Por que existe a Câmara Municipal?

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Por que existe a Câmara Municipal?
Um pouco de Teoria Geral do Estado
INTRODUÇÃO – POLÍTICA E DEMOCRACIA
O SURGIMENTO DA POLÍTICA NA GRÉCIA CLÁSSICA
A política surgiu na Grécia, aproximadamente no século VI a.C. Nesse período, o homem
grego começou a passagem da consciência mítica para a atitude filosófica. Embora a política
tenha surgido nessa fase, ela não era como é hoje; dizia respeito, exclusivamente à organização
das pólis. Estas eram cidades-estados, que se autogeriam e que foram pioneiras na democracia.
Os filósofos gregos compreendiam a política como o ápice da realidade humana, como
vida boa e virtuosa, a principal característica do homem livre. Acima da vida política está
apenas a vida contemplativa, vivida pelos sábios, mas para os demais, o governo da cidade é o
que há de melhor. A política define a essência do homem.
Talvez os gregos não compreendessem a política como nós, ou melhor, na teoria
pensamos de forma bem semelhante, mas na prática a coisa fica mais complicada. Para eles a
política tinha por fim último a justiça comum.
Todos os cidadãos tinham direito à participação política, e isso ocorria nas ágoras, praças
públicas. Eles decidiam no debate quem tinham as melhores ideias para conduzir a cidade. Era
preciso um confronto na base do discurso, era preciso encontrar os melhores argumentos
possíveis. Essa necessidade de ter argumentos colaborou de modo muito significativo para o
surgimento e consolidação da filosofia, ao mesmo tempo que surgia a política.
A DEMOCRACIA EM ATENAS
Democracia Ateniense é o nome dado a uma forma de governo adotada na antiga cidade
de Atenas. Considerada a primeira matriz da democracia moderna, a democracia ateniense
vigorou por muitos anos após a instauração da sua forma primitiva com as reformas de Sólon
por volta dos anos 590 a.C.. Embora a democracia possa ser definida como "o governo do povo,
pelo povo e para o povo", é importante lembrar que o significado de "governo" e "povo" na
Atenas Antiga difere daquele das democracias contemporâneas. Enquanto a atual democracia,
em geral, considera o governo um corpo formado por representantes eleitos, e o "povo"
(geralmente) como um conjunto de cidadãos próprios de uma nação, homens e mulheres,
acima dos 18 anos, os atenienses consideravam o "governo" como sendo a assembleia (Eclésia)
que tomava decisões diretamente (sem intermédio de representantes) e o "povo" (geralmente)
como os homens atenienses alfabetizados maiores de 20 anos.
Atenas foi fundada na Ática, península junto ao mar Egeu, pelos jônios, que ali se
estabeleceram de forma pacífica, ao lado de eólios e aqueus, antigos habitantes da região. No
início, o poder político estava sob o controle dos eupátridas, donos das terras mais produtivas.
Na cidade, um soberano, chamado basileu, comandava a guerra, a justiça e a religião. Uma
espécie de conselho, o Areópago, limitava seu poder. Com o tempo, os basileus perderam a
supremacia e se transformaram em simples membros de um órgão denominado Arcontado.
A partir do século VIII a.C., essa organização política sofreu profundas mudanças. Após a
expansão territorial, ocorrida durante a Segunda Diáspora, os portos naturais e a privilegiada
posição geográfica de Atenas favoreceram o intercâmbio comercial com as novas colônias.
Como consequência imediata da diversificação das atividades econômicas, houve uma
considerável mudança no quadro social. Assim, comerciantes e artesãos enriquecidos
passaram a pressionar a aristocracia por maior participação no poder. Ao mesmo tempo, a
população mais pobre protestava cada vez mais contra as desigualdades sociais.
Diante da enorme pressão, os eupátridas viram-se obrigados a fazer concessões. Com o
objetivo de conciliar os conflitos, passaram a escolher legisladores entre os integrantes da
aristocracia, homens especialmente indicados para elaborar leis.
