CAUSAS, EFEITOS E TRATAMENTO DA RABDOMIÓLISE

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ATUALIZA ASSOCIAÇÃO CULTURAL
ENFERMAGEM EM EMERGÊNCIA
DAISE GOMES FERREIRA
CAUSAS, EFEITOS E TRATAMENTO DA
RABDOMIÓLISE
SALVADOR
2012
1
DAISE GOMES FERREIRA
CAUSAS, EFEITOS E TRATAMENTO DA
RABDOMIÓLISE
Monografia apresentada à Universidade
Castelo Branco e Atualiza – Associação
Cultural, como requisito parcial para a
obtenção do título de Especialista em
Enfermagem em Emergência, sob orientação
do Professor Fernando Reis do Espírito
Santo.
SALVADOR
2012
2
Dedico este trabalho a Deus, por tudo
que fez e faz em minha vida, aos meus
pais, que sempre me apoiaram, e ao
meu noivo, que sempre me incentivou.
3
AGRADECIMENTOS
À Deus, primeiramente, pelo dom da vida e pela renovação e aprendizado
durante todos os dias da minha profissão.
À minha família, por sempre estar me apoiando e me compreendendo.
Ao meu noivo, pelo companheirismo, ajuda e incentivo.
4
O segredo de progredir é começar.
O segredo de começar é dividir
as tarefas árduas e complicadas
em tarefas pequenas e fáceis de executar,
e depois começar pela primeira.
(Mark Twain)
5
RESUMO
Este estudo aborda sobre a rabdomiólise, enfermidade que é definida como
uma lesão do músculo esquelético com liberação dos constituintes celulares
para o plasma. São muitas as condições e doenças que podem ocasionar a
rabdomiólise, e as suas causas estão constantemente sendo ampliadas com
novos relatos. O estudo tem como objetivo: evidenciar, a partir da literatura, as
causas, efeitos e tratamento da rabdomiólise. Trata-se de uma pesquisa
bibliográfica do tipo qualitativa exploratória, utilizando a técnica de revisão de
literatura. Os dados foram coletados por meio de seleção de publicações
científicas nacionais, indexadas no Scielo, além de materiais diversos entre
dissertações, monografias e livros. A análise dos dados ocorreu a partir de
análise documental das publicações selecionadas, estabelecendo relações
entre as ideias principais dos autores e os objetivos do trabalho. Os resultados
desta pesquisa nos mostram que a rabdomiólise é uma enfermidade patológica
suscitada a partir da necrose das células musculares esqueléticas, com a
liberação para a circulação, de vários constituintes celulares, o que provoca
repercussões variadas no organismo.
Palavras-chave: Rabdomiólise. Lesão do músculo esquelético. Constituintes
celulares.
6
ABSTRACT
This study focuses on rhabdomyolysis, a disease which is defined as a skeletal
muscle injury with release of cellular constituents into the plasma. There are
many conditions and diseases that can cause rhabdomyolysis, and their causes
are constantly being expanded with new accounts. The study aims: evidence,
from the literature, the causes, effects and treatment of rhabdomyolysis. This is
an exploratory qualitative bibliographic search, using the technique of literature
review. Data were collected through a selection of scientific publications
indexed in Scielo, and miscellaneous materials of dissertations, monographs
and books. Data analysis occurred from documentary analysis of selected
publications, establishing relationships between the main ideas of the authors
and the research objectives. These results show that rhabdomyolysis is a
condition arising from the pathological necrosis of skeletal muscle cells, with the
release into the circulation of various cellular constituents, which causes various
effects in the body.
Keywords: Rhabdomyolysis. Skeletal muscle injury. Cellular constituents.
7
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO
08
2. REFERENCIAL TEÓRICO
11
2.1. RABDOMIÓLISE
11
2.1.1. Aspectos Históricos
11
2.1.1.1. Definições
11
2.1.1.2. Aspectos epidemiológicos
13
2.1.1.3. Fisiopatologia da miólise
13
2.1.2. Causas da Rabdomiólise
15
2.1.2.1. Rabdomiólise por trauma ou compressão muscular
15
2.1.2.2. Rabdomiólise não traumática por esforço
16
2.1.2.3. Rabdomiólise não traumática sem esforço associado
18
2.1.2.3.1. Drogas e toxinas
18
2.1.2.3.2. Infecções
19
2.1.2.3.3. Distúrbios eletrolíticos
19
2.1.3. Manifestações Clínicas e Diagnóstico
23
2.1.4. Tratamento
24
2.1.5. Casos de Rabdomiólise
26
2.1.5.1. Rabdomiólise provocada por insuficiência renal aguda
devido a picada de abelhas
26
2.1.5.2. Rabdomiólise induzida por exercício e risco de hipertemia
maligna
29
2.1.5.3 Rabdomiólise secundária a fármaco hipolipemiante
32
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
39
4. REFERÊNCIAS
40
8
1. INTRODUÇÃO
 Apresentação do objeto de estudo
A rabdomiólise é uma enfermidade provocada pela necrose das células
musculares esqueléticas, a partir da liberação de constituintes celulares na
circulação. A partir deste quadro, ocorrem alterações laboratoriais e
manifestações clínicas correlacionadas, com certa gravidade, que vão desde
casos assintomáticos ou apenas dominados pela elevação das enzimas
musculares,
sem
repercussões
clínicas
significativas,
até
episódios
complicados de insuficiência renal grave ou, mesmo, de arritmias ventriculares
devido a alterações metabólicas e hidroeletrolíticas. (CARVALHO et all, 2002).
A atividade muscular excessiva tem sido reconhecida como causa
comum e evitável de rabdomiólise. Exercício exaustivo e extenuante,
especialmente em homens não condicionados, pode resultar em morbidade
maior, com hiperpotassemia, acidose metabólica, coagulação intravascular
disseminada, síndrome do desconforto respiratório agudo e rabdomiólise.
(ARAUJO, 2005).
No Antigo Testamento, encontra-se alusão à rabdomiólise, quando são
demonstrados casos indicativos de miólise entre a população hebraica, depois
da ingestão de condimentos alimentares de plantas de cicuta. (VANHOLDER et
all, 2000).
Na literatura científica alemã, também são observadas referências de
episódios de esmagamentos, seguidos de insuficiência renal, durante a
primeira Guerra Mundial. Entretanto, a primeira notificação moderna de casos
de rabdomiólise foi referida a Bywaters & Beall, no ano de 1941, em vítimas de
esmagamento durante o bombardeamento de Londres, na segunda Guerra
Mundial, e que levaram pessoas à morte, uma semana depois, com
insuficiência renal aguda. (CARVALHO et all, 2002).
Foram observados casos de rabdomiólise nos trinta anos seguintes, com
complicação ou não de insuficiência renal e, no início dos anos setenta, foram
detectadas as primeiras enzimopatias com mioglobinúria. Assim, passaram a
ser conhecidas, progressivamente, outras causas de rabdomiólise, apesar de,
na atualidade, considerar-se como causas mais frequentes os traumatismos, os
9
esmagamentos, as lesões cirúrgicas, as intoxicações e o exercício físico
violento.
Outras etiologias seguiram sendo conhecidas, como a ocasionada por
fármacos, destacando-se entre estes os medicamentos antilipemiantes, muito
utilizados, na atualidade, na prevenção da aterosclerose.
 Justificativa
Em janeiro de 2007, me graduei em Enfermagem na Universidade
Católica do Salvador. Em abril daquele mesmo ano, comecei a trabalhar no
