UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS

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UNIVERSIDADE PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOS - UNIPAC
FACULDADE DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DE BARBACENA
FASAB
CURSO DE ENFERMAGEM
GUSTAVO VASCONCELOS FORTUNA
MAXILEANDRO DOS SANTOS BATISTA
A HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL: UMA BREVE REFLEXÃO TEÓRICA
BARBACENA
2012
2
A HISTÓRIA DA SAÚDE MENTAL: UMA BREVE REFLEXÃO TEÓRICA
Gustavo Vasconcelos Fortuna
Maxileandro dos Santos Batista*
Isabela Rodrigues Costa **
RESUMO
O tratamento ao paciente com transtorno mental vem sofrendo modificações ao longo dos
tempos possibilitando a construção de um novo modelo de assistência a esses indivíduos.
Diante desta perspectiva notou-se a necessidade de um estudo sobre a história da saúde
mental enfatizando o cenário da cidade de Barbacena – Minas Gerais como uma referência de
modelo assistencial com relação aos dispositivos e atendimento em rede através do Sistema
Único de Saúde – SUS ao paciente com transtorno mental. O presente artigo realizado através
de estudos bibliográficos nos leva a refletir sobre a história da saúde mental, as modificações
ao longo do tempo e a evolução até os dias atuais para a reintegração dos pacientes com
transtorno mental à sociedade, resgatando a cidadania através do processo da reforma
psiquiátrica, questionando o modelo assistencial visto anteriormente e as propostas de
transformação de um novo paradigma para a psiquiatria. Faz uma alerta para identificar
através da historia a evolução da saúde mental, as formas de tratamento disponíveis para o
cuidado de pessoas com transtornos mentais e como a cidade de Barbacena faz parte da
Reforma Psiquiátrica abrigando hoje em suas Residências Terapêuticas os pacientes egressos
de longas internações psiquiátricas. Observamos a trajetória das estratégias políticas, a luta
dos profissionais de saúde com metas de inserir ao convívio social, as pessoas acometidas por
transtornos mentais, internadas em instituições psiquiátricas conveniadas ao SUS e
instituições privadas.
Palavras-chave: História. Psiquiatria. Serviços Substitutivos.
________________________
*Acadêmicos do 8º período do Curso de Enfermagem da Universidade Presidente Antônio Carlos UNIPAC
Barbacena – MG - e-mail: [email protected]; [email protected].
** Enfermeira. Especialista em Unidade de Terapia Intensiva Adulto. Enfermeira assistencial na UI adulto do
HRB/FHEMIG e Supervisora de estágio do Curso de Enfermagem da UNIPAC. E-mail:
[email protected].
3
1 INTRODUÇÃO
Ao observarmos o paciente com transtorno mental ao longo da historia, nos
deparamos com dificuldades familiares, mas por outro lado a luta de pessoas dispostas a
modificar essa realidade, com o objetivo de proteção à vida e à dignidade desse grupo de
pessoas.
Através da história até o século XVIII, na Europa, os hospitais não possuíam
finalidade médica, eram grandes instituições filantrópicas destinadas a abrigar os indivíduos
considerados indesejáveis à sociedade, como os leprosos, sifilíticos, aleijados, mendigos e
loucos (SOARES,1997)1.
É notado através da historia da saúde mental, que uma grande conquista foi
alcançada, em relação aos tratamentos antigos e a grande modificação de vida daqueles que
sofrem com algum transtorno mental e/ou simplesmente foram abandonados pelos familiares
em clinicas psiquiátricas.
O pensamento de resgatar a cidadania do doente mental tornou-se a marca distintiva
do processo da reforma psiquiátrica, com o questionamento do modelo assistencial visto
anteriormente, com propostas de estratégias de transformação, emergindo um novo
paradigma para a psiquiatria (FRAGA; SOUZA; BRAGA, 2006)2.
Diante dos conceitos abordados coloca-se o seguinte problema: Como a
evolução da saúde mental proporcionou o progresso do tratamento aos pacientes com
transtorno mental?
O tratamento ao pacientes com transtorno mental vem sofrendo modificações ao
longo da história possibilitando a construção de um novo modelo de assistência a esses
indivíduos. Diante desta perspectiva notou-se a necessidade de um estudo sobre a história da
saúde mental enfatizando o cenário da cidade de Barbacena – Minas Gerais como uma
referência de modelo de assistência de saúde mental.
Fundamentado nesta revisão, este estudo tem como objetivo refletir sobre a história
da saúde mental, suas modificações ao longo do tempo e a evolução até os dias atuais para a
reintegração desse grupo de pessoas à sociedade, assim como identificar através da historia a
1
2
http://portalteses.icict.fiocruz.br/transf.php?script=thes_chap&id=00006302&lng=pt&.
http://www.scielo.br/scielo.php?pid=-21002006000200013&script=sci_arttext.
