porque a razão a “reconhece” como tal.
Observamos que este horizonte último (Deus, fim último, supremo
bem etc.) não é um determinante no sentido que tolhe a liberdade do ato,
mas possibilita ao homem reconhecer a “verdade ou bem” do ato. Portanto, metafísica e ética se abraçam, verdade e liberdade não se separam.
Conclusão
Ao trabalharmos algumas questões advindas do pensamento de
Aristóteles e das concepções de Santo Tomás de Aquino, em primeiro
lugar percebemos a atualidade tanto do pensamento, quanto das próprias questões. Em relação ao pensamento, percebemos a magnífica
clareza de ambos. Isto é, o rigor filosófico e a arte de pensar com
concatenações lógicas rigorosas. Quanto à atualidade das questões, percebemos que, por serem questões humanas, sempre estarão em pauta,
uma vez que em qualquer tempo e em qualquer espaço deveremos nos
perguntar o que faz com que a ação humana seja de fato humana.
Aristóteles nos faz resgatar a questão da determinação de nossa “vontade”; seria o ato humano determinado por uma lei moral a
priori, como pensa Kant? Seria nossa vontade determinada por uma
tal circunstância? Eis questões que permanecem! O “ato voluntário”
seria aquele que não apresenta nenhuma constrição nem externa nem
interna? Mas isso seria possível?
Em relação à validade do “ato humano por si”, o Filósofo nos faz
pensar que não é o lugar, o tempo, a modalidade que qualificam tais
ações, mas essas em sua essencialidade são em si desqualificadas. Ou
seja, roubo, adultério, assassinato em todo lugar, tempo ou qualquer
modalidade não deixam de ser roubo, adultério e assassinato. Mas, perguntamos nós, a vida pode ser encaixada na formalidade lógica? Atos
humanos podem ser avaliados sem se levar em conta as circunstâncias?
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Questões morais à luz de Aristóteles e Tomás de Aquino
Nosso filósofo nos apresenta a fragilidade humana quando trabalha
a questão da violência, não somos super-homens, somos humanos e,
como humanos, sujeitos a termos de agir contra nossa vontade, agredidos em nossa intimidade e levados a práticas que nos violentam. Porém,
o Estagirista nos ajuda a compreender que nossa vontade é “sagrada”,
pois é desta que partem os atos realmente humanos.
Tomando o conceito de “injustiça analiticamente”, Aristóteles
nos surpreende com sua capacidade de elucubração. E, de fato, analiticamente não se pode fazer violência contra si, uma vez que o ato de
injustiça, neste caso, implicaria a voluntariedade do caráter do sujeito
agente e, também, a involuntariedade do caráter do paciente; de modo
que fazer injustiça a si mesmo comportaria fazê-la voluntariamente e
sofrê-la involuntariamente ao mesmo tempo, o que seria impossível,
segundo Aristóteles, já que, para isso, deveria violar o princípio de não
contradição.
Santo Tomás de Aquino busca resolver a questão de como um
universal pode influenciar a ação do mundo real. Pensa ele que, como
na ordem teórica, o mais evidente é que o “Ser é e não pode deixar de
Ser”,17 isto para o “intelecto”. Assim também, na ordem prática, o bem
das coisas é o que deseja a “razão prática”; por isso, o princípio que nos
deve guiar na ordem prática de ser é “que o bem deve ser feito e procurado, e o mal, evitado”. Princípio moral entrelaçado com o conceito
de “natureza humana” nos faz perguntar: qual o “bem” que emancipa
tal natureza? Mas, perguntamos nós, tal natureza existe? Se existe, seria
ontológica, biológica ou quiçá psicológica?
No restante das outras questões, Santo Tomás nos ajuda a compreender que devemos distinguir aqueles “fins” que constituem a
“ação legítima”, que dizem respeito às verdadeiras aspirações humanas. Isto é, a ordem moral não é indiferente à nossa natureza humana.
17
Princípio de identidade que garante tal afirmação.
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Portanto, agir moralmente significa agir racionalmente segundo a
natureza racional do homem. Assim, não é a vontade que determina
a lei moral; esta é imanente à natureza humana, mas é a vontade que
executa livremente esta ordem moral em suas particularidades e em
circunstâncias concretas, fazendo escolhas entre os muitos bens e,
por isso, agindo livre.
Ainda podemos recordar que, para a legitimidade do ato moral,
segundo Santo Tomás, são necessários dois elementos, a saber: o elemento objetivo, isto é, a lei, que com ele se atinge mediante a razão,
e, como a moral de Tomás é uma boa moral cristã, também é necessário o elemento subjetivo, ou seja, a intenção, que, como sabemos,
depende da vontade.
No entanto, concluímos nosso trabalho observando que toda a filosofia de Aristóteles e a de Tomás estão ancoradas em uma metafísica. Em
nosso mundo contemporâneo há espaço ainda para uma filosofia nestes
moldes? Teria o “Filósofo” e o “Doutor Angélico” algo a nos dizer?
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SERTILLANGES, R.P. La philosophie morale de Saint Thomas D’Aquin.
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VIGO, Alejandro G. Estudios aristotélicos. Pamplona: EUNSA, 2006.
MORAL QUESTIONS IN ACCORDANCE WITH ARISTÓTELES
AND TOMÁS DE AQUINO
Abstract
From some topics of Aristóteles’s and Tomás de Aquino’s philosophy, we
seek to interprete relevant moral questions, running through about subjects
that pass by the ”human act“ as so, thus characterizing our liberty in certain
circunstances. We discuss questions such as: Does any circunstance justify our
act? Is there any human act that is worthy for itself? Can man be unfair against
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himself? And if so, what are his conditions? What can make the purpose of
an action legitimate? We are aware that we don’t do justice to the magnitude
of these two authors, but in spite of the “distance” that keeps us apart and
of our own limitations, we search to “listen to some words” from them.
Key words: Aristóteles. Tomás de Aquino. Voluntairsm. Circunstance.
Moral act.
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O DESAFIO COLOCADO POR MAX WEBER
Fábio Eulálio dos Santos*
Resumo
Este artigo pretende apresentar o desafio colocado por Max Weber, delimitando o significado de responsabilidade no quadro da teoria moral. Weber
posiciona-se claramente contra a possibilidade de um procedimento para
resolução de conflitos práticos, na medida em que advoga ser impossível
qualquer consideração cognitiva a respeito de normas morais do mesmo modo
como podemos fazer em relação a “fatos”, como também nega a possibilidade
de defender uma ética formal, restando, assim, unicamente um pluralismo
ético irredutível num mundo desencantado. Disso resulta o grande desafio de
Weber: o de agir com responsabilidade, observando os efeitos das próprias
ações. Desafio que, no seu entender, não pode ser satisfeito por uma ética
deontológica, e, assim, é colocado diante de todo projeto contemporâneo de
fundamentação da moral que segue na tradição kantiana.
Palavras-chave: Ética. Responsabilidade. Convicção. Racionalidade. Desencantamento.
Introdução
O desafio colocado por Weber situa-se nos seus estudos a respeito
da crítica referente à separação entre meios e fins, ao conflito de validade entre as esferas de valor e à tensão entre a ética e outras maneiras
“valorativas”, enquadrando-se, por fim, na sua pesquisa sobre a racionalidade, cujo eixo é analisar o processo de racionalização a partir do
desencantamento das imagens do mundo religioso e metafísico.
*
Professor de Filosofia da Faculdade Católica Salesiana do Espírito Santo.
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Fábio Eulálio dos Santos
Weber traça a diferença entre a discussão dos meios e a dos fins
de uma ação prática e esclarece que para aqueles os fins já devem estar
postos; porém, ressalta que este “posto” não significa fato, mas um “fim
estabelecido a priori” (WEBER, 1992, p. 369). Weber segue esclarecendo
que o fim é sempre pretendido com fundamentos últimos muito diversos, conforme a ética, mas que, mesmo assim, não poderíamos negar
que se pode partir de um fim determinado de comum acordo e apenas
discutir os meios através dos quais este fim pode ser alcançado. Para
este tipo de discussão, isto é, para a discussão sobre os meios, Weber diz
que estamos no nível empírico-científico, enquanto para uma discussão
sobre os fins estamos no nível valorativo, que não é científico.
Ora, com essa demarcação, Weber sustenta uma diferença a respeito
da pretensão de validade para os fins e para os meios, que é realçada
quando ele afirma que é importante para as ciências empíricas sustentar que a “validade de um imperativo prático enquanto norma está em
outro plano, isto é, é heterogêneo ao valor da verdade de uma comprovação empírica de fatos” (WEBER, 1992, p. 370). Isto significa que a
comprovação da validade de um fim não se dá da mesma forma que a
comprovação da necessidade de um meio, que pode ser considerado
inclusive sem que seja ao fim atribuído o valor positivo, mas que apenas
tenha já sido “posto”, visto que o valor do meio é referente à facilidade
que proporciona para alcançar o fim estabelecido, considerando os
efeitos previsíveis.
Assim sendo, Weber chama a atenção para o fato de que não se
deve atribuir “valor” positivo às convicções – que dizem respeito aos
fins, e não aos meios – simplesmente por serem causas efetivas de uma
determinada forma de vida, nem o contrário, ou seja, considerando
um fenômeno ético ou religioso como de elevado valor em si mesmo,
entender que as consequências desses fenômenos devem receber o
mesmo predicado positivo. Para Weber, as comprovações empíricas em
nada esclarecem as questões valorativas, que devem ser julgadas diferentemente, conforme as suas próprias avaliações éticas ou religiosas.
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O desafio colocado por Max Weber
Weber julga ser um equívoco esperar considerações empíricas sobre
fatos, portanto, que a ciência possa responder a questões como, por
exemplo, “O que devemos fazer?”. Weber considera que “é incontestável que a resposta a essas questões não nos é tornada acessível pela
ciência” (WEBER, 2005, p. 36), uma vez que constituem “dois problemas heterogêneos, de uma parte, o estabelecimento de fatos, [...] ou
a identificação das estruturas intrínsecas dos valores culturais [...] e, de
outra parte, a resposta a questões relativas à maneira como se deveria
agir na cidade” (WEBER, 2005, p. 39).
1Convicção versus responsabilidade
Uma das perguntas que está guiando Weber é sobre a possibilidade
de uma ética normativa, isto é, da obrigação de um imperativo prático
para todos. Porém, além de não poder contar com a contribuição de
uma posição empírica, portanto, científica, para esta questão, Weber
faz também uma diferenciação entre valores éticos e valores culturais,
que torna a resposta àquela pergunta mais distante, na medida em
que ele admite que essas duas esferas de valores podem opor-se,
negando-se uma a outra a respeito da obrigatoriedade dos respectivos
valores indicados sem que entrem em contradição interna.
Weber considera, ainda, que toda ética indica conteúdos, até mesmo
aquelas ditas como “formais”, constituindo-se, desse modo, também
uma esfera de valor em luta com as outras esferas. Desse modo, Weber
julga que a interpretação de que as “proposições ‘formais’, por exemplo,
as da ética kantiana, não incluem indicações de conteúdo, representam
[...] um grave erro” (WEBER, 1992, p. 372). Weber exemplifica a indicação de conteúdo da ética kantiana tomando a seguinte afirmação
sobre a relação erótica de um homem com uma mulher: “Inicialmente
a nossa relação era unicamente uma paixão, mas agora é um valor”.
Weber diz que a expressão da primeira parte dessa afirmação, segundo
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Fábio Eulálio dos Santos
os axiomas da Crítica da razão prática, seria: “Éramos apenas meios um
para o outro” (WEBER, 1992, p. 373).
A ética kantiana reprova moralmente o tratamento do outro como
um meio, o que, para Weber, indica que o “caráter ‘formal’ [...] não é
indiferente para o conteúdo da ação” (WEBER, 1992, p. 373). Disso
resulta, ainda, o reconhecimento de esferas de valores autônomas que
não são valores éticos, isto é, aquela, por exemplo, que pudesse tratar o
outro como meio. Esta observação de Weber sobre o caráter formal da
ética kantiana é colocada contra a pretensão de ancorá-la no quadro das
ciências empíricas ou racionais, que faria das verdades éticas formais um
fato e, portanto, unívocas. Weber recusa a formalidade da ética kantiana,
que pudesse decidir o lado que tem razão – factível e cognoscível – na
eterna luta dos valores e, portanto, determinar o imperativo prático a ser
seguido por todos. Essa consideração de Max Weber obriga as teorias
morais a desenvolver o sentido do caráter formal para a fundamentação
da moral e avaliar até que ponto Weber tem razão na sua crítica.
A partir dessas considerações, ele deixa de lado a busca pela resposta daquela pergunta sobre a possibilidade de uma ética normativa, na
medida em que indica que existem problemas práticos de que a ética não
pode dar conta, ou seja, uma resposta unívoca, justamente porque estes
estariam numa outra esfera de valor, como, por exemplo, os problemas
político-sociais, que revelam as tensões em torno da ética.
Weber revela a tensão da ética mostrando que as “consequências
do postulado ‘justiça’ não são questões que podem ser univocamente
decididas por uma ética” (WEBER, 1992, p. 372), o que constitui, por
exemplo, um problema para a teoria moral em Habermas – legítimo
continuador do projeto iluminista de fundamentação da moral –, uma
vez que ele pretende defender a justiça como escala de medida para
julgamentos imparciais. Para Weber, questões da política social são
insolúveis, na medida em que são baseadas em premissas éticas, como,
por exemplo, se se deve em nome da justiça dar também grandes possibilidades ao grande talento, ou se, ao contrário, se deve compensar a
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O desafio colocado por Max Weber
desigualdade de bens espirituais entre os homens, cuidando para que o
talentoso, que já usufruiria de um sentimento de prestígio, não pudesse
aproveitar as melhores oportunidades.
Weber coloca, assim, uma pergunta fundamental, que reflete o
desafio sobre o critério do valor ético da ação sob a exigência do nosso
tempo, isto é, para a atuação em um mundo racionalizado fora de um
contexto religioso:
Se o valor próprio da ação ética – a “vontade pura” ou a “mentalidade”,
como é habitual denominá-la – deve ser unicamente suficiente para a
justificação, seguindo a máxima “o cristão age justamente e remete a
Deus os efeitos do seu agir” [...]. Ou se, diferentemente, é preciso levar
em consideração a responsabilidade referente às consequências da ação
que podem ser previstas como possíveis e prováveis, determinadas pela
inserção desta num mundo eticamente irracional (WEBER, 1992, p. 373).
Ora, as duas alternativas são máximas éticas, respectivamente da
ética da convicção e da ética da responsabilidade, que estão em eterno
conflito. A primeira é caracterizada como uma ética religiosa, e a última,
como expressão de uma ação política.
A ética kantiana, para Weber, ainda que não seja religiosa, faz parte
das éticas da convicção, pois, assim como nestas, a ética de Kant exige a
incondicionalidade – “deves porque deves” –, em que o princípio moral
determina a vontade enquanto vontade pura sem levar em consideração
se o próprio homem tem ou não como alcançar o efeito apetecido. É
nesse sentido que se age segundo a justiça, e os resultados e efeitos
colaterais entregam-se a Deus, que seria o responsável. O que seria
valorado como ação ética tanto para a ética da convicção quanto para
a ética kantiana é a intenção, ou seja, a boa vontade no cumprimento
do dever pelo dever. Consequentemente, são desconsiderados tanto o
contexto da ação quanto os efeitos colaterais e as consequências, na
tentativa de suplantar a irracionalidade ética do mundo, que o partidário
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Fábio Eulálio dos Santos
da ética da convicção não suportaria. Portanto, para as éticas da convicção a ação ética é valorada pela intenção em agir de modo justo, e “não
existe responsabilidade pelas consequências” (WEBER, 2005, p. 121).
2 Desencantamento do mundo e
pluralismo ético irredutível
Weber traz à tona um fato incontestável dos nossos dias: “O resultado final da atividade política raramente corresponde à intenção original
do agente” (WEBER, 2005, p. 108). É a partir dessa ideia que Weber
propõe uma ética da responsabilidade, em que o homem é responsável
pela sua ação, na medida em que leva em consideração os meios para
atingir o fim já decidido, em função também dos efeitos colaterais e
das consequências previsíveis. Assim, a ética da responsabilidade rejeita
veementemente a tese de que “o bem só pode engendrar o bem e o mal
só pode engendrar o mal” (WEBER, 2005, p. 115); portanto, rejeita a
boa vontade como suficiente para atuação no mundo.
A proposta de uma ética da responsabilidade não é a resposta à
pergunta sobre qual ética devemos seguir, isto é, quais fins últimos são
legítimos para todos. A ética da responsabilidade seria, mais propriamente, uma atitude irrevogável, visto o desafio do nosso tempo, que
resulta do processo de desencantamento, de racionalização, promovido
pela ciência de onde se prova o inevitável “fruto da árvore do conhecimento”, que consiste no
“[...] fato de ter que saber [...] que toda ação singular importante e, muito
mais que isso, que a vida como um todo, se não quer transcorrer como
fenômeno natural [encantado], mas pretende ser conduzido conscientemente, significa uma cadeia de decisões últimas em virtude das quais a
alma [...] escolhe o seu próprio destino” (WEBER, 1992, p. 374).
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O desafio colocado por Max Weber
O desafio colocado por Weber é, portanto, agir segundo as exigências da responsabilidade, pois o processo de racionalização, entendido
como o progresso da ciência e da técnica científica, permite ao homem
“[...] provar que não existe, em princípio, nenhum poder misterioso e
imprevisível que interfira com o curso de nossa vida” (WEBER, 2005,
p. 30). Assim, é promovido o desencantamento da civilização ocidental
ao desenvolver-se uma ciência que domina a natureza e pode fazer previsões, descartando a possibilidade de o homem negar o conhecimento
sobre as consequências das suas ações e, assim, entregá-las a Deus. O
homem passa agora a entender a ordem do mundo e é capaz de traçar
seu próprio destino, avaliando os meios, as consequências e os efeitos
colaterais em razão do fim escolhido.
Contudo, a ciência não poderia ensinar a forma de agir corretamente, pois ela só nos fornece os instrumentos técnicos para sermos
“senhores da vida”, do nosso próprio destino, ou seja, os meios necessários para alcançarmos um fim já determinado. A respeito deste
fim a ciência cala-se. Esse é o reflexo da separação dicotômica entre a
discussão sobre os meios e a discussão sobre os fins.
Para Weber, num mundo desencantado, não é possível um procedimento científico (racional ou empírico) que pudesse responder aos
problemas a respeito dos fins, como, por exemplo, de que maneira os
conflitos entre vários fins podem ser concretamente pacificados? Tal
problema é, para Weber, de difícil, senão impossível, resolução, uma
vez que ele desconfia da capacidade argumentativa da razão prática, e
no plano metodológico rechaça o cognitivismo ético.
A autonomia das esferas de valor tem como resultado, em Weber,
a redução da possibilidade cognitiva, como fica acentuado na sua tese
do novo politeísmo no nosso mundo contemporâneo, pois
Se há uma coisa que atualmente não mais ignoramos é que uma coisa
pode ser santa não apenas sem ser bela, mas porque e na medida em que
não é bela [...]. Semelhantemente, uma coisa pode ser bela não apenas sem
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Fábio Eulálio dos Santos
ser boa, mas precisamente por aquilo que não a faz boa [...]. A sabedoria
popular nos ensina, enfim, que uma coisa pode ser verdadeira, conquanto
não seja bela nem santa nem boa. Esses, porém, não passam dos casos
mais elementares da luta que opõe os deuses das diferentes ordens e
dos diferentes valores. Ignoro como poderia encontrar base para decidir
“cientificamente” o problema do valor da cultura francesa face à cultura
alemã; aí, também diferentes deuses se combatem e, sem dúvida, por todo
sempre tudo se passa, portanto, exatamente como se passava no mundo
antigo, que se encontrava sob o encanto dos deuses e demônios, mas assume sentido diverso. Os gregos ofereciam sacrifícios a Afrodite, depois
a Apolo e, sobretudo, a cada qual dos deuses da cidade; nós continuamos
a proceder de maneira semelhante, embora nosso comportamento haja
rompido o encanto e haja despojado do mito que ainda vive em nós. É o
destino que governa os deuses e não a ciência, seja qual for.1
O belo, o bom e o verdadeiro tornam-se esferas de valor autônomas
e distintas, e ainda, dentro da esfera do bom, Weber revela a pluralidade
de “deuses”, de significados e fins últimos, que não são determinados
pela ciência. Na esfera de valor em que se discutem esses significados
e fins últimos, Weber afirma existir uma luta eterna, que cada pessoa
trava com as outras a partir das suas convicções. A única contribuição
possível da ciência para a esfera de valor a respeito dos fins últimos é
esclarecer o significado de tais convicções e as consequências subsidiárias quando se deseja um determinado fim.
Conclusão
Se o desafio colocado por Weber é o de agir responsavelmente,
então se exige a conscientização de que nós somos “senhores da
vida”. Essa exigência remete para a ética da responsabilidade, em que
1
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WEBER, A ciência como vocação, 2005, p. 41-42
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O desafio colocado por Max Weber
as consequências e efeitos colaterais são levados em consideração na
medida em que o homem é agora capaz de deliberar sobre os meios
de modo estratégico para atingir o fim desejado.
Com isso, o desafio expressa um problema que todo projeto de
fundamentação da moral deve encarar, pois, ao mesmo tempo em que
a consideração sobre as consequências e efeitos colaterais previsíveis
é exigida para a consideração sobre a justiça, Weber reserva o aspecto
cognitivo apenas para este cálculo, isto é, entre meios e fins, negando
a possibilidade de uma consideração cognitiva para os fins, que já
deveriam estar “postos” não no sentido de “fato”, mas sim como estabelecidos a priori.
Para a fundamentação da moral, tem-se que demover esse obstáculo, pois a impossibilidade de defender uma posição cognitivista para
a moral equivale à impossibilidade de fundamentá-la, uma vez que a
admissão de determinado fim não estaria apoiada em razões válidas para
todos, mas, no máximo, em compromissos ou em acordos desse tipo,
em que se mantêm razões diversas, justamente porque não se poderia
defender a cognitividade dos fins, mas apenas a cognitividade dos meios.
Nesse sentido, tem-se um problema para resolver: como fundamentar
uma ética deontológica cognitivista da responsabilidade, uma vez que
não se pode atribuir aos fins o estatuto de fato?
Referências
HABERMAS, Jürgen. Teoría de la acción comunicativa I: racionalidad de
la acción y racionalización social. Tradução de Manuel J. Redondo.
Madri: Taurus Humanidades, 1999.
HABERMAS, Jürgen. Teorías de la verdad. In: Teoría de la acción
comunicativa: complementos y estudios previos. Tradução de Manuel
J. Redondo. Madri: Catedra, 1989.
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Fábio Eulálio dos Santos
KANT, Immanuel. Crítica da razão prática. Tradução de V. Rohden.
São Paulo: Martins, Fontes, 2002.
WEBER, Max. Ciência e política: duas vocações. Tradução de L.
Hegenberg e Octany S. da Mota. São Paulo: Editora Cultrix, 2005.
WEBER, Max, O sentido da “neutralidade axiológica” nas ciências
sociais e econômicas. In: Metodologia das ciências sociais. Parte 2. Tradução
de Augustin Wernet. São Paulo: Cortez Editora e Editora da Unicamp,
1992.
THE CHALLENGE RAISED BY MAX WEBER
Abstract
This article intends to present the challenge raised by Max Weber, delimiting the meaning of responsibility in the scenery of the moral theory. Weber
becomes clearly against the possibility of a procedure for the resolution
of practical conflicts, while he defends that it is impossible any cognitive
consideration concerning the moral rules the same way as we can do in relation to “facts”, as he also denies the possibility of defending formal ethics,
being left over, thus, only an irreductible ethical pluralism in a disenchanted
world. From this results the great challenge of Weber: the one of acting
with responsibility, observing the effects of the own actions. Challenge that,
according to Weber, cannot be satisfied by deonthological ethics, and, thus,
is placed before every contemporaneous project of fundamentation of the
moral that carries on in the kantian tradition.
Key words: Ethics. Responsibility. Conviction. Rationality. Disenchantment.
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O LUGAR DA METAFÍSICA NO PENSAMENTO
MODERNO: O “re-propor” da questão sobre
o ser no pensamento de Martin Heidegger
Werbson Beltrame Pereira*
Resumo
O pensamento moderno é caracterizado por muitos como o período da morte
da metafísica. A modernidade inaugura um novo horizonte filosófico, o da
subjetividade. O ego cogito1 se converte em princípio incondicional, sobre o
qual o edifício filosófico se constrói. Em outras palavras: o mundo moderno
se assenta numa cosmovisão antropocêntrica tão radicada no racionalismo e
no empirismo que não há espaço reflexivo para a metafísica, dificultando o
acesso à dimensão ontológica do pensamento. Diante do cenário moderno
repousa sobre Martin Heidegger o mérito de ter reproposto a problemática
central do pensamento: a interrogação sobre o ser. A pergunta sobre o ser é a
pergunta metafísica por excelência. É objetivo central deste artigo esclarecer,
a partir das obras Que é metafísica? E Introdução à metafísica, o que Heidegger
reflete sobre o lugar da metafísica no pensamento moderno.
Palavras-chave: Modernidade. Ciência. Subjetividade. Ontologia. Metafísica.
Introdução
Muitos dizem que Heidegger é um pensador intransponível, sendo difícil de entender seu pensamento, suas teorias e principalmente
*Graduado em filosofia pela Faculdade Salesiana de Vitória. Aluno do Curso
de Teologia do Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese de Vitória (Espírito
Santo) e aluno do Instituto São Tomás de Aquino (Belo Horizonte). E-mail:
[email protected]
1O ego cogito é a categoria epistemológica a partir da qual a ontologia é explicitada
com a racionalidade e com os ditames do sistema totalitário.
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Werbson Beltrame Pereira
sua metafísica. De certo modo, em todos os filósofos há elementos
de difícil compreensão, pois o próprio pensamento e a arte de pensar
exigem rigorosidade própria, e não seria diferente com este pensador.
É possível que tal dificuldade esteja relacionada não ao pensamento heideggeriano, mas à própria dimensão do ato de pensar. Em
se tratando de filosofia, não há possibilidade de introdução:
Um abismo separa o espaço ordinário da existência, em que se move
tanto o modo de ser habitual, familiar e imediato da vida cotidiana,
como o modo de ser objetivo, técnico e exato da vida científica, do
espaço extraordinário, em que se agita a investigação filosófica. E nenhuma ponte o poderá transpor. Não, certamente, por estar o espaço
da filosofia demasiado distante e sim demasiado próximo de todos
os modos de ser da existência histórica (HEIDEGGER, 1987, p. 9).
Uma vez que o leitor consegue descobrir o eixo norteador que
perpassa o pensamento heideggeriano, torna-se suavemente manifestado e compreensivo que este pensador esteja querendo revelar nada
mais do que o mundo em que o próprio ser humano está habituado
a viver. Em outras palavras, Heidegger quer iluminar diante do olhar
humano o seu próprio horizonte vivencial, fazendo-o reconhecer-se
neste mundo que foi encoberto e, consequentemente, esquecido.
Esquecimento, como experimentado pelos gregos, não é nenhum
estado subjetivo, nem se relaciona somente com o passado e com a
“recordação” deste, nem e simplesmente uma questão do pensar no
sentido da “representação”. O encobrimento coloca toda a essência
do homem no encoberto e o arranca, assim, neste caminho do descobrimento. Deste descoberto o homem se acha “fora” (weg). Ele não
está mais com ele. Negligencia e abandona o que é consignado a ele
(HEIDEGGER, 2008, p. 123).
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O lugar da metafísica no pensamento moderno: ...
Com base nessa elucidação, Heidegger analisa e apresenta cuidadosamente as estruturas basilares da modernidade, indo além de uma
simples análise. Além de analisar e registrar, ele amplia este registro
com lentes muito prestigiosas. Este pensador afirma que nossa existência “[...] é determinada pela ciência. O que acontece de essencial
nas raízes da nossa existência na medida em que a ciência se tornou
nossa paixão? Os domínios da ciência distam muito entre si” (HEIDEGGER, 2005, p. 51).
Heidegger busca demonstrar holisticamente em sua filosofia
que o ser humano vive em um mundo onde o imperativo é a ciência
e quem publica solenemente a ciência é a técnica. Esta vai à frente
daquela e é ela que realiza este mundo através da tecnologia.
A expressão de Heidegger busca elucidar, diante do reduzido
campo visual da reflexão científica, que sua postura de não querer
saber nada sobre o nada é exatamente o movimento contrário que se
manifesta com toda robustez, pois “[...] não é menos certo também
que, justamente, ali, onde ela procura expressar sua própria essência,
ela recorre ao nada. Aquilo que ela rejeita, ela leva em consideração.
Que essência ambivalente se revela ali?” (HEIDEGGER, 2005, p. 53).
