Consolidação dos direitos sociais: uma alternativa de inserção social para os portadores de transtorno mental Mayara Duarte Alessandra de Oliveira Maria da Vitória Raquel Correia Geovânia Clementino Renata Meira Tereza Cristina Ribeiro da Costa 1 [email protected] Modalidad de trabajo: Presentación de experiencias profesionales y metodologías de intervención Eje temático: Políticas Sociales y desarrollo en el contexto neoliberal y los desafíos para el Trabajo Social Palabras claves: Saúde Mental, Direitos Sociais, CAPS II, Grupo de Família, Portador de Transtorno Mental. Introduccion: Formas diferenciadas de conceber, tratar e lidar com a loucura são evidenciadas ao longo da história da humanidade. Foucault (2008) descreve que na Idade Média o dito louco era lançado à deriva das “Naus dos Loucos” Os loucos tinham então uma existência facilmente errante. As cidades escorraçavam-nos de seus muros, deixava que corressem pelos campos distantes quando não eram confiados a grupos de mercadores peregrinos. Esse costume era freqüente particularmente na Alemanha (...) durante a primeira metade do século XV(FOUCAULT, 2008 p.09) 1 Estudiantes del grado de la Universidade Estadual da Paraíba, Brasil. [email protected] . Ponencia presentada en el XIX Seminario Latinoamericano de Escuelas de Trabajo Social. El Trabajo Social en la coyuntura latinoamericana: desafíos para su formación, articulación y acción profesional. Universidad Católica Santiago de Guayaquil. Guayaquil, Ecuador. 4-8 de octubre 2009. 1 Na Idade Clássica a loucura é vista como desrazão, sendo enclausurada nas Santas Casas de Misericórdias, não existia nenhuma conotação de medicalização (AMARANTE, 2007). Na Idade Moderna surge um local específico para institucionalizar a loucura, o hospício. Este é o período da sistematização da loucura (FOUCAULT, 2008). Dessa forma, em 1956, é fundado em Paris, o Hospital Geral, onde não havia uma prática médica ou terapêutica. O Enclausuramento não possuía uma conotação de medicalização, uma natureza patológica. A loucura passa a ser isolada, assumindo o papel de legítima herdeira do espaço de internamento (AMARANTE, 2007). É no decorrer da Revolução Francesa, destaca se o Médico Phillipe Pinel, conhecido como pai da psiquiatria, que liberta os loucos das correntes e institucionalizam no hospício. A partir de então o louco é aprisionado em uma teia de preconceito, isolamento e solidão. Até meados do século XX essa foi à abordagem da loucura (BRANDÃO, 2006) Segundo Amarante (2007) as duas Grandes Guerras Mundiais fizeram com que a sociedade passasse a refletir sobre a natureza humana, sobre a concepção da loucura e as práticas psiquiátricas exercidas. Com o término da Segunda Guerra Mundial, visualizamos um desencadeamento de diversos movimentos reformistas. Amarante (2007) divide as experiências em três grupos: sendo o primeiro constituído pela Comunidade Terapêutica e a Psicoterapia Institucional, para o qual o objetivo era promover mudanças na estrutura do hospital, o segundo grupo composto pela Psiquiatria de Setor a Psiquiatria Preventiva, a eficácia do tratamento está no envolvimento da comunidade já para o terceiro grupo as mudanças devem ser realizadas na própria Psiquiatria, as práticas e o saber eram questionados na Antipsiquiatria e na Psiquiatria Italiana. A psiquiatria Democrática Italiana, que tem Franco Basaglia como protagonista, tem sua essência na negação da psiquiatria enquanto ideologia. Basaglia passou a formular um pensamento e uma prática institucional absolutamente original, voltada para a idéia de superação do aparato manicomial, entendido não apenas como estrutura física do 2 hospício, mas como um conjunto de saberes e práticas científicas, sociais, legislativas e jurídicas que fundamentam a existência de um lugar de isolamento e segregação e patalogização da experiência humana. Basaglia propôs uma maneira, mas abrangente de se lidar, com a Doença Mental. Esse tratamento, assim deve acontecer na comunidade, o que faz com que o Hospital Psiquiátrico perca sua razão de ser, já que ele é na verdade instrumento de repressão e local de sofrimento, e não de cuidado e assistência. (Basaglia, 2005, p.100) Nesse contexto Reforma Psiquiátrica é um processo permanente de construção, de reflexões e transformações que conforma Amarante (2007) Ocorrem a um só tempo nos diferentes campos desinstitucionalização quais dos sejam: saberes, no no campo campo Teórico Conceitual, técnico-assistencial, a partir da através da reestruturação de modelos assistenciais, no campo político jurídico, por meio da reformulação do Código Civil e Penal e legislação Sanitária, no campo sócio