Centro Cirúrgico do Hospital Santo Antônio (Obras Sociais Irmã Dulce) e dois
meses depois, fui transferida para trabalhar na Unidade de Terapia Intensiva
adulto desse mesmo hospital, onde permaneci por mais um ano e dez meses.
Ainda em 2007, no mês de dezembro, fui admitida no Hospital São Rafael e
passei a trabalhar na Unidade Cirúrgica de Cuidados Semi-intensivos, onde
permaneço até o momento.
Como não tive a oportunidade de fazer estágio extracurricular durante a
faculdade, tanto o Santo Antônio, quanto o São Rafael, se tornaram
verdadeiras escolas para mim. Aprendi a lidar com as urgências e
emergências, com as necessidades dos pacientes, a aflição e, por vezes, a
intolerância dos familiares e com as diferentes personalidades dos colegas.
Tive acesso a diversos tipos de patologias e terapêuticas utilizadas nas
mesmas. Dentre as quais, chamou-me a atenção a rabdomiólise. Como não foi
uma enfermidade abordada durante o período da graduação e devido à
percepção do alto índice de pacientes diagnosticados com este problema nas
instituições de trabalho, tive a necessidade de estudar sobre a mesma, a fim de
poder prestar cuidados de Enfermagem, ao paciente com rabdomiólise, de
maneira segura e objetiva.
Assim, foi despertado o real interesse em pesquisar e compreender
melhor esta enfermidade e suas conseqüências para o organismo.
 Problema
O que diz a literatura sobre a rabdomiólise, suas causas, efeitos e
tratamento?
10
 Objetivo
Evidenciar, a partir da literatura, as causas, efeitos e tratamento da
rabdomiólise.
 Metodologia
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica do tipo qualitativa exploratória.
De acordo com Gil (2010), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida tendo como
base material já publicado, seja em livros, jornais e revistas e, com o advento
de novos formatos de informação, esse tipo de pesquisa passa a incluir novos
tipos de fontes, como o material disponibilizado pela internet. Ele ainda define a
pesquisa exploratória como aquela que tem como objetivo possibilitar maior
conhecimento sobre o problema a fim de torná-lo mais explícito através de um
planejamento mais flexível.
Segundo Barros e Lehfeld (2000), de acordo com sua finalidade, é
classificada como uma pesquisa pura, já que, nesse tipo de pesquisa, a
simples intenção do pesquisador é a de ampliar os seu conhecimentos sobre o
tema abordado.
Para Benoliel (1984) apud Polit e Hungler (1995), a pesquisa qualitativa
“é caracterizada como modos de inquisição sistemática preocupados com a
compreensão dos seres humanos e da natureza de suas transações consigo
mesmos e com seus arredores”. Esse tipo de pesquisa é baseado na idéia de
que só é possível adquirir conhecimentos sobre os indivíduos com a descrição
da experiência humana, tal qual ela é vivida e definida pelo próprio indivíduo.
Os dados foram coletados por meio da seleção de publicações
científicas nacionais, indexadas no Scielo, além de materiais diversos entre
dissertações, monografias e livros. A análise dos dados ocorreu a partir de
análise documental das publicações selecionadas, estabelecendo relações
entre as ideias principais dos autores e o objetivo do trabalho. A redação desta
pesquisa foi realizada seguindo as Normas Brasileiras de Referência (NBR) da
Associação
Brasileira
de
Normas
Técnicas
NBR10520/2002; NBR14724/2005; NBR6028/2003.
(ABNT):
NBR6023/2002;
11
 Estrutura do trabalho
Este estudo está constituído de cinco momentos. No primeiro momento,
é realizada a definição de rabdomiólise e a abordagem da sua fisiopatologia,
além da identificação de seus aspectos históricos e epidemiológicos. No
segundo momento, são abordadas as diversas causas da rabdomiólise, ao
passo que, suas manifestações clínicas e seu diagnóstico são relatados no
terceiro momento. O quarto momento deste estudo descreve o diagnóstico
desta enfermidade, enquanto o quinto momento foi destinado ao relato de
casos da rabdomiólise.
12
2. REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 RABDOMIÓLISE
2.1.1 Aspectos Históricos
A rabdomiólise não é uma enfermidade recente. Ela já era conhecida há
milhares de anos, já que na Bíblia pode-se observar referência à praga sofrida
pelos Hebreus, durante o êxodo do Egito, após o consumo de codornizes
(MILLER, 2000).
No entanto, as primeiras alusões clínicas à rabdomiólise aparecem na literatura
médica alemã como referência à doença de Meyer Betz, caracterizada pela
tríade dor, fraqueza muscular e urina castanha (BETTER, 1990).
A primeira associação causal entre rabdomiólise, na altura indicada por crush
syndrome, e insuficiência renal aguda (IRA), foi efetuada por Bywaters e Beall,
médicos do Hammersmith Hospital em Londres, durante os bombardeios
aéreos da capital inglesa na II Guerra Mundial. Foram apresentados quatro
doentes, vítimas de traumatismo com esmagamento dos membros, que
faleceram por IRA e evidenciavam cilindros pigmentados nos túbulos renais
após a necropsia (KNOCHEL, 1993).
2.1.1.1 Definições
A rabdomiólise é uma síndrome caracterizada por necrose muscular e
liberação de constituintes intracelulares do músculo para a circulação. A
gravidade da doença varia de elevações assintomáticas das enzimas
musculares séricas, a casos de extrema elevação das enzimas, desequilíbrio
eletrolítico e IRA.
A rabdomiólise é uma entidade comum e, não raras vezes, de
etiologia multifatorial. Ocorre normalmente em indivíduos saudáveis,
na sequência de traumatismo, atividade física excessiva, crises
13
convulsivas, consumo de álcool e outras drogas ou infecções. A
acumulação de cálcio intracelular, a ativação de proteases e lipases,
a produção de radicais livres e a infiltração por células inflamatórias
são alguns dos processos responsáveis pela necrose muscular [...]
(MAGALHÃES, 2005, p.1).
A causa da rabdomiólise é geralmente evidente a partir da história ou das
circunstâncias imediatas que precedem o transtorno, como o trauma, um
estado de coma ou pós-ictal, ou esforço físico extraordinário. Em alguns casos,
porém, o fator precipitante não é óbvio. Nessas situações, possíveis causas
incluem
deficiências
hereditárias
de
enzimas
musculares,
distúrbios
eletrolíticos, infecções, drogas, toxinas e endocrinopatia.
É descrita por Reese et all (2012) como uma síndrome comum que pode ser
assintomática, porém uma condição grave com risco de vida. É o resultado da
necrose da fibra muscular aguda que conduz à lise celular e subsequente
transferência desses subprodutos no sistema circulatório. O constituinte mais
importante destes subprodutos é a mioglobina, que tem sido apontada como
causadora da insuficiência renal em cerca de 50% dos pacientes que
desenvolvem rabdomiólise. Além disso, os eletrólitos contidos nestas células
são levados para a corrente sanguínea, o que pode conduzir a alterações
eletrolíticas significativas.
Segundo Carvalho et all (2002), a rabdomiólise é uma patologia provocada pela