1 As limitações e obscuridades das ciências empíricas
É exatamente neste sentido que, no pensamento heideggeriano,
as ciências empíricas não passam de meros resultados adquiridos,
sistemática e coletivamente de experiências humanas. É precisamente reflexiva a projeção de tal afirmação apresentada por Heidegger.
Devidamente, uma vez afirmado e ficando provado que as ciências
empíricas assim procedem, chegar-se-á a uma simples percepção
fenomenológica: elas não têm propriamente respostas às perguntas
de pleno e fundamental interesse do ser humano e de sua dimensão
existencial.
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Werbson Beltrame Pereira
Diante de tal postura assumida pela ciência moderna, um limite
inevitável se anuncia: a dissimulação como acontecimento fundamental caiu em esquecimento. A ciência, nos estreitos limites de
seus projetos, obscureceu ainda mais a questão fundamental de todo
pensamento. Em outra direção, a da proposta da ciência moderna,
afirma Heidegger:
[...] o mistério esquecido do ser-aí é eliminado pelo esquecimento.
Este, pelo contrário, dá ao aparente desaparecimento uma presença
própria. Enquanto o mistério se subtrai retraindo-se no esquecimento
e para o esquecimento, leva o homem historial a permanecer na vida
corrente e distraído com suas criações. Assim abandonada, a humanidade completa “seu mundo” a partir de suas necessidades e de suas
intenções mais recentes e o enche de seus projetos e cálculos. Deles o
homem retira então suas medidas, esquecido do ente em sua totalidade
(HEIDEGGER, 2005, p. 166).
A grande questão, a saber, não diz respeito às respostas apresentadas pela ciência moderna; de outro vértice, a grande questão está
na não elaboração apropriada sobre a questão basilar de qualquer
reflexão; afinal, “a elaboração da questão do nada deve colocar-nos
na situação na qual se torne possível a resposta ou em que então se
patenteie sua impossibilidade. O nada é admitido. A ciência, na sua
sobranceira indiferença com relação a ele, rejeita-o como aquilo que
‘não existe’” (HEIDEGGER, 2005, p. 53).
É evidente que o pensamento de Heidegger reconhece, antes de
tudo, os méritos de tais ciências. O que o pensamento heideggeriano
quer mostrar é o verdadeiro lugar da ciência e da técnica na construção
da história humana. Ilustradamente,
A questão da técnica, Heidegger desvenda a essência da técnica, como
característica fundamental da modernidade, à luz de suas intuições mais
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O lugar da metafísica no pensamento moderno: ...
caras a respeito da historicidade do ser e de sua verdade. Na verdade
toda a sua obra pode ser entendida como uma meditação sobre o ser
humano e o seu pensar na sua relação constitutiva com o ser (DOWELL,
2009, p. 427).
Enganado por palavras em demasia, o homem de hoje, vai dizer
Heidegger, sente a exigência de acreditar e reclinar sua segurança
somente no que se apresenta como garantido e mensurável na vida,
“parece, sem dúvida, que, em nossa rotina cotidiana, estamos presos
sempre apenas a este ou àquele ente, como se estivéssemos perdidos
neste ou naquele domínio do ente” (HEIDEGGER, 2005, p. 55).
Acostumado pelas ciências naturais a permanecerem constantemente na dimensão da experiência, desconfia instintivamente das
manifestações destituídas de base fática. O homem, encontrando-se
nesta dimensão, sente-se profundamente angustiado, sem saber, ao
menos, o motivo de sua ansiedade, aflição e sofrimento. Esta é a
circunstância: o homem moderno olha-se no espelho tentando se
admirar; entretanto, surge o assombro de não reconhecer seu próprio
rosto no espelho por ele criado.
Para Heidegger, o angustiado não somente ignora a razão de seu estado de consciência como também tem certeza de que coisa alguma
no mundo está implicada nesse estado. Isso se comprovaria pelo fato
de que, na angústia, todas as coisas do mundo aparecem bruscamente
como desprovidas de qualquer importância, tornam-se desprezíveis e
dissolvem-se em nulidade absoluta. O próprio angustiado desapareceria
de cena, na medida em que seu eu habitual, composto pelas preocupações, desejos e ambições cotidianas e vulgares, passa a ser considerado
como insignificante. A própria dissolução do eu nas coisas do mundo
e nas trivialidades impede-o de localizar a causa de sua angústia. O que
ameaça o angustiado – diz Heidegger – está em tudo e em lugar algum,
ao mesmo tempo (HEIDEGGER, 2005, p. 8).
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Werbson Beltrame Pereira
É esta a condição do homem no mundo da técnica e da ciência
moderna. Se este mundo é o da técnica e da ciência, o pensamento
heideggeriano se sente implicado em lançar a questão: então não
existe mais o mundo da filosofia? O próprio filósofo vai responder:
este é o mundo da filosofia sim, como sempre foi, entretanto, de uma
filosofia específica. Independente do esquecimento e encobrimento
da questão fundamental, este é o mundo da metafísica.
Heidegger, em seus estudos, afirma que a metafísica do tempo
hodierno tem como fundamento o próprio pensamento humano
como base, ou seja, este mesmo fundamento estrutura a ciência e,
em certo limite, a técnica e lhes serve de apoio.
Os tempos modernos se caracterizam por uma profunda e generalizada crise do pensamento metafísico. As correntes filosóficas que
dominam os séculos XVII e XVIII, o racionalismo e o empirismo,
não são hostis à especulação metafísica, mas dificultam o acesso à
dimensão ontológica do pensamento. A metafísica neste contexto é
desdobrada como teoria do conhecimento. A ontologia não articula
mais o seu discurso centralizado na problemática do ser, mas na ideia
do ser (SILVA, 1994, p. 115).
Consequentemente a essa análise, Heidegger dá um sentido especial a esta metafísica, chamando-a de metafísica da subjetividade.
2 O reclinar sobre o sujeito: a metafísica da subjetividade
A metafísica da subjetividade, como toda a metafísica, busca um
ponto do qual todo o pensamento possa decorrer. Mas, afinal, neste
refletir apresentado por Heidegger, qual é o ponto absoluto desta
metafísica moderna, a metafísica da subjetividade? O próprio termo
“subjetividade” diz muito, pois o que Heidegger quer mostrar em seu
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O lugar da metafísica no pensamento moderno: ...
pensamento é que esta metafísica encontra seu ponto de apoio na
própria subjetividade, no sujeito e em seu relacionamento com aquilo
que se passou a chamar objeto.
Quando o pensamento moderno se pronuncia a respeito do
sujeito, estes dois elementos (sujeito e objeto) são apresentados e
pensados conjuntamente nas metodologias, nos relacionamentos
desse sujeito, em matrizes relacionais entre o sujeito e o objeto, em
que o sujeito é aquele que conhece, aquele que manipula o objeto,
e o objeto é aquilo que é conhecido e manipulado, tanto do ponto
de vista do conhecimento, quanto do ponto de vista da prática.
É exatamente a metafísica moderna, a metafísica da subjetividade, que instaura esta relação sujeito–objeto. Aprofundando um
pouco mais, para Heidegger, a metafísica da subjetividade não é só
aquilo que encerra o tempo presente; há também a junção desta
metafísica com o humanismo, de modo que o sujeito de toda estrutura é o homem. Tudo aquilo que é posto para o sujeito, que é o
objeto, que é o manipulável, o conhecido, diante do relacionamento
sujeito–objeto, implica uma manipulação das coisas pelo sujeito e
esse sujeito é o homem.
Em outras palavras, a humanidade está vivendo em uma época
em que tudo é manipulável para o homem e pelo homem. Este não
percebe que “à luz da transcendência exercida no comportamento
concreto destacam-se as possibilidades e os limites da pesquisa científica, do cálculo e da técnica, e prepara-se um novo pensamento”
(HEIDEGGER, 2005, p. 43).
Com a afirmativa de que “tudo é feito para o homem e pelo
homem, onde ele manipula tudo”, Heidegger quer anunciar que o
homem também está no meio deste tudo e, sendo assim, também é
objeto. Coerentemente, o homem se torna mais um dos elementos
manipuláveis por ele mesmo. Será exatamente neste momento que
o pensamento heideggeriano reclina profundamente sobre o que
vem a ser o sujeito e sua ação.
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Werbson Beltrame Pereira
Desta vez que a verdade do Ser nunca é direta apenas obliquamente
acessível à reflexão, enquanto, isto é, retraindo-se em si mesma, ilumina
o ente em determinada figura de referência e diferença como o seu
ser, a história da existência se tem processado no espaço metafísico,
instaurado por esse esquecimento (HEIDEGGER, 1987, p. 17).
No limite, o que tal análise quer anunciar senão esse mundo
onde a base do pensamento está mostrando que o ritmo da humanidade atual é o ritmo da manipulação? Tudo tem que ser coisa, tudo
tem que ser palpável e mensurável. Tudo tem que ser transportável,
tudo tem que ser transformável. Em outras palavras, tudo tem que
ser objeto para os olhos e para as mãos. Desperta interesse e encantamento ao homem moderno tudo aquilo que pode ser manuseado
e vislumbrado diante de seus olhos. Tudo aquilo que está para além
do mensurável não é mais motivo de encantamento e interesse.
Há na modernidade uma banalização do mundo, em que tudo
é visto como objeto. Tudo se coisifica. Eis o ponto em que o pensamento de Heidegger se alimenta do pensamento de Karl Marx,
que anunciou a coisificação e a reificação do mundo. Afinal, diante
desta edificação e projeção de tal forma de pensar a metafísica, o
que tudo isso significa para este tempo?
Para Heidegger, esta é a possibilidade de o homem poder usar
as técnicas de forma madura e sadia, pois elas surgiram com esse
intuito, e mais, elas são os elementos centrais que facultam ao homem realizar-se através de seu próprio trabalho. Somadamente, isso
é, ao mesmo tempo, a possibilidade de o ser humano interpretar
as guerras e a violência como algo normal, como uma extensão da
manipulação.
Diante destas constatações, Heidegger chega ao lobrigar da seguinte afirmação: “Atingimos agora um ponto de nossa caminhada,
em que se impõe a questão, ainda que aproximativa, mas inevitável”
(HEIDEGGER, 2006, p. 50).
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O lugar da metafísica no pensamento moderno: ...
3 O repropor da questão fundamental:
a pergunta sobre o ser
É chegado o momento na reflexão em que o humanismo mostra sua face que muitos não querem enxergar. Heidegger insiste na
hipótese de que na base das ferocidades realizadas em tempos atuais
(exemplo: a guerra e outros atos de violência) está a metafísica moderna, a metafísica da subjetividade, que tem suas raízes em Descartes
e que sustenta a técnica e o manipulável.
A ideia de que as atrocidades da modernidade são naturais e de
que elas fazem parte de tal época não são mais aceitáveis a partir do
pensamento heideggeriano. É exatamente esta nova visão – de não
mais aceitar tais fatos como naturais – que muitos identificam como o
grande legado deste pensador à modernidade. Diante de tal constatação heideggeriana, a guerra é apenas mais um processo de manipulação, em que o seu agente é o próprio ser humano. Em outras palavras,
ela é mais um fruto, dentre outros vários, da técnica e da tecnologia.
Que saída apresenta Martin Heidegger para tal cenário? Este filósofo vislumbra como proposta – que, em certa medida, é uma saída
– a dimensão estética do ser humano, lugar onde o próprio homem
tem a possibilidade de reencontrar suas raízes.
É como se este filósofo estivesse falando diretamente com a humanidade, lançando como proposta parar de usar as mãos de forma
desenfreada, deslocando os estruturantes da relação sujeito–objeto. Então, qual é, afinal, a proposta de Heidegger? Usar mais os ouvidos para
escutar o que a linguagem diz, excluindo as polaridades e dicotomias,
pois “o pensamento do ser não procura apoio no ente. O pensamento
essencial presta atenção aos lentos sinais do que não pode ser calculado
e nele reconhece o advento do inelutável, que não pode ser antecipado”
(HEIDEGGER, 2005, p. 72). Este pensador vai chamar esta postura
de escuta de “pensamento dócil à voz do ser”: o que se procura é encontrar a palavra através da qual a verdade do ser chegue à linguagem.
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É possível compreender, neste momento, a afirmativa de Heidegger, em seus estudos sobre a origem da obra de arte:
[...] a arte assinala um advento ou um ressalto da história, cada vez que
um novo começo se produz, isto é, em cada época, em cada momento de
retração desvelante do ser – entre os gregos, na Idade Média e na Idade
Moderna. Cada vez abriu-se um mundo novo com a sua própria essência,
cada vez a abertura do ente demandou a sua instauração pela constituição
da verdade na forma (Gestalt), no próprio ente. Essa instauração daria a
medida, preliminarmente poética, da história, em virtude da precedência
da linguagem como poesia originária (NUNES, 1992, p. 259).
Em última análise, para Heidegger, a essência da arte depende da
essencialização do ser, e essa essencialização constitui o historial. Neste
momento Heidegger utiliza a fenomenologia, entendida não mais no
sentido apresentado por Husserl,2 e sim no de uma fenomenologia do
escutar sem os pré-conceitos modernos. Perfilhadamente, tal postura
não se direcionará para aquilo que foi apresentado, mas para aquilo que
de fato é, pois “o homem é aquilo enquanto aberto e manifesto, se abre
e manifesta seu ser para si mesmo” (HEIDDEGER, 2007, p. 185).
Neste movimento o homem escutará aquilo que emerge dos fenômenos visando alcançar a imediação da iluminação do ser.
Talvez a cerimônia comemorativa de hoje constitua um impulso nesse
sentido [...]. Quando a serenidade para com as coisas e a abertura ao
mistério despertarem em nós, deveríamos alcançar um caminho que
conduza a um novo solo. Neste solo a criação de obras imortais poderia
lançar novas raízes (HEIDEGGER, [19 - -], p. 27).
2 Para Heidegger, reiterar a questão do ser significa elaborar de maneira suficiente
a própria pergunta. “Foi nesta perspectiva hermenêutica, com o tempo por horizonte
delimitativo, que Heidegger enquadrou essa elaboração em Ser e tempo, depois de
apropriar-se do método de Husserl” (NUNES, 1992, p. 45).
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O lugar da metafísica no pensamento moderno: ...
A proposta de Heidegger para a metafísica passa pela reeducação
humana do escutar. Ou seja, é o manifestar da própria linguagem sem
nenhum véu, deixando o fenômeno brotar, ocorrendo a fenomenologia. No amadurecimento da reflexão, a fenomenologia é precisamente
a arte de desvelar aquilo que, no comportamento cotidiano, o homem
oculta de si mesmo: o exercício da transcendência. Em outras palavras,
o repropor da questão fundamental: – a questão sobre o ser, levando
a radicalidade da reflexão – é precisamente a revelação da condição
transcendental do homem. Para Heidegger, a problemática metafísica
deve ser colocada a partir do próprio homem, ainda que nele não se
deva parar. Será convergindo para tal amadurecimento que o ser humano contemplará neste momento as experiências originárias.3 O ser
humano agora caminhará à busca daquilo que é:
À luz da pergunta a respeito do ser a metafísica histórica se revela como
esquecimento do ser. Isto significa que a metafísica se preocupou em
indagar o ente e não o ser e instituiu uma doutrina ôntica (do ente), não
ontológica (do ser do ente). As consequências deste esquecimento são:
a) subjetivismo ou metafísica da subjetividade, ou seja, uma consideração
conceitual, essencialista do ente reduzido à sua essência e, portanto, à
sua conceituação por obra do sujeito que conhece. b) niilismo: pensar o
ente sem pensar o ser é pensar nada do ser, pensar o ente como nada.
A metafísica ocidental, sendo uma doutrina do ente sem o pensamento
do ser, é no seu conjunto niilismo. A superação do niilismo acontece na
recolocação da pergunta sobre o ser. De onde provém e para onde se
dirige esta pergunta? Quem faz a pergunta é o homem, ou seja, aquele
3 O que se chama neste momento de “experiências originárias” está diretamente
ligado àquilo que Schopenhauer denominava em seu pensamento de “a necessidade
metafísica do homem”. Necessidade singularmente humana. Em outras palavras, as
experiências originárias são necessidade de infinito, de absoluto. Necessidade sempre
pulsante, pelo próprio fato de que o homem está envolto num mundo de inquietações
e de insatisfações.
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ente particular ou ente-sen-do, que é caracterizado não só pelo fato de
propor a pergunta quanto ao ser, mas também pelo fato de que, propondo a pergunta sobre o ser, põe a si mesmo em questão e torna-se
problemático no ato de problematizar o ser (MOLINARO, 2002, p. 53).
Exatamente nesta abertura do homem como Da-Sein4 que Heidegger desloca-se neste momento de uma metafísica para fazer uma
ontologia, ficando de lado o humanismo. Para muitos críticos de
Heidegger, tal movimento em seu pensamento se apresenta como
escândalo, uma vez que, para aqueles, tal mudança é sair do pensamento crítico. Para Heidegger, este é o grande caminho que escapa
do pensamento que vai de Platão a Descartes e que sustenta, de certo
modo, toda a apologia moderna da técnica e da tecnologia.
Conclusão
Por mais que se decrete a morte da metafísica, como tentou fazer
a modernidade, a metafísica não morreu e não pode morrer. Tais
tentativas não foram suficientes para obscurecer a manifestação presencial daquilo que está entrelaçado à história humana: a metafísica.
Perguntar-se sobre o lugar da metafísica na modernidade é na
verdade problematizar a própria metafísica. Em outro esclarecimento,
situar-se fora dela. O que Heidegger quer afirmar é que, para compreender o que é a metafísica e o seu lugar, é preciso voltar-se aos seus
fundamentos.
4 O ser-aí, ou o Dasein, diz respeito à junção das palavras Da-Sein, em que Da (aí)
designa o seu ser no mundo, no espaço e no tempo, e Sein (ser) designa a abertura do
homem ao ser e a sua transcendência do mundo. Heidegger, em seu livro Ser e tempo,
vai dizer: “A presença se determina como ente sempre a partir de uma possibilidade
que ela é e, de algum modo, isso também significa que ela se compreende em seu ser.
Este é o sentido formal da constituição existencial da presença” (HEIDEGGER, 2008,
p. 87). Em poucas palavras: o homem é transcendência para o ser e nisto consiste sua
essência.
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O lugar da metafísica no pensamento moderno: ...
Em toda a parte, se iluminou o ser quando a metafísica representa o
ente. O ser se manifestou num desvelamento (alétheia). Permanece velado
o fato e o modo como o ser traz consigo tal desvelamento, o fato e o
modo como o ser mesmo se situa na metafísica e assinala enquanto tal.
O ser não é pensado em sua essência desveladora, isto é, em sua verdade.
Entretanto, a metafísica fala da inadvertida revelação do ser quando
responde a suas perguntas pelo ente enquanto tal. A verdade do ser pode
chamar-se, por isso, o chão no qual a metafísica, como raiz da árvore da
filosofia, se apoia e do qual retira seu alimento (HEIDEGGER, 2005,
p. 77).
Heidegger recoloca a questão principal do pensamento filosófico com um objetivo fundamental: dizer que a metafísica não é uma
invenção arbitrária de uma época particular (como observou Kant),
mas uma exigência fundamental da razão humana.
É a metafísica que faz “des-cobrir” que o horizonte da realidade,
da existência, da busca de ser, é muito mais vasto, plenamente ilimitado, em comparação com tudo o que já foi projetado e sistematizado. Mais do que nunca, em tempos modernos a metafísica se faz
necessária.
Referências
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O lugar da metafísica no pensamento moderno: ...
THE PLACE OF METAPHYSICS IN THE MODERN THOUGHT: THE RE-PROPOSE OF THE MATTER ABOUT THE
BEING IN MARTIN HEIDEGGER’S THOUGHT
Abstract
The modern thought is characterized by many as the period of the death
of the metaphysics. The modernity opens a new philosophical horizon,
the one of the subjectivity. The ego cogito converts itself in unconditional
principle, on which the philosophical building constructs itself. In other
words: the modern world is agreeded in an anthropocentric cosmovision so
rooted in the rationalism and empiricism that there is no reflexive space for
the metaphysics, making difficult the access to the onthological dimension
of the thought. Before the modern scenery reposes the merit of Martin
Heidegger the elucidation of having re-proposed the central problematic
of the thought: the interrogation about the being. The question about the
being is the metaphysical question par excellence. It is the central objective
of this article, to clear up from the works “What is metaphysics?” and “Introduction to metaphysics” what Heidegger reflects about the place of metaphysics
in the modern thought.
Key words: Modernity. Science. Subjectivity. Onthology. Metaphysics.
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O CONCEITO DE FRONTEIRA NA
ÓTICA DOS ESTUDOS CULTURAIS
Wuldson Marcelo Leite Souza*
José Carlos Leite**
Resumo
O presente artigo propõe uma breve investigação sobre a suposição de crise
em torno da ideia de fronteira, principalmente no que tange aos estudos
sobre cultura. Os termos “hibridação”, “mestiçagem” e outros da mesma
cepa provocam a imagem de um mundo “mutante” que se renova, mas é
preciso inquirir se esses fluxos encontram resistência ou aceitação no mundo
globalizado e analisar sua relação com o capital financeiro e com os movimentos nacionalistas locais assim como sua defesa da tradição e, muitas
vezes, a apelação à criminalização da diáspora traduzida pela migração. O
mercado – na forma de comércio internacional – percebe nesse possível
esfacelamento das fronteiras um modo de aumentar sua clientela, assim
acirrando a competição injusta entre a produção local e a das multinacionais.
Autores como Zygmunt Bauman, Néstor García Canclini, Stuart Hall, Terry
Eagleton, entre outros, são relevantes para compreender essas inter-relações
e os conflitos gerados pela percepção de fronteiras cada vez mais porosas,
sejam elas culturais, científicas, geográficas ou epistemológicas.
Palavras-chave: Fronteira. Hibridação. Fluxo. Cultura.
A repercussão da ideia de que as fronteiras – culturais, econômicas,
epistemológicas, geográficas – passam por um processo de dissolução
gradativo e intermitente causa pânico a alguns, resignação a outros,
* Bacharel em Filosofia pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) e
mestrando em Estudos de Cultura Contemporânea (ECCO/UFMT) sob orientação
do Dr. José Carlos Leite.
**Professor do Depto. de Filosofia e do Programa de Pós-Graduação em Estudos
de Cultura Contemporânea – ECCO/UFMT.
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O conceito de fronteira na ótica dos estudos culturais
a uns tantos motivos para celebração e a uma parte serve de foco
de observação e análise. Ao último grupo pertencem antropólogos,
filósofos, sociólogos e teóricos da cultura que nos visualizam os mais
diferentes fenômenos culturais – economia global, nas relações étnicas,
nos cruzamentos sociais –, um mundo que se desenvolve sob a égide
das transformações, das imbricações, da mobilidade. Segundo Ulf
Hannerz, há três palavras-chaves na Antropologia Transnacional: fluxo,
fronteira e híbrido. A defesa da interconexão, da interdependência e,
ainda, da interdisciplinaridade alcança destaque nas ciências humanas.
Hannerz (1997) diz:
Nos últimos tempos, em vez de buscarmos a confortadora intimidade
da vida provinciana, temos debatido a distância cultural que separa
navio e terra firme, e as maneiras de atravessá-la. Fluxo, mobilidade,
recombinação e emergência tornaram-se temas favoritos à medida que
a globalização e a transnacionalidade passaram a fornecer os contextos
para nossa reflexão sobre a cultura. Hoje procuramos locais para testar
nossas teorias onde pelo menos alguns dos seus habitantes são crioulos,
cosmopolitas ou cyborgs, onde as comunidades são diásporas e as fronteiras na realidade não imobilizam mas, curiosamente, são atravessadas.
Acompanhar os movimentos de um mundo globalizado exige a
compreensão do que significa a diversidade cultural e dos elementos
que influenciam os estudos culturais na perspectiva de um contexto
que modifica a noção de espaço e a de tempo. O espaço se compacta mediante fronteiras porosas, e o tempo se reduz à velocidade das
transmissões no ciberespaço. O atravessamento comporta e transporta
metamorfoses, choques, passagens. Falar em pureza no que concerne à
cultura parece absurdo numa época em que a emergência de cenários,
que colocam em evidência as hibridizações culturais, étnicas e sociais,
revoluciona o cotidiano. Terry Eagleton, em seu livro Depois da teoria,
afirma a necessidade de a teoria cultural gerar novas ferramentas, que
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Wudson Marcelo Leite Souza e José Carlos Leite
cumpram o desafio de interpretar/dar a conhecer a abrangência dessas
transfigurações que remodelam as relações socioculturais. Para Eagleton
(2005, p. 297), a teoria cultural:
Não pode se dar o luxo de continuar recontando as mesmas narrativas
de classe, raça e gênero, por mais indispensáveis que sejam esses temas.
Precisa testar sua força, romper com uma ortodoxia bastante opressiva e
explorar novos tópicos, inclusive aqueles perante os quais tem mostrado
até agora, e sem razão aparente, uma timidez excessiva.
Esse misto de convocação e exortação que compõe os últimos trechos da obra de Eagleton pode ser estendido para possíveis avaliações
da situação atual do conceito de fronteira. Rupturas, deslocamentos,
atravessamentos são movimentos que impelem as fronteiras em suas
mais complexas dimensões a se impingirem adaptações, revoluções
ou resistência. As linhas divisórias tornaram-se “fantasmas”, ou são
espectros que acatam o múltiplo e se abrem à inter-relação, passam à
investigação (metódica ou não) mediante a tradução possível na interdisciplinaridade, ou são “monstros gigantescos” a vigiarem fronteiras
geográficas amparadas e justificadas num discurso político retórico-tradicionalista que inflama disputas de ordem étnica, política, religiosa.
Ainda no que tange aos estudos culturais, Stuart Hall (2003) explica
que toda alteração em algumas problemáticas modifica a natureza das
indagações formuladas pela crítica, assim como as perspectivas adotadas
para a tarefa e as respostas aos desafios propostos. Desse modo, a estagnação não pode ser um imperativo. A fronteira, seja de qual natureza
for, se retrai ou se expande. Não há paralisações (ou se tal estado estacionário parece se impor, a retórica política é a principal razão que o leva
a preponderar). Nas relações permeadas pelas trocas culturais, possíveis
por causa da ultrapassagem pelas fronteiras, o trânsito constante refuta a
ideia de imutabilidade. Os limites deixam de ser evidentes, cristalizados.
Há uma irrupção de encontros. A diferença cultural é observada como
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O conceito de fronteira na ótica dos estudos culturais
fundamental para entender o comportamento humano talhado em uma
sociedade, sua diáspora e sua mutação. Nesse fluxo toda transmigração
realça um novo conhecimento para apurar tais diferenças e promove
dificuldades para a sustentação dos discursos identitários. O antropólogo indiano Homi Bhabha observa a intrínseca inquietação relacionada
à efetivação de práticas que correspondam à integração das diferenças
culturais num ambiente social. “O problema da articulação da diferença
cultural não é o problema do pluralismo pragmatista sem amarras ou a
‘diversidade’ dos muitos; é o problema do não-um, o sinal de subtração
na origem e repetição dos signos culturais em uma duplicação que não
será negada como similitude” (BHABHA, 1998, p. 338).
Nem sempre o mesmo ou nunca o mesmo, inevitavelmente? Com
os limites sendo corroídos pela globalização (em instâncias que não
atravessam o espaço terrestre na mesma aceleração) econômica, política, cultural e os nacionalismos reativados em prol de uma resistência
que repele a capitulação de antigos modos de vida, conceitos (como
os de mestiçagem, hibridação etc.) surgem de uma zona fronteiriça na
tentativa de atingir o centro de um debate sobre equilíbrio de forças
entre países periféricos e países hegemônicos. Há o reconhecimento
da diversidade, seja ela cultural ou étnica, mas a divisão do poder
permanece presa aos números produzidos pelo capital financeiro e
ao lucro obtido pela ambição. Segundo Néstor G. Canclini, a relação
entre as noções de cultura e o capitalismo foi sempre contígua, os
bens simbólicos considerados mercadorias, “suas expressões mais
valorizadas tiveram sentido suntuário e os comportamentos culturais
operaram como procedimentos para diferenciar e distinguir, incluir e
excluir” (CANCLINI, 2005, p. 51). O filtro do capitalismo mostrou, até
há algumas décadas, ser eficiente na separação do que é rentável sem
ser perigoso, sem se tornar um problema no seu forjado controle das
manifestações culturais em torno do mundo. Como escreve Gilberto
Dupas (2006, p. 169), “o capitalismo aproveita até os espasmos de
rebelião para sua acumulação”. Canclini discute que “[…] no projeto
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Wudson Marcelo Leite Souza e José Carlos Leite
da primeira modernidade, sobretudo a partir da inflexão que o saber
antropológico lhe imprimiu, e com a valorização da arte e da cultura na
formação das nações, atribuiu-se valor cultural à produção simbólica
de todas as sociedades” (CANCLINI, 2005, p. 52).