4
evolução da saúde mental e analisar as formas de tratamento disponíveis para o cuidado de
pessoas com transtornos mentais.
Para a realização deste trabalho, está sendo adotada uma revisão bibliográfica não
sistemática através de análise de artigos científicos, livros específicos e documentos
eletrônicos. Como base de dados serão utilizados sites de busca como Scielo (Scientific
Electronic Library Online); BIREME (Centro Latino Americano e do Caribe de Informações
e Ciências da Saúde); LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da
Saúde) e documentos da Secretaria Municipal de Saúde de Barbacena.
2 RESGATE HISTÓRICO DA PSIQUIATRIA
De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS (2008)3, a psiquiatria traz,
ao longo da sua história, diferentes formas de tratamento aos pacientes com transtorno mental
e comportamental. No início do século XIX, esses indivíduos eram considerados objetos de
investigação científica e isolados da sociedade devido aos indesejáveis comportamentos
sociais em hospitais sem quaisquer condições para atendê-los.
Gonçalves e Sena (2001)4, destacam que o enfoque da loucura como doença e da
psiquiatria como especialidade médica é recente na história da humanidade de
aproximadamente 200 anos, e que a loucura sempre existiu, bem como o lugar para se tratar
dos loucos: templos, domicílios e instituições, mas a instituição psiquiátrica, propriamente
dita, é uma construção do século XVIII.
No entanto, na virada do século XVIII começou a haver uma predominância do
pensamento ligado à doutrina organicista. O apego aos tratamentos físicos resultou das
dificuldades práticas do tratamento moral e a urgências determinadas pela superpopulação nos
manicômios. O desenvolvimento da anatomia patológica influenciou fortemente o
pensamento da psiquiatria da época, fazendo com que os alienistas buscassem causas
orgânicas da loucura e desenvolvessem consequentemente, procedimentos terapêuticos físicos
e medicamentosos (SOARES, 1997).
3
4
http://www.who.int/eportuguese/publications/Integracao_saude_mental_cuidados_primarios.pdf.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-11692001000200007&lng=pt&nrm=iso.
5
Ressalta Pessotti (1996 apud SOARES, 1997), que o tratamento manicomial se
transformou em um conjunto de intervenções mais ou menos violentas sobre as funções
orgânicas. Infligir o sofrimento físico e a violência, para atuar sobre o cérebro doente, passou
a ser rotina terapêutica. O manicômio não é mais um instrumento de cura, mas apenas um
lugar onde o louco se submete a diversos tratamentos físicos.
Como ressalta Castel, (1978 apud AMARANTE, p.49, 1996), o isolamento
cientificamente fundamentado afasta o louco da família, da cidade, da sociedade: “a
seqüestração é a primeira condição de qualquer terapêutica da loucura” e “ a partir desse
principio, o paradigma da internação irá dominar, por um século e meio, toda a medicina
mental”.
O primeiro e mais fundamental principio terapêutico do tratamento moral, o
principio do isolamento do mundo exterior é uma construção pineliana que até os dias atuais
não está totalmente superada. Se as causas da alienação mental estão presentes no meio
social, é o isolamento que permite afastá-las, transportando o indivíduo enfermo para um
meio no qual as mesmas não podem mais prejudicá-lo (AMARANTE, 1996).
De acordo com Soares (1997), um dos médicos precursores da psiquiatria foi Phillipe
Pinel, nomeado diretor do hospital Bicêtre, em Paris, separou e classificou os diversos tipos
de desvio ou alienação mental, com o objetivo de estudá-los e tratá-los. Deste modo surgiu o
hospital psiquiátrico, ou manicômio, como instituição de estudo e tratamento da alienação
mental.
Segundo Piccinini e Oda (2006)5, no Brasil colonial e durante parte do Império, a
ordem jurídica era determinada pelas Ordenações do Reino e nelas a loucura possuía várias
denominações: "desassisados", "sandeus", "mentecaptos" ou "furiosos"; eram ali
contemplados ainda os "desmemoriados" e os "pródigos".
No Código Criminal do Império em 1830, os doentes mentais foram denominados
loucos de todo gênero, termo que se manteve no Código Civil de 1916. Essa legislação que
tratava da loucura mostrava uma constante preocupação com a proteção das pessoas
sofredoras, o atendimento aos loucos era tarefa da Irmandade da Misericórdia e esteve nas
mãos da Santa Casa até a proclamação da República em 1889. A partir de 1890, o Hospício
Pedro II passa a ser chamado de Hospício Nacional dos Alienados (PICCININI; ODA,
2006).