necrose das células musculares esqueléticas, com a consequente liberação,
para a circulação, de vários constituintes celulares. Por este motivo, decorrem
alterações laboratoriais e manifestações clínicas correspondentes, com
gravidade variável, desde casos assintomáticos ou apenas dominados pela
elevação das enzimas musculares, sem repercussões clínicas significativas,
até casos complicados de insuficiência renal grave ou, mesmo, de arritmias
ventriculares devido às alterações metabólicas e hidroeletrolíticas.
Gabow et all (1982) define rabdomiólise como uma lesão do músculo
esquelético com liberação dos constituintes celulares para o plasma. Foi
14
descrita inicialmente por Bywaters e Beall em associação com lesões por
esmagamento na II Guerra Mundial.
A primeira descrição moderna de rabdomiólise foi publicada em 1941,
por Bywaters e Beall, em quatro casos de vítimas de um bombardeio
em Londres. Todos os indivíduos desenvolveram insuficiência renal
aguda (IRA) e morreram em uma semana. À necropsia, foram
encontrados cilindros pigmentados nos túbulos renais, estabelecendo
uma relação causal entre rabdomiólise e IRA (NETO, 2005, p. 653)
Para Araújo (2005), são muitas as condições e doenças que podem ocasionar
à rabdomiólise, e o número de causas está sempre sendo expandida com
relatos recentes. Esta longa lista é dividida em oito categorias básicas: lesão
muscular direta, drogas e toxinas, desordens genéticas causando diminuição
na produção de energia, infecções, atividade muscular excessiva, isquemia,
distúrbios eletrolíticos, endócrino e metabólico e doenças imunológicas. O
denominador comum para todas as etiologias é a destruição da estrutura e/ou
alteração do metabolismo das células musculares esqueléticas que levam à
lise e morte celular, resultando em liberação dos constituintes intracelulares
para a circulação.
A gravidade da doença tem um espectro variado, indo desde casos
de elevações assintomáticas de enzimas musculares, até situações
ameaçadoras à vida (IRA, distúrbios hidroeletrolíticos). A causa da
rabdomiólise comumente é evidente já na anamnese. Os casos nos
quais a etiologia da síndrome não é evidente incluem deficiência
hereditária de enzimas musculares, infecções, endocrinopatias,
distúrbios eletrolíticos (NETO, 2005, p. 659).
Martínez et all (2012) caracterizam a rabdomiólise como uma “destruição
tissular massiva que produz metabólitos tóxicos intracelulares no sistema
circulatório”. Como consequências estão a IRA, a hipercalemia, a acidose
metabólica e a coagulação intravascular disseminada.
Ainda segundo Martínez et all (2012), a possibilidade de desenvolver IRA nos
casos de rabdomiólise associados a varicela, não parecem estar relacionados
com os níveis de creatinofosfoquinase.
15
A atividade muscular excessiva tem sido reconhecida como causa comum e
evitável de rabdomiólise. Exercício exaustivo e extenuante, especialmente em
homens não condicionados, pode resultar em morbidade maior, com
hiperpotassemia, acidose metabólica, coagulação intravascular disseminada,
síndrome do desconforto respiratório agudo e rabdomiólise (MILLER, 2000).
Sugere-se ainda, que hipertermia maligna, choque térmico e rabdomiólise
induzida por exercício são síndromes densamente relacionadas.
2.1.1.2 Aspectos epidemiológicos
Nos Estados Unidos (EUA), são descritos cerca de 26.000 casos anuais de
rabdomiólise. A IRA mioglobinúrica ocorre em cerca de 30% desses casos
(ARAÚJO, 2005).
Estima-se que 10-15% das IRA’s são provocadas por rabdomiólise. A IRA
induzida por pigmentos (hemólise, rabdomiólise traumática e não-traumática) é
relativamente rara em idosos (≥65 anos), comparativamente a grupos etários
mais jovens (>17 e <65 anos), representando, respectivamente, 4 e 12,8% das
causas de IRA (MILLER, 2000).
A taxa de mortalidade global dos doentes com rabdomiólise ronda os 5%,
existindo uma maior incidência no sexo masculino, sobretudo no grupo
associado ao trauma.
2.1.1.3 Fisiopatologia da miólise
Para Carvalho et all (2002), a fisiopatologia da rabdomiólise é complexa. O
estiramento muscular ou o esforço excessivo levam à entrada de sódio para o
interior da célula e, secundariamente, ao edema e à morte desta. Por outro
lado, dá-se um influxo de cálcio para o seu interior, devido a troca com o sódio,
o que provoca uma contração muscular persistente com consequente perda de
energia e morte celular. Esta lesão muscular acarreta uma chamada de
16
neutrófilos, a libertação de radicais livres e de proteases, originando uma
reação inflamatória miolítica. O excessivo edema celular, sobretudo durante a
reperfusão de zonas traumatizadas, condiciona grandes aumentos de volume
muscular (MM), da desidrogenase láctica (DHL), da aspartatoaminotransferase
(AST) e da alaninoaminotransferase (ALT).
O aparecimento de mioglobina elevada e de mioglobinúria, conjugado com a
acidose metabólica que surge em consequência da liberação de ácidos
orgânicos das células necrosadas e de ácido lático durante a hipoxia celular,
vai determinar a precipitação dos cristais de ácido úrico e de mioglobina nos
túbulos renais.
A hipercalemia é outra complicação, secundária à libertação de potássio pelas
células musculares lesadas, potencializada pela diminuição da eliminação renal
e pela acidose metabólica. Esta alteração iônica necessita ser rapidamente
corrigida, devido ao risco de arritmias ventriculares e consequente morte
súbita.
Ainda para Carvalho et all (2002), outra alteração iônica menos importante, e
que habitualmente não necessita de tratamento, é a hipocalcemia. Esta surge
nas fases iniciais, nas quais ocorrem depósitos de cálcio nos músculos
(calcificações heterotópicas) e é posteriormente compensada pelo aumento da
atividade da glândula paratireoide que, numa fase posterior, pode até levar à
hipercalcemia. A hiperfosfatemia, devida à liberação de fósforo pelos músculos
lesados e à menor eliminação renal, não necessita geralmente de tratamento.
A hiperuricemia é frequente e ocorre em consequência da liberação de
nucleosídeos pelos músculos lesados e da sua posterior metabolização
hepática em purinas. Se nas fases iniciais da doença, devido à desidratação,
ocorrem valores elevados de albumina no soro, posteriormente, esses valores
vão decrescendo, pela desnutrição, inflamação e edema. Ocasionalmente,
ainda há alterações laboratoriais sugestivas de coagulação intravascular
disseminada, mas que, geralmente, não têm tradução clínica.
17
A lesão das células musculares conduz a uma alteração na homeostasia do
cálcio (Ca²+) e à depleção de Adenosina Trifosfato (ATP). A acumulação de
cálcio é a principal consequência da lesão muscular. Os quatro mecanismos
subjacentes ao aumento da concentração de cálcio intracelular são: 1) a lesão
direta da célula, de natureza física ou tóxica, que permite o influxo de sódio e
cálcio para o citoplasma; 2) a diminuição do ATP, que condiciona uma
diminuição do efluxo de cálcio ATP-dependente e aumenta, ainda mais, a