Mas alerta o pensador argentino que esse projeto da modernidade
ilustrada, que pretendeu elevar o status da educação, dos meios de comunicação, fracassou por não ter sido capaz de dirimir as diferenças
de classe, de garantir o acesso à escola, aos museus, aos teatros e de
registrar o domínio de uma elite sobre as ferramentas educacionais. “Se
aqui evoco o projeto inclusivo da modernidade inicial, não é porque
esqueça as parcialidades, mas sim para contrastá-la com a etapa em
que esta utopia se evapora” (CANCLINI, 2005, p. 52). Nesse cenário
a assistência às camadas populares sempre se mostrou deficitária.
O contexto atual parece propício às reivindicações de visibilidade
dos excluídos, dos que estão relegados a segundo plano na ordem
social à maneira ocidental. Os híbridos, que anteriormente viviam na
“penumbra”, se destacam como vozes atuantes. Porém, essa dinâmica
permanece presa à dimensão econômica e não a uma política de igualdade. Zygmunt Bauman diz que “não há mais ‘fronteiras naturais’, nem
lugares óbvios a ocupar. Onde quer que estejamos […] não podemos
evitar de saber que poderíamos estar em outra parte […] há cada vez
menos razão para ficar em algum lugar específico” (BAUMAN, 1999,
p. 85). As fronteiras geográficas tornam-se estreitas, o deslocamento
aparece como algo viável. Movimentar consagra-se como fortificação
de certo status social. No mundo híbrido, chegar ao exterior com segurança é possível para quem é “turista”, como classifica Bauman, àqueles
que possuem o poder aquisitivo para viajar e transpor a fronteira; para
estes, o espaço se expande e o tempo se torna escasso para aproveitar
tantas ofertas de trânsito promovidas pela globalização. Para quem busca romper as demarcações de fronteiras procurando uma vida menos
“agreste”, o que se fortifica são as fronteiras. Vide os Estados Unidos
e o México neste incipiente século XXI. Esse tratamento é dispensado
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O conceito de fronteira na ótica dos estudos culturais
aos que são chamados de “vagabundos”, assim conhecidos por representar, para os “turistas”, sintomas de preguiça e perigo; com relação
aos “vagabundos”, o espaço os confina e o tempo os esmaga. Bauman
alerta que nem sempre a transição (movimento) e as misturas (cultura)
favoreceram a compreensão sobre os híbridos, sobre as manifestações
produzidas às “margens” da hegemonia.
A hibridação cultural dos habitantes globais pode ser uma experiência
criativa e emancipadora, mas a perda de poder cultural dos habitantes
locais raramente o é; trata-se de uma tendência compreensível mas infeliz dos primeiros confundirem as duas coisas e assim apresentarem sua
própria versão de “má consciência” como prova de deficiência mental
dos segundos. (BAUMAN, 1999, p. 108).
A consideração do que resultará da porosidade das fronteiras preocupa Ulf Hannerz; a atuação em zonas intersticiais pode significar a
tendência de reduzir as dificuldades de relação entre os forasteiros e os
locais, mas também um processo de “desculturação” que pode gerar
tanto liberdade de movimento quanto o risco de desumanidade. Hannerz (1997), sobre o conceito de fronteira, traça possibilidades de ação
que endossem fluxos de experimentações, permutas e originalidade:
“A liberdade da zona fronteiriça é explorada com mais criatividade por
deslocamentos situacionais e combinações inovadoras, organizando
seus recursos de novas maneiras, fazendo experiências. Nas zonas
fronteiriças, há espaço para a ação [agency] no manejo da cultura”.
As fronteiras consolidadas em antanho como limites dos Estadosnação, atualmente, parecem frágeis barreiras que de maneira recalcitrante se interpõem à emergências dos híbridos, das diferenças, das novidades que aguardam traduções em regiões limítrofes ou mesmo áreas
urbanas, pois “[...] a expansão urbana é uma das causas que intensificam
a hibridação cultural” (CANCLINI, 2003, p. 285). A ação de traduzir
surge como pré-disposição de uma comunicação necessária diante de
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Wudson Marcelo Leite Souza e José Carlos Leite
fronteiras cujos sentidos nos aparecem dispersos e descoordenados.
Bauman revela-nos que “a tradução está presente em cada encontro
comunicativo, em cada diálogo. E deve ser assim porque a polifonia não
pode ser eliminada do modo como existimos [...]” (BAUMAN, 2000, p.
203). Entender as mudanças no que se refere às fronteiras – culturais,
epistemológicas, geográficas etc. – dá a oportunidade de perceber o
quanto a contemporaneidade já abrangeu dos apelos ao respeito das
diferenças culturais, da fomentação dos estudos interdisciplinares, das
tentativas de demonstração do quanto a “diversidade é benéfica, ao
passo que a uniformidade reduz as nossas energias e os nossos recursos
(intelectuais, emocionais, materiais)” (FEYERABEND, 1991, p. 9).
O esfacelamento das fronteiras leva os seres humanos a reinterpretar constantemente o mundo que se apresenta novo, desafiador,
híbrido, mestiço; olhar a mestiçagem em volta abandonando a ideia
totalitária da pureza étnica; perceber o planeta e lê-lo como a exigência
de uma renovação cultural necessária (e enfrentar o desafio de vencer a
estrutura da sociedade capitalista – e, em certa medida, qualquer tipo de
organização social –, que vê as diferenças pelos aspectos da exploração
do trabalho, do monopólio financeiro e da intolerância cultural).
Referências
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O conceito de fronteira na ótica dos estudos culturais
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2003.
HANNERZ, Ulf. Fluxos, fronteiras, híbridos: palavras-chave da
antropologia transnacional. In: Revista Maná, p. 7-39, 1997.
THE CONCEPT OF BOUNDARY FROM THE PERSPECTIVE
OF THE CULTURAL STUDIES.
Abstract
The present article proposes a brief investigation about the supposition
of crisis around the idea of boundary, mainly in what concerns the studies
about culture. The terms “hybridation”, “miscegenation”, and others of the
same vine, provoke the image of a “changing” world that renews itself, but
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Wudson Marcelo Leite Souza e José Carlos Leite
it is needed to inquire if these fluxes find resistance or acceptation in the
globalized world, and their relation with the financial capital and with the local
nationalist movements and their defense of the tradition, and many times,
the appeal to the criminalization of the Diaspora translated by migration.
The market – in the form of international trade – perceives in this possible
damage of the boundaries a way to increase its clientele, thus inciting the
unfair competition between the local production and the multinational companies. Authors like Zygmunt Bauman, Néstor García Canclini, Stuart Hall,
Terry Eagleton, among others, are relevant to understand these interrelations
and the conflicts generated by the perception of boundaries more and more
porous, either they are cultural, scientific, geographical or epistemological.
Key words: boundary. Hybridation. Flux. Culture.
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DIE KATHOLISCHE KIRCHE IM “DRITTEN REICH”
P. Karl Josef Rivinius SVD*
Resumo
Apresentam-se alguns aspetos e linhas básicas para expor corretamente o
tema complexo e muito divergentemente discutido “A Igreja Católica e o
Socialismo Nacional”. O caminho de Hitler para o poder não era uma rua
de direção única da história alemã que necessariamente levou à sua nomeação de Chanceler do Reich em 30 de janeiro de 1933 e assim à guerra e
ao extermínio. As Igrejas cristãs enfrentaram principalmente três perigos:
a perda de identidade, o extermínio ameaçador pela luta anti-eclesial, o
afastamento da sociedade e o desvio para o âmbito pessoal sem compromisso com a realidade. Elas reagiram aos ataques do movimento nazista
de modo diferente. Determinantes eram concepções teológicas, o conceito
de minis­tério, fatores ideológicos, avaliações bastante erradas por pessoas
eclesiásticas proeminentes e pelo catolicismo político como também falta de
coragem civil diante da injustiça gritante da ditadura nazista, dos excessos
da ideologia racista e da índole criminosa do regime. Somente depois da
guerra reconheceram-se publicamente as graves faltas, sobretudo as falhas
culposas dos líderes eclesiásticos e dos cristãos no “Terceiro Reich”.
Palavras-chave: Catolicismo. Nazismo. Terceiro Reich. Clero e leigos. Igreja
e política. culpabilidade eclesiástica.
Einleitende Bemerkungen
Angesichts des hochkomplexen Sachverhalts „Die katholische
Kirche und der Nationalsozialismus“, der unüberschaubaren Literatur
Prof. em., Dr. theol., StR z.A., geb. 1936 in Bous/Saar. Studium der Theologie,
Geschichte und Erziehungswissenschaft in St. Gabriel/Mödling bei Wien, St.
Augustin und Münster; Habilitation an der Universität in Bonn. Schwerpunkte der
Veröffentlichungen: Kirchen-, missions- und sozialgeschichtliche Studien.
*
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sowie der weit auseinanderklaffenden Bewertungen darüber ist es schier
unmöglich, dieses heftig kontrovers diskutierte Thema in all seinen
Facetten umfassend, angemessen und differenziert in der gebotenen
Kürze zu präsentieren. Deshalb werden lediglich einige Grundlinien
und Aspekte zur allgemeinen Information behandelt.
Eine bis in die Gegenwart virulente Erkenntnisfrage lautet: Wie
waren Adolf Hitler1 und die nationalsozialistische Machtentfaltung
überhaupt möglich? Denn hinter der historischen Erfahrung der Machtergreifung durch eine rechtsradikale Partei und der diktatorischen
Machtentfaltung ihres „Führers“ artikuliert sich auch immer die Sorge
um die Gefährdung einer freiheitlich-demokratischen Rechtsordnung
durch extremistische Propaganda und totalitäre Gewalt.2 Obwohl die
Fakten längst bekannt sind, wird es stets schwer sein, die nationalsozialistische Eroberungs- und Vernichtungspolitik begreiflich zu machen,
1 Adolf Hitler war das vierte von sechs Kindern aus der dritten Ehe seines Vaters
Alois mit der zweiundzwanzig Jahre jüngeren Klara Pölzl. Er erblickte am 20. April
1889 in Braunau/Inn das Licht der Welt. Von 1892 bis 1894 lebte die Familie in Passau,
1894/95 in Linz, nach der Pensionierung des Vaters bis 1897 bei Lambach/Traun und
dann in Leonding bei Linz, wo dieser 1903 starb. Die häufigen Wohnsitzveränderungen
nötigten zu mehreren Schulwechseln, und sie hatten unter anderem zur Folge, dass er
trotz seiner intellektuellen Begabung nach der ersten Realschulklasse in Linz sitzenblieb
und seine Leistungen sich trotz des kontinuierlichen Besuchs der Linzer Schule nicht
besserten. Aus ungeklärten Gründen verließ Hitler 1905 die Schule für immer. Er
verfolgte nun seinen lang gehegten Wunsch, in Wien akademischer Maler zu werden.
Da aber seine eingereichten Probezeichnungen als ungenügend beurteilt wurden,
nahm man ihn nicht in die Malschule der Akademie auf. Trotz dieses und anderer
Misserfolge blieb Hitler vorerst in Wien. Bei Kriegsausbruch 1914 meldete er sich
sofort freiwillig ins bayerische Heer. Zu Hitlers Weg in die Politik und den Anfängen
des Nationalsozialismus: Hans-Ulrich Thamer, Verführung und Gewalt: Deutschland
1933–1945 (Die Deutschen und ihre Nation, Bd. 5), Berlin 1986, S. 57-111.
2 Grundsätzlich zu diesem Tatbestand: Peter Steinbach, Die Vergegenwärtigung
von Vergangenem. Zum Spannungsverhältnis zwischen individueller Erinnerung und
öffentlichem Gedenken, in: Aus Politik und Zeitgeschichte (fortan: APuZ) B 3-4 vom
17. Januar 1997, S. 3-13; Gerd Hankel, Vergangenheit, die nicht ruhen darf, in: APuZ
42 (2006) vom 16. Oktober 2006, S. 3-9.
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Die katholische Kirche im „Dritten Reich“
sie mit unseren sprachlichen Mitteln und dem wissenschaftlichen Instrumentarium zu erklären, ohne sie dabei zu verharmlosen. Denn zu
singulär und unvorstellbar sind die Massenverbrechen, die vom diesem
Regime begangen worden sind.
Hitlers Weg zur Macht war keine Einbahnstraße der deutschen
Geschichte, die zwangsläufig zu seiner Ernennung zum Reichskanzler
am 30. Januar 1933 und zu den weiteren Etappen auf dem Weg in den
Krieg und die Vernichtung führte. Zahlreiche Faktoren, Konstellationen und Motive wirkten als Synergieeffekte zusammen, so innen- und
außenpolitische Strukturen, Rahmenbedingungen und Umstände,
Personen und ihre Wahrnehmung beziehungsweise ihr Handeln sowie
Fehleinschätzungen, Zufälle und Versagen. Dies alles machte Hitler
letztlich möglich und führte dazu, dass seine Diktatur gefestigt werden
konnte, dass sich ideologische Konzepte und propagandistische Kampagnen sich in politisches Handeln umsetzen ließen, etwa antisemitische
Parolen und Einstellung, die es seit längerem und auch anderenorts
gegeben hatte3, zur Rechtfertigung und Leitlinie der grausamen Politik
des millionenfachen Völkermords – namentlich von sechs Millionen
Juden4 – auch der Verbrechen an der eigenen Bevölkerung, wurden.
3Auswahlweise: Willehad Paul Eckert/Ernst Ludwig Ehrlich, Judenhass –
Schuld der Christen?! Versuch eines Gesprächs, Essen 1964; Wolfgang Scheffler,
Judenverfolgung im Dritten Reich (Zur Politik und Zeitgeschichte, Heft 4),
durchgesehene erw. Aufl. Berlin 1964; Léon Poliakov, Geschichte des Antisemitismus.
Bd. 2: Das Zeitalter der Verteufelung und des Ghettos. Mit einem Anhang zur
Anthropologie der Juden, Worms 1978; Heiner Lichtenstein/Otto R. Romberg (Hrsg.),
Täter–Opfer–Folgen. Der Holocaust in Geschichte und Gegenwart (Schriftenreihe
der Bundeszentrale für politische Bildung, Bd. 335), Bonn 1995; Salomon Korn,
Holocaust-Gedenken: Ein deutsches Dilemma, in: APuZ, B 3 vom 17. Januar 1997,
S. 23-30. Ein konziser Überblick: Wolfgang Benz, Die Juden im Dritten Reich, in:
Karl Dietrich Bracher/Manfred Funke/Hans-Adolf Jacobsen (Hrsg.), Deutschland
1933–1945. Neue Studien zur nationalsozialistischen Herrschaft (Schriftenreihe
„Studien zur Geschichte und Politik“, Bd. 314), 2., erg. Aufl. Bonn 1993, S. 273-290.
4Extreme judenfeindliche Aktionen, Exzesse gegen die Juden und deren
Verfolgung kündigten sich an durch die Geschäftsblockade am 1. April 1933. Die
Reichspogromnacht vom 9. November 1938, in der Synagogen in Brandt gesteckt
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Erklärungen für die breite Begeisterung der Massen und für die
Machteroberung Hitlers, für den Weg in den Zweiten Weltkrieg und
in die Vernichtungslager gibt es in reicher Fülle. Keine Epoche der
deutschen Geschichte hat man so intensiv erforscht wie die NS-Zeit.
Gleichwohl lassen sich alle Fragen nicht befriedigend beantworten.
Das liegt teilweise in der Vielschichtigkeit der nationalsozialistischen
Politik und Propaganda selbst begründet, die ihr menschenverachtendes
Gebaren hinter den Verlockungen einer scheinbaren zivilisatorischen
Normalität kaschierte. Ein weiterer Grund ist das singuläre historische
Phänomen des Nationalsozialismus und seiner Verbrechen, die bei allen
Versuchen einer rationalen Deutung immer auch zu einer moralischen
Wertung des Betrachters zwingt, zum historischen Begreifen und zugleich zum Verurteilen.
In der Forschung besteht allerdings Einigkeit darin, dass es keine
einfachen Interpretationen für Aufstieg und Fall des Nationalsozialismus, für die Verlockungen und die Gewalt des „Dritten Reichs“ gibt.
Keiner von den ins Feld geführten Faktoren – Ideologie und Propaganda, Terror der SA [= Sturmabteilung], der Versailler „Schandvertrag“
von 1919, die kommunistische Revolutionsdrohung aus Moskau, die
und Geschäfte von Juden verwüstet worden sind, war keineswegs eine spontane
Reaktion der Bevölkerung, wie Propagandaminister Josef Goebels behauptet hat,
sondern eine von oben inszenierte und gesteuerte Gewalttat. Man wirft Papst Pius
XI. vor, dass er sich gegenüber diesen und anderen Geschehnissen gegen die Juden
wie überhaupt gegenüber dem Antisemitismus zu defensiv verhalten habe. Über
die Gründe und Motive, warum die unter dem Pontifikat Pius’ XI. von Jesuiten
entworfene und projektierte Enzyklika gegen den Antisemitismus nicht publiziert
worden ist, lässt sich nur spekulieren. Zum Verhalten seines Nachfolgers Pius XII.
gegenüber dem Nationalsozialisten und in der Judenfrage: John Cornwell, Der Papst,
der geschwiegen hat, München 1999; Daniel Jonah Goldhagen, Die katholische Kirche
und der Holocaust. Eine Untersuchung über Schuld und Sühne, Berlin 2002; Klaus
Kühlwein, Warum der Papst schwieg. Pius XII. und der Holocaust, Düsseldorf 2008;
Klaus Lohrmann, Die Päpste und die Juden. 2000 Jahre zwischen Verfolgung und
Versöhnung, Düsseldorf 2008. Neuestens zur Haltung Pius‘ XII. zur Vernichtung der
Juden vom Botschafter des Staates Israel beim Hl. Stuhl: Mordechay Lewy, in: FAZ,
Nr. 72 vom 26. März 2010, S. 9.
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Die katholische Kirche im „Dritten Reich“
Massenarbeitslosigkeit oder die sozio-ökonomischen Interessen der
Großindustrie und des Großgrundbesitzes – vermag den nationalsozialistischen Aufstieg zur Macht noch die Politik des Führerstaats
zu erklären. Sie verschränken und bedingen sich wechselseitig: „In
einem doppelgleisigen Prozess des Machtverfalls beziehungs­weise des
Machtverlustes der Demokratie einerseits und der politisch-sozialen
Expansion der nationalsozialistischen Bewegung andererseits wurde der
politische Handlungsspielraum zuerst der demokratischen, dann aber
auch der konservativ-autoritären Kräfte zunehmend eingeengt. Dieser
Prozess wurde beschleunigt durch politische Fehleinschätzungen, persönliche Machtkämpfe und Intrigen.“5
Katholische Kirche und Nationalsozialismus
Man hat sich vor Augen zu halten, dass der Nationalsozialismus
eine revolutionäre Bewegung von elementarer Wucht gewesen ist, die
sich nach allen Richtungen Bahn gebrochen hat: Jugend, Schulwesen,
Universitäten, Presse und Politik. Nach Hitlers Regierungsübernahme
als Reichskanzler am 30. Januar 1933 und der Etablierung seiner Herrschaft durch die „Notverordnung zum Schutz von Volk und Staat“ vom
28. Februar und dem Ermächtigungsgesetz vom 24. März war geschlossener, offener Widerstand kaum mehr möglich. Wer sich der Bewegung
anschloss, sei es freiwillig, gezwungen oder aus opportunistischen
Erwägungen, verlor seine Selbstbestimmung. Wer sich nicht anpasste
oder opponierte, riskierte Kopf und Kragen. Wer ihr zu entweichen
suchte, traf auf den Anspruch einer sämtliche Lebensbereiche umfassenden und durchdringenden Politisierung. Der Rückzug in die innere
Emigration war fast unmöglich geworden.
5Hans-Ulrich Thamer, Ursachen des Nationalsozialismus, in: Informationen
zur politischen Bildung, Nr. 251: Nationalsozialismus I. Von den Anfängen bis zur
Festigung der Macht, Bonn 1996, S. 4.
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Die christlichen Kirchen sahen sich mit allen drei Gefahren konfrontiert: dem Identitätsverlust, der drohenden Vernichtung im Kirchenkampf, der Abdrängung ins Private, Unverbindliche. Sie haben
auf die Attacken der NS-Bewegung je unterschiedlich reagiert. Dabei
spielten Verschiedenheiten der Kirchenverfassung und der Kirchenstrukturen, der theologischen Konzeptionen, des Amtsverständnisses
neben anderen Faktoren eine maßgebliche Rolle. Zur Vorgeschichte,
dem Aufstieg des Nationalsozialismus zwischen 1930 und 1933 und
die Reaktion der Katholiken darauf bilanziert Rudolf Morsey: „Die
katholische Volksminderheit, die weder den Aufstieg der Nationalsozialistischen Deutschen Arbeiterpartei und 1933 deren ‚Machtergreifung‘
verursacht noch zum anschließenden Wahlsieg der NSDAP beigetragen hat, ist nicht ‚mit festem Schritt und Tritt‘ in das ‚Dritte Reich‘
hineinmarschiert; sie hat allerdings dessen Machtbefestigung auch nicht
zusätzlich erschwert. Hingegen blieb der Katholizismus als Institution,
als soziale Großgruppe mit dem Anspruch auf Autonomie, intakt. Er
entzog sich dadurch als Ganzes der ‚Gleichschaltung‘, der 1933 die
politische Szene beherrschte und so rasch zu dem erstrebten Ziel der
Regierung führte.“6
1 Der Vatikan und das NS-Regime:
Das Reichskonkordat
Beim nun herrschenden System konnte von Anerkennung der Autorität des Papstes und von positiver Würdigung kirchlicher Wirksamkeit keine Rede sein, auch wenn Hitler dies in seiner Regierungserklärung behauptet hatte. Die Tendenz zu unerbittlicher politischen
Gleichschaltung und des nationalsozialistischen Totalitätsanspruchs, die
6Rudolf Morsey, Die katholische Volksminderheit und der Aufstieg des
Nationalsozialismus 1930–1933, in: Klaus Gott/Konrad Repgen (Hrsg.), Die Katholiken
und das Dritte Reich, 3., erw. und überarb. Aufl. Mainz 1990, S. 9-24, hier S. 24.
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Die katholische Kirche im „Dritten Reich“
mit der Unterdrückung und Beseitigung demokratischer Parteien und
somit auch die des deutschen Katholizismus – Zentrum und Bayerische Volkspartei einherging – war offenkundig. Es stand schließlich
zu befürchten, dass die NSDAP und ihre Gliederungen mit staatlicher
Unterdrückung versuchten, neben der politischen auch eine weltanschauliche Gleichschaltung auf der Basis einer völkisch-rassistischen
Ideologie bei Eliminierung christlicher Normen und kirchlichen Einflusses durchzusetzen. Papst Pius XI. (1857–1939) und namentlich sein
Kardinalstaatssekretär Eugenio Pacelli zeigten sich überzeugt, dass das
NS-Regime keine kurzfristige Angelegenheit sein werde.
Diese Einsicht veranlasste den Hl. Stuhl, Mitte April 1933 das Angebot von deutscher Seite zu Konkordatsverhandlungen aufzunehmen,
zumal in den folgenden Wochen der nationalsozialistische Terror insbesondere auch gegen katholische Organisationen und Einrichtungen
sich intensivierte. Vom deutschen Episkopat bedrängt, erklärte sich der
Vatikan bereit, am 20. Juli 1933 das Reichskonkordat mit der Regierung
zu unterzeichnen. Bei den Konkordatsverhandlungen bestand Hitlers
Absicht darin, die von Klerikern geführte Zentrumspartei und die
Bayerische Volkspartei durch den sogenannten Entpolitisierungsartikel, dem zufolge den Geistlichen künftig jede parteipolitische Aktivität
untersagt wurde, nachhaltig zu schwächen. Mit der Auflösung der
politischen Parteien besaß dieser Artikel 32 des Reichskonkordats nur
noch marginalen Wert.
Es lässt sich nicht in Abrede stellen, dass die Regierung Hitler durch
das Konkordat, das ja einen völkerrechtlichen Vertrag darstellte, bei
manchen deutschen Katholiken einen Prestigegewinn erfahren hat.7
Der Konkordatsabschluss trug zunächst dazu bei, Vorbehalte gegen
den neuen Staat abzubauen. Episkopat und auch Laienkatholizismus
7 Hierzu u. a.: Gerhard Besier/Francesca Piombo, Der Heilige Stuhl und HitlerDeutschland. Die Faszination des Totalitären, München 2004.
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versprachen sich nach den turbulenten Auseinandersetzungen des
Frühjahres von der Einigung im Sommer ein signifikantes Zeichen für
ein einvernehmliches Nebeneinander von Kirche und Staat. „Dieser
temporäre Prestigegewinn war, so scheint es, der eigentliche Preis, den
der Vatikan für das Reichskonkordat zu bezahlen hatte. Er hatte dies
einkalkuliert.“8 Hitler selbst hatte gelegentlich geäußert: „Wir werden
niemals dulden, dass im völkischen Staat sich irgend etwas über die
Autorität dieses völkischen Staates stellt, auch keine Kirche!“ Und in
der Tat zeigte sich bereits im Herbst 1933, welch tiefe Gräben zwischen
Vertragstext und Konkordatsvollzug klafften. Denn die nationalsozialistischen Organisationen dachten nicht daran, sich durch katholischkirchliche Aktivitäten in ihrem totalitären Erfassungsanspruch beeinträchtigen zu lassen. Die administrative Unterdrückungspolitik wurde
seit 1934/35 durch die massive weltanschauliche Kampfansage der
Partei überlagert, die ebenfalls die evangelische Kirche in Mitleidenschaft zog.
Die katholische Kirchenleitung hat die schrittweise Einengung
und fortgesetzte Diffamierung nicht widerspruchslos hingenommen, vielmehr unter ständiger Berufung auf das Reichskonkordat
Protest eingelegt. In der Regel bediente sie sich dabei des Mittels der
schriftlichen Eingabe. „Neben dem Vatikan, dessen scharfe Protestnoten auf diplomatischem Weg übermittelt wurden, protestierten
die deutschen Bischöfe bei den zuständigen staatlichen Stellen,
während konkurrierende Parteiinstanzen meist ignoriert wurden.
Dieter Albrecht, Der Hl. Stuhl und das Dritte Reich, in: Gotto/Repgen, Die
Katholiken und das Dritte Reich, S. 25-47, hier S. 28. Umfassend zum Sachverhalt:
Ludwig Volk, Das Reichskonkordat vom 20. Juli 1933. Von den Ansätzen in der
Weimarer Republik bis zur Ratifizierung am 10. September 1933 (Veröffentlichungen
der Kommission für Zeitgeschichte. Reihe B: Forschungen, Bd. 5), Mainz 1972;
Thomas Brechenmacher (Hrsg.), Das Reichskonkordat 1933. Forschungsstand,
Kontroversen, Dokumente (Veröffentlichungen der Kommission für Zeitgeschichte.
Reihe B: Forschungen, Bd. 109), Paderborn 2007.
8
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Die katholische Kirche im „Dritten Reich“
Sprecher des Episkopats war der greise Breslauer Erzbischof Adolf
Kardinal Bertram (1859–1945), der sich bei seiner Abwehrtaktik
freilich von der Absicht leiten ließ, nichts seinerseits zu unternehmen, was dem Regime einen Vorwand zu noch härterem Vorgehen
hätte liefern können. Hirtenbriefe wie interne Eingaben blieben
gleichermaßen erfolglos.“9
2 Die Enzyklika „Mit brennender Sorge“
Das bekannteste päpstliche Dokument im Kirchenkampf des
„Dritten Reichs“ ist die in deutscher Sprache abgefasste Enzyklika Papst
Pius‘ XI. „Mit brennender Sorge“ vom 14. März 1937. Sie ist am 21.
März (Palmsonntag) in den katholischen Kirchen Deutschlands verlesen
und zugleich in hoher Auflage gedruckt worden.10
Über die repressiven Vorgänge in Deutschland war der Vatikan
bestens informiert, denn an warnenden Stimmen hatte es nicht gefehlt.
So hatte beispielsweise schon zwei Monate nach der Machtübernahme der Nazis die im Oktober 1998 von Papst Johannes Paul II. heilig
gesprochene Karmelitin Edith Stein (1891–1942) an Papst Pius XI.
geschrieben: „Seit Wochen sehen wir in Deutschland Taten geschehen,
die jeder Gerechtigkeit und Menschlichkeit – von Nächstenliebe gar
nicht zu reden – Hohn sprechen […]. Seit Wochen warten und hoffen
Ulrich von Hehl, Die Kirchen in der NS-Diktatur. Zwischen Anpassung,
Selbstbehauptung und Widerstand, in: Bracher/Funke/Jacobsen (Hrsg.), Deutschland
1933–1945, S. 153-181; das Zitat: S. 173.