5
http://www.polbr.med.br/ano06/wal0306.php.
6
De acordo com Rocha (1989 apud MESQUITA; NOVELLINO; CAVALCANTI,
6
2008) , a psiquiatria nasce, no Brasil com o desígnio de resguardar a população contra os
exageros da loucura, ou seja, não havia finalidade em buscar uma cura para aqueles
acometidos de transtornos mentais, mais sim, excluí-los do seio da sociedade para que esta
não se sentisse amofinada, a questão principal era o isolamento dos doentes mentais e não o
tratamento.
Pereira (2007)7, coordenadora do Museu da Loucura em Barbacena nos conta que o
primeiro hospital psiquiátrico de Minas foi criado em 1903, como Assistência aos Alienados
do Estado de Minas Gerais, onde antes funcionava um Sanatório particular para tratamento de
tuberculose, o qual havia falido e estava desativado. Instalado então, nas dependências do
antigo Sanatório de Barbacena, o “hospício”, segundo registros históricos, está situado nas
terras da antiga “Fazenda da Caveira” cujo proprietário era Joaquim Silvério dos Reis,
conhecido na história mineira como o delator do movimento dos Inconfidentes. Entrava em
funcionamento o Hospício de Barbacena, depois, Hospital Colônia de Barbacena que teve
como primeiro diretor o Dr. Joaquim Antônio Dutra. Sua capacidade inicial era de 200
(duzentos) leitos.
O maior desses hospitais, hoje administrado pela Fundação Hospitalar do Estado de
Minas Gerais (FHEMIG), começou a funcionar em 1903, numa imensa área rural
(cerca de oito milhões de m2), nas terras da Fazenda da Caveira, que pertencera a
Joaquim Silvério dos Reis – o delator da Inconfidência Mineira. As instalações desse
hospital abrigaram anteriormente uma clínica de repouso e clínica para os nervos e,
posteriormente, um Sanatório para Tuberculosos. Era uma instituição para ricos.
Com a falência do sanatório, o prédio foi ocupado por um hospital psiquiátrico, em
que os pacientes se dividiam em pagantes e indigentes (BARBACENA, 2008).
No entanto, no início do século XX, iniciou-se uma mudança nesse paradigma, devido
principalmente aos movimentos em favor dos direitos humanos, ao avanço da
psicofarmacologia e ao surgimento da Organização Mundial da Saúde (OMS, 2008).
Nesta mesma época, essas instituições surgem com novos nomes: Hospício passa a ser
chamado de Hospital; Alienado de doente mental; asilado passa a ser interno; no ambulatório
ele é egresso, se oriundo da hospitalização. Então, torna-se paciente do ambulatório; no
consultório ele é paciente, cliente, analisando ou está em terapia. Na perícia é caso ou
6
7
http://www.abep.nepo.unicamp.br/encontro2010/docs_pdf/eixo_4/abep2010_2526.pdf.
http://www.museudapsiquiatria.org.br/predios_famosos/exibir/?id=1
7
periciando; assim, a loucura recebe os nomes de alienação mental, insanidade; depois doença
mental, transtorno mental e ultimamente, sofrimento psíquico (SOARES,1997).
Os movimentos precursores da Reforma Psiquiátrica brasileira, surgidos nos Estados
Unidos e Europa a partir de meados do século XX, apontavam críticas ao atendimento
dispensado aos portadores de doença mental, quando eram excluídos e segregados da
sociedade, demandando ações com vistas a um atendimento mais humanizado, de forma a
garantir sua dignidade, enquanto cidadão (ESPERIDIÃO, 2001)8.
A psiquiatria moderna nos tem ensinado que a doença mental existe desde sempre,
uma descoberta aqui, outras acolá vão se somando e com a acumulação das observações,
chega-se a um estágio do conhecimento que possibilita fundar a medicina mental, primeira
especialidade médica (AMARANTE, 1996).
Segundo Ministério da Saúde (2003 apud ESPERIDÃO, 2001), existem estimativas de
que cinco milhões de pessoas, ou seja, 3% dos brasileiros necessitam de cuidados
permanentes por apresentarem transtornos mentais severos e permanentes e, mais de 20
milhões de pessoas no país, 12%, precisam de atendimento eventual, por apresentarem
transtornos menos graves. Faz-se necessário, portanto, construir um projeto terapêutico cujas
transformações devem ser discutidas, elaboradas, incorporadas e articuladas com os setores
sociais envolvidos no modelo de atenção em saúde a ser proposto.