concentração de cálcio intracelular; 3) o compromisso do fluxo de cálcio para
os seus reservatórios intracelulares, podendo mesmo associar-se à ruptura
destes (como mitocôndrias) e 4) o influxo de sódio (Na+), que estimula a troca
Na+/Ca²+ contribuindo também para a diminuição do ATP e o aumento do
Ca²+ intracelular. A subida dos níveis de cálcio livre intracelular vai
desencadear uma contração muscular persistente com esgotamento das
reservas energéticas e morte celular. Simultaneamente, ocorrerá uma ativação
de diferentes sistemas enzimáticos, nomeadamente proteases (como calpaína)
e fosfolipases (fosfolipase A2), resultando na lesão das miofibrilas e dos
fosfolipídios da membrana celular, condicionando a formação e liberação de
radicais livres e substâncias vasodilatadoras (KNOCHEL, 1993).
Subsequentemente, e após restabelecimento da perfusão sanguínea (e na
presença de oxigênio), há uma amplificação da lesão muscular através da
liberação de citocinas e radicais livres por leucócitos ativados. O principal
mecanismo de lesão muscular, traumática e não-traumática, está associado ao
processo de reperfusão (PIROVINO, 1979).
Apenas após o restabelecimento da perfusão para o tecido lesado, é que vai
ocorrer a migração dos leucócitos e a disponibilidade de oxigênio necessária
para a produção de radicais livres. Estabelece-se, assim, uma reação
inflamatória miolítica que se auto-perpetua e que culmina na morte celular, com
liberação das toxinas intracelulares para a circulação sistêmica.
Os músculos estriados estão contidos em compartimentos rígidos. Quando os
sistemas de transporte de fluídos transcelulares (energia-dependente) falham,
vai
ocorrer
edema
muscular
e
aumento
progressivo
das
pressões
18
intracompartimentais
(síndrome
compartimental),
condicionando,
frequentemente, lesão e necrose muscular adicionais (GROB, 1990).
Com a perda da integridade celular, ocorre a libertação do conteúdo dos
miócitos para a circulação. A hipercalemia, hiperfosfatemia, hiperuricemia,
elevação da creatina-fosfocinase e o aparecimento de mioglobina no plasma e
urina provocam a destruição muscular (BETTER, 1990).
2.1.2 Causas da Rabdomiólise
A primeira descrição moderna de rabdomiólise é atribuída a Bywaters e Beall,
que, em 1941, relataram quatro vítimas de esmagamento durante um
bombardeio de Londres. Nesse primeiro relato, todos desenvolveram
insuficiência renal aguda e morreram dentro de uma semana (KNOCHEL,
1993).
Segundo Carvalho et all (2002), a rabdomiólise pode ser ocasionada por
causas físicas e não físicas. Do primeiro grupo etiológico, fazem parte os
traumatismos e as compressões, como os politraumatizados e as vítimas de
esmagamento, mas também os casos de imobilização prolongada que ocorrem
durante o coma e o pós-operatório. Em contrapartida, o choque prolongado, as
embolias arteriais e as complicações da perfusão sanguínea durante as
cirurgias vasculares e ortopédicas, são outras causas frequentes. A atividade
muscular excessiva, como no exercício físico violento, na epilepsia, no delirium
tremens e, mais raramente, no mal asmático e no tétano, pode levar a quadros
de rabdomiólise. Também a eletrocussão ou, em casos pontuais, a
cardioversão elétrica, podem ter esta complicação. A hipertermia que surge,
por exemplo, no exercício físico extenuante, sob temperatura ambiente
elevada, mas também na síndrome maligna dos neurolépticos e na hipertermia
maligna, pode, também, levar a rabdomiólise. Das causas não físicas,
salientam-se as tóxicas, como o álcool, pela frequência, e também a
intoxicação pelo monóxido de carbono, por vários venenos (de cobra, de
insetos), e por drogas como a cocaína, a heroína, o LSD, o ecstasy e as
19
anfetaminas, entre outras. Um número crescente de fármacos vem sendo
reconhecidos como responsáveis pelo surgimento de rabdomiólise, como as
estatinas e os fibratos. Também a etiologia infecciosa é frequente, como as
infecções pelos vírus Influenza, Herpes, Varicela-Zoster, Epstein-barr e
Citomegalovírus. As infecções bacterianas localizadas (piomiosites), as
focalizações de septicemias, como a estafilococcemia, e também as infecções
por Legionella, Salmonella, Mycoplasma e a malária por Plasmodium
falciparum, podem ser responsáveis por quadros de rabdomiólise.
Martínez et all (2012) evidenciam que a infecção primária pelo vírus da
Varicela-Zoster
em
lactentes,
indivíduos
na
idade
adulta
e
em
imunodeprimidos, pode provocar um quadro grave ao se associar a algumas
complicações.
Assim,
descreveram
o
caso
de
um
paciente
adulto
imunodeprimido com varicela que evoluiu com rabdomiólise.
Ainda de acordo com Martínez et all (2012), a rabdomiólise é uma rara
complicação da infecção primária pelo vírus da Varicela-Zoster e as taxas de
morbi-mortalidade associadas à varicela, chegam a ser de 10 a 20 vezes
maiores em adultos que em crianças sadias.
Certas endocrinopatias, como o hipotiroidismo, o hipertiroidismo e a
cetoacidose diabética, têm sido associadas a esta patologia. As miopatias
inflamatórias, sobretudo a polimiosite e a dermatomiosite, são outras causas de
rabdomiólise. Algumas alterações hidroeletrolíticas, quando acentuadas,
também levam a destruição muscular, como é o caso da hiponatremia, da
hipocalemia, da hipocalcemia, da hipofosfatemia e da hiperosmolaridade. Os
portadores de doenças metabólicas hereditárias em que há alteração da
glicogenólise, da glicólise, do metabolismo lípídico, do metabolismo das
purinas, entre outras, podem desenvolver rabdomiólise grave quando
submetidos a esforços mínimos.
De acordo com Reese et all (2012), a etiologia da rabdomiólise é ampla e inclui
doenças hereditárias, drogas, toxinas, compressão muscular ou esforço
20
excessivo, infecções, e muito mais. Segundo os mesmos, a rabdomiólise pode
chegar a uma taxa de mortalidade de 80%.
As diversas causas de rabdomiólise podem ser divididas em três categorias:
traumática ou por compressão muscular; não traumática por esforço, e não
traumática sem esforço. Em um relatório de 1959, os autores reconheceram
que os pacientes com rabdomiólise por esforço, tenderam a ter ataques
recorrentes com o início na idade adulta, muitas vezes com uma história
familiar positiva de mioglobinúria periódica. Esse grupo incluia pacientes com
deficiências enzimáticas hereditárias (ARAÚJO, 2005).
As causas de rabdomiólise são classificadas em 10 grupos: 1) traumáticas; 2)
relacionadas com a atividade muscular excessiva; 3) alterações da temperatura
corporal; 4) oclusão ou hipoperfusão dos vasos musculares; 5) tóxicas; 6)
farmacológicas; 7) alterações eletrolíticas e endócrinas; 8) infecciosas; 9)
doenças musculares inflamatórias e 10) miopatias metabólicas. (KNOCHEL,
1993). As características etiopatogênicas específicas das causas mais
frequentes, serão discutidas posteriormente.
2.1.2.1 Rabdomiólise por trauma ou compressão muscular
Em Araújo (2005), encontra-se que trauma ou compressão dos músculos são
causas comuns de rabdomiólise e podem ser vistos nas seguintes situações:

A
síndrome
do
esmagamento
em
vítimas
de
trauma
múltiplo,
particularmente indivíduos presos em automóveis ou em edifícios que
desabaram.

Indivíduos que lutam contra restrições, como vítimas de tortura ou abusos
sexuais.

Imobilização de coma, devido a qualquer causa, ou em indivíduos
conscientes que são forçados a permanecer em uma mesma posição por
horas, como idosos vítimas de fratura de quadril.
 Procedimentos cirúrgicos em que há qualquer compressão muscular
prolongada, devido ao mesmo posicionamento por um longo tempo, ou
21
oclusão vascular, devido ao uso do torniquete em procedimentos de
reconstruções ortopédicas ou vasculares.
 Síndrome compartimental em membros inferiores, sendo fraturas de tíbia a
causa mais comum.
Devbhandari et all (2006), apud Srinivasan e Kuppuswamy (2012), informam
que a utilização adequada do dispositivo de pressão não invasiva,
principalmente durante o intra-operatório, pode evitar a rabdomiólise. Entre
algumas condutas que podem ser adotadas estão: 1) evitar envolver o
manguito firmemente; 2) evitar a aplicação da bainha através de uma
proeminência óssea ou próxima ao nervo superficial; 3) inspecionar
periodicamente e alternar o local do balonete; 4) controlar a pressão arterial; 5)
selecionar o tempo de ciclo máximo com acompanhamento satisfatório; 6)
manter os alarmes do dispositivo habilitado; 7) considerar a possibilidade de
um mau funcionamento do dispositivo e 8) considerar o uso de uma proteção
entre a braçadeira e a pele.
2.1.2.2 Rabdomiólise não traumática por esforço
Carvalho et all (2002) observam que a rabdomiólise ocorre em indivíduos com
musculatura normal quando o fornecimento de energia para o músculo é
insuficiente para atender à demanda. Após o esforço físico intenso, podem
ocorrer
mioglobinemia
subclínica,
mioglobinúria
e
elevação
da
creatinofosfoquinase (CPK) sérica. Um estudo observou mioglobinemia em 25
de 44 participantes (57%) de uma maratona de 99km. A cretina quinase (CK)
sérica aumentou 16 vezes dos níveis pré-corrida, com uma média de 2060UI/L.
Mioglobina também foi detectada na urina de cinco indivíduos, mas IRA não
ocorreu. Em um segundo estudo, em 39% de 337 recrutas militares, ocorreu
mioglobinemia durante os primeiros seis dias de treinamento básico, mas
nenhum deles desenvolveu pigmentúria ou relatou sintomas musculares.
Rabdomiólise maciça pode surgir com o esforço físico marcado, especialmente
quando um ou mais dos seguintes fatores de risco estão presentes:

O indivíduo não está fisicamente treinado.
22

O esforço ocorre em locais extremamente quentes e/ou úmidos.

A perda de calor através da transpiração normal está prejudicada, como
ocorre com o uso de medicamentos anticolinérgicos ou equipamentos
pesados usados no futebol.

Traço falciforme em um indivíduo que exerce atividade física em altas
altitudes, num cenário em que a diminuição da pressão parcial de oxigênio
causa falcemização eritrocitária com posterior oclusão vascular e isquemia
muscular.

Hipocalemia causada pela perda de potássio através do suor. O papel do
potássio na regulação do fluxo sanguíneo muscular esquelético parece ser
patogenicamente importante neste contexto. Durante o exercício, há,
normalmente, um aumento na perfusão muscular adequada para atender
às demandas de energia reforçada. Essa resposta é mediada em parte
pela liberação de potássio das células do músculo esquelético que provoca
vasodilatação. No entanto, a liberação celular de potássio é prejudicada
pela perda de potássio não reposto. Como resultado, há um menor
aumento no fluxo de sangue, possivelmente resultando em cãibras,
necrose isquêmica e rabdomiólise.
A rabdomiólise também pode ocorrer em indivíduos treinados após o esforço
físico, na ausência desses fatores de risco. Além disso, os estados patológicos
hipercinéticos, incluindo convulsões, delirium tremens, agitação psicótica e
overdose de anfetaminas, podem levar à rabdomiólise em indivíduos com
musculatura normal.
Ela também pode ocorrer em pacientes portadores de distúrbios hereditários da
glicogenólise, glicólise, lipídios ou no metabolismo das purinas. Embora as
miopatias metabólicas representem um percentual muito pequeno de casos de
rabdomiólise, um desses transtornos deve ser suspeitado em pacientes com
episódios recorrentes de rabdomiólise após o esforço (CARVALHO et all,
2002).
A hipertermia maligna é uma síndrome caracterizada por febre, contração
muscular generalizada e rigidez, acidose metabólica e rabdomiólise. Ocorre
23
mais comumente após o uso de agentes anestésicos inalatórios em indivíduos
suscetíveis a desenvolver a síndrome. Hipertermia maligna é mais comumente
herdada em um padrão autossômico dominante, mas casos esporádicos e
padrões de herança autossômica recessiva também foram relatados (MILLER,
2000).
A síndrome neuroléptica maligna é uma doença em que a febre elevada (com
ou sem a contração muscular generalizada ou tremor) desenvolve-se após a
exposição à neurolépticos e medicamentos antiparkinsonianos, e também pode
ser decorrente de rabdomiólise. O mecanismo de rabdomiólise, em casos de
afogamento ou hipertermia, pode envolver lesão muscular por vasoconstrição
marcada ou tremores excessivos e/ou hipóxia generalizada.
2.1.2.3 Rabdomiólise não traumática sem esforço associado
Causas de rabdomiólise não traumática incluem drogas e toxinas, infecções,
anormalidades eletrolíticas, endocrinopatias, miopatias inflamatórias, entre
outros (ARAÚJO, 2005).
2.1.2.3.1 Drogas e toxinas
Em Araújo (2005), encontra-se que, em relação às drogas e toxinas, tanto
drogas prescritas quanto ilícitas e toxinas podem causar rabdomiólise através
de vários mecanismos diferentes:

Coma induzido pelo álcool, por overdose de opioides ou por outros
depressores do sistema nervoso central (SNC), leva à imobilização e
compressão isquêmica do músculo.

Alguns medicamentos, incluindo estatinas e colchicina, são miotoxinas
diretas. Além disso, as estatinas podem aumentar o risco de rabdomiólise
em pacientes com outras condições predisponentes, como hipotireoidismo
ou miopatia inflamatória.

Estados de agitação e convulsões induzidas por drogas e reações de
distonia e hipertermia induzidas pela cocaína estão associados com
24
excesso de demanda de energia do músculo. Algumas substâncias, como
monóxido de carbono, levam à produção insuficiente de energia muscular.

Alguns medicamentos interferem com a depuração das estatinas levando a
níveis plasmáticos elevados, por exemplo, antibióticos macrolídeos,
ciclosporina, gemfibrozil, e alguns inibidores de protease utilizados no
tratamento da infecção pelo HIV.

Em alguns indivíduos expostos a drogas, vários mecanismos podem
contribuir para danos musculares, sendo assim, a rabdomiólise pode
resultar de uma combinação de hipocalemia, hipofosfatemia, coma,
agitação e toxicidade muscular direta em situações de intoxicação
alcoólica.