10Wortlaut der Enzyklika: die deutsche Fassung in: AAS 29 (1937), S. 145-167;
die italienische Version „Con viva ansia“: ebd., S. 168-188; Ludwig Volk, Die Fuldaer
Bischofskonferenz von Hitlers Machtergreifung bis zur Enzyklika „Mit brennender
Sorge“, in: Stimmen der Zeit 183 (1969), S. 10-31, 174-194; Heinz-Albert Raem, Pius
XI. und der Nationalsozialismus. Die Enzyklika „Mit brennender Sorge“ vom 14.
März 1937, Paderborn u. a. 1979;
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nicht nur die Juden, sondern Tausende treuer Katholiken in Deutschland – und ich denke in der ganzen Welt – darauf, dass die Kirche
Christi ihre Stimme erhebe, um diesen des Namens Christi Einhalt
zu tun. Ist nicht diese Vergötzung der Rasse und der Staatsgewalt, die
täglich durch Rundfunk den Massen eingehämmert wird, eine offene
Häresie?“11 Diesen Brief hat der Vatikan erst im Jahr 2003 freigegeben,
warf er doch ein ungutes Licht auf den Hl. Stuhl, weil sich der Papst
erst vier Jahre nach Edith Steins Bitte zu einer öffentlichen Reaktion
durchgerungen hatte.12
Inzwischen liegen neue Erkenntnisse zur Genese der erwähnten
Enzyklika vor, die auf Dokumenten aus dem vatikanischen Geheimarchiv zum Pontifikat Papst Pius XI. beruhen, die Papst Benedikt XVI.
am 18. September 2006 zu wissenschaftlichen Zwecken vollständig
freigegeben hat. Danach scheint es relativ sicher zu sein, dass der
Initiator für das päpstliche Rundschreiben der Bischof von Münster,
Clemens August Graf von Galen, gewesen ist. Denn dieser hatte sich
Anfang März 1936 in einer Denkschrift direkt an den Kardinalstaatssekretär Eugenio Pacelli gewandt, worin er ungewöhnlich deutlich
das öffentliche Schweigen der Bischöfe kritisierte: „Die Taktik des
Verhandelns hinter verschlossenen Türen und der nicht veröffentlichten Eingaben an Regierungsstellen war richtig, solange man
hoffen durfte, bei den Regierungsstellen wirklichen Friedenswillen
und Rücksicht auf Gerechtigkeit zu finden. Zu solcher Hoffnung ist
11Zitiert in Hubert Wolf, Papst und Teufel. Die Archive des Vatikan und das Dritte
Reich, München 2008, S. 212 f. Über den Kontext dieses Schreibens: ebd., S. 208-216.
12Beachte auch das Schreiben von Generalsuperior Josef Grendel SVD (1878–
1951) aus Rom vom 15. Juli 1936 an Kardinalstaatssekretär Eugenio Pacelli, worin er
gegen das Treiben nationalsozialistischer Kräfte eine entsprechende Enzyklika anregte
(AG/SVD, Nr. 12: Juli 1933-Dez. 1937). Zum Gesamtvorgang: Josef Alt, P. Josef
Grendel SVD und seine Stellungnahme zum Nationalsozialismus, in: Verbum SVD
35 (1994), S. 365-388.
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Die katholische Kirche im „Dritten Reich“
wohl kein Grund mehr vorhanden.“ Jetzt sei eine „andere Taktik, das
Hervortreten an die Öffentlichkeit“ unerlässlich, weil die Regierung
jeden Anschein zu vermeiden suche, „vor der Öffentlichkeit als Angreifer der Kirche erkannt zu werden“. Wegen der „Uneinigkeit des
deutschen Episkopats“ sei ein Wort des Papstes erwünscht.13
Bevor Hitler salonfähig wurde, hatten die deutschen Bischöfe
keinen Zweifel gelassen: Kein Katholik durfte gleichzeitig ein Nazi
sein, anderenfalls sollte ihm die Beisetzung verwehrt werden. Von
Seiten der Nationalsozialisten unternahm man indes alles, um die
katholische Kirche in Misskredit zu bringen. Dazu zählten in den
Jahren 1935/36 vor allem die Sittlichkeits- und Devisenprozesse
gegen Geistliche und Ordensleute.14 In dieser prekären Situation
versuchte man in Verhandlungen, eine zufriedenstellende Beilegung
der peinlichen Angelegenheiten zu erreichen. Als dies geschehen
war, entschied sich der Papst, den Weg vorerwähnter Enzyklika zu
beschreiten. Ein Indiz dafür deutete sich bereits in seiner Weihnachtsansprache vom 24. Dezember 1936 an. Unter Bezugnahme auf den
wenige Monate zuvor ausgebrochenen Spanischen Bürgerkrieg, in
dem Hitler-Deutschland General Franco offen unterstützte, warnte
Pius XI. über Radio Vatikan: „Das ist eine neue Mahnung – ernster
und drohender als alle bisherigen – für die ganze Welt, besonders für
Europa und seine christliche Kultur. Das sind Ereignisse, die mit erschreckender Gewissheit und Deutlichkeit offenbaren und ankündigen,
Wolf, Papst und Teufel, S. 244.
Hans Günter Hockerts, Die Sittlichkeitsprozesse gegen katholische Ordensangehörige
und Priester 1936/37. Eine Studie zur nationalsozialistischen Herrschaftstechnik und
zum Kirchenkampf (Veröffentlichungen der Kommission für Zeitgeschichte. Reihe B:
Forschungen, Bd. 6), Mainz 1971; Petra Madeleine Rapp, Die Devisenprozesse gegen
katholische Ordensangehörige und Geistliche im Dritten Reich. Eine Untersuchung
zum Konflikt deutscher Orden und Klöster in wirtschaftlicher Notlage, totalitärer
Machtausübung des nationalsozialistischen Regimes und im Kirchenkampf 1935/36, Diss.
Bonn 1981.
13
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was für Europa und die ganze Welt bevorsteht, wenn man nicht sofort
und wirksam zu Schutz- und Heilmitteln greift.“15
Der deutsche Rundfunk unterdrückte die Weihnachtsansprache.
Angesichts der zahlreichen Anfeindungen durch das NS-Regime waren
die Kirchenoberen darüber nicht erstaunt. Man entschied sich infolgedessen, die päpstliche Botschaft geheim zu verbreiten. Der vom Münchener Kardinal von Faulhaber erstellte erste Entwurf der Enzyklika16
erhielt von Kardinalstaatssekretär Pacelli und seinen Mitarbeitern die
definitive Fassung. Sie wendet sich nicht zuerst an die Bischöfe, sondern
gezielt an die katholische Bevölkerung. Den Katholiken sollte eindeutig
So Hubert Wolf in einem am 14. März 2007 ausgestrahlten Beitrag von Christoph
Vormweg im Westdeutschen Rundfunk. Zur Enzyklika gegen den Nationalsozialismus
hatte der Papst sich nur bewegen lassen, weil die Entwicklung des Bürgerkriegs in
Spanien gleichzeitig eine Verurteilung des Bolschewismus und seiner Expansion in
Europa möglich machte. Lediglich durch eine „Symmetrie“ der Verdammung sah er
die Überparteilichkeit des Hl. Stuhls gewährleistet (Wolf, Papst und Teufel, S. 300).
16Kardinal Faulhaber, der sich nach der außerordentlichen Plenarsitzung des
deutschen Episkopats am 12. und 13. Januar 1937 in Fulda unmittelbar mit den
Kardinälen Adolf Bertram und Karl Joseph Schulte sowie mit den Bischöfen Clemens
August Graf von Galen und Konrad Graf von Preysing auf Einladung des Papstes zu
Beratungen über die kirchenpolitische Lage in Deutschland nach Rom begeben hatte,
war am Abend des 18. Januar von Kardinalstaatssekretär Pacelli gebeten worden, einen
ersten Entwurf der Enzyklika auszuarbeiten. Streng geheim verfasste dieser dann in den
drei folgenden Nächten einen handschriftlichen Entwurf in deutscher Sprache, den er
am 21. Januar Pacelli übergab. „Niemand weiß von diesem Schreiben. Darum habe ich es
in den Nachtstunden geschrieben, damit auch kein Maschinenschreiber davon erfahre“,
bemerkte der Münchener Kardinal (Stenographischer Entwurf des Begleitschreibens
Faulhabers an Pacelli vom 21. Januar 1937, in: Ludwig Volk, Akten Kardinal Michael von
Faulhabers 1917-1945, Bd. 2, Mainz 1978, S. 282). Der Einzige, den Pacelli ins Vertrauen
zog, war der Jesuitengeneral Wladimir Ledóchowski, der bereits die ersten Vorarbeiten
des Heiligen Offiziums begleitet hatte. Der ursprüngliche Anfang der Enzyklika „Mit
großer Sorge“ ist vermutlich von Pacelli in „Mit brennender Sorge“ verändert worden.
Diesen Terminus hat Generalsuperior Grendel in seinem Brief vom 15. Juli 1936 (!) an
den Kardinalstaatssekretär verwendet, worin er um eine kritische Stellungnahme des
Papstes zum Treiben des nationalsozialistischen Regimes gebeten hatte (siehe Anm. 12).
Im Einzelnen zur Genese und der Überarbeitung des Entwurfs der Enzyklika: Wolf,
Papst und Teufel, S. 298-306.
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und klar gezeigt werden, dass das Wertesystem der Kirche im Widerspruch zur nationalsozialistischen Ideologie stand. In der Enzyklika
protestierte Pius XI. auf scharfe Weise gegen die nationalsozialistische
Kirchenpolitik und die Ideologie der NSDAP, außerdem verurteilte er
klar und ausdrücklich die Rassendoktrin des Regimes. Dadurch wuchsen allerdings innerkirchlich die Spannungen im Episkopat über den
richtigen Kurs gegenüber dem nationalsozialistischen System.17
Das päpstliche Rundschreiben wollte als „ein Wort der Wahrheit
und der seelischen Stärkung“ verstanden werden. Es beginnt mit den
Worten: „Mit brennender Sorge und steigendem Befremden beobachten wir seit geraumer Zeit den Leidensweg der Kirche, die wachsende
Bedrängnis der ihr in Gesinnung und Tat treubleibenden Bekenner und
Bekennerinnen inmitten des Landes und des Volkes, dem St. Bonifatius
einst die Licht- und Frohbotschaft von Christus und dem Reich Gottes
gebracht hat.“ In ihr wurde die deutsche wie auch die Weltöffentlichkeit
über die politischen Ursachen und Ziele des Kirchenkampfs informiert,
die Rassenpolitik der Nationalsozialisten scharf verurteilt: „Der ‚Anschauungsunterricht der vergangenen Jahre‘ enthülle ‚Machenschaften,
die von Anfang an kein anderes Ziel kannten als den Vernichtungskampf‘. Im Dienste der Wahrheit wurde erneut und in feierlicher Form die
17Hinweise auf die diesem Verhalten zugrundeliegenden Theologie: Joachim
Maier, Von Gott reden in einer zerrissenen Welt. Beobachtungen zu einer „Theologie“
Clemens August Graf von Galens in seinen Predigten und Hirtenbriefen, in: Joachim
Kuropka (Hrsg.), Clemens August Graf von Galen. Neue Forschungen zum Leben
und Wirken des Bischofs von Münster, Münster 1992, S. 273-296; Konrad Repgen, Die
deutschen Bischöfe und der Zweite Weltkrieg, in: Historisches Jahrbuch 115 (1995), S.
410-452; Antonia Leugers, Gegen eine Mauer bischöflichen Schweigens. Der Ausschuss
für Ordensangelegenheiten und seine Widerstandskonzeption 1941–1945, Frankfurt a.
M. 1996. Lydia Bendel-Maidl, Thomanische Staatslehre. Barriere oder Hilfe in einem
totalitären Staat? Ausgewählte Themen aus Peter Tischleders katholischer Staats- und
Gesellschaftslehre, in: Hans-Jürgen Karp/Joachim Köhler (Hrsg.), Katholische Kirche
unter nationalsozialistischer und kommunistischer Diktatur. Deutschland und Polen
1939-1989, Köln 2001, S. 41-73.
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Unvereinbarkeit von katholischer Glaubenslehre und nationalsozialistischer Weltanschauung an zentralen Punkten herausgearbeitet und
betont […]. Unter Verurteilung des nationalsozialistischen Grundsatzes
‚Recht ist, was dem Volke nützt‘ wurde in der Tradition christlicher
und naturrechtlicher Argumentation betont und eingeschärft, ‚dass der
Mensch als Persönlichkeit gottgegebene Rechte besitzt, die jedem auf
ihre Leugnung, Aufhebung oder Brachlegung abzielenden Eingriff von
Seiten der Gemeinschaft entzogen bleiben müssen‘. […] Zur seelischen
Stärkung schließlich wurden die Gläubigen in Deutschland ermutigt,
in ihrer Selbstbehauptung nicht nachzulassen; die Kirche werde auch
weiterhin ihre Rechte und Freiheiten verteidigen, ‚im Namen des Allmächtigen, dessen Arm auch heute nicht verkürzt ist‘.“18
Unter strengster Geheimhaltung wurde die Enzyklika durch Kuriere verteilt; kein Nazi-Spitzel erfuhr etwas von dieser Aktion. Da man
von Seiten der Kirchenbehörden nicht um die vorgeschriebene Genehmigung zum Verlesen des päpstlichen Schreibens nachgesucht hatte, fiel
die Reaktion der Nationalsozialisten entsprechend hart aus. Druckereien
und Verlage, die für die Verbreitung der rund 300.000 Exemplare der
Enzyklika gesorgt hatten, wurden konfisziert, die Kirchenorganisationen mit Spitzeln systematisch unterwandert.19 Außerdem nahm die
Justiz auf Hitlers Anordnung vom 6. April 1937 die vorübergehend
eingestellten Sittlichkeitsprozesse gegen Kleriker und Ordenschristen
wieder auf. Im Allgemeinen hüteten sich die Nationalsozialisten jedoch davor, prominente Kirchenleute zu Märtyrer zu machen, denn sie
fürchteten den erbosten Unmut der Katholiken, die über ein Drittel
der deutschen Bevölkerung ausmachten. Die endgültige Rache und
Abrechnung sollten erst später erfolgen.
Zitat in: Albrecht, Der Hl. Stuhl und das Dritte Reich, S. 34 f.
Hierzu etwa: Wolfgang Dierker, Himmlers Glaubenskrieger. Der Sicherheitsdienst
der SS und seine Religionspolitik 1933-1941 (Veröffentlichungen der Kommission für
Zeitgeschichte. Reihe B: Forschungen, Bd. 92), 2., durchges. Aufl. Paderborn u. a. 2003.
18
19
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Die katholische Kirche im „Dritten Reich“
3 Der sogenannte „Klostersturm“
Die Jahre des Kirchenkampfs gehören zu den am intensivsten
erforschten Bereichen kirchlicher Zeitgeschichte. Die Verurteilung
des Meissner Bischofs Petrus Legge im Rahmen der Devisenprozesse 1935 sowie die menschenverachtende Ausweisung von Bischof
Joannes Baptista Sproll 1938 aus seiner Diözese Rottenburg bildeten
lediglich die episkopale Spitze von schier endlosen weltanschaulich
wie kirchenpolitisch bedingten Konfrontation, Verunglimpfungen,
Repressionen und öffentlichen Verleumdungskampagnen. Neben der
dezidiert antikatholischen Stoßrichtung der Devisen- und Sittlichkeitsprozesse sind insbesondere zu erwähnen: Die Auseinandersetzungen
um Alfred Rosenbergs „Mythus des 20. Jahrhunderts“20, die staatspolitischen Maßnahmen gegen das öffentliche Auftreten und schließlich
das Verbot katholischer (Jugend-)Organisationen (1934-1937/39),
die regional gestaffelten Schulkämpfe (Ausschluss der Geistlichkeit
vom Religionsunterricht (1935/37), die Aufhebung der Bekenntnisschule (1936-1939), die mancherorts angeordnete Entfernung
von Schulkreuzen (1937), die durch das Hitler-Porträt zu ersetzen
waren, wobei hier namentlich die Vorgänge im Oldenburger Land
Erwähnung verdienen, sowie die stark eingeschränkte Kontrolle der
kirchlichen Presse. Diese als neuen Kulturkampf verstandenen Maßnahmen drängten die katholische Kirche sukzessiv in die „Sakristei“
ab. Dagegen protestierten die Kirchenleitungen zwar mit intelligenten
und letztlich vergeblichen Eingaben, aber nicht durch ein kraftvolles
und entschiedenes Auftreten bei den maßgeblichen Regierungsstellen.
Der Reichs- und Preußische Minister für Wissenschaft, Erziehung
und Volksbildung ordnete am 1. Juli 1937 an, den Religionsunterricht
20Raimund Baumgärtner, Weltanschauungskampf im Dritten Reich. Die
Auseinandersetzungen der Kirchen mit Alfred Rosenberg, Mainz 1977.
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nur durch Lehrer mit vorgeschriebener Prüfung erteilen zu lassen und
Geistliche nur insofern einzusetzen, als Lehrkräfte nicht zur Verfügung
stünden, so dass Geistliche ab dem Schuljahr 1937/38 zu ersetzen
seien. An der Saar führte dies beispielsweise zum völligen Entzug der
Lehrerlaubnis für Geistliche ab dem 1. Dezember 1938. Als weitere
einschneidende Maßnahme wurde 1938 der Religionsunterricht an den
Volks­schulen auf zwei und bei den Höheren Lehranstalten auf eine
Wochenstunde herabgesetzt und durch ministerielle Bekanntmachung
vom 17. März 1939 auf die Eckstunden verlegt.
Gemeinhin erblickten die Nationalsozialisten in den Kloster­
schulen und ähnlichen Einrichtungen ein verderbliches Wirken auf
die ihnen anvertraute Jugend im Sinn der Staatsfeindschaft, weil sie
Brutstätten der politischen Jugendverderbnis seien. Dies hatte zur
Konsequenz, dass man mit der Zeit den Unterrichtsbetrieb in den
Klosterschulen untersagte. Wegen der Entfremdung der deutschen
Jugend von der Volksgemeinschaft und der Verweigerung der vom
Staat verlangten Erziehungsform wurden den in kirchlicher und ordenseigener Trägerschaft befindlichen Schulen der Cha­rakter einer
vom Staat anerkannten Lehranstalt entzogen. Schulen sowie sonstige Bildungs- und Erziehungseinrichtungen religiöser Institutionen
unterstanden fortan der alleinigen Leitung eines von der staatlichen
Behörde eingesetzten Schulleiters. Dieser war für die einheitliche
nationalsozialistische Erziehung der ihm anvertrauten Jugend gegenüber der Schulaufsichtsbehörde verantwortlich, und er hatte in dieser
Hinsicht nur ihren Anordnungen Folge zu leisten. Leiter, Lehrer und
Erzieher mussten politisch zuverlässig sein. Der Schulbehörde blieb
es vorbehalten, nicht zuverlässige Lehrer zu entlassen und geeignete
Kräfte einzustellen. Die erste For­derung enthielt auch die Forderung
der Mitgliedschaft aller Schüler in der Hitler-Jugend. Am 9. November 1939 verfügte der Erlass des Reichsministers für Wissenschaft,
Erziehung und Volksbildung die Schließung sämtlicher Privat- und
Ordensschulen.
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Die katholische Kirche im „Dritten Reich“
Abschließende Bemerkungen
Die Kapitulation und der Zusammenbruch des Nazi-Systems im
Mai 1945 bedeuteten unter anderem das Ende eines nicht erst 1933 oder
1918 beschrittenen deutschen Irrwegs. Mehr als fünfundfünfzig Millionen Menschen hatten den Tod gefunden, weite Teile Europas waren
durch die Kriegshandlungen zerstört und verwüstet worden, sehr viele
Menschen hatten ihre alte Heimat verloren und suchten anderenorts
ein Unterkommen.21
Lässt man am Schluss die Verhaltungsweise der Kirchenleitung und
der Katholiken im „Dritten Reich“ Revue passieren, dann drängt sich
die Frage auf, warum man beispielsweise die Auflösung des Politischen
Katholizismus sowie die Lähmung des katholischen Vereins- und Verbandssystems weitgehend widerspruchslos hingenommen hat, warum
Episkopat und Kirchenvolk zu den Rassengesetzen geschwiegen, waren
sie angesichts des schreienden Unrechts der nationalsozialistischen
Diktatur, der rassenideologischen Exzesse und des verbrecherischen
Charakters des Regimes nicht öffentlich demonstriert und kraftvoll
protestiert, warum sie nicht in einer fest geschlossenen Phalanx dagegen
aktiven Widerstand geleistet haben, vielmehr gekuscht haben, warum
es als Folge der sogenannten Reichskristallnacht vom 9. auf den 10.
November 1938 – sie war der Auftakt der systematischen Judenverfolgung, der Beginn des Holocausts –, als in ganz Deutschland ein
Auswahlweise ein Überblick zum sperrigen und kontrovers diskutierten Thema
des Widerstands einzelner Personen und Gruppen sowie zu den Gründen und Motiven
des Versagen der Mehrheitsbevölkerung: Peter Steinbach, „Stachel im Fleisch der
deutschen Nachkriegsgesellschaft.“ Die Deutschen und der Widerstand, in: ApuZ, B
28 vom 15. Juli 1994, S. 3-14; ders., Der 20. Juli 1944 – mehr als ein Tag der Besinnung
und Verpflichtung, in: ebd., B 27 vom 28. Juni 2004; Günther Gillessen, Zum Streit
über den 20. Juli, in: Die politische Meinung 43 (1998), S. 73-81; Rüdiger von Voss,
„Es ist aus.“ Zum Verständnis des 20. Juli 1944, in: ebd., S. 82-90.
21
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Großteil der 1200 Synagogen und Gebetshäuser in Brand gesetzt, etwa
7500 Geschäfte und Einrichtungen jüdischer Mitbürger geplündert
und zerstört, zahlreiche jüdische Friedhöfe verwüstet und viele Juden
verhaftet worden waren, keinen öffentlichen Protest, kein Zeichen der
Solidarität mit den Juden gab.
Am 23. August 1945 veröffentlichten die deutschen Bischöfe in
Fulda einen Hirtenbrief, dem ersten Pastorale nach dem Krieg, worin sie
sich als Repräsentanten der katholischen Kirche zur Mitverantwortung
an den entsetzlichen Geschehnissen im „Dritten Reich“ bekannten.
In ihm erklärten sie unter anderem: „Furchtbares ist schon vor dem
Krieg in Deutschland und während des Krieges durch Deutsche in den
besetzten Ländern geschehen. Wir beklagen es zutiefst: Viele Deutsche, auch aus unseren Reihen, haben sich von den falschen Lehren
des Nationalsozialismus betören lassen, sind bei Verbrechen gegen
menschliche Freiheit und menschliche Würde gleichgültig geblieben.
Viele leisteten durch ihre Haltung den Verbrechern Vorschub, viele
sind selbst Verbrecher geworden. Schwere Verantwortung trifft jene,
die auf Grund ihrer Stellung wissen konnten, was bei uns vorging, die
durch ihren Einfluss solche Verbrechen hätten verhindern können und
es nicht getan haben, ja diese Verbrechen ermöglicht und sich dadurch
mit den Verbrechern solidarisch erklärt haben.“22
Zwei Monate später, am 19. Oktober 1945, äußerten ebenfalls die
Kirchenvertreter der erst wenige Wochen zuvor gegründeten EKD
dieses peinliche Versagen in der „Stuttgarter Schulderklärung“: „Mit
großem Schmerz sagen wir: Durch uns ist unendliches Leid über viele
Länder und Völker gebracht worden. Was wir unseren Gemeinden oft
bezeugt haben, das sprechen wir jetzt im Namen der ganzen Kirche aus:
22Zitat in der „Erklärung der deutschen Bischöfe zum 30. Januar 1983“, in:
Arbeitshilfen, Nr. 30: Erinnern und Verantwortung (30. Januar 1933 – 30. Januar
1983), Bonn 1983, S. 19.
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Wohl haben wir lange Jahre hindurch im Namen Jesu Christi gegen den
Geist gekämpft, der im nationalsozialistischen Gewaltregiment seinen
furchtbaren Ausdruck gefunden hat; aber wir klagen uns an, dass wir
nicht mutiger bekannt, nicht treuer gebetet, nicht fröhlicher geglaubt
und nicht brennender geliebt haben. Nun soll in unseren Kirchen ein
neuer Anfang gemacht werden. Gegründet auf die Heilige Schrift, mit
ganzem Ernst ausgerichtet auf den alleinigen Herrn der Kirche, gehen
sie daran, sich von glaubensfremden Einflüssen zu reinigen und sich
selber zu ordnen. Wir hoffen zu dem Gott der Gnade und Barmherzigkeit, dass Er unsere Kirchen als Sein Werkzeug brauchen und ihnen
Vollmacht geben wird, Sein Wort zu verkündigen und Seinem Willen
Gehorsam zu schaffen bei uns selbst und bei unserem ganzen Volk.
Dass wir uns bei diesem neuen Anfang mit den anderen Kirchen der
ökumenischen Gemeinschaft herzlich verbunden wissen dürfen, erfüllt
uns mit tiefer Freude. Wir hoffen zu Gott, dass durch den gemeinsamen Dienst der Kirchen, dem Geist der Macht und der Vergeltung, der
heute von neuem mächtig werden will, in aller Welt gesteuert werde und
der Geist des Friedens und der Liebe zur Herrschaft komme, in dem
allein die gequälte Menschheit Genesung finden kann. So bitten wir in
einer Stunde, in der die ganze Welt einen neuen Anfang braucht: „Veni
Creator Spiritus!“.“23
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BAUMGÄRTNER, Raimund, Weltanschauungskampf im Dritten
Reich. Die Auseinandersetzungen der Kirchen mit Alfred Rosenberg,
Mainz 1977.
Die Erklärung über die Mitverantwortung der protestantischen Kirche für die
Verbrechen des Nazi-Regimes ist stellvertretend von elf Ratsmitgliedern der EKD
unterzeichnet worden (Evangelischer Pressedienst [epd] vom 13. Oktober 2005).
23
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Die katholische Kirche im „Dritten Reich“
THE CATHOLIC CHURCH AND THE NATIONAL SOCIALISM
IN GERMANY
Abstract
The article shows some aspects and basic principles in order to explain correctly the complex and very divergently discussed matter of “The Catholic
Church and the National Socialism.” Hitler’s way to power has not been a
one-way street of the German history, which conducted necessarily to the
appointment of Chancellor of the Reich on January 30, 1933 and therefore
to war and extermination. The Christian Churches has been faced mainly
three threats: the loss of identity, the threatening extermination through the
anti-ecclesiastic battle, the withdrawal of the society and the noncommittal
to the reality. They reacted to the attacks of the Nazi-movement in a different way. Determinant were theological concepts, the concept of ministry,
ideological factors, too much misjudgment by prominent ecclesiastical
persons and by the political Catholicism as well as the lack of civil courage
before the crying injustice of the Nazi-dictatorship, the excesses of the
Nazi-ideology, and the criminal character of the regime. Only after the end
of the war, one admitted publicly the serious faults, principally the culpable
faults of the ecclesiastic hierarchy and the Christians in the “Third Reich.”
Key words: Catholicism. National Socialism. Third Reich. Clergy and laymen. Church and politics. Ecclesiastical culpability.
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FALAR DE DEUS NA HISTÓRIA:
O DEUS DOS POBRES COMO MANIPULAÇÃO
DO DEUS VERDADEIRO?
Adriano Souza Viana*, Angelo José Salvador, Edson Kretle,
Emerson Sbardelotti Tavares e Fábio Milioli Saith
Resumo
No presente artigo gostaríamos de transcrever aos leitores a riqueza da reflexão sobre a fé e sobre Deus que nascem dos debates em cursos de graduação
em teologia. Propomos-nos mesclar várias perspectivas diferentes sobre uma
temática comum, pois aqui queremos colocar pontos de vistas diferentes que
tentam justificar uma mesma concepção teológica. Pretendemos versar sobre
as imagens de Deus que temos, sobre nossa maneira de discursar sobre Ele.
E somos provocados pela dúvida se o “Deus dos pobres” não seria também
uma manipulação ideológica do verdadeiro Deus. E para isso pensamos a
temática a partir de quatro perspectivas: bíblica, filosófica, teológica e pastoral.
Palavras-chave: Imagem de Deus. Deus verdadeiro. Deus dos pobres.
Manipulação de Deus.
Introdução
Aqui precisamos explicar um pouco como nasce este artigo.
Nas aulas de Teologia Fundamental, do Instituto de Filosofia e
Teologia da Arquidiocese de Vitória do Espírito Santo, ministradas pelo
professor Dr. Giovani Marinot Vedoato, estudávamos e debatíamos o
livro de Renold Blank, Deus na história. São Paulo: Paulinas, 2005.