3 A REFORMA PSIQUIÁTRICA
No percurso da reforma psiquiátrica brasileira, houve um momento em que as
denúncias sobre a precariedade da assistência psiquiátrica desencadearam estudos e trouxeram
a público dados e informações de órgãos públicos como, por exemplo, do Ministério da
Saúde, antes não valorizados, tais como número de leitos, custos e qualidade da assistência.
Os dados do Centro de Informações de Saúde, do Ministério da Saúde, revelaram que em
1988, o número de leitos psiquiátricos representava 19,1% do total de leitos disponíveis em
todo o país, percentual superado apenas pelos leitos de clínica médica, 21,6%
(GONÇALVES; SENA 2001).
8
http://www.revistas.ufg.br/index.php/fen.
8
Os movimentos sociais e de profissionais começam a se mobilizar e a discutir a
situação dos pacientes com transtornos mentais, ressaltando a necessidade da “ruptura do
conhecimento tradicional da psiquiatria clássica por um novo cuidar, por uma nova
construção de saberes e práticas, instituições que resultaram na reforma psiquiátrica”
corroborando para a desinstitucionalização progressiva com a reinserção desses pacientes na
sociedade (RESGALLA, 2004, p.25 apud CAMPOS; SAEKI, 2009)9.
Na década de 70 são registradas várias denúncias quanto à política brasileira de
saúde mental em relação à política de privatização da assistência psiquiátrica por parte da
previdência social, quanto às condições (públicas e privadas) de atendimento psiquiátrico à
população (MESQUITA; NOVELLINO; CAVALCANTI, 2008).
Costa (2007) menciona que a lei federal estabelecida em 1999, pela Política
Nacional de Saúde Mental, relacionada com a reforma dos serviços de saúde mental no
Brasil, sublinha que a população brasileira tem o direito de ser tratada na comunidade. A
Política Nacional de Saúde Mental menciona especificamente a formação e a supervisão de
profissionais de saúde geral em questões de saúde mental como uma prioridade estratégica
para a integração da saúde mental nos cuidados primários.
Diante da Reforma Psiquiátrica, surgem novas perspectivas de tratamento ao portador
de distúrbios mentais, tornando-se necessário construir e adaptar estruturas e recursos de
atenção aos doentes mentais, de forma a incluí-los em seu meio social (COSTA, 2007).
Segundo a secretaria municipal de saúde (Barbacena, 2008) as denúncias contra o
tratamento desumano no interior dos manicômios, que se iniciam no final da década de 70 e
tomam força nos anos 80 e 90, citam os hospitais de Barbacena e começam a mobilizar a
sociedade. Na crença de que o paciente com transtorno mental pode e deve ser tratado sem
ser retirado do seu meio familiar e social e sem ficar trancafiado, sem liberdade, no hospital
psiquiátrico é que se sustenta toda a revolução na atenção à saúde mental.
Basaglia dizia que a psiquiatria sempre colocou o homem entre parênteses e se
preocupou com a doença. Um passo importante para a desinstitucionalização foi o
reconhecimento satisfatório para o problema concreto da internação e da loucura. A
psiquiatria mesmo reformada continua a se ocupar dos resíduos que a sociedade produz.
Entendemos que é necessário desconstruir não apenas a instituição manicomial, mas também
as ideias, as noções e os preconceitos que a acompanham e modelam (AMARANTE, 1994).
9
http://sumarios.org/sites/default/files/pdfs/31263_4066.PDF.
9
Mesquita, Novellino e Cavalcante (2008), destacam que na década de 80, ocorreram
vários encontros preparatórios para a I Conferência Nacional de Saúde Mental (I CNSM),
realizada em 1987 os quais recomendam a priorização de investimentos nos serviços extrahospitalares e multiprofissionais como oposição à tendência hospitalocêntrica. No final de
1987 realiza, o II Congresso Nacional do MTSM (Movimento dos trabalhadores em saúde
mental), em Bauru, SP, no qual se concretiza o Movimento de Luta Antimanicomial e é
construído o lema, “por uma sociedade sem manicômios”.
Fraga, Souza e Braga (2006) ainda ressaltam que o processo de Reforma Psiquiátrica
começou a ser pensado nos diversos encontros de trabalhadores de saúde mental que se
realizaram, principalmente, em cidades da região Sudeste. Posteriormente, com abrangência
maior, realizam-se as Conferências Nacionais de Saúde Mental, nos anos de 1987, 1992 e
2001, visando denunciar as degradantes da assistência que era prestada nos asilos e hospitais
psiquiátricos, a baixa qualidade prestada pelos profissionais, o desrespeito e o melhor modo
de transformação dessa realidade.