Picadas de cobras mais frequentemente vistas na Ásia, África e América do
Sul.
2.1.2.3.2 Infecções
Araújo (2005) ainda observa que a rabdomiólise tem sido associada a uma
variedade de infecções virais agudas, entre as quais os vírus das gripes A e B,
vírus Epstein-Barr, herpes simples, parainfluenza, adenovírus, echovirus, HIV e
citomegalovírus.
Os pacientes afetados geralmente apresentam sintomas típicos de infecção
viral quatorze dias antes do início de mialgias intensas e pigmentúria, níveis
séricos de CK podem elevar-se até valores superiores a 100.000UI/L. O
diagnóstico de miosite viral é suspeitado com a apresentação clínica. Provas
sorológicas de uma infecção viral recente podem auxiliar no diagnóstico. O
mecanismo de lesão muscular devido a infecções virais não foi estabelecido.
Outras infecções associadas à rabdomiólise incluem: piomiosite bacteriana,
septicemia sem infecção muscular direta, porém com lesão muscular causada
por uma toxina e com febre associada, calafrios e desidratação, e malária
falciparum, em que os pacientes infectados apresentam febre, calafrio,
náuseas, vômitos e IRA com ou sem sinais e sintomas musculares (ARAÚJO,
2005).
25
2.1.2.3.3 Distúrbios eletrolíticos
Araújo (2005), também faz referência à associação da rabdomiólise com uma
variedade
de
distúrbios
eletrolíticos,
especialmente
hipopotassemia,
hipofosfatemia e hiperosmolaridade devido à cetoacidose diabética ou
hiperglicemia não cetótica.
Em situações de hipocalemia (potássio sérico inferior a 2,5mEq/L), ocorre
redução da liberação de potássio para os músculos, promovendo rabdomiólise
pela diminuição do fluxo sanguíneo para os músculos em resposta ao esforço
(ARAÚJO, 2005).
Rabdomiólise, clinicamente significativa associada à hipofosfatemia, foi
descrita, quase que exclusivamente, em pacientes alcoolistas e naqueles que
recebem hiperalimentação sem suplementação de fosfato. Hipofosfatemia
também pode contribuir para a rabdomiólise, raramente descrita em pacientes
com cetoacidose diabética ou hiperglicemia não cetótica.
Em ambas as situações de hipocalemia e hipofosfatemia, os níveis séricos de
potássio e fosfato podem estar elevados ou normais devido à liberação desses
eletrólitos das lojas intracelulares com a mionecrose. Um nível normal de
fósforo sérico nessas situações pode sugerir que a hipofosfatemia seja a causa
da rabdomiólise, já que deveria ocorrer a hiperfosfatemia (ARAÚJO, 2005).
Outros distúrbios eletrolíticos têm sido
ocasionalmente
associados à
rabdomiólise, como hipocalcemia, hiponatremia, principalmente devido à
polidipsia primária, e hipernatremia.
A rabidomiólise também pode ser proveniente de:

Doenças endócrinas como a cetoacidose diabética, o hipotireoidismo,
hipertireoidismo e a feocromocitona;

Miopatias inflamatórias: dermatomiosite e poliomiosite;
26

Pacientes asmáticos, onde a lesão muscular pode ser proveniente do
excesso de esforço dos músculos respiratórios e/ou hipóxia muscular
generalizada;

Síndrome do choque tóxico;

Retirada abrupta do ácido gama-aminobutírico (GABA), principalmente se
dado intratecal, pois pode levar a espasticidade muscular grave e necrose
muscular.