A participação política, contudo, era restrita a 10% dos habitantes da cidade. Ficavam
excluídos da vida pública, entre outros, estrangeiros residentes em Atenas, escravos e
mulheres, ou seja, a maior parte da população. Apesar desses limites, a democracia ateniense
foi a forma de governo que, no mundo antigo, mais direitos políticos estendeu ao indivíduo.
Com as reformas do legislador Clístenes, as funções administrativas ficaram a cargo da bulé, ou
Conselho dos 500. Seus integrantes eram sorteados entre os cidadãos. Clístenes fortaleceu
ainda a Eclésia, que passou a se reunir uma vez por mês para discutir e votar leis, além de
outros temas de interesse geral dos cidadãos. Os assuntos militares ficaram sob a
responsabilidade dos estrategos.
Atribuiu-se a Clístenes ainda a instituição do Ostracismo, que consistia na suspensão dos
direitos políticos e no exílio por dez anos dos cidadãos considerados perigosos para o Estado.
A cidadania era muito mais imediata e tangível para um ateniense do que para o cidadão
de uma nação moderna. Nenhuma desgraça podia ser maior do que a perda dos direitos de
cidadão. Todo ano havia para o cidadão ateniense a expectativa de servir no exército ou na
frota. Todo ano poderia reunir-se com outros milhares na Eclésia ou ser colocado na lista anual
de 6 mil pessoas entre as quais, segundo as necessidades, eram sorteados os jurados para os
tribunais populares.
O ESTADO MODERNO – DO SURGIMENTO AOS DIAS ATUAIS
O ESTADO CONSTITUCIONAL
É impossível afastar-se do Poder Legislativo a ideia do estabelecimento de limites ao
poder do estado ou, noutra redação, não é possível fazer uma abordagem criteriosa do Poder
Legislativo sem considerar que o seu surgimento liga-se historicamente à preocupação de
limitar o próprio poder. Sob este fundamento desenvolveu-se o Estado de Direito, como
antítese do Estado Absoluto.
O Estado Absoluto surge da diluição da sociedade medieval, caracterizada por ser plural,
tanto pela existência de diferentes fontes de produção jurídica (leis reais e imperiais, código
canônico, costume, regras corporativas, doutrina), como pela existência de diversos
ordenamentos jurídicos (igreja, império, reino, feudo, corporações). A proeza, por assim dizer,
do Estado Absoluto consistiu em realizar um duplo processo de unificação: l - de todas as
fontes jurídicas na lei, como expressão da vontade do soberano; II - de todos os ordenamentos
jurídicos no estado.
Norberto Bobbio sintetiza este duplo movimento nos seguintes termos:
"No final desse processo de unificação da sociedade medieval dispersa e
fragmentária, apresenta-se a seguinte situação que caracteriza (...) a natureza do
Estado absoluto; sob o ponto de vista do direito, a monarquia absoluta é a
forma de Estado em que não se reconhece mais outro ordenamento jurídico
que não seja o estatal, e outra fonte jurídica do ordenamento estatal que não
seja a lei (a lei como expressão da vontade do soberano). Nestas condições
entende-se porque é possível dizer que o poder estatal é um poder absoluto: é
absoluto porque tornou-se definitivamente o único poder capaz de produzir o
direito, isto é, de produzir normas vinculatórias para os membros da sociedade
sobre a qual impera, e portanto, não conhecendo outros direitos senão o seu
próprio, nem podendo conhecer limites jurídicos para o próprio poder. É um
poder absoluto no sentido próprio da palavra, isto é, como legibus solutus"
(destaquei).
Do mesmo modo como o Estado Absoluto surge como reação ao pluralismo fragmentário
da sociedade medieval, o Estado de Direito surge como reação ao primeiro. Este processo tem
como pontos culminantes as Revoluções Burguesas dos séculos XVII e XVIII, por sua vez,
acompanhadas de teorias políticas cujo propósito fundamental era encontrar formas de
impedimento ao abuso do poder.