Logo, a desinstitucionalização trata o sujeito em sua existência em relação com suas
condições concretas de vida, em que consistem não apenas na administração de fármacos e
psicoterapias, mas na construção de possibilidades. O doente antes excluído do mundo dos
direitos e da cidadania torna-se sujeito e não um objeto do saber psiquiátrico (AMARANTE,
1995)10.
A desinstitucionalização, não poderia representar o desamparo dos doentes ou o
simples envio para fora do hospital, sem ser implantada, antes, uma infra-estrutura na
comunidade para tratar e cuidar dos doentes mentais (AMARANTE, 1996).
Segundo o conceito defendido pela reforma, a desinstitucionalização não se restringe à
substituição do hospital por um aparato de cuidados externos envolvendo
prioritariamente questões de caráter técnico-administrativo-assistencial como a
aplicação de recursos na criação de serviços substitutivos. Envolve questões do campo
jurídico-político e sociocultural. Exige que, de fato haja um deslocamento das práticas
psiquiátricas para práticas de cuidado realizadas na comunidade. A questão crucial da
desinstitucionalização é uma progressiva devolução à comunidade da responsabilidade
em relação aos seus doentes e aos seus conflitos (GONÇALVES; SENA, 2001).
10
http://www.scielo.br/pdf/%0D/csp/v11n3/v11n3a11.pdf.
10
Como nos mostra Colvero, Costardeide e Rolim (2004)11, em nosso país, o processo
da Reforma da Assistência Psiquiátrica vem apresentando avanços nos últimos trinta anos;
todavia, embora haja inúmeras iniciativas bem sucedidas no campo da saúde mental, a cultura
asilar ainda está muito presente em nosso cotidiano como o recurso assistencial de mais fácil
acesso à população.
Houve então a necessidade de lutar pelo resgate da cidadania dos doentes mentais
durante a I Conferência Nacional de Saúde Mental nos anos de 1987, quando foram traçadas
estratégias para processar modificações na legislação psiquiátrica, sanitária, trabalhista, civil e
penal, modificações essas que dariam suporte ao novo enfoque de cidadania que se queria
constituir. Nessa mesma Conferência foram definidos os pontos principais do novo modelo de
assistência em saúde mental e que foi aperfeiçoando posteriormente (FRAGA; SOUZA;
BRAGA, 2006).
Resgatar a cidadania do doente mental é a marca distintiva do processo de reforma
psiquiátrica brasileira, tendo por objetivos questionar o modelo assistencial até então vigente,
propor estratégias para a transformação, fazendo emergir um novo paradigma para a
psiquiatria. Seus objetivos são: reverter o hospitalocentrismo, implantando rede extrahospitalar e atenção multiprofissional; proibir a construção de novos hospitais psiquiátricos
ou a ampliação dos existentes e fazer desativação progressiva dos leitos existentes; inserir
leitos e unidades psiquiátricas em hospitais gerais; integrar a saúde mental a outros programas
de saúde, movimentos sociais e instituições (FRAGA; SOUZA; BRAGA, 2006).
4 MODELOS DE ATENÇÃO AO PACIENTE COM TRANSTORNO MENTAL
Amarante (1994) relata que uma das dificuldades da renovação institucional não
está em organização de novas bases liberais na jornada dos internos, mas nos obstáculos que
a equipe terapêutica (referindo-se também aos enfermeiros), está no esforço de renovar a si
mesma, com os internos, modo tal a permitir a si mesma e aos internos readquirir a própria
liberdade subjetiva e objetiva, contestando a não liberdade das leis e dos preconceitos da
sociedade.
11
http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v38n2/11.pdf.
11
A psiquiatria, ao ocupar-se da doença, não encontra o sujeito doente, mas um
amontoado de sinais e sintomas; não uma biografia, mas uma história pregressa; não um
projeto de vida, mas um prognóstico; cuida de sujeitos concretos em sua existênciasofrimento, e não de suas doenças em abstrato (AMARANTE, 1996).
É fundamental que sejam criados e adaptados estruturas e recursos de atenção ao
doente mental, de forma a incluí-lo no seu meio social.
Como nos mostra Silva (2009)12 o processo da Reforma Psiquiátrica ao adotar na
dimensão teórica-conceitual o paradigma da desinstitucionalização como desconstrução, fez
emergir na dimensão técnica-assistencial experiências inovadoras no país, calcadas no Modo
Psicossocial. As experiências pioneiras foram o Centro de Atenção Psicossocial Prof. Luiz da
Rocha Cerqueira – CAPS, em São Paulo, em 1987 e o Núcleo de Atenção Psicossocial da
Zona Noroeste – NAPS, em Santos, em 1989.