Adriano Souza Viana, Angelo José Salvador, Edson Kretle, Fábio Milioli Saith –
graduados em Filosofia pela Faculdade Salesiana de Vitória/ES; Emerson Sbardelotti
Tavares – graduado em Turismo pela Faculdade de Turismo de Guarapari/ES –
graduandos do curso de Teologia do Instituto de Filosofia e Teologia da Arquidiocese
de Vitória do Espírito Santo (Iftav).
*
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
Debatíamos sobre as “imagens de Deus” e as possíveis manipulações ideológicas que podem advir dessas concepções teológicas.
Para exemplificar o que afirmamos como imagem de Deus citaremos
exemplos do censo comum religioso: Deus castigador, Deus Rei em seu
trono, Deus Juiz, Deus da prosperidade, Deus da Bênção etc.
Surgiu então a provocação de um dos nossos colegas. Blank, em
seu livro, afirma que o Deus de Israel é o Deus dos pobres, não o deus
do poder dominante (BLANK, 2005, p. 47). O colega indagou: “Não
seria essa afirmação, ‘Deus dos pobres’, também uma manipulação do
Deus verdadeiro”?1
Sendo essa provocação feita a estudantes que foram educados na
fé das Comunidades Eclesiais de Bases (CEB), numa eclesiologia que
sempre afirmou a “evangélica opção preferencial pelos pobres”, o debate acalorou-se. Fomos então motivados pelo professor a responder
a questão em quatro perspectivas: da interpretação bíblica, da teologia,
da filosofia e na perspectiva pastoral. Essas respostas se transformaram
no presente artigo.
Sentimo-nos impelidos a buscarmos os fundamentos de nossa fé,
e mostramos racionalmente os argumentos que dão sentido à crença
no Deus libertador dos pobres.
1 Perspectiva da interpretação bíblica
Propondo-nos a falar sobre Deus numa perspectiva da interpretação bíblica, parece-nos fundamental retomarmos o documento da Pontifícia Comissão Bíblica, “A interpretação da Bíblia na Igreja”, nº 134,
1A Introdução do livro e título do primeiro capítulo se refere ao tema do
“Verdadeiro Deus”. Blank se propõe a fazer uma redescoberta do sentido do Deus
judaico-cristão no percurso histórico, baseando-se em pesquisas bíblicas e teológicas.
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Adriano Souza Viana
em que é explanado de forma sintética e densa o que a Igreja Católica
pressupõe sobre os limites e as qualidades dos métodos exegéticos e
interpretativos nos últimos anos.
A Igreja nos ajuda a interpretar a Bíblia. O documento nos mostra
os pontos positivos e os negativos dos principais métodos e abordagens
a partir dos quais podemos interpretar o texto bíblico e então falarmos
sobre Deus. E afirma: “Nenhum método científico para o estudo da
Bíblia está à altura de corresponder à riqueza total dos textos bíblicos”
(PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, 2006, p. 46).
Tendo isso como ponto de partida, propomo-nos discorrer sobre como falar de Deus na interpretação bíblica, levantando algumas
considerações sobre o texto de Blank e as abordagens de interpretação
bíblica que ele utiliza como fundamento para suas ideias. Principalmente
citaremos a abordagem sociológica e a da libertação.
Como afirmamos na introdução, este artigo nasce de um debate
em sala de aula. Um dos alunos questionou o texto de Renold J. Blank,
que então estudávamos, o livro Deus na história. Ele o criticou por fazer
interpretações bíblicas e não ser um biblista. E se perguntou se as afirmações propostas pelo autor não seriam também uma manipulação do
discurso sobre o verdadeiro Deus.
Pelo que nos parece, a crítica é infundada, pois Blank mostra em seu
texto conhecimento de causa sobre o que fala. E também a referência
a outros autores nos garante que sua pesquisa foi sustentada por uma
interpretação bíblica renomada.
As ideias do discurso sobre Deus apresentadas por Blank são,
entre outras: “o Deus verdadeiro não fica do lado do poder”; “não
fica ligado a um lugar”; “não está preso ao círculo cúltico do templo”;
“rejeita toda exclusão e opressão”; “oferece uma aliança”; “quer uma
sociedade igualitária”.2
2
120
Temas tratados em todos os capítulos.
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
Pois bem. A crítica a que fizemos referência acima interrogava se
todos esses discursos sobre o “Deus dos pobres” não seria uma forma
de fechar-se em uma imagem de Deus, ocultando o “Deus verdadeiro”.
Propomos então uma defesa das ideias de Blank numa perspectiva da
interpretação bíblica a partir de duas abordagens. Uma, através das
ciências humanas, e outra, contextual.3
A primeira é a abordagem sociológica, que nos textos de Blank
encontramos de forma velada quando ele cita o historiador de Israel
John Bright. Esse historiador norte-americano reconstrói em teorias a
história de Israel, nos aspectos político, étnico, religioso etc., com base
no seu conhecimento também de uma teoria sociológica, sobretudo
do exegeta alemão Martin Noth. Bright, no prefácio à primeira edição
de seu livro História de Israel, diz que aprendeu com ele (BRIGHT,
1981, p. 11), embora afirme também que há dessemelhanças entre
suas ideias.
A abordagem sociológica também foi bem explorada pelos norte-americanos após Bright. Aqui citamos Jorge Pixley, que também faz
menção à teoria sociológica de Martin Noth (PIXLEY, 1989, p. 16). E
também citamos o exegeta Norman Karol Gottwald, que se propõe a
vincular Bíblia e sociologia em seus livros.
Pixley afirma que Gottwald também usa a abordagem sociológica
e evidencia o contexto no qual a fé em Yahweh nasce e cresce. A história se inicia, segundo ele, por uma insurreição camponesa, ou seja, os
pobres se rebelam contra os reis da Palestina (PIXLEY, 1989, p. 17).
Portanto, concluímos que Blank está muito bem embasado ao
afirmar suas ideias e mostrar que o Deus verdadeiro da experiência
judaico-cristã é realmente o Deus dos pobres. E a interpretação bíblica
com uma abordagem sociológica nos ajuda a confirmar isso.
Essas abordagens são explicadas no documento da Pontifícia Comissão Bíblica,
p. 66-78.
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A segunda abordagem, que chamamos acima de contextual, é a da
Libertação. Essa abordagem é identificada pelo documento da Pontifícia
Comissão Bíblica (PIXLEY, 1989. p. 74-78). Porém, é afirmado que “ela
não adota um método especial”.
Ao invés de se contentar com uma interpretação objetivante que se
concentra sobre aquilo que diz o texto em seu contexto de origem,
procura-se uma leitura que nasça da situação vivida pelo povo. Se este
último vive em circunstâncias de opressão. É preciso recorrer à Bíblia
para nela procurar o alimento capaz de sustentá-lo em suas lutas e suas
esperanças [...] (PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA, 2006, p. 75).
Essa abordagem tem alguns princípios que podemos ver na opção
teológica de Blank. Aqui nos basta fazer a seguinte citação: “Deus está
presente na história de seu povo para salvá-lo. Ele é o Deus dos pobres, que não pode tolerar a opressão nem a injustiça” (PONTIFÍCIA
COMISSÃO BÍBLICA, 2006, p. 76).
Dessa forma, concluímos, nesta primeira perspectiva do discurso
sobre Deus, que a interpretação bíblica utilizada por Blank se baseia
naquilo que a Igreja Católica também acredita sobre uma interpretação
possível e madura dos textos sagrados. O livro Deus na história nos aponta para uma interpretação bíblica que nos fala sobre o Deus revelado
para um grupo social específico, os pobres.
2 Perspectiva da filosofia
Nesta parte do artigo será analisada a problemática sobre o tema
Deus no viés filosófico. Mas, devido à infinidade desse esboço, optou-se, ainda de forma limitada, pelo pensamento de Pseudo-Dionísio,
Tomás de Aquino, Immanuel Kant e Karl Popper.
Com a crise da racionalidade iluminista-positivista parece que refletir sobre Deus na contemporaneidade é filosoficamente quase um
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
absurdo. Esse “descrédito” pelo tema Deus tomou esse direcionamento
depois que Feuerbach e os “Mestres da suspeita”, Nietzsche, Marx e
Freud, fizeram severas e contundentes críticas à religião e consequentemente ao termo Deus.
A formulação dessas apreciações é de grande relevância no meio
filosófico, que vale a pena citá-las, mesmo que seja de forma frenética.
Para Ludwig Feuerbach, o conhecimento que o homem tem de Deus
é apenas o “autoconhecimento de si próprio”, logo, o “mistério da teologia é a antropologia”. Já para Karl Marx a religião é o ópio do povo,
pois essa impede que os homens busquem a superação da desigualdade
social. Com Sigmund Freud a ideia que se faz de Deus é apenas uma
“ilusão infantil”. Por fim, Friedrich Nietzsche anuncia a morte de Deus,
e a humanidade livre da tutela da religião poderá criar os valores do
super-homem.
Todos esses grandes pensadores pensavam que a racionalidade
filosófica e científica extinguiriam a religião e Deus da história humana.
Hodiernamente evidencia-se a “crise da razão” e depara-se com a denominada “Revanche do Sagrado”, em virtude da qual a temática religiosa
e as reflexões de “um Deus para hoje” reaparecem com imensa força.
2.1 O falar de Deus em Pseudo-Dionísio?
Dionísio é um personagem histórico convertido por Paulo, quando
esse estava no areópago grego. Tal narrativa é explicitada em At. 17,
34. Pseudo-Dionísio, o Aeropagita, é um pseudônimo que esse filósofo
utilizou a fim de garantir bom êxito em suas obras.
Os escritos de Pseudo-Dionísio foram profundamente marcados
por Plotino, e por tal motivo é evidente nas suas obras uma fusão entre
o neoplatonismo e o pensamento cristão. O pensamento desse autor
é hodiernamente reconhecido no campo da filosofia, mas é principalmente no âmbito teológico e místico que são mais enfatizadas as
contribuições oriundas desse sábio homem.
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Notória também é a distinção que ele faz na temática sobre o conhecimento de Deus. Pois, para ele, o conhecimento de Deus começa
com a via positiva ou catafática e termina com a via negativa ou apofática. Veja o que se afirma:
O método catafático consiste em ir afirmando de Deus as perfeições
que se encontram nas criaturas, escolhendo as mais elevadas, tais como
a bondade, a sabedoria, a vida, a unidade etc [...]. Todavia, uma vez que
o ser divino, como ser infinito, não se reduz a nenhuma das coisas finitas
nem tampouco à sua totalidade, mas transcende todas elas, Deus é, propriamente, inominável. Por esse motivo, temos necessidade de recorrer
ao método ou caminho apofático, que consiste em negar no que se
refere a divindade tudo aquilo que em qualquer perfeição, aos olhos do
homem, existe de imperfeição [...] consiste em descrever de Deus aquilo
que ele não é, terminando assim no silêncio místico, ou seja, a apreensão
totalmente desnudada, direta, embora além de qualquer possibilidade de
conhecimento (PSEUDO-DIONÍSIO, 2004, p. 6).
Já detecta em Pseudo-Dionísio a não pretensão de manipular Deus,
muito pelo contrário, o reconhecimento de que o inefável está muito
para além de todas as tentativas de compreensão humana. Logo, o que
se sabe acerca de Deus jamais esgota sua “deidade”; portanto, o sentimento de contemplação é a via não de conhecer Deus, mas de sentir a
presença do “totalmente outro” na experiência mística.
2.2 Falar de Deus em Tomás de Aquino?
Com Tomás de Aquino, o maior expoente entre os escolásticos,
pretende-se abordar a questão: como falar e conhecer Deus? Tomás é
conhecido pela enorme obra Summa theologiae, na qual esclarece numerosas questões sobre a doutrina cristã.
O aquinense elabora cinco vias para justificar logicamente e
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
racionalmente a existência de Deus pelo caminho a posteriori, ou seja,
da criação para o Criador. Tais provas ficam explícitas na questão II,
artigo III da Suma teológica, em que o autor discorre detalhadamente
sobre cada uma delas. Cada uma merece ao menos uma citação
breve: a primeira é a do motor imóvel; a segunda, da causalidade
eficiente; a terceira, do caminho do ser possível e do ser necessário;
a quarta procede dos graus que se encontram nas coisas; e a quinta
e última via detecta o governo ou a ordem do mundo.
Especificamente na questão XII da Suma teológica Tomás explicita
em 13 artigos como Deus pode ser conhecido pelo gênero humano.
Vale citar a passagem do artigo XI desse grande escritor:
Ora, é manifesto que a divina essência não pode ser conhecida pelas
naturezas das coisas materiais. Pois, como já demonstramos, o conhecimento de Deus, por meio de qualquer semelhança criada, não é a visão
da sua essência. Por onde, é impossível à alma do homem, nesta vida,
ver a essência de Deus. [...]. Logo, ser a alma elevada até ao supremo
inteligível, que é a essência divina, não lhe é possível enquanto viver esta
vida mortal (AQUINO, 1980, p. 103).
Tomás evidencia algumas relações entre Deus e a criação. Para esse
escolástico, não há identidade entre Deus e as criaturas, pois o Ser Supremo, em sua condição divina, se difere em sua essência da criação. Porém,
não existe equivocidade, pois se pode chegar ao Criador demonstrando
sua imagem refletida no mundo; foi isso que fez Tomás nas cinco vias
que foram elucidadas anteriormente. Portanto, o caminho mais seguro
para falar de Deus e das coisas criadas é a relação de analogia; aquilo
que se fala das criaturas pode-se falar de Deus, mas jamais da mesma
forma e intensidade.
Na teologia tomista, por mais que se especule a respeito de Deus, fica
explícita novamente e é assegurada, como também em Pseudo-Dionísio,
a transcendência de Deus, realçando o sentido da teologia negativa.
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2.3 Como falar de Deus em Kant?
Na modernidade desponta a ilustre figura do filósofo de Königsberg: Immanuel Kant. Esse filósofo possui três grandes obras: A
crítica da razão pura, de 1781; A crítica da razão prática, de 1788, e A crítica
da faculdade de julgar, de 1790. Em sintonia com o tema desse esboço,
ater-se-á a uma análise de A crítica da razão pura e da forma como a
temática acerca do conhecimento de Deus é tratada nessa obra.
Kant tornou-se conhecido pela “virada gnosiológica” que suas
reflexões ocasionaram. Agora o conhecer inicia-se com os dados da
sensibilidade, oriundos do tempo e do espaço, que depois são subsumidos numa das categorias do intelecto: “sem sensibilidade nenhum
objeto nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado.
Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são
cegas” (KANT, p. 92, 1999).
Para a metafísica tradicional, a razão busca três conhecimentos
fundamentais: a alma, o mundo e Deus. Porém, Kant é categórico ao
afirmar a impossibilidade de conhecer esses objetos no âmbito da razão
pura, pois ambos estão fora da experiência possível. Portanto, pode-se
falar deles, mas jamais conhecê-los.
Para o filósofo de Königsberg, é impossível demonstrar racionalmente a existência de Deus, da alma e do mundo, logo, poderia dizer
que esse pensador alemão seria agnóstico ou ateu? Muito pelo contrário,
Kant apenas pretende esclarecer até que ponto devem ser respeitados
os limites da razão. “[...] jamais ousarmos elevar-nos com a razão especulativa acima dos limites da experiência” (KANT, p. 42, 1999).
2.4 Como falar de Deus em Karl Popper?
Karl Raimund Popper, quase na mesma linha de Kant, delimita
os horizontes da ciência. Para ele, no início de todo o conhecimento
o que existe são as hipóteses. Portanto, as teorias não se concluem da
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
experiência, pois essas, antes de serem verificadas, possuem caráter
hipotético. Em sua obra Conhecimento objetivo traz a seguinte afirmação:
“Todas as teorias são hipóteses; todas podem ser derrubadas”.
Popper, em seu racionalismo crítico, desenvolve como critério científico não mais o verificacionismo, mas a falseabilidade, que agora passa a ser
o que serve na apreciação de uma teoria científica: “O falsificacionista
exige que as hipóteses científicas sejam falsificáveis, no sentido que
discuti. Ele insiste nisto porque é somente excluindo um conjunto de
proposições de observação logicamente possíveis que uma lei ou teoria
é informativa” (CHALMERS, p. 67, 1993).
No âmbito da racionalidade científica empirista, a verificabilidade
de um enunciado é a condição necessária para que seja considerado
como dotado de sentido. A afirmação da existência ou da não existência
de Deus ou do conhecimento de sua essência é privada de sentido, pois
há impossibilidade lógico-empírica de verificação ou de falsificação.
“Deus é, então, um pseudoproblema filosófico”.
Sábia é a afirmação que Wittgenstein faz no prefácio de sua obra
Tractatus lógico-philosophicus: “O que se pode dizer, em geral se pode dizer
claramente; e o que não se pode falar, se deve calar”. Portanto, concluímos que a atitude de absolutizar algumas imagens de Deus racionalmente é inconcebível, pois tanto a filosofia como a teologia sempre acentuaram que no discurso analógico sobre Deus há mais diferenças que
semelhanças. E um Deus totalmente compreendido deixa de ser Deus.
3 Perspectiva da Teologia
“Discursar” a respeito de Deus para a teologia é primeiramente
uma postura de fé. Para Clodovis Boff, ela tem a primazia (BOFF,
1998). Falar de Deus a partir da teologia, contrariamente ao que parece
à primeira vista, não é fácil. Portanto, não se falará aqui de Deus como
mero objeto produzido pela especulação da razão (crítica feita por
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Kant), mas como aquele absoluto que pode ser parcialmente alcançado,
mas nunca suficientemente conhecido, pois o criador abarca a criatura e
não o contrário. O presente trabalho delineará o pensamento teológico
de algumas figuras importantes do debate atual.
Para João Batista Libânio, um discurso sobre Deus totalmente puro
é impossível, pois estamos mergulhados na história. Sempre haverá
infiltrações ideológicas. Segundo o teólogo, é necessário ter consciência
crítica e discutir os diferentes pontos de vista sobre Deus para baixar o
teor ideológico. Enfim, concretamente, é preciso determinar o aspecto
de Deus que se quer discutir (revelação, salvação, encarnação), para
perceber aí o jogo ideológico possível.4
Na vertente da Teologia Espiritual, França Miranda argumenta que
os efeitos da ação de Deus podem ser captados à luz da fé. Deus atua
na História, e sua ação está descrita em toda a Sagrada Escritura. Para
Miranda, é o Espírito Santo que possibilita o conhecimento dos efeitos
da ação de Deus no Mundo.
Também o discurso teológico deve partir, como os outros, das consequências da presença atuante do Espírito, só que em seu nível epistemológico próprio. A saber, os efeitos da ação divina são captados e interpretados à luz da fé, dom de Deus que capacita o homem a ultrapassar
uma perspectiva meramente humana e olhar o fenômeno na ótica divina.
Captar os efeitos da ação do Espírito enquanto potencializado pelo mesmo Espírito é
o que permite ao ser humano um discurso rigorosamente teológico sobre a experiência
de Deus (Perspectiva Teológica, a. 30, n. 81, maio/agosto 1998, p. 161-181).
João Batista Libânio, em resposta a questão enviada por e-mail: “Como não
manipular Deus do ponto de vista teológico? Todo o discurso a seu respeito
seria uma ideologia? Resposta: BH, 5 de maio de 2009. Angelo: “Pureza total de
um discurso sobre Deus é impossível enquanto estivermos na história. Certa dose de
ideologia penetra tudo. A defesa que temos é a consciência crítica que procura diminuir
os aspectos ideológicos. Daí a necessidade do diálogo entre os diferentes discursos.
Para uma resposta concreta, teria que ver sobre que ponto de Deus se discute para
perceber aí o jogo ideológico possível.”
4
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
Mesmo partindo da presença do Espírito, que conduz ao conhecimento de Deus, não é possível evitar, em último caso, manipulação da
interpretação dos efeitos de Deus. Quando o ser humano se sobrepõe
na compreensão do que seja a ação de Deus no mundo, fechando-se a
dinâmica do Espírito, o discurso sobre Deus se torna mero palavrório.
Numa linha atual e mais popular da espiritualidade se tem a figura
de Anselm Grün. Para ele, todos possuem alguma imagem de Deus; elas
são necessárias enquanto fazem a mediação entre o homem e Deus; no
entanto, aquelas são provisórias e devem ser ressignificadas à medida
que o discurso sobre Deus se alarga (GRÜN, 2001).
O teólogo espanhol Andrés Torres Queiruga afirma que é de suma
importância destruir nossos ídolos, a fim de que, aceitando os novos
dados, deixem espaço para o Deus sempre maior. Não se pode cair
na ideologia de preservar uma imagem de Deus apenas para servir de
bengala às convicções pessoais mais convenientes. O teólogo afirma
categoricamente:
Resistir sistematicamente a toda crítica pode parecer zelo pela glória de
Deus, porém, geralmente, indica o narcisismo de quem não quer renunciar
às próprias concepções e a insegurança de quem não se atreve a abrir-se
ao processo inacabável de “deixar Deus ser Deus”, expondo-se ao rompimento de suas imagens, uma após a outra (QUEIRUGA, 1993, p. 29).
Queiruga afirma ainda que só a partir do momento em que reconhecemos Deus como Pai é que derrubaremos as falsas imagens de
Deus, pois todos se veem como filhos muito amados e participantes
desse amor (QUEIRUGA, 1993, p. 100-102).
O conhecimento de Deus, para a Teologia da Libertação, segue seu
método peculiar adaptado à realidade dos pobres. Aquela interpreta o
concreto da história e, acima de tudo, o sofrimento do pobre. Não é
possível conhecer a Deus negligenciando a dor alheia. Portanto, para se
chegar a Deus é de suma importância ir ao encontro dos expurgados do
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sistema; esta é a condição de possibilidade para conhecer Deus. Onde
está o pobre também está Deus (SOBRINO, 1994).
No entanto, como a discussão gira em torno de como falar de Deus
sem cair em ideologias anacrônicas, o pobre se torna o lugar epistemológico para a elaboração de uma teologia. Toda elaboração conceitual
possui uma ideologia, e, mesmo falando do pobre sofrido, também se
parte de um lugar; é o momento de ideologização do pobre.
Esse é sem dúvida um limite, mas a Teologia da Libertação não para
no pobre, porque sua reflexão parte de uma vivência sadia da história
humana, que aponta para algo que transcende essa mesma história;
logo, a salvação do homem é integral. O pobre não pode permanecer
em seu estado, ele é levado a, já neste mundo, sentir-se humanizado.
Tal via seria o ponto de partida para diminuir o grau ideológico para o
conhecimento de Deus.
Como foi afirmado no início, um discurso totalmente puro sobre
Deus não é possível. Muitos tentaram ao longo da história; e, por mais
sinceros que fossem, vez ou outra a compreensão se mostrou débil,
incapaz de explicar os desígnios de Deus. Por isso, nunca haverá um
discurso totalmente puro a respeito desse grande mistério.
4 Perspectiva pastoral
“Quando quero rezar e não há uma Igreja por
perto, me ajoelho em frente a uma árvore e rezo.”
Cartola
Não há possibilidade de falar de Deus hoje em dia sem se deixar
tocar por Deus e a partir deste toque agir na pastoral em nossos grupos,
comunidades, paróquias e dioceses. A partir do hálito de vida soprado
em nossas narinas por Ele, nossa sensibilidade se recusa a ver a condição
humana fora da relação com o cosmo: com toda a criação, com todos
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
os seres viventes. É fazer valer o pedido do Salmo 27,4: “Uma coisa
peço a Iahweh, a coisa que procuro: é habitar na casa de Iahweh todos
os dias de minha vida para gozar a doçura de Iahweh e meditar no seu
templo” (BÍBLIA DE JERUSALÉM, 2002).
Leonardo Boff, afirma que:
Nós brasileiros, mais do que um povo religioso, somos um povo místico.
Nós não acreditamos em Deus, isso é coisa dos europeus, nós sentimos
Deus. Sentimos Deus na pele, no corpo, e por isso toda hora falamos:
vá com Deus... fique com Deus... Deus está dentro do nosso cotidiano
na vida. Não dá para entender o mundo sem colocar Deus dentro. Jesus
Cristo apresenta Deus como Abbá, um pai que tem as características de
mãe. Como uma galinha que cuida dos pintinhos, como o pai do filho
pródigo que acolhe o filho: olha na esquina, ele está chegando, corre ao
encontro cheio de misericórdia, isto é, cheio de entranhas, coisas que as
mulheres têm. É um Deus-ternura, mais mãe do que pai, ou então um
pai-maternal e uma mãe-paternal... Encontrar Deus não só nas Escrituras
Sagradas, nos textos da Tradição, na hóstia consagrada, no cálix bento,
mas encontrar Deus na natureza, na pedra, no sol, encontrar Deus nos
pobres, de tal forma que, abraçando o mundo, está se abraçando Deus
(PROGRAMA, 2009).
Falar de Deus hoje deve ser o ponto de partida na realidade em
que estamos plantados, na realidade em que somos adubados, na realidade em que brotam os frutos da nova estação, na realidade em que
devemos ser podados e cortados para que uma nova vida germine. Esta
realidade compreende um mundo em que a economia é globalizada e
excludente, a técnica é acelerada, a comunicação é sem fronteiras e há
um rápido crescimento do pluralismo religioso. E podemos dizer que o
tempo ainda não é o de negar a razão, mas não podemos viver a ditadura
da razão. A dor do mundo está aí na nossa frente. Os valores não são
animados e empurrados somente pela ética, mas sim pelo coração, pelo
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sentimento, que está diretamente enraizado na concepção que temos de
Deus. O mundo é partilhado vergonhosamente pelo G-8 e cortejado
pelo G-20, e quem deveria tratar dos assuntos referentes à humanidade
e à vida do Planeta seria a ONU, mas isso, infelizmente, é um sonho
que tão cedo não veremos realizado; precisamos, todavia, estar atentos
como as virgens prudentes do Evangelho.
Falar de Deus hoje é não esquecer as nossas matrizes culturais:
indígena, europeia e africana. Elas nos lembram todos os dias que
somos o povo mais propenso ao diálogo e ao encontro, pois estamos
juntos e misturados na dinâmica da vida. Somos como o trabalho das
mulheres na produção da panela de barro em Goiabeiras, Vitória/ES;
que tiram do barro, do mangue e das árvores do mangue o necessário
para moldarem o símbolo que ilustra tão bem a cultura capixaba e
que embeleza a culinária deste mesmo povo; é um trabalho honroso e
divinal, que mantém viva a memória daquelas outras tantas paneleiras
que iniciaram a tradição da fabricação das panelas de barro conhecidas
mundialmente. E elas são descendentes de indígenas, de europeus, de
africanos; por isso, a moqueca capixaba é a melhor moqueca do mundo
e o sexto melhor prato para ser apreciado, segundo a OMS, pois não
engorda e é leve. Na raiz de tudo isso está a disponibilidade, o empenho
e a garra de gerações inteiras de mulheres, que, assim como Sefra e Fua,
ajudam a dar à luz o sonho da posteridade; ao perpetuarem este sonho
e ao fazerem feliz todo um povo, aproximam-se muito de Deus e veem
a Deus mais do que o faz a maioria de nós.
Falar de Deus hoje é percorrer todo o projeto de salvação, cuja
prática e pedagogia libertadora está implícita e explícita na Primeira
e na Segunda Aliança, no Concílio Vaticano II, nas conferências de
Medellín, Puebla e Aparecida, operando em nós uma transformação,
impulsionando-nos para a prática pastoral: para que todos tenham vida
e a tenham em abundância. Que rezem, orem o Pai Nosso, mas reivindiquem a justiça e a solidariedade do Reino, o Pão Nosso.
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
4.1.Quem, afinal, é Deus?
“Nosso Deus é o artista do Universo. É a fonte da
luz, do ar, da cor. É o som, é a música, é a dança.
É o mar, jangadeiro e pescador. É o seio materno
sempre fértil, é beleza, é pureza e é calor.”
Zé Vicente
Ele sempre irá responder: “Eu sou aquele que é!” (Ex 3, 14).
Ele é realidade transcendente. Sendo transcendente, nunca saberemos de fato o que ou quem é Deus, só sabemos daquilo que não é,
pois a nossa ideia de Deus é sempre limitada, Ele está além de tudo
o que possamos sonhar ou pensar ser. Mas o desejo que possuímos é
o de que, da mesma forma que Jesus, nós também possamos crescer
em graça e em sabedoria, por uma intimidade profunda com Ele, com
base na qual a nossa existência será inspirada, e poderemos, portanto,
chamá-lo de Abbá.
Na América Latina e no Caribe, diferentemente do que ocorre na
Europa, Deus é aquele que escolhe os pobres (não são os pobres que
escolhem a Deus), pois aqui, neste continente, a pobreza é institucionalizada. Somos um continente de hapirus (os mais pobres – pessoas
desalojadas, sem terra, excluídas nas cidades e nos campos), onde desde
cedo, por causa do batismo, alimentamos a vontade de construir uma
sociedade distinta, sem exploradores e explorados; uma terra sem males.