1 – Teorias Sobre os Limites do Poder Estatal
Podemos agrupar as teorias políticas sobre a limitação ao poder do estado em três
correntes: l) limite decorrente de um direito preexistente e externo ao estado; II) limite
decorrente do fracionamento do poder do estado através da sua tripartição; e III) limite
decorrente da mudança de titularidade do poder, que pertence, não ao governante eventual,
mas à soberania popular.
Convém analisá-las, ainda que rapidamente, porquanto são, de algum modo, os
fundamentos teóricos do Estado de Direito.
1.1 - Teorias dos Direitos Naturais ou Jusnaturalismo
O Jusnaturalismo parte da existência de um limite externo ao poder do estado,
fundamentado na ideia de que, além e antes do poder do príncipe, existe um direito que não é
colocado por vontade alguma e que é anterior ao próprio estado. Trata-se de um direito que
pertence ao indivíduo e a todos os indivíduos, que é próprio da natureza do homem, não
importando que participe de uma comunidade política ou de outra.
Com efeito, esse é um direito chamado natural, eis que decorre da natureza do homem, é
preexistente ao estado e independente dele, razão pela qual o estado tem a obrigação de
reconhecê-lo ou, mais que isso, tem a obrigação de garanti-lo.
A teoria clássica do estado liberal defende que o surgimento da sociedade política (o
estado civil) deve-se fundamentalmente a garantir os chamados direitos naturais.
Para repisar e concluir, o limite ao poder fundamentado no direito natural consiste na
crença de que ele é anterior ao estado e, como tal, deve ser garantido e protegido pelo estado,
que não pode desconhecê-lo nem violá-lo.
1.2 – Teorias da Separação de Poderes
Outras teorias deixaram de lado a ideia de um limite externo para concentrar-se na
existência de um limite interno ao próprio poder do estado. Trata-se, com efeito, de fracionar o
poder estatal, distribuindo-o entre pessoas distintas, que, no seu exercício, atuam como
limitadoras, umas para as outras.
O propósito fundamental é o de tentar impedir que o poder esteja concentrado nas mãos
de uma só pessoa, mas que seja fracionado e distribuído entre diversas, a exercerem funções
distintas. Para essas teorias, o limite consiste no fracionamento e na distribuição do poder
entre pessoas que não se confundem. Admitindo-se três funções fundamentais no estado,
legislativa, executiva e judiciária, que o poder se distribua entre pessoas distintas, sem que
nenhuma delas concentre mais que uma função.
A Montesquieu é atribuída a teoria da separação dos poderes. Em "O Espírito das Leis",
assim se manifesta:
"Se ele estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade
dos cidadãos seria arbitrário, porque o juiz seria ao mesmo tempo legislador. Se
estivesse unido com o poder executivo, o juiz poderia ter força de um opressor".
"Tudo estaria perdido se a mesma pessoa, ou o mesmo corpo de grandes ou de
nobres, ou de povo, exercesse esses três poderes: o de fazer as leis, o de executar
as resoluções públicas, e o de julgar os delitos ou os litígios dos particulares".
"Os príncipes que desejam tornarem-se tiranos sempre começam por reunir na
sua própria pessoa todas as magistraturas, e muitos reis da Europa, até todos os
cargos do Estado".
Daí que o limite ao poder somente pode ser alcançado no impedimento de uma só pessoa
concentrar todas as funções, que devem ser fracionadas e distribuídas a pessoas distintas. Na
partição e distribuição do poder a pessoas que não se confundem estaria o limite ao poder do
estado e o remédio contra o seu abuso.