O CAPS atenderia, de acordo com o projeto, a clientela considerada “socialmente
invalidada”, com “formas diferentes e especiais de ser”, com “patologias de maior
complexidade”, pessoas que “tenham enveredado por um circuito de cronificação”, pessoas
com “graves dificuldades de relacionamento e inserção social” e “pessoas com graus variáveis
de limitações sociais” (SILVA, 2009).
O primeiro Núcleo de Atenção Psicossocial – NAPS surgiu em 1989,
simultaneamente ao processo de intervenção do município na Casa de Saúde Anchieta,
“hospital psiquiátrico construído na década de 50 para funcionar como moderno centro de
assistência psiquiátrica”, ficando conhecido com o passar do tempo como “Casa dos
Horrores” (NICÁCIO, 1994, p. 48 apud SILVA, 2009).
Segundo a Cartilha do Ministério Público Federal, o direito à saúde mental é um
direito fundamental do cidadão, previsto na Constituição Federal, para assegurar bem estar
mental, integridade psíquica e pleno desenvolvimento intelectual e emocional (BRASÍLIA,
2001)13.
A Cartilha Direito à Saúde Mental diz sobre a Lei Federal nº 10.216/2001, uma
conquista do movimento social organizado e que deu respaldo e legitimidade ao
processo de Reforma Psiquiátrica, dispõe sobre a proteção das pessoas com
transtornos mentais e redireciona todo o modelo assistencial na área, reconhecendo
12
http://bvssp.icict.fiocruz.br/pdf/25728_silvafmm.pdf
http://pfdc.pgr.mpf.gov.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/publicacoes/saudemental/direito_saude_mental_2012/
13
12
como direitos: ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, de acordo com
suas necessidades; ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de
beneficiar sua saúde, para alcançar sua recuperação pela inclusão na família, no
trabalho e na comunidade (BRASIL. 2001).
Esta mesma Lei Federal nº 10.216/2001, citada na Cartilha Direito à Saúde Mental,
também diz que as pessoas com transtornos mentais tem o direito a ser protegida contra
qualquer forma de abuso e exploração; ter garantia de sigilo nas informações prestadas; ter
direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade ou não de sua
hospitalização sem sua concordância; ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu tratamento; ser
tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis; ser tratada,
preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental (BRASIL, 2001).
De acordo com Brasil (2011)14 a rede de saúde mental conta atualmente com 1650
CAPS, 596 Residências Terapêuticas, 3.832 beneficiários do Programa De Volta para Casa,
92 Consultórios de Rua e 640 iniciativas de inclusão social pelo trabalho de pessoas com
transtornos mentais, de acordo com o Cadastro Nacional das Iniciativas de Inclusão Social
pelo Trabalho – CIST.
Dentre esses novos projetos, há políticas especificas para os moradores dessas
instituições, como a prevista na portaria 106/2000, que cria as residências terapêuticas; a lei
10.216/2001, que formaliza a proteção a essas pessoas; e a lei 10.708/2003, que dispõe sobre
o programa de Volta para Casa. O programa de Volta para Casa foi proposto pelo Ministério
da Saúde, por meio da lei 10.708, de 31 de julho de 2003, e regulamentado pela portaria 2077,
de 31 de outubro de 2003. Trata-se de uma estratégia política que tem, como meta, efetivar a
inserção, no convívio social, das pessoas acometidas por transtornos mentais, egressas de
longas internações em instituições psiquiátricas conveniadas ao SUS (CAMPOS, SAEKI,
2009).
O Programa de Volta Para Casa inclui a nossa cidade de Barbacena situada na Serra
da Mantiqueira, a 169 km da capital mineira e conta hoje cerca de 124.600 habitantes.
O ponto até ao qual a saúde mental é atualmente parte dos cuidados primários varia
de município para município. Um modelo de integração que está a ser cada vez mais
utilizado consiste em cuidados colaborativos entre profissionais da atenção primária e de
14
http://www.ccs.saude.gov.br/saudemental/pdfs/Saude_Mental_em_Dados_9.pdf.
13
saúde mental através de uma rede (matriciamento). Neste modelo, formação e supervisão de
saúde mental são prestadas por profissionais de saúde mental a uma rede extensa de
Estratégia Saúde de Família (ESFs), com base em consultas conjuntas e intervenções
multidisciplinares (COSTA, 2007).
No que tange a Assistência Psiquiátrica Hospitalar cerca de 18.500 leitos com baixa
qualidade assistencial foram fechados de forma pactuada e programada como resultado dos
mecanismos de avaliação dos hospitais psiquiátricos e do Programa Anual de Reestruturação
da Assistência Psiquiátrica (PRH). Temos ainda que cerca de 46% dos leitos psiquiátricos
estão hoje em hospitais de pequeno porte, com até 160 leitos. Hoje os gastos federais com
ações extra hospitalares ultrapassaram o investimento nas ações hospitalares. Ao final de
2010, mais de 70% do recursos federais para a saúde mental foram gastos com ações
comunitárias (BRASIL. 2011).