cultural, por meio de mudanças nas representações sociais e no imaginário social quanto à loucura. Portanto a Reforma Psiquiátrica é um processo social bastante complexo, que envolve varias dimensões e vários sujeitos. Muitos são os fatores obstaculizantes que permeiam essa implementação, pois a mesma não significa apenas os desmantelamentos das estruturas físicas, esbarra se na estruturas políticas, sociais, econômicas. Esse processo é marcado por conflitos e desafios. O Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM), juntamente com os demais movimentos populares que surgem no ano de 1978, a princípio oscila entre uma proposta de transformação psiquiátrica e a organização de trabalhadores que reivindicam seus direitos. O MTSM passa por inúmeros embates com setores conservadores da sociedade, que pleiteiam a manutenção do paradigma da Psiquiatria clássica, e, na segunda metade da década de 80, há um grande estimulo no movimento da reforma psiquiátrica brasileira, uma vez que deixa de ser só um campo de discussão sobre transformações técnicoassistenciais. 3 Nesse período, ocorrem quatro fatos importantes para a compreensão do processo de implantação da reforma psiquiátrica no Brasil: a 8ª Conferência Nacional de Saúde, marco criador do SUS (Sistema Unificado de Saúde); o II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental; apresentação do projeto de lei 3657/89, de autoria de Paulo Delgado e a 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental. (Rabelo e Torres, 2006) É nesse percurso de Reforma Psiquiátrica, que observamos a situação de Campina Grande. Em muitos municípios do país, o processo de desinstitucionalização de pessoas com longo período de internação vem produzindo mudanças importantes na rede de saúde especialmente na rede de atenção a saúde básica O município de Campina Grande, no Estado da Paraíba vem experimentado o processo de Reforma Psiquiátrica. Situado no interior do Estado com uma população de aproximadamente 400.000 habitantes, o município respondia a grande parte da demanda de saúde mental da região através de dois hospitais psiquiátricos, o Hospital ICANERF e o Hospital Dr. Maia, ambos de médio porte. Após sucessivas avaliações negativas do PNASH-Psiquiatria (Programa de Avaliação dos Serviços Hospitalares) começa a tomar curso o processo de desinstitucionalização dos 176 pacientes do Hospital ICANERF e de descredenciamento do serviço da rede SUS (Sistema Único de Saúde). No dia 28 de Abril de 2005, o Jornal da Paraíba traz em sua capa de reportagem: ”Doentes nus e abandonados levam o Ministério de Saúde a intervir no Hospital ICANERF” onde caracteriza o espaço. ...os relatos são de pessoas que tomavam banhos juntas cujo único instrumento para a higiene era uma mangueira operada por um funcionário que, mecanicamente parece limpar elefantes, como aquele de circo... O quadro foi complementado por ambientes, na maioria das vezes sem luz e sem banheiros... além de estoque empobrecido de comida, um déficit considerável na farmácia do hospital. O estoque de medicamentos não apresentava o que era necessário para a manutenção mínima do hospital. 4 Diante da situação e com base na portaria nº336/ GM de 19 de Fevereiro de 2002, do ministério da saúde, o município de Campina Grande passa a reorientar o modelo de assistência em saúde mental, através da implantação dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). O objetivo do CAPS é oferecer atendimento á população de sua área de abrangência, realizando acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho, lazer, exercício dos direitos civis e fortalecimento dos laços familiares e comunitários. É um serviço de atendimento à política de saúde mental criado para ser substitutivo às internações em hospitais psiquiátricos e para oferecer atendimento a usuários em crise, ambulatória e atividades de atenção diária. O CAPS II Novos tempos, em Campina Grande, é direcionado ao atendimento diário de adultos com transtornos mentais severos e persistentes, funcionando das 08 às 18 horas em dois turnos. A equipe de atendimento do CAPS é formada por profissionais de diversas áreas, constituindo-se como uma equipe multidisciplinar, já que o (a) usuário (a) deve ser atendido em todo o seu contexto social e não apenas no âmbito do transtorno. Nessa nova Proposta de serviços a família passa a colaborar diretamente no tratamento e tendo um espaço específico nos serviços substitutivos, os denominados grupos de família, esse se tornando um momento para se retirar dúvidas, saber da ralação dos usuários com a família, como estes estão se comportando, enfim em um momento de debater todos os aspectos correlacionados aos usuários, sempre buscando discutir assuntos do interesse dos participantes. Objetivos O Projeto de intervenção desenvolvido no CAPS II “Novos Tempos” foi elaborado com o objetivo de discutir direitos com as famílias dos portadores de transtorno mental do CAPS II ”Novos Tempos” do município de Campina Grande. O interesse pela temática “Consolidação dos Direitos Sociais” surgiu inicialmente a partir da participação no grupo de família que nos aponta para a necessidade de discutir os direitos socais com os familiares dos usuários do serviço. 