1.3 - Teorias Democráticas
Noutra abordagem, as chamadas teorias democráticas ou da soberania popular
propuseram limites ao poder do estado não mais pela existência de direitos externos e
anteriores ao mesmo (direito natural) ou ainda pelo seu fracionamento (separação dos
poderes). As teorias denominadas democráticas propuseram um debate acerca da titularidade
do poder, argumentado que este não pertence aos governantes, mas ao povo.
Para as teorias democráticas, das quais Rousseau foi a expressão mais contundente, o
único modo de evitar-se o abuso do poder é considerar titular quem dele não pode abusar.
Assim, o consenso popular (vontade geral) é o único que não pode exercer o poder contra si
mesmo, por isso não pode dele abusar.
Rousseau admite a separação das funções em Executiva, Legislativa e Judiciária. O que
não concorda é que os eventuais ocupantes invoquem a titularidade do poder, que é indivisível
e pertence à vontade geral. O texto a seguir transcrito, retirado do "Contrato Social ou
Princípios do Direito Político", é bastante significativo:
"A soberania é indivisível pela mesma razão por que é inalienável, pois a vontade
ou é geral, ou não o é; ou é a do corpo do povo, ou somente de uma parte. No
primeiro caso, essa vontade declarada é um ato de soberania e faz lei; no segundo,
não passa de uma vontade particular ou de um ato de magistratura, quando muito
de um decreto. Nossos políticos, porém, não podendo dividir a soberania em seu
princípio, fazem-no em seu objeto. Dividem-na em força e vontade, em poder
legislativo e poder executivo, em direitos dos impostos, de justiça e de guerra, em
administração interior e em poder de tratar com o estrangeiro. Algumas vezes,
confundem todas essas partes, e, outras vezes, separam-nas. Fazem do soberano
um ser fantástico e formado de peças ajustadas, tal como se formassem um
homem de inúmeros corpos, dos quais um tivesse os olhos, outro os braços,
outros os pés, e nada além disso".
"Examinando-se igualmente as outras divisões, ver-se-á que se incorre em erro
todas as vezes que se crê estar a soberania dividida, pois os direitos, tomados por
partes dessa soberania, subordinam-se todos a ela, e supõem sempre vontades
supremas, às quais esses direitos só dão execução".
De se ver que para as Teorias Democráticas não é suficiente, para impor limites ao poder
do estado, que se promova o fracionamento das atribuições. Nem este é o ponto fundamental,
porquanto se propõe um verdadeiro deslocamento da titularidade do poder, não mais
atribuída a quem governa, mas ao consenso geral, à soberania popular. O governo nada mais
poderia fazer senão executar os comandos da vontade geral.
2 – Do Estado Absoluto ao Estado Democrático de Direito
Daqueles pensadores até os dias atuais muito mais de produziu em termos de teoria
política, com destaque mesmo para o pensamento segundo o qual o estado, longe de produzir
liberdade ou bem-estar coletivo, é a estrutura que garante a dominação de uma classe sobre
outra. No capitalismo, o estado é que tornaria possível a dominação do proletariado pela
burguesia.
Todavia, tomamos por importante resgatar aquelas teorias porquanto elas permeiam o
processo de formação e consolidação dos estados modernos e contemporâneos e as estruturas
políticas que vingaram na porção ocidental do planeta. De se notar que nenhuma delas se
sobrepôs na forma pura, de sorte que os estados atuais, grosso modo, sintetizam as três
concorrentes, com acentuação numa ou noutra.
Passemos brevemente pela evolução histórica que parte do Estado Absoluto ao Estado
Democrático de Direito.
2.1 – O Estado Liberal de Direito
O período que segue ao Estado Absoluto é denominado Estado Liberal de Direito,
fundado sobre os princípios da legalidade, igualdade e separação dos poderes, com vistas à
proteção dos direitos individuais, não apenas entre as pessoas entre si, como também no
relacionamento dos indivíduos para com o estado.