O Deus que foi passado para a geração que nasceu no Brasil nos
anos 1970 e era jovem nos anos 1980 foi o Deus da Teologia da Libertação: divinamente humano, humanamente divino; próximo de seu
povo, em suas lutas, em seus sorrisos, em seus martírios. Um Deus que
entrava nas casas através da Bíblia traduzida para o português e nas
mãos do povo. E lá ia o povo se reunir debaixo de uma árvore, para se
encontrar, sorrir e celebrar a vida de um jeito simples, despojado, de
analfabetos a homens novos, de analfabetas a mulheres novas. Eram as
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comunidades eclesiais de base se espalhando por todo o Brasil, sofrendo na pele perseguições, a exemplo das Primeiras Comunidades, por
causa do Reino, sendo a voz profética num tempo em que o milagre
era economicamente favorável às elites nacionais, fazendo com que os
ricos se tornassem cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
Foi um período profético. Deus caminhava junto. Ele via a miséria
do povo, ouvia seu grito por causa dos seus opressores e descia a fim
de libertar. Cuidava das feridas e soprava, beijava e abraçava, e os agentes de pastoral iam em frente, havia um ardor missionário contagiante,
pois acreditar em Deus sempre foi uma opção de vida. O convite para
participar da messe era feito, muitas vezes, com o testemunho daqueles
que tombaram e daqueles que insistiam em continuar, mas aceitar ou
não sempre foi uma escolha pessoal. Antes do Concílio Vaticano II
se tinha uma atitude de fé que levava a acreditar em Deus envolvendo
razão e levando o ser humano a aprender uma doutrina; esta, por sua
vez, conduzia a um saber sobre Deus e nada mais. Com o Concílio Vaticano, Medellín, Puebla e Aparecida, a atitude leva a comprometer-se
com Deus, envolvendo todo o ser; este desenvolve uma prática de vida
que o conduz à conversão, à mudança de dentro para fora.
José Maria Vigil, no que refere à ação pastoral, nos diz que:
Para o Jesus histórico o Deus do Reino é o centro, e não há nenhuma
outra mediação para ele senão a promoção de seu próprio Reinado.
A missão de Jesus não é outra senão o anúncio e a promoção desse
Reino. [...]. Na linguagem do evangelho de Jesus, Deus é sempre o
Deus do Reino, e o Reino é sempre o Reino de Deus, de forma que
o teocentrismo e reinocentrismo se implicam mutuamente. [...]. Esse
foi o tema de sua pregação, sua obsessão, seu sonho, a paixão que o
movia, a causa pela qual viveu e lutou, aquilo que em sua vida teve
valor absoluto para ele. A figura de Jesus não foi a do fundador de
uma religião ou de uma Igreja, e sim a de um profeta apaixonado pelo
Reino de Deus, causa última que o fez viver e morrer (VIGIL, 2006).
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
“A ação de Deus se dá através da nossa ação. E pode se perguntar:
‘Deus faz milagre na História?’. Faz! Mas jamais fora das coordenadas
da História” (TAVARES, 2005).
4.2 Um Deus para hoje
“No chão da vida nasce o Povo de Deus. No Deus
da Vida nasce o Povo dos Céus.”
Emerson Sbardelotti / Lula Barbosa
Qual é a imagem de Deus que nós temos? Qual é o conceito que
temos de pastoral? Perguntas importantes para a nossa caminhada
enquanto seres humanos, para o nosso artigo, para a nossa vida em
grupo, em comunidade.
A imagem de Deus na Primeira e na Segunda Aliança que se
propõe e que se aproxima mais de uma pastoral comprometida com
o Reino é esta: a) Na Primeira Aliança, o grande perigo para Israel
era contaminar Iahweh com os cultos da fecundidade. A paternidade
divina surge fundamentada na saída do Egito. Como se disse anteriormente, Deus escolhe os hapirus. Os profetas usarão expressões
cheias de ternura para significar esta paternidade, que na verdade é
maternidade. b)
Na Segunda Aliança, teremos a experiência
fundante do Abbá em Jesus. Esta vivência constitui a intimidade
original e profunda de sua personalidade. Por causa dela Jesus cria
uma reação em cadeia, contaminando todo o seu grupo de amizades,
levando-os à radicalidade infantil de chamar Deus de papai, uma
experiência única. Deus é para sempre definido como paternidade
revelada e entranhável, como fonte de ternura e confiança. Deus é o
que alimenta o mistério em Jesus e a partir deste se abre para todas
as criaturas.
Fuentes nos diz que:
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Adriano Souza Viana
Etimologicamente, o termo “pastoral” deriva de pastor. No início do
seu uso (finais do século XVIII e princípios do século XIX) referia-se
basicamente à doutrina e prática de formar pastores (presbíteros), e ao
modo de realizar o ofício da cura animarum (cuidado das almas) próprio
do pároco. A partir daí, este conceito foi evoluindo, ganhando grande
variedade de significados, alguns reducionistas, outros ambíguos ou
mesmo errôneos (FUENTES, 2008).
Uma nova imagem para Deus hoje, uma nova pastoral para hoje só
terá sentido se, primeiro, quem busca seus significados souber o quanto
significa ser humano. Os profetas da Primeira Aliança e o próprio Jesus
sabiam muito bem o que significava ser judeu naquele momento da
história da humanidade e a missão que tinham a realizar. Sentiam muito
bem a imagem de Deus que os animava.
Falar hoje de uma nova imagem de pastoral num mundo globalizado é mais complicado do que se imagina. Com o advento da internet,
os diversos estratos da juventude não se colocam mais à disposição para
o exercício da fé em comunidade. O sagrado está no shopping center, e a
virtualidade é mais próxima do Deus espiritualizado que imaginam para
si. Apesar de conhecerem e saberem o que é um pastor e seu ofício, eles
residem em sua maioria em cidades populosas, onde dificilmente verão
rebanhos e montanhas ao estilo clássico bíblico; portanto, o discurso
do Bom Pastor, por exemplo, irá soar apenas como mais uma fábula ou
como um preceito moral de fim de história que os mais velhos contam
ou contavam.
Mas há também os jovens que se sentem atraídos por Deus e
estão se colocando à disposição nas mais diversas equipes e pastorais.
E, conscientes do papel que desenvolvem, vão dando um novo vigor
à caminhada de suas comunidades, paróquias, dioceses, independente
de serem ou não apoiados pela hierarquia, o que sempre representou
um grande problema, principalmente para as Pastorais da Juventude,
mas que também sempre foi encarado como desafio a ser vencido. E
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
foram e venceram. Olhe a quantidade de jovens que participaram do
último Intereclesial das CEBs em Porto Velho em julho de 2009, e que
participaram do Encontro Nacional de Fé e Política em Ipatinga em
novembro de 2009 e também do Fórum Social Mundial na Grande
Porto Alegre em janeiro de 2010. O Espírito de Deus sopra sempre
onde quer. Não há como controlar. Só podemos sentir e nos maravilhar
e seguir em frente.
A experiência de Deus é senti-lo em intimidade profunda, amorosa,
através da fé em Jesus e colocado em prática nas ações comunitárias
em que estivermos inseridos. O encontro e o diálogo com Deus na
oração nos impulsiona todos os dias a irmos em busca do irmão, do
outro. Pois Deus se manifesta na realidade humana, em sua cultura e
em sua história sem excluir ninguém. Ele aglutina, sorri, se compadece,
abraça e beija. A ação pastoral enquanto serviço emanado do amor é
uma autêntica vivência de Deus.
Referências
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Escola Superior de Teologia São Lourenço de Brindes, Livraria Sulina
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Falar de Deus na história: o Deus dos pobres como manipulação do deus verdadeiro?
TALK ABOUT GOD IN HISTORY: THE GOD OF THE POOR
AS MANIPULATION OF THE TRUE GOD?
Abstract
In this current article we would like to demonstrate to the readers the
wealth in reflection about faith and God, which emerges from the debates
in graduation courses in theology. We propose to try to join several different
perspectives around a common theme, for here we intend to place different points of view which try to justify one same theological conception.
We want to express the images of God that we have, about our own way
we use to talk about Him. And we are provoked by the doubt whether the
“God of the poor” would not be an ideological manipulation of the true
God either. For so we think about the theme from 4 perspectives: Biblical,
Philosophical, Theological and Pastoral.
Key words: Image of God. True God. God of the poor. Manipulation
of God.
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AS RAÍZES DA CRIAÇÃO
Francimar Arruda*
Resumo
Este texto tem como meta revelar as bases do impulso criador, que aniquila
o artista, consumindo-lhe todas as suas energias, e lhe renova suas forças
vitais. Queremos levantar a hipótese de que a crueldade, categoria trabalhada
por Nietzsche, é um fator constitutivo da arte e, sobretudo, uma de suas
raízes. Nossa intenção não é esclarecer como a crueldade se faz presente
nas diversas manifestações históricas, mas mostrar como o próprio processo
de criação, enquanto experiência vital, contém a crueldade. É no processo
criador que podemos claramente apreender o impulso de morte gerando o
impulso de vida; nessa dialética, a síntese é a obra de arte, e vamos capturá-la no processo ético e estético da crueldade.
palavras-chave: Filosofia. Arte. Crueldade.
A atividade de criadores como Van Gogh, Pablo Picasso, Antonin
Artaud, Fernando Pessoa, Nietzsche e tantos outros, por ser marcada
por uma espécie de obsessão, em que o impulso criador tanto parece
aniquilar o artista, consumindo-lhe todas as energias, quanto lhe renovar
as forças vitais, nos fez levantar a hipótese de que a crueldade é um fator
constitutivo da arte, uma de suas raízes. Nossa intenção não é esclarecer
como a crueldade se faz presente na arte trágica, em suas diversas manifestações históricas, mas, sobretudo, revelar como o próprio processo
de criação – enquanto experiência vital – contém a crueldade.
Mestre em Filosofia, Doutora em Teoria do Imaginário (UFRJ). Pós-doutorado
em Filosofia na Université de Bourgogne, França. Autora de: “Algumas palavras sobre
Bachelard”, “O encontro entre poesia e pensamento”, “Algumas reflexões sobre a arte”, “As
possíveis tensões entre sentido e alteridade”, “Les diableries de l’humour”, “La rencontre
avec Bachelard”, “La question des complexes et leur dimention esthétique”, entre outros.
*
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As raízes da criação
Em O teatro e seu duplo, Antonin Artaud traça uma diferença entre
duas concepções de crueldade. Enquanto uma, de natureza psicológica e moral, vincula-se ao sadismo, à violência, à perversão, a outra diz
respeito a uma concepção do ser.
E, aliás filosoficamente falando, o que é a crueldade? Do ponto de
vista do espírito, a crueldade significa rigor, aplicação e decisão implacáveis, determinação irreversível, absoluta. Aquilo que age sob a forma
de uma determinação absoluta é a própria vida. No fogo da vida, no
apetite da vida, no impulso irracional para a vida existe uma espécie de
maldade inicial: o desejo de Eros é uma crueldade pois passa por cima
das contingências; a morte é crueldade, a ressurreição é crueldade, a
transfiguração é crueldade (ARTAUD, 1984, p. 131).
Neste sentido, a crueldade relaciona-se a uma disposição estética
ou criadora, a qual funda-se mesmo numa concepção ontológica, em que
a própria vida é vista como crueldade. E finaliza Artaud: “Portanto eu
disse crueldade como poderia ter dito vida ou como teria dito necessidade,
porque quero indicar sobretudo que para mim o teatro é ato e emanação
eterna, que nele nada existe de fixo, que eu o indico a um ato verdadeiro,
portanto vivo, portanto mágico (ARTAUD, 1984, p. 145).
Esta concepção de crueldade está presente também em Nietzsche.
Assim como Artaud, aquele filósofo atribui à noção de crueldade um
duplo sentido. Em Nietzsche, a compreensão de vida como vontade de
poder comporta uma dimensão cruel, já que implica luta, tensão, violação: a vida mesma é essencialmente apropriação, ofensa, sujeição do que
é estranho e mais fraco, opressão, dureza, imposição de formas próprias,
incorporação e, no mínimo, exploração. A partir dessa colocação de
crueldade, surgiram as seguintes questões que motivaram este trabalho:
de que modo, em Nietzsche, a crueldade se mostra como condição da
obra de arte? Esta concepção nietzschiana, que admite a relação entre
crueldade e criação, encontra repercussão entre os artistas? Se existe
uma tal confirmação, será legítimo pensar numa ética da criação, cujo
fundamento seria mesmo a crueldade?
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Francimar Arruda
Embora o poeta e o filósofo diferenciem os dois modos de compreensão da noção de crueldade, tênue é o fio que separa um modo do
outro, pois é somente o fato de a vida comportar a luta, a agressividade e
a violência que possibilita a existência da crueldade como perversão enquanto passagem súbita do sentimento de impotência para onipotência.
A crueldade não diz respeito a um valor moral em si; ela não se funda
na inclinação do ser humano para o bem ou para o mal. Pelo contrário,
é a essencial imoralidade da vida que funda o problema da crueldade.
A obra de Nietzsche tende a refletir as tendências, no século XIX,
de constatar a agressividade como constitutiva da natureza humana.
Nietzsche, assim como Shopenhauer e Freud, admitem que a crueldade
surge como consequência de um instinto selvagem que teve – necessariamente – de ser reprimido para que pudesse existir mesmo a cultura, a
civilização. Assim, para Nietzsche, o desejo de poder seria um desejo de
vida; não, porém, como muitos compreenderam de uma forma errônea,
um poder sobre o outro, mas, sim, um poder sobre si, e é neste sentido que ele é essencialmente ético. A noção nietzschiana de crueldade
assemelha-se à interpretação estoica, indicando a insensibilidade à dor e
a busca do sofrimento, associando-se ao rigor, à dureza, à determinação
ou aplicação absoluta. Conforme define Sêneca (1993), “a crueldade
é a excessiva dureza do coração na aplicação das penas” ou como “a
inclinação da alma para o partido mais rigoroso” (SÊNECA, 1993, p.
13). Assim, podemos dizer que o conceito nietzschiano de crueldade
difere-se do sentido psicanalítico de perversão, relacionando-o a uma
disposição criadora, que comporta a agressividade, o rigor, a determinação absoluta, possuindo, assim, um sentido ético e estético.
A noção de crueldade se encontra em diversos textos de Nietzsche1
Identificamos a presença da noção de crueldade nos seguintes textos: O
nascimento da tragédia, Humano demasiado humano, O viajante e sua sombra, A gaia ciência,
Vontade de potência, Para além do bem e do mal e Assim falou Zaratrusta. Mas o texto que
mais desenvolve este conceito é a Segunda Dissertação de A genealogia da moral.
1
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As raízes da criação
e possui um significado preciso, isento de polêmicas. Isto porque o
próprio Nietzsche esclarece o sentido de sua tese: a crueldade (em A genealogia da moral) é pela primeira vez revelada como um dos mais antigos
e indeléveis substratos da cultura (1985, p. 138). É por ser o fundamento
da cultura que o tema da crueldade pode se mostrar tanto como um
instrumento de crítica à Moral quanto como um modo de afirmação
da vida, apresentando-se como um traço do tipo artista-nobre. Assim,
a primeira direção possuiria um aspecto negativo, operando a crítica
dos valores; já a segunda, um aspecto positivo, revelando uma nova
determinação do agir humano. No entanto, um sentido se relaciona ao
outro; porquanto, para Nietzsche, é a tentativa de negar o sofrimento
essencial à vida que torna o ser humano cruel, um ser que extrai sua potência da dor. A assunção da crueldade da vida, pelo contrário, torna o
homem criador: o criador compreende que toda elevação da vida exige
a dor, exige um sacrifício superior. É somente a partir de uma disciplina
rígida, de uma determinação implacável, que se torna possível produzir
novos valores, novas interpretações da vida. É esta determinação, esta
ausência de compaixão com o que já não corresponde a uma afirmação,
esta submissão à necessidade da vida, que Nietzsche chamou de dureza. “Todos os criadores são duros”, afirmará Zaratrusta. O primeiro
sentido possui maior abrangência que o segundo, por relacionar-se à
história dos valores morais, à religião, à psicologia. Como tal, a noção
não somente opera uma crítica como também revela que a crueldade
constitui um traço essencial de toda Moral.
Assim, a crueldade como característica básica da natureza humana
deveria ser demonstrada não apenas com base nos textos de Nietzsche,
mas sobretudo na experiência da criação artística. O tema da vida como
dinâmica de criação e a fusão entre o gesto estético e o ético deveriam se
revelar com maior precisão naquele modo de ser que deixa transparecer
com maior intensidade a ideia de criação. O artista torna-se, desta forma,
o modelo da ética nietzschiana, aqui denominada de ética da crueldade,
por afirmar a dureza como disposição fundamental do criador.
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Uma tal hipótese funda-se no pressuposto de que a arte contém um
componente de crueldade. Ao falarmos que a arte contém a crueldade,
não nos referimos nem às inclinações para as perversões presentes em
certos criadores nem à relação entre agressividade e sublimação como
fundamento da arte nem ao efeito da obra sobre o público-expectador
nem à teatralização do sofrimento presentes em certas experiências
contemporâneas tampouco a um estilo. A relação entre arte e crueldade não se resume, por conseguinte, nem na identificação de traços
de violência na obra de arte nem na inversão dos valores, operada na
Modernidade, que tende a elevar a categoria do feio, do mal, do grotesco,
à condição de Belo.
A partir, então, desta delimitação é que se inscreve o sentido
ético-estético da crueldade. A relação entre crueldade e arte se funda
na compreensão da vida como criação. Em Nietzsche, a noção de
crueldade resgata uma disposição ativa, própria ao criador e, como
tal, aponta para uma ética-estética caracterizada pela afirmação da
dor como fator constitutivo da existência. É a partir da dor que se dá
a metamorfose, a transfiguração da existência: transformar é sofrer.
Crueldade é a dureza, compreendida como uma ausência de compaixão que permite destruir o já estabelecido, a forma, o ser, em prol do
devir, da transfiguração da vida. Assim, ao falarmos que a arte contém
a crueldade, nos referimos à disposição do artista em relação ao obrar.
A crueldade está presente na paixão do artista; no desenvolvimento
de um talento; na recusa à facilidade e na afirmação da dificuldade
como um estímulo; na atividade de concepção e realização da obra;
no modo como a obra adquire o caráter de um imperativo, sujeitando
o artista, isto é, na forma como a criatura parece conduzir o criador,
consumindo-lhe todas as energias e não dando ao artista a possibilidade de deliberar. É este fenômeno que caracteriza o ethos do criador.
Por tudo isso, trabalhamos com a hipótese da existência de um vínculo
entre a atividade criadora ou criação artística e a crueldade.
O tema da experiência da criação, por sua vez, remetendo-se à
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noção de criatividade, mostra-se dotado de grande abrangência e complexidade2, seja quando considerado no interior da própria filosofia,
seja quando visto sob a ótica da psicanálise, em que se nota uma grande
dedicação ao tema, sobretudo ao problema do gênio e da inspiração.
A experiência da criação resiste às tentativas de redução, por dizer respeito à própria essência do homem: a necessidade de criar ou de impor
sentido e finalidade é algo constitutivo do ser humano. A existência é
inconcebível sem sua dimensão criadora. Deste modo, o problema da
criatividade cede lugar a uma abordagem que considera o fenômeno da
criação a partir de uma ótica existencial. Em suma, adotamos aqui uma
solução empregada por Fayga Ostrower (1977) em seu estudo sobre a
criatividade: viver é criar. Esta solução se amolda perfeitamente à perspectiva nietzschiana, cujo conceito de vontade de poder se identifica à
vida, que contém em si a dimensão criadora. A partir dessa correlação
identificamos a crueldade como um traço essencial ao processo de
criação. O artista é cruel consigo mesmo ao erigir a sua existência a
partir da sua disponibilidade para a criação. A criação comporta a não
liberdade do artista e, como tal, aponta para a imoralidade, pois a teoria
do livre arbítrio está na base de toda a moral.
[...] entre os antigos filósofos, ninguém teve a coragem de afirmar a teoria da vontade que não é livre (isto é, uma teoria que nega a
moral); ninguém teve a coragem de definir como um sentimento de
potência revela o que há de típico na alegria, em toda espécie de alegria
(felicidade): pois a alegria que busca a potência era considerada imoral
(ROSSET, 2000, p. 45).
A criação artística, então, é o processo pelo qual uma força – uma
necessidade interior que quer libertar-se – coage o artista e lhe tolhe a
liberdade, não lhe deixando margem para escolha. Conforme afirma
Pablo Picasso:
2 Para uma melhor compreensão vale a pena conferir o texto de Daniel Boonstein
(1995).
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Se existe uma liberdade naquilo que nós fazemos, essa liberdade reside
em libertar qualquer coisa dentro de nós mesmos! E ainda: é preciso
ter muito cuidado com o que se faz, visto que é quando nos julgamos
menos livres que somos, por vezes, mais livres. Na realidade, não somos
mais livres quando sentimos ter asas de gigante, que nos impedem de
pisar a terra firme (1968).
Nesse mesmo texto de Heléne Parmelin, Picasso disse..., este afirma
que a ausência de liberdade do artista no interior do processo de criação
é tal que o pintor chega a declarar: “A pintura é mais forte do que eu, ela
me faz fazer isto que ela quer”. Esta frase subverte nossa compreensão
do artista como criador, assim como nossa compreensão da criação
associada à causalidade. O artista se coloca aqui como o instrumento
de uma obra: o eu, cuja força residiria justamente no livre-arbítrio, na
capacidade de escolher e decidir a partir da consciência, se retrai frente
a uma necessidade mais elevada. É a partir dessa submissão a uma necessidade – o pintar – que Picasso vem a ser o pintor, vem a ser isto que
ele é. A tradicional relação de causa e efeito não basta aqui para compreendermos o processo criador, pois, aqui, Picasso nos diz que ele não
é o criador, a causa das obras, mas sim que a pintura é criadora. Quer
dizer, é a atividade que, por si, gera a circularidade da situação e esta se
dá na medida em que é no exercício da pintura que nasce o pintor, e,
respectivamente, é com o pintor que nasce a pintura enquanto obra. O
pintor é assim, ao mesmo tempo a causa e o efeito, aquele que ordena
e aquele que obedece. Quanto mais o pintor libera esta possibilidade
de ser, mais ele se torna passível de ser coagido pelo impulso criador.
Mas como a pintura pode coagir de tal modo? Como tal atividade
pode adquirir o caráter de uma necessidade inexorável? Esta pergunta
perde a razão de ser se lembrarmos que, em Nietzsche, todo devir tem
o caráter de necessidade. Colocar a questão desse modo é exigir um
sentido e um valor previamente colocados antes mesmo da realização
da atividade, é operar uma separação entre a ação e o agente e, além
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As raízes da criação
disso, é estabelecer para a ação uma finalidade para além de si mesma.
Tal modo de pensar faz-nos recair na ótica do utilitarismo e da moral.
Pintura é atividade, ação. O que a atividade da pintura quer? Sem querer
cair em tautologia, podemos afirmar que a pintura quer tornar-se pintura, fazer-se visível: ser forma, cor, espaço, visualidade, quer vir a ser. O
pintor é um instrumento para tal fim. Toda atividade, em sua aspiração
ao ser, possui um modo próprio, um ritmo, um tempo que, como tal,
exerce um poder de coação. Ao pintar,3 o pintor parece participar da
força criadora que instaura ou determina o ente. Esta força nada mais é
do que a natureza. É neste sentido que o próprio Picasso afirma que a
natureza é mais forte que o homem, assim como a pintura é mais forte
que o pintor. “Queira ou não, o homem é o instrumento da natureza,
ela lhe impõe o caráter, a aparência. Jamais poderemos contrariar a natureza... ela é mais forte do que o mais poderoso dos homens; é por isso
que devemos ficar sempre de bem com ela” (PARMELIN, 1968, p. 43).
O criador experiencia a própria dinâmica da vida enquanto movimento gratuito de geração e destruição. É por esse motivo que, para
Nietzsche, a arte se apresenta como um movimento contrário ao niilismo. Não se trata de pensar que a arte combate o niilismo enquanto
força presente nos valores morais decadentes ou no ideal ascético. Antes
disso, em seu sentido superior e em seus momentos mais elevados, a
arte é movimento contrário por afirmar plenamente a atividade, o devir,
sem buscar um sentido para além da atividade, para além de si mesma.
A pintura faz o que ela quer: ela quer plenamente a si mesma, quer um
máximo de potência. Podemos interpretar a frase de Picasso afirmando
que a atividade pintura é mais forte que o eu, sobretudo pelo fato de ela
dar origem, identidade, determinação a este eu, quer dizer, por ela ser
o lugar onde se dá a realização do ser, enquanto que o eu não é nada,
Essas reflexões podem ser estendidas a toda produção de arte, tais como a
escultura, a literatura e a poesia, entre outras.
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ele é somente aquilo que carece de determinação, o animal indeterminado,
como também é o lugar do erro, do ressentimento e do ideal ascético:
o que atribui valor ao indivíduo é justamente o seu grau de entrega a
este devir ou a uma tarefa. Neste sentido, a pintura é mais forte por
ser o lugar da verdade, isto é, da realização do ser. Assim, a realização
fenomenal do ser se dá numa estrutura marcada pela ausência de liberdade e, consequentemente, pelo sofrimento. Porém, é nesta submissão
ou obediência que o homem passa a gozar e exercer a força que lhe
é mais própria: o sofrimento transfigura-se em alegria, sentimento de
potência, maestria, responsabilidade. No entanto, na medida em que o
artista é o instrumento da obra, ele é também inocente. Esta fusão entre
inocência e responsabilidade é o que configura o trágico: a ausência de
uma finalidade prévia ou transcendente para a ação se alia à ausência de
liberdade, já que o indivíduo não distingue claramente entre a esfera que
pertence a si mesmo e aquela que diz respeito ao outro. Se a crueldade
nada mais é do que uma vontade de aprofundamento, o aprofundar se
mostra aqui como uma entrega, como um deixar agir em si mesmo uma
força que determina, impõe sentido e transfigura. A pintura leva o pintor
a fazer o que a pintura quer, ou seja, pintar. Mas pintar é também o jogo
da elaboração, da seleção, da destruição, da expressão, de composição
da forma. A atividade criadora implica obedecer às regras deste jogo,
e este obedecer é também aplicação, disciplina, rigor, determinação
implacável. Quer dizer, por um lado, o artista deve ser tão forte quanto
a pintura para ter o direito a pintar; por outro, deve ser suficientemente
fraco para admitir a si mesmo como um instrumento do pintar, como
fez Picasso. O querer único que se mostra como uma necessidade: eis
a fonte da virtude.
Deste modo, a liberdade não se encontraria nem antes nem durante
nem depois da realização. A liberdade é, então, o poder dispor de si a
fim de tornar possível a realização de um ato, de uma tarefa. Em outras
palavras, o essencial é o estar-disposto a superar uma determinada resistência e, para tanto, dispor-se também a sacrificar o bem-estar, a saúde,
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As raízes da criação
a facilidade e a felicidade. Liberdade é, assim, o sacrifício. O sentido
superior do sacrifício consiste no aniquilamento da liberdade individual,
a fim de atender a um objetivo mais elevado: a autossuperação como
dinâmica essencial da vida. Esse objetivo constitui o sentido superior
do sacrifício, o qual distingue-se radicalmente do sacrifício moral, que
tem como característica um fim consciente e particular a ser atingido.
Para formar um novo homem, o pintor, é necessário levar ao extremo a
atividade de pintar, isto é, destruir o não pintor. Para tanto, é necessário
haver crueldade: a ausência de compaixão para com o eu que quer se
conservar. A duplicidade da liberdade consiste no fato de ela ser e não
ser, nós a temos e não a temos, nós a conquistamos. “E se a vossa dureza
não quisesse fulgurar, cortar e retalhar, como poderíeis, algum dia – criar
comigo? Porque os criadores são duros... Duríssimo é somente o mais
nobre” (NIETZSCHE, 1981). A crueldade, enquanto alegria, consiste
nesta determinação superior, conforme caracteriza Artaud, ou segundo Clement Rosset (2000); a crueldade é a recusa da complacência em relação
a qualquer coisa. É sobretudo na atividade artística que o homem exerce
este modo superior de crueldade: dureza, afirmação do poder-mais-próprio, disciplina, domínio, extrema exigência, jogo com a incerteza,
determinação absoluta, submissão a uma necessidade, arte-superação.
Estas descrições apontaram para o sentido geral de nossa tese: a
criação artística como modelo para descrever a noção de crueldade e o
pensamento ético que aflora da própria criação. Por fim, utilizaremos
as palavras de Otto Rank (1984, p. 117), que tão bem compreendeu as
raízes do impulso criador, quando nos diz:
São raros os homens criadores que não pagam caro a centelha divina
de sua capacidade genial. É como se cada ser humano nascesse com
um capital limitado de energia vital. A dominante do artista, isto é, seu
impulso criador, arrebatará a maior parte dessa energia, se verdadeiramente for um artista; e para o restante sobrará muito pouco, o que
não permite que o outro valor possa desenvolver-se. O lado humano é
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Francimar Arruda
tantas vezes e de tal modo sangrado em benefício do lado criador que,
ao primeiro não, cabe senão vegetar num nível primitivo e insuficiente.