De acordo com os dados do Ministério da Saúde (BRASIL 2011) a cobertura em saúde
mental no Brasil ao final de 2002, quanto existiam 424 CAPS, era de 21%, em julho de 2011
temos agora 1650 CAPS e 68% de cobertura. Permanece como desafio a expansão de serviços
para populações específicas, dependentes químicos (CAPS álcool/drogas – CAPSad), infantil
(CAPS infantil - CAPSi) e de atenção 24 horas (CAPS III). Os tipos de CAPS existentes hoje
são: CAPS I, CAPS II, CAPS III, CAPSi, CAPSad, CAPSad III.
De acordo com a Portaria/GM nº 336, de 19 de fevereiro de 2002, no Artigo 4.1.f, que
estabelece que o CAPs deve funcionar no período de 08 às 18 horas, em 02 (dois) turnos,
durante os cinco dias úteis da semana (BRASIL. 2011).
No Artigo 4.1.1 da Portaria/GM nº 336, de 19 de fevereiro de 2002 diz que a
assistência prestada ao paciente no CAPS I inclui as seguintes atividades: atendimento
individual (medicamentoso, psicoterápico, de orientação, entre outros); atendimento em
grupos (psicoterapia, grupo operativo, atividades de suporte social, entre outras); atendimento
em oficinas terapêuticas executadas por profissional de nível superior ou nível médio; visitas
domiciliares; atendimento à família; atividades comunitárias enfocando a integração do
paciente na comunidade e sua inserção familiar e social; os pacientes assistidos em um turno
(04 horas) receberão uma refeição diária, os assistidos em dois turnos (08 horas) receberão
duas refeições diárias. A diferença entre os CAPS I e CAPS II é a população da cidade /
região. No CAPS I população entre 20 mil e 70 mil e no CAPS II de 70 mil a 200 mil
(BRASIL. 2011).
14
Já o Artigo 4.1.2, do Ministério da Saúde (BRASIL. 2011), estabelece sobre os
Recursos Humanos que a equipe técnica mínima para atuação no CAPS I, para o atendimento
de 20 (vinte) pacientes por turno, tendo como limite máximo 30 (trinta) pacientes/dia, em
regime de atendimento intensivo, será composta por 01 (um) médico com formação em saúde
mental; (um) enfermeiro; 03 (três) profissionais de nível superior entre as seguintes categorias
profissionais: psicólogo, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro
profissional necessário ao projeto terapêutico, 04 (quatro) profissionais de nível médio:
técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão.
Sobre o Serviço Residencial Terapêutico, atualmente são 596 módulos em
funcionamento, com o total de 3236 moradores em todo o país (BRASIL. 2011).
Programa de Volta para Casa (PVC) é essencial para o processo de
desinstitucionalização, mas o ritmo de incorporação de egressos ao PVC é menor que
o desejável, pois se relaciona com as dificuldades do processo de
desinstitucionalização. Para que logre êxito, a desinstitucionalização deve ser
empreendida conjuntamente pelos três entes gestores (Federal, Estadual e Municipal),
segundo as diretrizes da Política Nacional de Saúde Mental (BRASIL. 2011).
As dificuldades se explicam tanto pela necessidade de maiores investimentos na
organização da Rede de Atenção Psicossocial de base comunitária, como também por
especificidades
do
próprio
processo
de
institucionalização/
desinstitucionalização,
considerando que a longa permanência nos Hospitais Psiquiátricos não se justifica pela
situação clínica, mas por questões familiares, sociais, culturais, econômicas e políticas
(BRASIL. 2011).
A rede em saúde mental no município de Barbacena – MG conta hoje com CAPS II
dispondo de leito retaguarda em parceria com a Fundação Hospitalar do Estado de Minas
Gerais – FHEMIG atendendo a macro região, Consultório de Rua e Escola de Redução de
Danos, Hospital Dia – Álcool e Droga – FHEMIG, Hospital Psiquiátrico também da Rede
FHEMIG para internação de agudos, além de 28 residências terapêuticas e mais de 150
moradores, todos eles egressos de internações psiquiátricas que duraram o tempo de toda
uma vida: 30, 40 e até 60 anos de exclusão social e maus tratos.