A lei como expressão da vontade do soberano é substituída pela ideia de vontade geral,
consubstanciada nas normas editadas pelo Poder Legislativo. Ganham prestígio as
Constituições, que são consideradas como limite às prerrogativas dos governantes e ao mesmo
tempo como garantia dos direitos individuais. Demais disso adota-se a separação dos poderes,
na clássica tripartição: legislativo, executivo e judiciário.
Ao estado incumbia a proteção às liberdades individuais e à propriedade privada, posição
fundamentalmente negativa, pois não devia ofender os direitos e liberdades inalienáveis do
indivíduo nem intervir na ordem social e econômica.
A Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, referindo-se à concepção clássica de Estado
Liberal de Direito, relaciona os seguintes pontos fundamentais:
1. o reconhecimento da liberdade dos cidadãos, dotados de direitos
fundamentais, inalienáveis;
2. o princípio da legalidade, segundo o qual ninguém pode ser afetado em sua
liberdade senão em virtude de lei e que traz, como consequência, a
vinculação da Administração Pública à lei;
3. o princípio da justicialidade, que exige a existência de um órgão
independente para decidir os litígios;
4. o princípio da igualdade de todos perante o direito, vedado qualquer tipo de
discriminação;
5. a concepção substancial do direito que, fazendo-o decorrer da natureza do
homem, imprime-lhe caráter de justiça.
Para concluir este ponto, pode-se dizer que no Estado Liberal prevaleceu o
individualismo extremo, sob todos os aspectos: econômico, político, filosófico e jurídico e neste
campo a validade da norma vinculava-se unicamente à ideia de proteção dos direitos
subjetivos. À norma, em concepção substancial do direito, cumpria promover a justiça,
entendida como a garantia aos direitos e liberdades individuais.
2.2 – O Estado Social de Direito
Não tardaram as reações contra o Estado Liberal de Direito, porquanto a sua posição
negativa e absenteísta gerou consequências funestas no campo social e econômico: formação
de grandes monopólios que passaram a dominar a economia e a destruir os pequenos
empreendimentos, situação de miséria da classe operária, cruéis condições de trabalho (quase
escravistas), crescimento desordenado das cidades, violência, doença, analfabetismo, etc.
Os valores fundamentais do Estado Liberal, consubstanciados puramente na proteção às
liberdades individuais e à propriedade, mostraram-se insuficientes para enfrentar as
profundas desigualdades sociais e econômicas que geraram. A reação ao Estado Liberal vai
desaguar no chamado "Estado Social" ou "Estado Social de Direito", "Estado de Bem-Estar",
"Estado Providência", assentado não mais sobre a pressuposição de igualdade dos indivíduos,
mas em atribuir-se ao estado a tarefa de providenciá-la.
Com efeito, o estado absenteísta cede ao estado que intervém no domínio econômico e
social, como tentativa de debelar a absurda desigualdade gerada pela posição anterior. Neste
quadro, a atenção excessiva para com a liberdade desloca-se para a igualdade, rudemente
esfacelada. Do mesmo modo, a atenção exclusiva para com os direitos individuais divide-se
para contemplar também os interesses coletivos.
No campo do direito, ao abandonar a posição absenteísta, o Estado, porque passou a
exercer atividades antes atribuídas unicamente à iniciativa privada e a regular vários aspectos
da vida social e econômica, passou a editar um grande número de leis.
Mas isso não é tudo. Uma mudança fundamental dá-se pelo fato de que a ideia de
indivíduo como fim único da ação do estado é substituída pela ideia de que os interesses
públicos têm primazia sobre os interesses individuais. Via de consequência, no ensinamento da
Professora Di Pietro, "o direito natural deixou de estar na base do direito positivo". E
prossegue afirmando que:
"Pode-se dizer que duas das principais tendências verificadas a partir da
instauração do chamado Estado Social foram de socialização e a de fortalecimento
do Poder Executivo.