5 Assim elaboramos um projeto que se realizou em quatro oficinas sobre direitos sociais que incluíram o Benefício de Prestação Continuada, o programa de Volta para Casa, consolidação da lei nº 10216 e direito a saúde. Por direito social partimos da concepção de Marshall: Direito a um mínimo de bem estar econômico e segurança ao direito de participar, por completo da herança social e levar a vida de um ser civilizado de acordo com os padrões que prevalecem na sociedade (MARSHALL, 1967) A Reforma Psiquiátrica traz consigo uma verdadeira revolução jurídica - política. Aos sujeitos envolvidos nesse amplo e complexo processo social, conforme pontua Amarante (2007), faz se necessário a compreensão de direitos postos por Vasconcelos (2002) ...os direitos civis são entendidos como aqueles que garantem a liberdade individual e a igualdade perante a lei (...) os direitos políticos indicam o direito de votar, de ser votado e de participar da vida política através das diversas formas de organização (...) os direitos sociais dizem respeito a garantia de um padrão mínimo de bem estar econômico e social, incluindo a seguridade social( Vasconcelos 78 e79) Desarrollos Na primeira oficina, discutimos sobre o Beneficio de Prestação Continuada. Fizemos a exposição para quem é destinado o Beneficio, dos critérios de elegibilidade e de como seria o procedimento para ter acesso. O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é um dos maiores programas de renda mínima da América Latina, provendo, através de uma Política de Seguridade Social não contributiva, um beneficio mínimo mensal a pessoa portadora de deficiência (Incapacitados para o trabalho e para a vida independente) e, ao idoso com mais de 65 anos. Entre os objetivos desta política pública proposta na LOAS estão: 6 Proteção a família e a velhice, habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração a vida comunitária, como também, a universalização dos direitos sociais (ASSUMPÇÃO, 2004 p 73) Durante a oficina os familiares expuseram de forma clara, as dificuldades que enfrentam para seus usuários terem acesso ao benefício. O beneficio foi negado, porque meu esposo tem carteira assinada, mas o que ele recebe não dá ajudar no tratamento do nosso filho. (J.D.S., 42 anos, 06/05/2009) Minha irmã já deu entrada quatro vezes, todas foram negadas, a perícia diz que ela não é deficiente (A. D.L. 38 anos, 06/05/2009) Nas falas dos familiares evidenciamos que o Benefício tornou- se bastante seletivo e focalizado naqueles absolutamente incapazes de proves sua subsistência, os quais estão em situação de vulnerabilidade social praticamente irreversível, considerando inclusive a renda per capta exigida de um quarto de salário mínimo. Desse ponto de vista o BPC se separa de uma política pública viabilizadora de direitos universais. Dado seu grau de seletividade, torna-se, pois, um direito arbitrário, restrito, dependente especialmente de verificação de cumprimento dos critérios para acesso, de um atestado de necessidade o que marca os beneficiários pelo estigma de necessitado (GOMES, 1999) Em outra oficina sobre a Lei Paulo Delgado (10.216) trabalhamos com os familiares a exposição da lei em forma de dinâmica de grupo. Depois iniciamos a discussão com os familiares acerca das mudanças ocorridas apartir da promulgação da referida lei. Um fato relevante é que nenhum familiar presente no grupo de família tinha conhecimento do principal mecanismo legislador em saúde mental. Os familiares interviram com questionamentos relevantes em relação ao desconhecimento da lei: Nunca me falaram dessa lei, aqui no serviço (E. M. L., 47 anos, 13/07/200) 7 Não sabia que existia um lei especifica que tratasse dos direitos dos portadores de transtorno mental( C. A.S. 55 anos, 13/07/2009) A lei Paulo Delgado institui uma nova forma de tratamento para com os portadores de transtorno mental, trazendo direitos inéditos, como a negação as diversas formas de preconceito, o tratamento humanizado com o objetivo de promover reinserção social, e a adoção da internação, apenas, quando todos os recursos