Envenenamento por cogumelo.
Muitos autores categorizam causas e fatores de risco da rabdomiólise, sendo
que as causas mais frequentes são o consumo de álcool, o exercício físico
intenso, a compressão muscular traumática e a utilização de determinados
fármacos e drogas. No entanto, é importante relembrar a natureza, muitas
vezes, multifatorial desta enfermidade, em que diferentes variáveis etiológicas
convergem para uma consequência comum: a morte da célula muscular
esquelética com a liberação dos seus constituintes para a circulação sistémica.
2.1.3 Manifestações Clínicas e Diagnóstico
A apresentação clássica de rabdomiólise inclui mialgias, urina de coloração
vermelha a marrom, devido à mioglobinúria, e elevação de enzimas musculares
séricas (incluindo CK). O grau de dor varia muito entre os pacientes com
rabdomiólise. Além disso, fraqueza muscular pode ocorrer em pessoas com
lesão muscular grave.
No geral, são observados sintomas e sinais musculares como mialgias,
hipersensibilidade, fraqueza, rigidez e contraturas musculares em apenas 50%
dos casos (Gabow, 1982). A presença de sintomas constitucionais como a
sensação de mal-estar geral, náuseas, vômitos, febre e palpitações, a
diminuição do débito urinário e a alteração da coloração da urina (mais escura,
castanho-avermelhada), são outros achados da história clínica.
Enzimas musculares - Os níveis séricos de CK podem ser maciçamente
elevados, acima de 100.000UI/L. A CK é total ou quase totalmente a fração
27
muscular esquelética (MM), embora pequena quantidade da fração miocárdica
(MB) possa estar presente. A presença da MB reflete a pequena quantidade
desta fração encontrada no músculo esquelético e não a presença de doença
do miocárdio. Elevações nas transaminases séricas são comuns e podem
causar confusão se atribuída à doença hepática (BETTER, 1990).
Cor da urina – mioglobina é liberada do músculo danificado em paralelo com
CK. A mioglobina é um monômero que não está ligado às proteínas e, por isso,
é rapidamente excretada na urina, o que muitas vezes resulta na produção de
urina avermelhada ou marrom. Por causa da rápida excreção, a mioglobina não
produz uma mudança na cor do plasma. Esta pigmentúria pode não ser
identificada na rabdomiólise se a carga filtrada de mioglobina for insuficiente
ou, em grande parte, resolvida antes de o paciente procurar atendimento
médico. A mioglobina é eliminada do plasma mais rapidamente do que a CK.
Assim, não é incomum que os níveis de CK permaneçam elevados na ausência
de mioglobinúria. (GROB, 1990).
A insuficiência renal aguda (IRA) é uma complicação comum da rabdomiólise;
depleção de volume resultando em isquemia renal, obstrução tubular, devido
ao pigmento heme, e lesão tubular pelo ferro quelato livre contribuem para o
desenvolvimento de disfunção renal.
2.1.4 Tratamento
Identificar a causa da rabdomiólise é fator preponderante para que se possa
tratá-la adequadamente. O acompanhamento com dosagens seriadas dos
níveis de potássio, cálcio, fósforo e creatinina deve ser precoce e auxiliará no
manejo imediato das complicações (BETTER, 1990).
Os objetivos gerais do controle da rabdomiólise são voltados a evitar o
desenvolvimento de IRA, seja pela depleção de volume, seja pela formação de
cilindros pigmentares intratubulares.
28
Hidratação adequada é a principal conduta no manejo desses pacientes. Os
objetivos da reposição de volume são tanto melhorar a perfusão renal
(minimizando a lesão isquêmica), quanto aumentar o fluxo urinário a fim de
impedir a obstrução tubular pela formação de cilindros. A expansão do volume
plasmático deve ser administrada logo que possível, mesmo antes de
estabelecer a causa da rabdomiólise e, quando possível, antes mesmo de
retirar as vítimas de esmagamento do local do acidente, já que, o quanto antes
for iniciado a hidratação, melhores são os resultados (BETTER, 1990).
Os pacientes com rabdomiólise podem necessitar de grandes quantidades de
líquido, a fim de manter uma diurese vigorosa devido ao sequestro de líquido
nas áreas de lesão. Reposição hídrica inicial é geralmente feita com solução
salina isotônica numa taxa de 1 a 2 litros por hora. Esta taxa é mantida até que
a pressão arterial sistêmica seja normalizada, que a diurese seja restabelecida,
ou até que haja evidência de sobrecarga de volume.
A sobrecarga de fluidos é definida pela presença de sinais de congestão
pulmonar ou pela monitorização hemodinâmica central, uma vez que o edema
periférico é frequentemente presente devido ao sequestro de líquidos para o
terceiro espaço na área lesada e, em alguns pacientes, à hipoalbuminemia
aguda dilucional.
Em teoria, a alcalinização da urina impediria a precipitação do pigmento com a
mucoproteína de Tamm-Horsfall e, portanto, a formação de cilindros
intratubulares pigmentares. A alcalinização também poderia minimizar a
conversão da hemoglobina para a metemoglobina, que é mais tóxica, e a
liberação de ferro da mioglobina livre. No entanto, não há nenhuma evidência
clínica de que uma diurese alcalina seja mais eficaz do que uma diurese salina,
e há riscos potenciais para a alcalinização do plasma, tais como a promoção de
deposição de fosfato de cálcio, que induz e agrava as manifestações da
hipocalcemia.
De acordo com Carvalho et all (2002), o tratamento da rabdomiólise não
consiste, apenas, em eliminar os fatores etiológicos subjacentes, mas consiste,
29
fundamentalmente, no tratamento agressivo da hipovolemia, podendo haver
necessidade de administrar mais de 10 litros de soro por dia. Esta
administração é condicionada por uma eventual patologia cardíaca associada,
devendo ainda ser evitados os preparados com lactato e potássio.
A utilização de bicarbonato de sódio endovenoso é fundamental para se
conseguir uma rápida alcalinização da urina, evitando, assim, a precipitação da
mioglobina nos túbulos renais. Há autores que defendem a administração de
50% do sódio como bicarbonato.
Concomitantemente, é importante aumentar a diurese, quer seja com manitol,
quer seja com os diuréticos de alça. O efeito benéfico do manitol é ocasionado
pelo aumento do fluxo sanguíneo renal e da filtração glomerular, que são
provocados pela mobilização de fluidos do espaço intersticial para o
compartimento vascular. Este efeito diminui o edema e as compressões
musculares e nervosas.
Os diuréticos de alça, como a furosemida, também aumentam o fluxo tubular,
diminuindo o risco de precipitação da mioglobina, e aceleram a eliminação de
cálcio. O alopurinol pode estar indicado para controlar a hiperuricemia e por
também contribuir para a eliminação de radicais livres. A administração de
pentoxifilina, que aumenta o fluxo sanguíneo capilar e diminui a adesão dos
neutrófilos e a libertação de citocinas, é controversa.
No caso descrito por Martínez et all (2012), o paciente de 29 anos, que foi
diagnosticado com varicela e evoluiu com rabdomiólise como complicação, foi
tratado com Aciclovir e hidratação venosa com soro fisiológico, não havendo
necessidade de usar manitol, furosemida ou bicarbonato. Durante o período de
internação, o paciente não apresentou nenhum sinal de deterioração da função
renal.
Para Carvalho et all (2002), é fundamental controlar os níveis séricos de
potássio, se necessário com a diálise, que está indicada na hipercalemia grave
30
e refratária, nas subidas rápidas do potássio e na IRA com grave acidose
metabólica.
2.1.5 Casos de Rabdomiólise
Por se tratar, esta monografia, de uma revisão bibliográfica a partir de artigos,
dissertações, publicações em revistas e livros sobre a rabdomiólise, neste
capítulo são apresentados alguns estudos de casos a partir da literatura
pesquisada.
2.1.5.1 Rabdomiólise provocada por insuficiência renal aguda devido a picada
de abelhas
A fim de ratificar que a rabdomiólise pode ser provocada, também, por causas
não traumáticas, Morais et all (2005) fizeram revisão de 24 casos de
envenenamento por picadas de abelhas, dos quais 11 evoluíram com
rabdomiólise. Dois desses casos desenvolveram IRA grave e dialítica devido à
rabdomiólise, sendo que um deles evoluiu fatalmente a óbito.
O primeiro estudo de caso se refere a um agricultor de 54 anos, que sofreu
múltiplas picadas de abelhas três dias antes do internamento, quando
apresentava lesões distribuídas na face, tronco e membros superiores. O
mesmo
encontrava-se
torporoso,
desorientado,
dispnéico,
taquicárdico,
hipertenso e em anasarca, porém com ausculta cardiovascular e respiratória
normais. Evoluiu com mioglobinúria seguida de anúria. Tentou-se estímulo com
furosemida 100mg, sem êxito, sendo iniciada hemodiálise de urgência por
síndrome urêmica e hipervolemia. Durante o internamento, realizou diversas
sessões de hemodiálise, evoluindo com melhora do edema e dos níveis
pressóricos, no entanto, persistiu em anúria. Após a alta hospitalar no 13º dia
de internamento, manteve acompanhamento ambulatorial com sessões de
hemodiálise três vezes por semana. Após 40 dias do primeiro atendimento
hospitalar, houve aumento progressivo do débito urinário e recuperação da
função renal, sendo o tratamento dialítico suspenso.
31
O segundo caso refere-se a um agricultor de 61 anos, que foi admitido no
serviço médico com quadro de edema generalizado e anúria há um dia. O
mesmo relatou ter sido vítima de um ataque de abelhas oito dias antes e
apresentava múltiplas picadas na face, nos membros superiores e no tronco,
além de encontrar-se consciente, desorientado, dispnéico, afebril, hipocorado,