"A ideia de socialização, que não se confunde com socialismo, designa a
preocupação com o bem comum, o interesse público, em substituição ao
individualismo imperante, sob todos os aspectos, no período do Estado Liberai
Enquanto o individualismo tomou conta do direito privado, o socialismo instalouse no âmbito do direito público, em especial do direito administrativo, que deixou
de ser um corpo de normas garantidoras apenas das liberdades individuais, para
transformar-se num corpo de normas disciplinadoras de toda a atuação da
Administração Pública, sempre com vistas à consecução do bem comum".
O Estado Social de Direito configura o rompimento com duas posições anteriores: âmbito
negativo de ação (não intervenção no domínio econômico e social) e proteção centrada
unicamente nos direitos individuais. Importantíssimo assinalar que no novo quadro, o Poder
Legislativo perde espaço em favor do Poder Executivo que se vê contemplado da atribuição
normativa, para regular as inúmeras atribuições de que fora incumbindo, fazendo-o por meio
de decretos-lei, leis delegadas, regulamentos, etc., acrescentando-se ainda a iniciativa das leis
que lhe foi assegurada.
Para os que defendiam uma hierarquia relativa entre os três poderes com a preeminência
do legislativo, contrariados assistirão a uma inversão, reduzindo-se sobremaneira a ideia de
limite fundamentado na divisão clássica dos poderes. De um lado, o Poder Executivo
açambarca parte da função legislativa, ao mesmo tempo em que o Judiciário se incumbe da
interpretação final do sentido e alcance das normas. Demais disso, inúmeros mecanismos
foram criados na estrutura dos três poderes gerando dependência administrativa e financeira
do legislativo e do judiciário em relação ao executivo, acrescentando-se ainda, no campo
político, a superior importância do presidente da república sobre os membros dos outros
poderes (cf. Di Pietro).
A lei não mais se destinava a realizar a justiça, entendida antes como a garantia dos
direitos naturais. A norma passa a ter caráter instrumental porquanto se lhe exige regular as
novas atividades do estado e a própria vida social e econômica. Daí que a relativa estabilidade
normativa do período anterior vai ceder lugar a uma intensa variação, além do crescimento do
número de leis.
Manoel Gonçalves Ferreira Filho em "Princípios Gerais de Direito Público" analisa que no
Estado Social de Direito a lei perdeu o seu prestígio e grandeza, porque foi desvinculada da
ideia de justiça e passou de instrumento de realização do bem comum para instrumento da
realização da vontade de grupos. A respeito, traz-se novamente a abordagem da Professora di
Pietro: "a lei continua a existir, mas apenas em sentido formal (porque emanada do órgão
legislativo), segundo o processo de elaboração estabelecido na Constituição),
independentemente do seu conteúdo; por isso mesmo cai por terra a concepção do Estado
Liberal que via na lei um instrumento das liberdades individuais contra o exercício abusivo do
Poder".
De se ver que o apregoado limite ao poder do estado restou comprometido. Por outro
lado, o intervencionismo estatal nem por isso garantiu o bem-estar "pretendido". O
fortalecimento excessivo do poder executivo e a incapacidade do Estado Social de alcançar os
fins a que se propusera ensejarão uma nova reação, como se verá adiante.
2.3 – O Estado Democrático de Direito
Num terceiro momento, busca-se acrescentar ao conteúdo do Estado Social um "elemento
novo", que é a participação popular no processo político, nas decisões de governo e no controle
da Administração Pública, e ao mesmo tempo o retorno do Estado de Direito, em substituição
ao estado meramente legal. Assinalei a expressão "elemento novo" porque, sob formulação
teórica, vimos que a ideia de participação remonta a Rousseau.
Grosso modo, o Estado Democrático de Direito assenta-se sobre a síntese das teorias que
analisamos anteriormente. Resgata os direitos naturais como limites ao poder do estado, a
quem cabe garanti-los; mantém a tripartição clássica: Legislativo, Executivo e Judiciário, e
incorpora a participação popular como elemento novo de limite e controle do poder.