extra hospitalares forem esgotados, dentre diversos outros. Em outra oficina trabalhamos com os familiares o Programa de Volta para Casa, esse tornando se um mecanismo estratégico para desinstitucionalização de pacientes com longo período de internação. O Programa “De Volta Para Casa”, criado pelo Ministério da Saúde, é um programa de reintegração social de pessoas acometidas de transtornos mentais, egressas de longas internações, O objetivo deste programa é contribuir efetivamente para o processo de inserção social dessas pessoas, incentivando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do convívio social, capaz de assegurar o bem estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos civis, políticos e de cidadania. No decorrer da oficina, utilizamos a exposição do programa e de como este pode possibilitar uma inserção social para as pessoas egressas dos hospitais psiquiátricos. Nenhum dos familiares presentes afirma que seus usuários não recebem o beneficio De Volta para Casa. Mesmo existindo egresso do hospital ICANERF Minha filha internou se onze vezes no hospital psiquiátrico, depois dessa reforma ela se trata aqui. (M.G., 56 anos, 20/05/2009) Na última oficina do projeto de intervenção, abordamos o tema o direito a saúde, problematizada a partir da concepção de direito ou favor. A constituição federal de 1988 aprovou a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) e a saúde torna se um direito social, pautado nos princípios de universalidade, equidade, 8 integralidade e organizado de maneira descentralizada, hierarquizada e com participação popular. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário as ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art196, CF/88) Evidenciamos na oficina um a concepção de direito muito atrelada ao favor, conforme revela as falas a baixo: Eu dou Graças a Deus, por consegui uma consulta para minha filha aqui ( L.R.S., 54 anos, 27/05/2009) É muito bom, poder ser atendido aqui, por essas meninas que são maravilhosas e ainda pode receber os remédios sem pagar nada ( M.D.P., 45 anos, 27/05/2009) As oficinas estiveram pautadas na reflexão de Saraceno (1999), onde a reabilitação concebe em oferecer condições de os usuários desenvolverem suas habilidades e competências já que as psicoses estão relacionadas às relações sociais dos indivíduos. A discussão com os familiares esteve embasada no sentido de que os direitos de seus usuários são direitos de cidadão. Conclusiones Um dos maiores desafios existentes para o prosseguimento da Reforma Psiquiátrica é a dimensão jurídico-política, pontuada por Amarante (2007), essa se tornado um preceito básico ao processo, é a partir dessa perspectiva, que o debate dos direitos das pessoas que possuem transtorno mental torna - se possível. Com a execução deste projeto de intervenção através das oficinas anteriormente descritas entendemos que os familiares pouco sabem acerca dos direitos das pessoas 9 portadoras de transtorno mental e que os mesmo tem parcas oportunidades de inserção social. Para que os serviços de saúde mental possam inserir socialmente é necessário também “... uma mudança cultural profunda na sociedade [...] visando mudar a atitude em relação à loucura, no sentido de não aceita-la e segregá-la, e aceitar o dialogo com nossas dimensões sombrias e irracionais”. (VASCONCELOS, 2008, p.43). Bibliografia AMARANTE, Paulo. Saúde Mental e atenção Psicossocial. Rio de janeiro: Fiocruz, 2007. ASSUMPÇÃO, Sâmara. Benefício de Prestação Continuada: uma estratégia para autonomia. Rio de Janeiro, 2004. Brandão, A. Rompendo a inacabável Prisão: Construindo o Conceito de Saúde Mental. Veredas Favip, Caruaru, 2006. BRASIL, República Federativa. Ministério da saúde. Portaria nº. 336/GM. Brasília: 2002 BRASIL, República Federativa. Lei nº. 10.216. Brasília: 2001 BRASIL, 2007. Livro: PVC - Programa de Volta para Casa BRASIL, República Federativa. Constituição Brasileira. Brasília, 1988 FOUCAULT, Michel. Historia da Loucura. 8 ed. São Paulo: Perspectiva, 2008 GOMES, Ana Ligia. Assistência Social e Beneficio de Prestação Continuada (em tempos de revisão) um direito garatindo? In Revista Katalyses n-4 p93-99,1999 RABELO, I. V. M. ; Torres, A. R. R . Os significados da reforma psiquiátrica para os trabalhadores de saúde mental de Goiânia. Estudos de Psicologia (Campinas), v. 23, p. 219-228, 2006. SACARENO, B. Libertando Identidades: da reabilitação psicossocial a cidadania possível. Rio de Janeiro: Instituto ranço Basaglia, 1999. VASCONCELOS, Eduardo Mourão. Saúde mental e Serviço social: O desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. 4 ed. São Paulo : Cortez, 2008 10