Referências
ARTAUD, A. O teatro e seu duplo. São Paulo: Max Limonad, 1984.
BOONSTEIN, Daniel. Os criadores: uma história da criatividade
humana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1995.
NIETZSCHE, F. La naissance de la tragédie. Paris: Gallimard, 1980.
______. Humain, trop humain. Paris: Hachetle, 1988.
______. A Gaia ciência. São Paulo: Hermes, 1981.
______. La volonté de puissance. Paris: Le livre de Poche, 1991.
______. Além do Bem e do Mal. São Paulo: Cia das Letras, 1992.
______. A genealogia da moral: um escrito polêmico. São Paulo:
Brasiliense, 1987.
______. Assim falou Zaratrusta: um livro para todos e para ninguém. Rio
de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.
OSTROWER, F. Acasos e criação artística. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
PARMELION, H. Picasso disse... Rio de Janeiro: Expressão e Cultura,
1968.
ROSSET, C. O princípio de crueldade. Rio de Janeiro: Rocco, 1989.
______. Alegria – a força maior. Rio de Janeiro: Relume Dumaiá, 2000.
RANK, O. L’art et l’artiste: créativité et développement de la personalité.
Paris: Payot, 1984.
SÊNECA, Entreviens, lettres a Lucilius. Paris: Robert Lafond, 1993.
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As raízes da criação
THE ROOTS OF CREATION
Abstract
This text aims to reveal the bases of the creative impulse, which wipes out
the artist so much, consuming all his/her energies, as well as renewing his/
her vital strength. We want to raise the hypothesis that the cruelty, cathegory
worked by Nietzsche, is a constitutive factor of the art, and especially, one
of its roots. Our intention is not to clear up how the cruelty is present in the
several historical manifestations, but, to show how the process of criation
itself, as vital experience, contains the cruelty. It is in the creative process
that we can clearly learn the impulse of death generating the impulse of
life; in this dialectics, the synthesis is the work of art, and we will capture
it in the ethic and aesthetic process of cruelty.
Key words: Philosophy. Art. Cruelty.
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SEGUINDO OS PASSOS DE MARIA:
UMA CAMINHADA CHEIA DE FÉ, EMOÇÕES E
FATOS SOBRENATURAIS1
Regina Coeli F. Silva*
Resumo
Através de alguns textos apócrifos – além dos canônicos –, pretende-se neste
escrito mostrar dimensões novas da figura da Virgem Maria, bem como de
José, seu companheiro e esposo. Pensado em cinco passos, trata-se essencialmente de um texto reflexivo e espiritual, podendo ser utilizado tanto para
reflexão individual do leitor, quanto por qualquer grupo de espiritualidade
que dele queira fazer uso.
Palavras-chave: Virgem Maria. José. Evangelhos apócrifos. Espiritualidade.
Introdução
Inicio dando breves explicações para depois conectá-las com alguns de nossos dogmas mariais. Para tal, terei que fazer uso de textos
apócrifos2, que foram silenciados pela Igreja hegemônica, mas por ela
aproveitados como embasamento para tais dogmas.
O Protoevangelho de Tiago (FARIA, 1989) narra a história de Joaquim
e Ana, pais de Maria, cujas imagens são vistas nas igrejas, mas nada se
fala do drama vivido pelo casal. Pelo que se depreende do texto, Joaquim afasta-se triste de Ana, num retiro voluntário, após ter suas ofertas
1 Texto elaborado como subsídio para um encontro de espiritualidade do Grupo
Ora-Ação, Vitória, ES, maio-junho de 2010.
* Graduada em Línguas Neolatinas pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
de Janeiro (PUC-Rio). Estudou Teologia na mesma Universidade. Autodidata, estuda
também os apócrifos. E-mail: [email protected].
2 Vejam “Referências”.
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
recusadas no Templo, pois não possuía descendência. Ana, por sua vez,
lamenta-se por se sentir viúva e estéril. Após várias lamentações (“ais”),
Ana recebe a visita de um anjo do Senhor que lhe anuncia o fim de sua
esterilidade, ao que Ana promete que levará a criança para servir ao
Senhor “[...] todos os dias de sua vida” (FARIA, 1989, p. 33).
Ao mesmo tempo, Joaquim também recebe uma visita angélica,
comunicando-lhe que sua esposa concebeu. O fato gera polêmica
entre os estudiosos e tradutores dos diversos manuscritos, pois Ana
teria concebido estando o marido ausente. O tempo verbal empregado
no texto é o passado – concebeu –, em lugar do futuro, como querem
alguns – conceberá. Ora, se concebeu na ausência do marido, é porque a
concepção foi miraculosa. E os milagres se sucedem, sempre tendo os
pais envolvidos, para que nada quebre a pureza da menina. Finalmente,
aos três anos, Maria é levada ao Templo e lá consagrada para servir ao
Senhor, e o sacerdote que a recebe a abençoa, dizendo: “O Senhor exaltou teu nome por todas as gerações. Em ti, nos últimos dias, o Senhor
mostrará a salvação aos filhos de Israel.” Quando Maria completou 12
anos, vivendo cercada por fatos miraculosos, os sacerdotes, temendo
que sua menarca se desse no Templo, convocaram os viúvos da cidade,
e sobre quem o Senhor fizesse um sinal, este seria o marido escolhido
para ela. O sinal recaiu sobre José, que se recusou, sob a alegação de
ser velho e ter filhos, mas os sacerdotes o amedrontaram, levando-o,
assim, a tomá-la sob sua guarda. A nota 3 (FARIA, 1989, p. 42) explica
que os filhos de José seriam os irmãos de Jesus.
Com mais enfeites, o texto narra agora a Anunciação, a visita de
Maria a Isabel, onde há o relato de uma bênção a Maria por um dos
sacerdotes do Templo. O interessante aqui é notarmos que quem diz a
Maria que ela será bendita entre todas as gerações da terra é o sacerdote.
Há também uma observação curiosa na narrativa, que diz:
Donde me vem a felicidade de ser visitada pela mãe do meu Senhor?
O que está em meu seio saltou dentro de mim para bendizer-te. Maria
esquecera-se dos mistérios de que lhe falara o anjo Gabriel. Elevou os
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Regina Coeli F. Silva
olhos ao céu e disse: “Quem sou eu, Senhor, para que todas as mulheres da terra me proclamem bem-aventurada?” (FARIA, 1989, XII, 2).
A Visão de José é outro tema estranho aos livros oficiais – José,
no instante do nascimento de Jesus, vê tudo parado; nada se move.3 O
nascimento de Jesus narrado aqui é interessantíssimo: José sai em busca
de uma parteira, encontra-se com uma mulher que lhe pergunta quem
vai dar à luz, ao que José responde: “Eu a recebi como minha mulher,
mas ela não é minha mulher. Ela concebeu do Espírito Santo”. A narrativa segue dizendo que da gruta saiu uma luz insuportável aos olhos
e, quando ela se afastou, apareceu o menino, para espanto da parteira,
que não cessou de maravilhar-se, e vai assim ao encontro de uma tal
Salomé, que diz: “Tão certo como vive o Senhor meu Deus, se não
introduzir meu dedo e não examinar sua natureza, não acreditarei que
a virgem deu à luz”. Sob o título “Virgindade de Maria”, encontramos
uma Salomé que, ao tocar a genitália de Maria, tem sua mão atingida
pelo fogo, o membro desprendendo-se dela. Arrependida, pede perdão
a Deus, e um anjo lhe aparece dizendo-lhe que tome a criança nos braços – sendo assim curada e justificada –, mas que não espalhe a notícia
enquanto o menino não chegar a Jerusalém.
Há também a visita dos Magos, que é quase igual à que estamos
habituados a ler. Segue-se o episódio da matança dos inocentes, que
é bem diferente, incluindo um trecho sobre Isabel, que, temendo pela
vida de João Batista, pediu a Deus que uma montanha se abrisse para
escondê-los, e assim se cumpriu, acompanhados por um anjo. Um relato
sobre a “Morte de Zacarias” mostra Herodes buscando o menino João
e tentando forçar Zacarias a lhe indicar o lugar do esconderijo. Diante
da alegação de que não sabia de seu paradeiro, foi então Zacarias assassinado no Templo do Senhor. “Simeão substitui a Zacarias” é o novo
título que narra como os sacerdotes encontraram o sangue coagulado
Significa que o mundo parou por causa da importância do momento. Tudo
ficou em suspenso.
3
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
de Zacarias. Três dias depois reuniram-se, e a sorte recaiu sobre Simeão,
“[...] que era aquele que tinha sido informado pelo Espírito Santo de
que não veria a morte enquanto não visse o Cristo em carne” (p. 62).
O Epílogo informa que Tiago escreveu esta história e retirou-se para
o deserto até o fim de um tumulto em Jerusalém (p. 62).
O que nos passa o “Evangelho de Maria”? Fixa-se em Maria virgem, e não na vinda do Messias! Penso que aqui já temos um começo
de caminhada, pois este é um ponto que separa (ou une) os cristãos!
Outro ponto que gera controvérsias é a assunção de Maria. Crença
dos católicos e escândalo para os membros de Igrejas reformadas históricas. A “dormição” (dormitio) de Maria faz parte da nossa tradição.
Vemos Maria levada por Jesus aos céus, onde, ressuscitada, é coroada
por Ele como Rainha do Céu. A dormição quase não é mencionada no
catolicismo (cf. FARIA, 2009, p. 228).4
Seguindo o mesmo autor, lemos que “muitos fatos da vida de Maria
foram transformados em dogmas de fé”. Assim, ainda segundo Faria (p.
229), Maria “[...] evoca, em cada um de nós, o lado mãe que somos ou
queremos ser. Esse dado vem completado pela sua liderança apostólica
e seu papel importante na vida de Jesus, em várias etapas de sua vida,
não somente no nascimento, como soa nos canônicos”.
Pelo que percebo, o autor tenta nos mostrar, sem entrar em
Vejam a seguinte explicação: “Maria aparece pela última vez nos escritos do
Novo Testamento no primeiro capítulo dos Atos dos Apóstolos: ela está no meio dos
apóstolos, em oração no cenáculo, aguardando a descida do Espírito Santo. À concisão
dos textos inspirados opõe-se a abundância das informações acerca de Nossa Senhora
nos escritos apócrifos, especialmente no Protoevangelho de Tiago e na Narração de São
João, o teólogo, sobre a dormitio (passagem da santa Mãe de Deus). O termo dormitio
é o mais antigo que se refere ao desfecho da vida terrena de Maria. Esta celebração
foi estabelecida no Oriente no século VII, com o decreto do imperador bizantino
Maurício. No mesmo século, a festa da ‘Dormitio’ (= passagem para a outra vida) foi
introduzida também em Roma pelo papa oriental, Sérgio I. Mas passou-se um século
antes que o termo dormitio cedesse lugar ao mais explícito, ‘Assunção’.” Disponível
em – http://www.santuariosaojose.com.br/santos/0815.php. Acesso – junho de 2010.
4
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Regina Coeli F. Silva
confronto com a tradição da Igreja, que os dogmas limitam a mulher,
porque criam a imagem de mulher inacessível, termo que ele mesmo
emprega. É lamentável que a Igreja despreze os apócrifos, porque
neles encontramos um lado materno mais patente, enfatizam mais a
dimensão do apostolado de Maria, mas mantêm a resignação.
Caminhar com Maria hoje não é um mero resignar-se à situação ainda imposta pela Igreja. Esse rigor, esse endurecimento diante de alguns
acontecimentos do cotidiano parece cada vez mais a voz de uma Igreja
insegura. Entretanto, Maria fala. Aparece, para quem crê, aos simples e
pobres, aos inocentes, como em Fátima e Lourdes,5 fatos confirmados
pela Igreja até com a promulgação do dogma da Imaculada Conceição.
Em síntese, o que temos conservado pela voz do povo e que não consta nos
sinóticos? a) Ana e Joaquim, esterilidade e milagre. b) Maria criada no
templo. c) José velho e cheio de filhos. d) Maria dando à luz, envolta
numa claridade que saía de uma gruta;6 o menino apareceu-lhe ao lado
miraculosamente. e) Vida de Maria com a família de José. f) Morte de
José acompanhada por Jesus e Maria. g) Dormição (uma tradição) ou
morte de Maria; levada aos céus por Jesus e por Ele coroada Rainha do
Céu (é a assunção, dogma e festa da Igreja católica). h) Maria fala e tem
ascendência sobre os apóstolos. i) Primeira manifestação de Jesus (não
a Míriam de Magdala, mas à sua mãe). j) Maria encarregada de divulgar
a notícia da ressurreição.7
5 Além de aparições mais recentes: em Garabandal, Espanha, nos anos 1960, e
em Medjugorje, na Bósnia-Herzegóvina, nos anos 1980.
6 Vejam: gruta, e não manjedoura.
7 Os apócrifos citados por Faria, 2003, cap. 5, são os seguintes: Protoevangelho
de Tiago; Evangelho do Pseudo Mateus; História de José, o Carpinteiro; Evangelho
Armênio da Infância; Evangelho dos Hebreus; Livro da Infância do Salvador; Pistis
Sophia; Aparição a Maria: Fragmentos de Textos Coptas; Lamentações de Maria:
Evangelho de Gamaliel; Maria Fala aos Apóstolos: Evangelho de Bartolomeu; Trânsito
de Maria do Pseudo Militão de Sardes; Livro do Descanso; O Evangelho Secreto da
Virgem Maria; Evangelho Árabe da Infância.
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
A partir da nossa cultura e tradição religiosas, Maria ficou, especialmente nas cenas narradas pelos sinóticos, como uma indagação.
Qual foi sua reação? Pelos sinóticos, não saberemos; já os apócrifos
nos trazem complementos.
Imagino-a de pé, diante da cruz, cantando uma canção de ninar
para Jesus, sentindo-o pequenino nos braços, e, quando chegou a hora
da morte, ela, vendo-o assim adormecido, entregou-o ao Pai.8 Na verdade, ela entregou junto com o Pai seu Filho ao mundo, e isto é importante ser
ressaltado. Noutras palavras, esta coparticipação de Maria na vida, morte
e ressurreição de Cristo é guiada pelo “sim” a Deus de uma vez para
sempre. Neste sentido, Maria foi, da parte humana e criatural, a única
que se deu totalmente a Deus a ponto de entregar-Lhe também a vida
de seu Filho. Ela é, assim, a resposta esperada por Deus durante séculos
(da parte humana). É o motivo da alegria da Criação, a voz autêntica de
toda criatura de Deus. Penso que, em Maria, Deus Pai e Criador sente
justificada sua expectativa de que, um dia, alguém, totalmente humano
e criatural, respondesse um SIM incondicional!
1 Primeiro passo – José, o servo amoroso
e obediente a Deus
a) A virgindade total de Maria – O cristianismo inicial dos primeiros
séculos, em quase sua totalidade, proclama Maria virgem antes, durante
e depois do parto. Nos evangelhos do “cristianismo hegemônico”9
encontramos os relatos em Mateus e Lucas (Mt 1,18-25; Lc 1,26-2,19).
Como estou diante de pessoas de tradição católica,10 permito-me não
Vejam final do artigo.
Esta é uma expressão utilizada por Faria.
10Refiro-me aos membros do Grupo Ora-Ação.
8
9
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ficar, a todo instante, explicitando as referências escriturísticas. Fiquemos, pois, com os fatos e as reflexões que daí brotam.
Em Mateus, é José quem recebe a visitação e está adormecido. O
ativo dorme, mas nem por isso deixa de temer11 e obedecer. Por que
“o ativo”? Pensemos na situação das mulheres de seu tempo – elas não
tinham voz nem vez, eram meros receptáculos do sêmen que o “ativo”
lhes depositava; assim, natural seria que a “passiva” é que estivesse
adormecida. Por que me refiro a José temente e obediente?
Não devemos encarar o temor a Deus como um impeditivo de nossa liberdade, mas coauxiliar da obediência. Aprofundemos um pouco
essas noções, porque as traduções costumam dizer “não tenhas medo” e
isso limita a extensão do termo, ou seja, este não temer quer significar mais
profundamente uma abertura às palavras do anjo, um despojar-se de
seus preconceitos, daí podermos concluir que é coauxiliar da obediência,
isto é, total atenção – ter os ouvidos abertos, logo, o coração e a mente
totalmente inclinados para Deus. Tal foi a atitude de José: desfez-se de
seus conceitos anteriores e deixou-se envolver pelo anúncio.
Ele também é virgem. Por quê? Foi chamado a participar da vinda
do Messias e não se recusou; antes, deu sua adesão de uma vez para
sempre. Significa que, em si próprio, em seu interior, a semente do Verbo
também se encarnou. À semelhança de Maria, optou por Deus, como
uma criança que confia ilimitadamente na palavra de seu Deus e Pai. Nele
havia ausência de malícia. Ausência de malícia é não à concupiscência.
Não à concupiscência é fiat libertador. “Tornar-se como um destes pequeninos” é ter o coração de criança. É ser virgem diante de Deus!
11Este verbo está significativamente presente em toda a Bíblia: a) 129 incidências
na Bíblia Sagrada (Edição Pastoral), op. cit. Refer. {Obs.: foram pesquisados aqui os
seguintes verbetes, além de “temer”: “temerá”, “temeram”, “temerão”, “temerem”,
“temeria”, “temeu”, “temia”, “temiam”, “temido”, “temível”, “temo” e “temor” [de
Deus].} e b) 101 incidências na tradução de João Ferreira de Almeida, conforme
Chave..., op. cit. Refer. {verbetes: “temer”, “temível” e “temor” [de Deus].} À frente
faço um breve comentário sobre o sentido da expressão “temor de Deus”.
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
b) Em Lucas, o relato é mais longo e adornado, de tal forma que
toda a arte que se produziu em torno da Anunciação enfoca sempre
Maria recebendo a mensagem. Poucos se lembram de que a situação
de José é análoga. Aqui, no entanto, a “passiva” está desperta e dialoga
com o anjo, até culminar no reconhecimento da total dependência do
seu Senhor12 e seu assentimento, não como algo prefixado ao qual ela
tem que se resignar, mas com liberdade para a resposta.
Aqui também estamos diante de uma total virgindade original, tal
como fomos criados, e a seguiríamos se não fosse por nosso orgulho,
que é o nosso maior inimigo; este sim, é o impeditivo de nossa libertação.
Perguntemo-nos: em que situações eu me percebo como serva(o) inútil,
só tendo valor quando a serviço de Deus? Quantas vezes eu disse fiat ao
anjo do Senhor e possibilitei a vinda do Messias no meio que frequento?
Será que algum dia entendi o verdadeiro significado do temor a Deus?
Alguma vez eu me senti manipulado(a) dentro da minha Igreja para
ter medo de Deus, em vez de temê-lO? Como entendemos temor e
obediência a Deus após a leitura dos relatos da Anunciação em Lucas e
Mateus? Nossa ótica mudou ou ainda é a mesma por causa da educação
religiosa que recebemos ao longo de nossas vidas?
2 Segundo passo – O Silêncio de Maria e o nosso silêncio
Maria fala pouquíssimo, se tomarmos em consideração apenas o
conjunto de evangelhos oficiais, permitido pela Igreja hegemônica.
Tal não sucede nos apócrifos, que falam de sua atuação como mulher
de José (envolvida com uma família numerosa), mãe de Jesus, sua
Serva, logo, só é útil para servir a Deus, assim como todo ser humano deve ser. Esta
é a grande dificuldade para nosso orgulho: entendermos que fora do serviço a Deus
somos inúteis.
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seguidora, sua apóstola (ao lado de Maria Madalena e outras mulheres
que o seguiam de perto). Uma das coisas que nos chama a atenção é
que Maria conservava aqueles fatos em seu coração (cf. Lc 2,19.51).
Existe algo no meio teológico que se chama “segredo messiânico”:
os silêncios de Maria e os pedidos para que se guardassem algumas
coisas em segredo (volta dos Magos, por exemplo; sigilo de Salomé
para que não divulgasse “as maravilhas” que ela estava presenciando no
Protoevangelho de Tiago XX,1-4)13 ou mesmo quando Jesus operava curas
e feitos inexplicáveis, muitas vezes recomendando silêncio sobre o que
os apóstolos presenciavam. Lembrar ainda da declaração de Pedro em
resposta à pergunta de Jesus sobre quem Pedro achava que Ele seria e
o pedido de Jesus que não se divulgasse que Ele era o Cristo (cf. Mc
8,27-30; Mt 16,13-20; Lc 9,18-21). Esses silêncios, segredos nos soam
como uma constante nos escritos que estamos examinando.
Tal fato nos leva a uma pergunta: de que forma o silêncio se impõe
para cada um de nós na vida cotidiana? Ou ainda: você tem o hábito de
praticar o silêncio interior?
Em nossa Igreja, o hábito do silêncio é bem antigo; já o encontramos nos Padres do Deserto, quando eles se retiravam do mundo para
13Quanto aos apócrifos, não há, como nos sinóticos, aquela divisão que
conhecemos. Por exemplo, na parte em que cito os fragmentos coptas relativos ao
encontro de Maria com o Salvador: Segunda Parte (I, I-VI, 2), então, a narrativa do
encontro está no III. 1; III. 2.; III. 3 e III. 4. O número IV já traz outro assunto, que
nada tem a ver com Maria, mas com a descida aos mortos, assim por diante. Como
se vê, não há sequência, nem um perfeito entendimento em certas passagens. As que
mais nos falam de perto são realmente as de Maria e Jesus em diálogo, que reforçam
a crença popular e a devoção marial a partir do que é colocado na boca de Jesus em
suas louvações durante sua manifestação após a ressurreição exatamente a ela. Parece
que muitos não se conformaram com o silêncio de Jesus a Maria, sua mãe, e fizeram
ou compuseram algo que preenchesse essa lacuna dos sinóticos, ou, ainda, que Maria
teria sido conhecida e reconhecida de tal modo pelas comunidades cristãs iniciais,
que sua lembrança restou na memória do povo com os nomes que Jesus a chama e
que parecem mais uma ladainha. Nomes esses que até hoje ainda encontramos em
liturgias ou escritos piedosos sobre ela.
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
praticar o silêncio, para alcançar um nível de interiorização e reflexão
só possível longe das interferências do mundo.
Para nós, na agitação diária do corre-corre, inserir uma pausa e
se permitir um esvaziamento interior é bastante saudável, revigorante
mesmo. Neste momento de esvaziamento, podemos fazer a experiência oposta: a do preenchimento. Que preenchimento? O de Deus!
Recordemo-nos aqui que Maria só pôde ser preenchida pelo amor de
Deus porque estava totalmente esvaziada de conceitos (preconceitos);
por isso ela é a Gratia Plena. É revigorante, disse eu, porque refazemos
o percurso de Maria. Ela guardava tudo no interior do seu coração,
mas certamente não eram mágoas. Nós também, em nossa vida diária,
se quisermos, temos a oferta de Deus para uma intimidade maior com
Ele. Foi o que Maria fez desde o episódio da Anunciação até o fim de
sua vida.14
3 Terceiro passo – Com Maria, somos chamados(as) à
intercessão
.
Aqui, pretendo chamar a atenção para o nosso papel de medianeiros, como chamamos a Maria. Seria, então, a partir do texto de João
2,1, nas Bodas de Caná. É baseada neste texto que a Igreja justifica o
14Para os que desejarem um aprofundamento sobre o silêncio construtivo, ver
GRÜN, 2004. Pequeno, porém denso, o livro traz experiências que os antigos monges
(do III ao VI século) fizeram com o silêncio. Contribui para se ter mais clareza sobre a
prática, mostrando que o silêncio é fundamental no sentido de o ser humano trabalhar
seu interior para enfrentar melhor os desafios postos por seu cotidiano. Indico,
igualmente, os subtítulos de um programa de retiro preparado pelos irmãos de Taizé
(cf. Ibidem, p. 50-52), para posterior aprofundamento, que mencionam as diversas
áreas que em mim precisam silenciar: a) Silêncio da fantasia (relativo às emoções e
tristezas); b) silêncio da memória; c) silêncio do coração (desejos, antipatias, o exagero
do apego); d) silêncio do amor-próprio; e) silêncio do espírito (pensamentos vãos); f)
silêncio do julgamento; g) silêncio da vontade (angústias do coração, sentimentos de
abandono); h) silêncio consigo mesmo (silenciar a autocomiseração).
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papel da mediação de Maria perante Jesus. Tal fato tem levado as Igrejas
reformadas históricas a se afastarem dos católicos, com a afirmação
[correta] de que, entre Deus e o ser humano, a única mediação é a de
Jesus. Todavia, no texto, Maria profere uma frase que é eco da de Gn
41,55: “Façam tudo o que ele lhes disser”.15
O que temos de concreto na Igreja católica, como na ortodoxa?
A aceitação de Maria como ponte para Jesus. Dessa forma, alinhamo-nos
com a maioria dos que seguem o cristianismo, ressaltando que as
devoções exageradas de algumas pessoas são simplesmente reflexo
de uma catequese mal dirigida. Mas não tenho qualquer intenção de
anular o papel de Maria, pelo contrário. Já disse anteriormente que seu
relevo maior nos vem dos apócrifos; entretanto, os canônicos não nos
permitem duvidar da importância do papel que ela teve na construção
do cristianismo. Se ela é mediadora, nós também podemos ser. Esta
afirmação pode gerar em alguns certo desconforto, por acharem que é
muita pretensão nossa.
Os evangelhos canônicos estão cheios de exemplos de pessoas que
intercediam por outras; basta um pouco de paciência e ler com calma.
Também é recomendação de Jesus que peçamos pelos nossos irmãos,
inclusive por aqueles que nos perseguem. Ou, ainda, em João, quando se
despede do seu grupo, Ele diz que tudo o que pedirmos em seu Nome
o Pai nos dará (cf. 16,24), e sustenta: “Até agora, nada pediram em meu
nome; peçam e receberão, para que a alegria de vocês seja completa”.
Se dependêssemos exclusivamente do Quarto Evangelho para
termos uma história sobre Jesus, não conheceríamos o nome de sua
As citações escriturísticas são feitas a partir da tradução de A Bíblia de Jerusalém.
Entretanto, considerando que no Brasil não se usa comumente – a não ser com extrema
formalidade e em discursos oficiais – a segunda pessoa do plural (vós), preferi manter
o texto original, somente flexionando o verbo para a terceira do plural (vocês / eles /
elas). Gn 41,55: “Em seguida, houve fome também no Egito, e o povo clamou ao faraó
pedindo pão. Este disse a todos os egípcios: ‘Vão a José e façam o que ele lhes disser’.”
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
mãe. Ele prefere chamá-la de “mulher”. Pois bem, é a “mulher” do
Evangelho de João que inaugura a “hora” de Jesus, pedindo.16
Será que nos sentimos capazes de pedir desinteressadamente pelo
outro? Joguemos a pergunta para a vida diária: somos intercessores uns
dos outros em nossa vida profissional? Na familiar? Por um estranho
que nos amola com um pedido desagradável de atender? Conseguimos
furar as burocracias para sermos solícitos [solidários] com os mais necessitados? O pedido do pobre nas filas, nos hospitais é emergência e
pode salvar uma vida. Vocês acham que estamos calejados e não nos
sensibilizamos com certos pedidos de tanto nos decepcionarmos com
as “verdades” e que, depois, ficamos sabendo que foram chantagem
emocional? Temos a capacidade e a luz suficiente, nesta altura da vida,
para apagarmos da nossa memória e do nosso emocional as decepções
advindas dos falsos pedidos? O que nos falta? Fé? Como orar também
pelos que nos perseguem? Como pedir por alguém que nos feriu?
Trata-se, na verdade, de perdão. Como seguir os passos da Medianeira
e guardar no coração, em silêncio, uma decepção, sem reter mágoas?
É bom lembrarmos que, por nosso batismo, somos profetas, sacerdotes e reis (também nós mulheres!). Temos o poder de ligar e desligar
na terra, como no céu. Façamos um pequeno exercício: interiormente,
no segredo de nossos corações, vamos orar por alguém que nos marcou tristemente.
Entreguemo-lo nas mãos de Jesus, para que Ele opere o milagre da
transformação. Sejamos obedientes (atentos) a Jesus e à sua mãe (ela
conserva sem rancor, apenas meditando; Ele nos diz: “Até agora nada
pediram em meu nome”). O final deste versículo nos lembra: “[...] para
que a alegria de vocês seja completa.” Respiremos profundamente e
experimentemos essa alegria plena.