A lei, por seu turno, não terá mais apenas caráter formal, não se reduzirá a instrumental
de regulamentação, como no Estado Social de Direito. Para muito além disso, à lei cumprirá, em
tese, a realização dos valores da justiça, da liberdade e da dignidade da pessoa humana
A concepção de Estado Democrático de Direito foi adotada em Constituições de diversos
países a partir da segunda metade do século passado, incluindo-se o Brasil, tardiamente, em
1988.
3 – O Caso Brasileiro
Basta abrirmos a Constituição Federal de 1988 para identificarmos, de imediato, em seus
primeiros artigos, alguns aspectos das teorias anteriormente estudadas:
"Art. 1° - A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em
Estado democrático de direito e tem como fundamento:
I - a soberania;
II - a cidadania;
III - a dignidade da pessoa humana;
IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V - o pluralismo político.
Parágrafo único - Todo poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição
(sem negrito no original).
"Art. 2° - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário" (sem negrito no original)
Em tese, como se vê, estão representadas as três teorias. Mas na prática a situação é bem
outra.
Vemos diariamente os direitos individuais e sociais, que naturalmente pertencem ao
cidadão, serem desrespeitados. Há um desequilíbrio de forças entre os poderes que, muito
longe da independência e da harmonia, oscilam entre a submissão total e o confronto
intransigente. E a tão decantada participação popular encontra toda sorte de entraves para se
realizar concretamente.
De se ver que no Brasil, nem a tímida democracia que caracteriza o estado burguês tem
conseguido prosperar.
Daí que concentrar a atuação apenas no Processo Legislativo é tão absurdo, pois apegarse à tramitação das proposições equivale a "encantar-se mais com a rede que com o mar",
repito. Importa mais neste momento a nossa política, para botar fim a este estado de coisas.
Isso não significa deixar de lado o conhecimento técnico ou desconsiderar que há um modus
operandi legalmente instituído para a formalização das leis. É preciso encarar os desafios de
garantir direitos, equilibrar os poderes e envolver o povo.
4 – A tripartição do poder no Brasil
Na tripartição clássica, o poder estatal divide-se em Legislativo, Executivo e Judiciário,
atribuindo-se ao primeiro a elaboração das leis, ao segundo a sua aplicação de ofício e ao
terceiro a sua apreciação, tanto em face do caso concreto, como da própria constitucionalidade.
Todavia, a divisão apresentada é apenas esquemática, à vista de que cada um dos poderes
realiza atos que, por sua natureza, escapariam, em princípio, do seu campo de atuação. Assim,
quando o prefeito municipal dá início ao processo legislativo ou edita regulamentos, está a
participar da função legislativa, do mesmo modo que a câmara de vereadores, ao emitir juízo
sobre as contas municipais ou sobre a conduta do prefeito, está a participar da função
judiciária.
Com efeito, no âmbito dos três poderes realizam-se atos de natureza administrativa,
legislativa e judiciária.
Há que se falar, portanto, em domínio prioritário de atribuições. De tal modo que ao
Legislativo atribui-se a elaboração das leis, participando apenas reflexa e subsidiariamente das
funções administrativa e judiciária; ao Executivo cumpre aplicar a lei de ofício, executando os
seus comandos, e apenas reflexa e subsidiariamente participa das funções legislativa e
judiciária; ao Judiciário, por fim, cumpre julgar a aplicação da lei em face do caso concreto e
exercer o controle da sua constitucionalidade, participando apenas reflexa e subsidiariamente
das funções administrativa e legislativa.
Concentrando-nos daqui por diante na função legislativa, cumpre-nos abordar,
forçosamente, tanto a elaboração das leis – função legislativa típica e preponderante, quanto às
demais atribuições: l – organização dos serviços administrativos; II – fiscalização, controle e
julgamento; e III – representação.
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