Existe também de acordo com o Ministério da Saúde (BRASIL. 2011) o Programa de
Inclusão Social pelo Trabalho, que estimula ativamente a implantação de iniciativas de
geração de trabalho e renda no campo de saúde mental através de incentivos financeiros e
15
capacitações regionais sobre empreendimentos solidários. O repasse de incentivo financeiro
aos estados e municípios, instituído pela Portaria no 1169 de 7 de julho de 2005,
proporcionou importante expansão e fortalecimento dessas experiências que somam hoje de
acordo com o Cadastro Nacional das Iniciativas de Inclusão Social pelo Trabalho (CIST), 640
iniciativas distribuídas por todo o país.
Outro sistema de atendimento aos portadores de transtornos mentais de acordo com o
Ministério da Saúde (BRASIL. 2011) são os Consultórios de Rua que são dispositivos
públicos que oferecem cuidados básicos de saúde para população vulnerável no próprio
contexto de rua, em ação conjunta com outros setores como Assistência Social, Justiça,
Cultura, Esporte e outros, e na estratégia de Redução de Danos, Até o momento 73% dos
Consultórios de Rua que receberam financiamento do SUS estão em fase de levantamento de
campo ou já realizam ações em campo. A partir de 2011 os Consultórios de Rua passam a
integrar as ações da Atenção Primária nos territórios.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível observar através do estudo desenvolvido que a história da psiquiatria teve
uma grande evolução através dos tempos, progredindo consideravelmente os métodos de
tratamento aos pacientes com transtornos mentais.
O pensamento de resgatar a cidadania do doente mental tornou-se a marca distintiva
do processo da reforma psiquiátrica, com o questionamento do modelo assistencial visto
anteriormente, com propostas de estratégias de transformação, visando um novo paradigma
para a psiquiatria.
Observamos no contexto as denuncias sobre precariedade dos tratamentos e da
assistência psiquiátrica aos pacientes, as denuncias quanto à política brasileira de saúde
mental visando as condições públicas ou privadas de atendimento à população, os tipos de
tratamentos desumanos, o questionamento do modelo de assistência prestada à população e
familiares.
A partir das Conferências Nacionais realizadas em nosso pais, que priorizaram os
investimentos nos serviços extra-hospitalares e multiprofissionais, teve inicio o grande passo
para a desinstitucionalização.
16
O processo de desinstitucionalização não poderia representar o desamparo dos
doentes, sem antes ser implantada uma infra-estrutura na comunidade para tratar e cuidar
desses pacientes.
O grande passo para o sucesso na saúde mental foi a implantação das reformas vistas
atualmente que são as Residências terapêuticas e os CAPs, em que permanece como desafio a
expansão de serviços para populações específicas, como os dependentes químicos, o
atendimento infantil, e até mesmo a atenção 24 horas aos pacientes com transtorno mental.
A reintegração desse grupo de pessoas à sociedade foi de extrema importância para a
história da psiquiatria no Brasil e no mundo, tratando o paciente com transtorno mental, com
mais humanização tendo uma maior atenção do poder público e do Sistema Único de Saúde.
A partir dos resultados obtidos existe a possibilidade e necessidade de aprofundamento
através de novos estudos e, principalmente de elaboração de projetos de intervenção na prática
que possam contribuir para a transformação da realidade com vistas a estabelecer humanização,
integralidade e qualidade de vida a todas as pessoas envolvidas: desde os portadores de
transtornos mentais até profissionais de saúde, passando é claro pela família e todos os que
convivem de maneira direta ou indireta com estes indivíduos.
A HISTORY OF MENTAL HEALTH: A BRIELF THEORETICAL REFLECTION
ABSTRACT
The treatment of patients with mental disorders has undergone modifications over time
allowing the construction of a new model f care for these individuals. Faced with this
prospect was noted the need for a study on the history of mental health emphasizing the
scenery of the city of Barbacena – Minas Gerais as a reference model of care with respect to
networked devices and services through the Unified Health System – SUS to patients with
mental disorders. This paper studies conducted through bibliographic leads us to reflect on
the history of mental health changes over time and the evolution to the present day for the
reintegration of patients with mental disorders to society, recuing citizenship through the
process of reform psychiatric care model questioning the previously seen and the proposed
conversion of a new paradigm for psychiatry. Makes an alert throughout history to identify
the evolution of mental health, the forms of treatment available for the care of people with
mental disorders and how the city is part of Barbacena Psychiatric Reform sheltering in their
homes today Therapeutic patients discharged from long hospitalizations psychiatric. We
17
observe the trajectory of political strategies, the struggle of heslthcare professionals with the
goal of inserting social life, people affected by mental disorders, hospitalized in psychiatric
institutions the SUS and private institutions.
Keywords: History. Psychiatry. Services substitutes.
18
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