“Mulher” – correlacionar esta palavra à mulher de Gn 3,15-16. Se pela mulher
entrou o pecado [no mundo], pela mulher do Quarto Evangelho se dá a resposta a
Deus: o SIM! de Maria. Eva foi a mãe de todos os viventes e Maria é a Mãe do Vivente,
do Filho do Homem, de Deus, da Igreja. Em caso de dúvida, consultem a nota “o” de ABJ,
referente à passagem Jo 2,4.
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Regina Coeli F. Silva
4 Quarto passo – Como Maria entendia a missão do seu
Filho? Como entendemos a missão dos nossos filhos?
Nas relações com a família, o que podemos pensar no início da vida
de Jesus é, no mínimo, que para Maria não havia ainda um entendimento
pleno do que acontecia na vida de seu Filho. Os apócrifos citados nos
falam que Maria parecia ter-se esquecido já dos mistérios que o anjo
que a visitara lhe revelara (cf. RAMOS, 1989, Visita de Maria a Isabel;
A História do Nascimento de Maria XII,1-3).
Nos canônicos, a história se repete já com Jesus adulto e parece contradizer os episódios da Anunciação e da Visitação. Em
Mt 12,48, Mc 3,33 e Lc 8,21 bem como em Mc 3, 20-21 e em Lc 2,49-50,
percebe-se que seus parentes, inclusive sua mãe, têm dificuldade de
entender a postura de Jesus, achando mesmo que Ele enlouquecera,
como traduz ABJ para Mc 3,20-21.
As respostas de Jesus também nos deixam perplexos, pois pergunta
quem seriam sua mãe e seus irmãos, e Ele mesmo responde: aqueles
que fazem a vontade de meu Pai (cf. textos citados anteriormente).
O que Maria deveria pensar de tudo o que estava acontecendo?
Jesus crescera dentro de sua religião como qualquer judeu piedoso.
Ele era tão normal e coerente nas suas atitudes diárias que nem em
sua própria terra lhe davam crédito como Filho de Deus. Não somos
só nós que temos memória curta; o povo daquela época parecia ter-se
esquecido de tudo o que fora anunciado a respeito da vinda do Messias,
a tal ponto que Jesus exclama: “Um profeta só é desprezado em sua
pátria, em sua parentela e em sua casa” (cf. Mc 6,1-6; Mt 13,53-58; Lc
4,16-24). Entendemos, pela leitura dos textos, que sua mãe se preocupava com o Filho, e, muito provavelmente, gostaria de preservá-lO dos
comentários que se espalhavam a respeito dEle. Talvez temesse por sua
vida e mantivesse guardados no seu íntimo os acontecimentos do nascimento. São apenas pistas que levantamos a partir dos sinóticos, porque,
se dependêssemos do apócrifo citado, concluiríamos que ela (Maria)
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
realmente não se dava conta da real situação. Neste ponto os sinóticos
nos ajudam melhor, uma vez que Jesus não nascera em Nazaré, mas
ali se criara do modo mais natural do mundo, como qualquer rapaz de
seu tempo: Ele era o carpinteiro, filho de José, sua mãe era conhecida
como Maria e seus irmãos e irmãs ali viviam.
Reflitamos sobre nossa postura familiar: os que têm filhos se interessam em esconder suas atividades para preservá-los? Qual a reação
de uma família quando um de seus membros começa a apresentar um
comportamento fora dos padrões de sua criação? Como encaramos
um(a) filho(a) que pretende ingressar na vida consagrada? Nossas reações interferem na vida desse membro da família a ponto de magoá-lo,
de fazê-lo sentir-se injustiçado e incompreendido? Nossas relações e
reações pais-filhos, como andam? Estamos muito alienados dos ideais
de nossos(as) filhos(as), porque muito envolvidos com a vida profissional e demais afazeres?
Como nos sentimos quando examinamos Maria assim tão de perto? O que pensamos dela: uma jovem mãe que, de tão pura, não reteve
nem as palavras de um anjo, como se realmente fosse uma criança?
Mas como uma criança iria questionar, como ela o fez, a respeito da
concepção de seu Filho e logo depois esquecer-se do fato extraordinário? Parece que destoa. Seu modo natural de agir não seria o receio do
cumprimento da profecia de Simeão? (cf. Lc 2,33-35). Confiramos lá no
evangelho.17 Por nossas alegrias e tristezas, por tudo o que vivemos no
seio de nossas famílias e relações de amizade, façamos cada um(a) [que
desejar] um voto ou uma oração espontânea, depositando-a confiantes
naquela que teve sua alma traspassada por uma espada – nossa Mãe e a
17Vejam a seguinte nota (ABJ, 1985, p. 1932): “f) Verdadeira Filha de Sião, Maria
suportará em sua própria vida o destino doloroso de seu povo. Juntamente com seu
Filho, estará no âmago dessa contradição pela qual os corações deverão revelar-se pró
ou contra Jesus. O símbolo da espada pode ter-se inspirado em Ez 14,17, ou, segundo
outros, em Zc 12,10.”
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 152-172, jul./dez. 2010
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Regina Coeli F. Silva
de nosso Senhor –, para que ela a entregue a seu Filho em nosso favor.
Saibamos agradecer no interior do nosso coração...
5 Quinto passo – Diante da páscoa de Jesus (paixão,
morte e ressurreição), mistério fundante da nossa fé,
que sentido vemos no culto a Maria?
Os três evangelhos sinóticos não mencionam a presença de Maria,
mãe de Jesus, junto à cruz. Apenas o faz o Quarto Evangelho, dizendo,
diferentemente dos outros, que ela estava perto da cruz, junto com o
“discípulo que Jesus amava” e as outras mulheres, inclusive Madalena
(cf. Jo 19,25-27). Então, o Evangelho de João tem, neste momento,
duas coisas que nos chamam a atenção: menciona a presença da mãe
de Jesus perto da cruz (os outros três colocam as mulheres observando
de longe) e, sem nunca ter citado seu nome, é o único que a inclui na
cena da crucifixão.
Conforme já assinalei, temos ainda uma peculiaridade curiosa: o escritor do Quarto Evangelho, além de não mencionar o nome de Maria,
a chama de “mulher”. Isso está presente também nas Bodas de Caná.
Nenhum dos quatro evangelhos coloca Maria unida aos apóstolos por
ocasião do Pentecostes, mas os Atos dos Apóstolos o faz. A revelação
da ressurreição do Senhor é sempre feita às mulheres ou a Madalena,
mas não menciona Maria, mãe de Jesus. Em contraponto, nos apócrifos
temos uma sensível diferença. Nos Fragmentos de textos coptas, fonte citada,
temos o título: “Jesus Ressuscitado Aparece à sua Mãe”, iniciando-se
da seguinte forma:
As mães que neste mundo viram a morte de seus filhos sentem grande
consolo quando vão ao túmulo para ver o corpo daquele que elas choram. Eu saí com todos estes... para vê-lo... pregado na sua cruz como
um malfeitor... e eis que... Abriu os olhos, pois os conservava baixos
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
para não enxergar o mundo por causa dos escândalos. E disse-lhe com
alegria: “Mestre, meu Senhor, meu Deus, meu Filho, tu ressuscitaste e
ressuscitaste em perfeita forma”. A ordem final de Jesus a sua mãe após
o encontro foi a de que ela se apressasse em avisar aos irmãos para o
encontro na Galileia (III. 1; III. 2 e III. 4).
Ainda encontramos Maria (mãe), e não Madalena, no jardim falando com Filogênio, o jardineiro, que a reconhece chamando-a de Thalkamarimah, que o próprio livro explica, em seu contexto, significar: júbilo,
bênção, alegria. A nota ao texto de n.º 34 diz parecer uma tentativa de
reproduzirem palavras aramaicas aglutinadas (cf. RAMOS, 1990, p. 205).
Mais adiante, o mesmo Filogênio narra a Maria o que ouviu da
boca do Senhor ressuscitado, revestido já da glória de Deus: Maricha,
marina, Thiath, que significa “Mariham, mãe do Filho de Deus”. Maria
também fala naquele idioma a seu Filho e este dirige-lhe uma espécie
de ladainha, louvando-a com nomes como: “santa arca, minha cidade,
minha morada, minha veste de glória, meu cântaro cheio de água santa,
placa fixada no paraíso do sétimo céu e que se interpreta Chomtmach”.
Dá-lhe novamente a ordem de ir aos irmãos contar tudo. Entretanto,
Maria pede a seu Filho: “Meu Senhor, antes de voltar para junto de teu
Pai, abençoa o meu seio, no qual estiveste”. O Salvador lhe dá a seguinte
resposta: “Tu te assentarás à minha direita no meu reino”. E adiante:
“Tu serás bendita no céu e na terra; pelos anjos serás chamada Cidade
do Grande Rei” (RAMOS, 1990, p. 208).18
O que lhes apresentei é apenas um resumo do diálogo ocorrido
entre Maria e o Salvador (porque é assim que o texto o menciona).
18Falamos em fragmentos coptas: segundo a fonte citada, na coleção “Bíblia Apócrifa”
(Vozes), à p. 162 lemos que o copta era língua egípcia com numerosas palavras gregas,
sendo “copta” uma corruptela de Aigiptios e que é de uso litúrgico atualmente. Sua
datação é das mais antigas do Oriente (séculos III e IV). Não há como identificar os
autores dos textos apresentados, e igualmente é difícil sua datação, “podendo situar-se
entre o V e o VII séculos” (ibidem).
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Regina Coeli F. Silva
Mesmo sendo necessárias outras pesquisas, penso que aqui já temos
alguns elementos para nossa reflexão-meditação-aprofundamento nos
passos de Maria.
a) Se os sinóticos são tão reservados em relação à figura de Maria,
os apócrifos são eloquentes e nos fazem supor que o culto à mãe de
Deus já era grande. b) Reparemos que as Igrejas do Oriente são mais
fixadas em Maria que as do Ocidente. c) Será que os sinóticos não falam tanto de Maria por causa da mentalidade profundamente patriarcal
reinante na época em que foram montados? d) A virgindade biológica
era prioridade nos países de cultura oriental, e até hoje vemos no Islã
que, no Paraíso, o santo que lá chega é recebido por virgens. Tal deveria
ser também nos escritos sobre Jesus (refiro-me aos apócrifos), pois,
no cuidado de Maria no Templo, havia virgens sempre ao seu redor,
bem como em outras passagens. e) Ou será que foram escolhidos os
quatro evangelhos exatamente por não falarem tanto das virgens e de
sua importância, para colocar em primeiro plano que quem deveria vir
era o Filho de Deus, e não mais uma virgem? f) Interessante notarmos
que, mesmo assim, o útero que deveria dar à luz o Filho de Deus tinha
que ser imaculado.19
Reflitamos no presente, com embasamento no passado: a virgindade já teve o seu auge em nossa cultura. Atualmente ainda achamos
que o casal deve-se preservar de relações íntimas pré-matrimoniais?
Que pensamos e estamos acostumados a ver nos casamentos atuais: a)
uma encenação (porque nenhum dos dois frequenta a Igreja), b) uma
convicção, c) uma verdadeira fé no matrimônio como sacramento?
Quanto à situação de Maria, como cada um(a) a vê? Como sente
Maria? Que sentido tem ela na sua vida? Em comunhão com algumas pessoas
19Esta afirmação é polêmica. Deus não disse ser pecado a relação [carnal]
homem – mulher; pelo contrário, ordenou que se multiplicassem. Noutras palavras,
a sexualidade humana – e seu exercício – é um dom e aponta para o amor que une o
homem à mulher e vice-versa. Confiram, p. ex., Gn 1-2 e o Cântico dos Cânticos.
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
mais esclarecidas e vindas de Igrejas reformadas históricas, você, especialmente você,
acha que há exagero por parte dos fiéis católicos quanto ao culto de veneração a
Maria?
Você acha que confundem a cabeça do fiel os diversos nomes que
Maria toma de acordo com o lugar em que é venerada? (Refiro-me às
pessoas menos esclarecidas.) Como você chama a Mãe de Deus: Maria, Nossa Senhora, Nossa Senhora da Penha, Virgem Mãe, Virgem
Santíssima...?
Você, nas suas horas de aflição, consegue se reportar a Maria, sentindo-a mais próxima, mais humana, ou vai direto a Jesus? Como você
gosta de orar a Maria? E a Jesus? Será que, como eu, você só consegue
entender a humanidade de Jesus se passar pelo ventre de Maria, ou acha
que com ou sem ela Ele, o Verbo de Deus, se encarnaria?
A partir da cena de Maria aos pés da cruz (Jo 19,25-27) e lendo o
que os apócrifos relatam sobre esta experiência dolorosa e as palavras
de Maria indo ao encontro do Filho ressuscitado (seu júbilo, sua alegria), você seria (se sentiria) capaz de escrever um pequeno poema que
retratasse o seu sentimento diante de duas experiências antagônicas:
a tristeza da morte injusta e cruenta na cruz e a alegria do primeiro
encontro após a ressurreição? Tente orar este poema!
Deus os abençoe neste momento de oração profunda e compartilhada, e durante todos os dias de suas vidas! Louvado seja, para sempre,
Cristo Jesus!
Maria diante do Filho crucificado
Como te olhar agora nos olhos, se estão cobertos de sangue e
decepção?
Como te encarar diante desta gente que te carrega para a morte?
Te olho afastada, pois não me permitem aproximar-me de ti.
Te lembro pequeno, quando caías e eu corria para te erguer.
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Não queria que te machucasses. E a gora, meu filho tão querido!?
Peço inspiração ao Altíssimo, a quem tu chamavas de Paizinho,
e só me chegam os gritos enlouquecidos deste povo. Do meu povo.
Daquele mesmo povo que tantas vezes eu vi recorrer a ti.
Meu filho. Meu filhinho. Teu sofrimento é o meu.
Por dentro estou sangrando e cheia dos vergões que tu recebes
pelos chicotes.
Mas irei até onde plantaram tua cruz.
Lá, contigo, também eu, tua mãe, estarei presa.
E, quando teu último hálito sair de teu peito, também eu morrerei.
Te senti o primeiro respiro em meus braços.
Suspirarei teu último alento de onde eu estiver.
Não é só a Adonai que ofertarás teu sofrimento.
Eu estou aqui. Como é, filho, como verei o mundo depois de ti?
Será que não vão entender nunca?
Sou tua mãe e tua serva.
Nada tenho fora de ti e em ti tudo sou.
Olho em redor... busco socorro... só vejo o João,
que chora baixinho e se aproxima de mim como uma criança
perdida.
Que é dos outros? E Pedro, meu filho, que te jurou fidelidade?
Sinto vergonha de ver a humanidade sedenta de sangue e morte.
E quem vai morrer agora és tu.Tapo os olhos com meu manto.
Seco com ele meu rosto e ponho-me de pé.
É, meu filhinho, será de pé que aguardarei teus últimos instantes.
Agora já te olho. Ouço o que restou da tua voz.
Abraço João. Ficaremos juntos, esperando as tuas Promessas.
Aos poucos te sinto como um bebê em meu colo.
Lembro a canção que cantava para te adormecer e canto-a baixinho.
Te entrego adormecido nos braços de teu Paizinho!
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Seguindo os passos de Maria: uma caminhada cheia de fé, emoções e fatos sobrenaturais
Referências
BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém (ABJ). Tradução coletiva. São
Paulo: Ed. Paulinas, 1985.
BÍBLIA. Português. Bíblia Sagrada (Edição Pastoral). Tradução coletiva.
São Paulo: Paulus, 2002. Disponível em < http://www.paulus.com.br/
BP/_INDEX.HTM>. Acesso em mai. 2010
CHAVE bíblica. Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1970, p. 467-468.
FARIA, Jacir de Freitas. Apócrifos aberrantes, complementares e cristianismos
alternativos (Poder e heresia! – Introdução crítica e histórica à “Bíblia
Apócrifa do Segundo Testamento”). Petrópolis: Vozes, 2009, 256 p.
______. As origens apócrifas do cristianismo (Comentário aos evangelhos
de Maria Madalena e Tomé). São Paulo: Paulinas, 2003, 176 p.
GRÜN, Anselm. As exigências do silêncio. 4 ed. Petrópolis: Vozes, 2004,
88 p.
RAMOS, Lincoln (Trad. e Org.). Fragmentos dos evangelhos apócrifos.
Petrópolis: Vozes, 1990, 216 p.
______. Protoevangelho de Tiago (A história do nascimento de Maria). 2
ed. Petrópolis: Vozes, 1989, 67 p.
______. São José e o Menino Jesus (História de José, o carpinteiro –
Evangelho de Pseudo Tomé). Petrópolis: Vozes, 1990, 88 p.
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 152-172, jul./dez. 2010
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Regina Coeli F. Silva
FOLLOWING MARY’S STEPS: A WALK FULL OF FAITH, EMOTION
AND SUPERNATURAL FACTS
Abstracts
Through some apocryphal texts— besides the canonical ones—, we intend
in this writing to show the new dimensions of the figure of the Virgin
Mary, as well as of Joseph, her companion and husband. It was thought of
five steps, it deals essentially with a reflexive and spiritual text, and it can
be used both for individual reflection of the reader, and for any group of
spirituality who wishes to make use of it.
Key words: Virgin Mary. Joseph. Apocryphal evangels. Spirituality.
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REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 152-172, jul./dez. 2010
RESENHA
CARVALHO, José Maurício de. Ética. São João del-Rei: UFSJ, 2010, 240p.
Prof. Dr. Antônio Vidal Nunes*
Dr. José Maurício de Carvalho, professor da Universidade Federal
de São João del-Rei, reconhecido pelo seu labor investigativo em torno
da filosofia brasileira, brinda-nos com mais um importante livro sobre
ética. Uma leitura necessária a todos aqueles que se interessam pela
filosofia no Brasil e pela discussão ética. Em seu itinerário reflexivo o
referido pensador pátrio percorrerá dois momentos importantes. Na
primeira parte busca explicitar a gênese da ética na Grécia antiga, como
parte do novo conhecimento filosófico ali surgido. Descreverá o modelo ético aristotélico assim como outros que surgirão posteriormente.
Como base neste horizonte mais amplo da tradição filosófica no tocante
à ética, passará a expor estudos realizados a partir de expressões brasileiras. Neste sentido, estudará a filosofia moral de José da Silva Lisboa,
o Visconde de Cairu, a presença da reflexão ética portuguesa em nossa
cultura brasileira e a ética em sua relação com a importante tradição
culturalista brasileira de pensar; a mesma forma explicita as posições de
Miguel Reale, um dos expoentes mais destacado do culturalismo pátrio.
Na segunda parte de seu livro dedicada à filosofia contemporânea
o prof. José Maurício destaca a importância da ética a partir de um
novo pressuposto: o homem enquanto ser que escolhe. Não somos
possuidores de liberdade absoluta. Sempre fazemos nossas escolhas
dentro de um determinado contexto existencial e histórico. Enquanto
* Professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal do Espírito Santo.
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 173-174, jul./dez. 2010
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Resenha
ser histórico, o homem é possuidor de uma existência aberta, é chamado
a escolher permanentemente. Daí a responsabilidade que devemos ter
com todas as nossas atitudes, atos e projetos em relação aos demais
homens e ao mundo que nos cerca. O homem é um ser social, não vive
isolado, sua vida depende dos demais. Como base nos valores o homem
se orienta no mundo e define as condições de relacionamento humano
ideal com base em determinados projetos humanos. Como ressaltará
o autor, estamos passando por uma grande crise, cuja extensão ainda
não conhecemos bem, mas de qualquer modo ela nos leva à busca de
novos caminhos, de atualizações necessárias à existência humana. Daí
a importância da reflexão ética como parte da recriação da cultura e
da sociedade; sobretudo em um contexto marcado pelo consumismo,
pela violência, pelo desrespeito humano, pela exploração desordenada
da natureza, pelas perdas de referências axiológicas etc. Os desafios
estão colocados; é preciso repensar o processo de realização humana
em novas bases. E qual é o papel da filosofia neste contexto dramático
da existência humana? Dirá o pensador mineiro, concluindo o seu livro,
“[...] que o desafio da filosofia é entender tais mudanças e pensá-las a
partir dos valores nucleares que o ocidente criou. A ética é a disciplina
que nos colocará no centro desta mediação”.
De forma clara, simples e acessível, o livro trata de forma profunda
os problemas e desafios que se colocam para todos nós no presente.
Bem... Está feito o convite à leitura deste pertinente trabalho.
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REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 173-174, jul./dez. 2010
REVISTAS EM PERMUTAS NACIONAIS
Título – Local – Periodicidade
1.Analytica: Revista de Filosofia da UFRJ – Semestral
2. Atualidade Teológica: Revista do Departamento de Teologia da
PUC-Rio – Bimestral
3.Caminhando: Revista da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista – Semestral
4. Revista de Catequese: UNISAL – Trimestral
5.Cognitio: Revista de Filosofia da PUCSP – Semestral
6.Coletânea: Revista de Filosofia e Teologia Faculd. de S. Bento –
RJ. – Semestral
7.Direito: Revista da Faculdade de Direito de Cachoeiro do Itapemerim- ES – Semestral
8.Espaços: Revista de Teologia do Instituto S. Paulo de Estudo
Superior – Semestral
9. Estudos Teológicos: Inst. Ecumênico em Teologia Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil – Semestral
10.Horizonte Teológico: Inst. Santo Tomás de Aquino – ISTA –
Semestral
11.Hypnos: Revista de Filosofia da PUCSP – Semestral
12.Kriterion: Revista de Filosofia da UFMG – Semestral
13. Razão e fé: Revista Inter e Transdisciplinar de Teologia. Filosofia
e Bioética – Semestral
14.Rhema: Revista de Filosofia e Teologia do ITASA – MG – Quadrimestral
15.Religião & Cultura: Revista do Departamento de Teologia e
Ciências da Religião da PUCSP -Semestral
16.Repensar: Revista de Filosofia e Teologia do Inst. Paulo VI – RJ
– Semestral
17. Revista de Ciências da Educação: UNISAL – Semestral
18. Revista Dominicana de Teologia: EDT – Semestral
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 175-178, jul./dez. 2010
175
Revistas em Permutas
19. Revista Filosofia da PUCPR – Semestral
20.Revista Litterarius: FAPAS RS – Semestral
21. Sapientía Crucís: Revista Filosófico-Teológica – Anápolis – GO
– Anualmente
22.Scientia: Revista Interdisciplinar do Centro Univ. Vila Velha ES –
Semestral
23.Theós: Revista de Reflexão Teológica da Faculdade Teológica
Batista de Campinas – Semestral
24.TQ: Teologia em Questãoda Faculdade Dehoniana SP – Semestral
25.Trans/Form/Ação: Revista de Filosofia da UNESP – Semestral
26.Veritas: Revista de Filosofia da PUCRS – Trimestral
27.Via Teológica: Faculdade Teológica Batista do Paraná – Semestral
REVISTA EM PERMUTA INTERNACIONAL
Título – Local – Periodicidade
1.Stromata: Revista Filosofia y Teologia Universidad Del Salvador
– Argentina – Semestral
REVISTAS NACIONAIS – ASSINATURA
Título – Periodicidade
1. Caros Amigos – Mensal
2.Concilium – Bimestral
3. Estudos Bíblicos – Trimestral
4. Família Cristã – Mensal
5. Grande Sinal – Bimestral
6. Mundo e missão – Mensal
7. Perspectiva Teológica – Quadrimestral
8. REB – Revista Eclesiástica Brasileira – Trimestral
176
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 175-178, jul./dez. 2010
Revistas em Permutas
9. Revista de Liturgia – Bimestral
10. Revista de Cultura Teológica – Trimestral
11. Revista Vitória – Bimestral
12.RIBLA – Revista de Interpretação Bíblica Latino-Americana –
Trimestral
13.SEDOC – Bimestral
14. Tempo e presença – Bimestral
15. Revista de Koinoina – Bimestral
16.Síntese – Quadrimestral
CADERNOS
Título – Periodicidade
1. Cadernos Adenauer – Bimestral
REVISTAS INTERNACIONAIS – ASSINATURAS
Título – Local – Periodicidade
1.Bíblica: Editrice Pontifício Instituto Bíblico – Roma – Bimestral
2.Christus: Revista de Teología y Ciências Humanas – México – Bimestral
3.Diakonia: Internationale Zeitschrift für die Práxis der Kirche –
Bimestral
4.Diakonia: Província Centroamericana de la Companía de Jesús
Centro Ignaciano de Centroamérica – El Salvador – Trimestral
5. Família et Vita: Pontificium Consilium pro Família Stato Città Del
Vaticano – Quadrimestral
6. Il Regno: Bologna – Quinzenal
7. Journal for the Study of the Old Testament – Trimestral
8. Journal for the Study of The New Testament – Trimestral
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 175-178, jul./dez. 2010
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Revistas em Permutas
9.Medellín: Teologia y pastoral para américa latina – Colombia –
Trimestral
10. Misiones extranjeras – Madrid – Bimestral
11.Moralia: Revista de ciências Morales Instituto Superior de Ciências
Morales – Madrid – Trimestral
12. Recherches de Science Religiuse – França – Trimestral
13. Revista de Espiritualidad – Madrid – Trimestral
14. Revista Mensaje – Santiago – Trimestral
15. Revue Biblique – L’école Biblique et Archéologique Française
– França – Trimestral
16. Revue d’Histoire Ecclésiatique – França – Trimestral
17. Reseña Bíblica – Asociación Bíblica Española – Trimestral
18.Spiritus: Revue d’ expériences et recherches missionnaires – França
– Trimestral
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REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 175-178, jul./dez. 2010
NOTA AOS COLABORADORES
Os trabalhos submetidos à Revista Capixaba de Filosofia e Teologia (REDES) devem enquadrar-se na linha editorial da revista, e observar as normas
e orientações indicadas abaixo. Os trabalhos submetidos serão avaliados pelo
Conselho Editorial, mas sua publicação não expressará necessariamente o
posicionamento do Conselho nem das instituições mantenedoras. A responsabilidade pelos artigos assinados é exclusiva dos autores. Os direitos autorais
dos trabalhos aprovados são automaticamente transferidos à REDES como
condição para sua publicação. Os textos que não forem aprovados para publicação não serão devolvidos aos seus autores. O autor que tiver seu trabalho
publicado terá direito a três exemplares da revista.
1. A Revista REDES publica artigos e resenhas, assim como reedita
trabalhos clássicos e documentos históricos relacionados à temática
da revista. Os artigos e resenhas devem ser inéditos e não podem ser
simultaneamente submetidos a outro periódico.
2. Podem ser submetidos trabalhos redigidos em Português ou
Espanhol.
3. Os originais devem ser enviados ao Coordenador da revista em três
vias impressas, das quais uma com identificação de autor e duas sem
identificação, e uma cópia em arquivo eletrônico com identificação de
autor(es) e título do trabalho. Os originais devem ser acompanhados
de cartas submetendo o trabalho para publicação, e de uma folha à
parte, em caráter de obrigatoriedade, contendo informações completas sobre o(s) autor(es): nome, vínculo institucional, endereço para
correspondência, telefone, fax e correio eletrônico. De tais informações somente o endereço eletrônico será divulgado na publicação.
4. Os trabalhos devem ser digitados em espaço um e meio, com margens de 3 cm na margem superior e esquerda e 2 cm na margem
inferior e direita, e apresentados em papel tamanho A4, impresso
em um único lado e com páginas numeradas. Os artigos não devem
ultrapassar 40 páginas (cerca de 10.000 palavras) e as resenhas não
devem exceder 10 páginas (2.500 palavras).
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 179-180, jul./dez. 2010
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Nota aos Colaboradores
5. Preferentemente o texto deve ser editado no formato Word, obedecendo às seguintes recomendações:
– Utilização da fonte Times New Romam, corpo 12 para o título, corpo
11 para o texto corrido e corpo 10 para as citações bibliográficas
destacadas e notas de rodapé;
– Deve ter alinhamento justificado e os parágrafos formatados com
recuo especial na primeira linha, valendo também para as notas de
rodapé;
6. Os artigos submetidos ao Conselho Editorial devem conter resumo
em português e abstract em inglês, com no máximo 150 palavras cada;
até 5 palavras-chave, também em português e em inglês.
7. Citações devem ser abreviadas no corpo do texto (sobrenome do
autor, ano da publicação e, quando for o caso, página) e completas
as referencias ao final do texto, segundo as NBR 6022:2003 e NBR
6023:2002 da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas.
As notas de rodapé devem restringir-se a notas explicativas.
8. Os trabalhos devem ser remetidos para:
– Secretaria do Instituto de Filosofia e
Teologia da Arquidiocese de Vitória (Iftav)
Rua Cosme Rolim, 5
Cidade Alta
Vitória ES
29015-050
Telefone e fax do Iftav: [27] 3223-1829 / [27] 3322-6795
– Caixa Postal 010-224
Vitória ES
29001-970
180
– Endereço eletrônico: [email protected]
REDES - Revista Capixaba de Filosofia e Teologia, Vitória, a. 8, n. 15, p. 179-180, jul./dez. 2010
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