hipertenso e com ausculta cardiovascular e respiratória normais. No 3º dia de
internamento, evoluiu com oligúria, apesar do uso de furosemida em altas
doses. Foram iniciadas sessões de hemodiálise, porém, no 6º dia de
internação, após três sessões, ainda permanecia oligúrico. Evoluiu com picos
febris e surgiram pústulas especificamente nos locais das picadas das abelhas,
sendo iniciado antibioticoterapia. O paciente manteve queda do estado geral e
apresentou hipotensão refratária a volume e droga vasoativa, evoluindo para o
óbito no 8º dia de internação.
Segundo Morais et all (2005), a IRA, apresentada depois de ataques maciços
de abelhas, é decorrente de mecanismos tóxicos-isquêmicos com choque
hipovolêmico e anafilático associados à lesão tubular por pigmentos devido à
lesão muscular (mioglobinúria), hemólise (hemoglobinúria) e necrose tubular
aguda e devido ao efeito tóxico direto do veneno. O ataque de abelhas pode
causar hipotensão arterial, hemólise, rabdomiólise, distúrbios da coagulação e
envolvimento hepático, sendo que a rabdomiólise é comumente observada
como manifestação tardia, ou seja, após 12-24h do início do quadro.
Com os casos apresentados, Morais et all (2005) concluíram que a intervenção
precoce, com um suporte intensivo adequado, são de suma importância, já que
o recurso à hemodiálise apresenta vantagens na rabdomiólise traumática ao
permitir a depuração eficiente de produtos tóxicos.
2.1.5.2 Rabdomiólise induzida por exercício e risco de hipertemia maligna
O estudo de Uchoa e Fernandes (2003) refere-se ao caso de um homem de 32
anos, que apresentou mal estar, seguido de síncope, após correr 2.350m em
prova de aptidão física, sendo que o mesmo não costumava praticar atividade
física regularmente e já havia sido internado por mialgia incapacitante
32
relacionada a estresse emocional. O indivíduo foi encaminhado ao hospital,
onde evoluiu com insuficiência respiratória, bradiarritmia, hipotensão arterial e
parada cardiocirculatória. Foi reanimado, mantido em ventilação mecânica e
encaminhado à unidade de terapia intensiva (UTI), onde permaneceu
comatoso, taquicárdico e com importante rigidez muscular e evoluiu com
choque persistente, anúria, hemorragia digestiva, acidose metabólica grave,
hipercalemia e óbito em menos de 24h. A necropsia revelou edema agudo de
pulmão, coagulação intravascular disseminada (CIVD) e IRA em conseqüência
da rabdomiólise.
De acordo com os autores, “a hipertermia maligna é uma doença autossômica
dominante da função muscular”. No músculo suscetível a esta patologia, o
cálcio intracelular está aumentado, o que impede o relaxamento muscular,
provocando o aumento do metabolismo das células na tentativa de normalizar
a concentração do cálcio intracelular. Esse hipermetabolismo provoca o
aumento da produção de íon hidrogênio, dióxido de carbono e calor. Apesar de
a temperatura estar vinculada ao nome da síndrome, a hipertermia pode não
ocorrer, principalmente se o paciente evoluir com parada cardíaca logo no
início do quadro.
É grande o número de casos de indivíduos que apresentaram hipertermia
maligna durante situações de estresse. Esses casos incluem pacientes com
sintomas semelhantes à hipertermia maligna após correr longa distância, se
submeter à emoção extrema, estresse físico ou longas viagens de carro. Essas
observações levantaram a hipótese de que pacientes suscetíveis à hipertermia
maligna podem também desenvolver sinais desta doença em situações
estressantes - “Síndrome do Estresse Humano” (WAPPLER, 2001, apud
UCHOA e FERNANDES, 2003)
A atividade muscular excessiva tem sido reconhecida como causa comum e
evitável de rabdomiólise. Exercício exaustivo e extenuante, especialmente em
pessoas não condicionadas, pode resultar em morbidade maior, com
hipercalemia, acidose metabólica, CIVD, síndrome do desconforto respiratório
agudo e rabdomiólise.
33
Sugere-se que a rabdomiólise induzida por exercício e a hipertermia maligna
estão fortemente relacionadas. O caso descrito apresentou um paciente com
quadro de rabdomiólise fulminante após intenso estresse físico e emocional, e
que já possuía história pregressa de internação por dor muscular incapacitante
relacionada a estresse emocional, sugerindo miopatia subclínica. A hipertermia
maligna, bem como o choque térmico provocado por exercício, está
relacionada à insuficiência energética muscular, que pode estar associada com
miopatia latente. Estudos têm revelado que 30% a 50% dos indivíduos
susceptíveis à hipertermia maligna apresentam alterações miopatológicas
(UCHOA e FERNANDES, 2003).
2.1.5.3 Rabdomiólise secundária a fármaco hipolipemiante
No artigo de Carvalho et all (2002), foi realizado um estudo de caso com uma
paciente de 54 anos de idade e com o diagnóstico de rabdomiólise secundária
a fármaco hipolipemiante. A mesma era portadora de diabetes mellitus tipo 2,
controlada com antidiabéticos orais.
Cerca de um mês e meio antes do internamento, a paciente notou
emagrecimento progressivo de 2Kg, seguido, alguns dias depois, de poliúria e
polidipsia.
Uma semana antes do internamento, surgiram mialgias intensas localizadas,
inicialmente, nos membros inferiores e, depois, também nos membros
superiores, seguidas, alguns dias depois, de diminuição acentuada da força
muscular nos membros inferiores. Fez uso anti-inflamatórios não esteróides,
porém, como não houve melhoria, recorreu ao serviço de urgência do hospital.
Negava febre, artralgias, traumatismos prévios ou qualquer contato com
produtos tóxicos. Além da diabetes, sofria de hipertensão arterial, controlada
com enalapril, e de dislipidemia, medicada com gemfibrozil e cerivastatina. A
mesma fazia uso das medicações há mais de dois anos, com exceção da
cerivastatina, iniciada apenas um mês e meio antes do internamento.
34
Não possuía antecedentes familiares relevantes e, no exame físico de
admissão, encontrava-se em bom estado geral, com palidez da pele e de
mucosas, língua seca, sem alterações da ausculta cardiopulmonar e com sinais
vitais sem alterações significativas, exceto pela pressão discretamente elevada.
O abdome encontrava-se normal e queixava-se de dor nas coxas à palpação.
O estado neurológico era preservado.
Os estudos imunológicos realizados não identificaram a causa da rabdomiólise.
As imunoglobulinas e o complemento apresentaram valores normais, bem
como a função tireóidea e a biopsia muscular, que não apresentaram
alterações.
O início recente do uso da cerivastatina no tratamento da doente, já tendo sido
excluídas outras causas prováveis, levou a crer na iatrogenia por este
medicamento como a causa da rabdomiólise.
Durante o internamento, a doente foi hidratada com 4 a 5 litros de soros por
dia, tendo ainda sido administrado bicarbonato de sódio 1,4% (cerca de 1 litro
por dia). Foi medicada com furosemida e insulina de ação rápida. A evolução
clínica foi boa, já que a paciente permaneceu sempre apirética, com boa
diurese e diabetes controlada, tendo desaparecido as queixas de mialgias ao
3º dia de internamento, já apresentando lenta recuperação da força muscular.
Do ponto de vista laboratorial, constatou-se elevação da CPK até ao 2º dia
(132.783U/L), da mioglobina ao 2º dia, das transaminases até o 3º dia e
agravamento dos parâmetros da função renal até o 3º dia (ureia: 173mg/dL;
creatinina: 2,6mg/dL; potássio: 5,5mEq/L). Os valores das bilirrubinas,
fosfatase alcalina e tempo de protrombina foram sempre normais.
A partir do 5º dia de internamento, verificou-se melhoria clínica e laboratorial,
permitindo que a paciente tivesse alta no 15º dia, ainda com valores de ureia
de 101mg/dL, creatinina de 1,9mg/dL e CPK de 186U/L. A normalização
laboratorial completa só ocorreu 20 dias após a alta hospitalar.
35
Neste caso apresentado por Carvalho et all (2002), impressionam os valores
tão elevados da CPK, configurando as situações clínicas do grande
traumatizado, como as vítimas de esmagamento em que a CPK atinge, com
frequência, valores desta ordem. Também as transaminases estavam muito
elevadas. Embora este fato possa acontecer durante a rabdomiólise,
determinou a investigação de eventual lesão hepática concomitante, que não
se confirmou. Apesar destas alterações enzimáticas tão marcadas, a função
renal da pacientes em questão foi relativamente preservada, provavelmente
pela rapidez com que foram instituídas as medidas terapêuticas adequadas.
36
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final desta pesquisa bibliográfica, conclui-se que a rabdomiólise se
apresenta como uma enfermidade patológica suscitada a partir da necrose das
células musculares esqueléticas com a natural liberação, para a circulação, de
vários constituintes celulares. Por isso, as manifestações clínicas possuem
gravidade variável, desde casos assintomáticos, ou, apenas, com elevação das
enzimas musculares, sem repercussões clínicas significativas, até episódios
complexos de insuficiência renal grave ou de arritmias ventriculares devido a
alterações metabólicas e hidroeletrolíticas.
Conforme foi evidenciado na literatura pesquisada, sabe-se que, as causas
mais frequentes da rabdomiólise são os traumatismos, esmagamentos, lesões
cirúrgicas, intoxicações e o exercício físico violento. A mesma também pode
ser provocada pelo uso de fármacos, como os antilipemiantes.
Dos estudos de casos observados neste trabalho, observa-se que, no caso da
rabdomiólise provocada por exercício e por hipertemia maligna, no geral o
doente chega a óbito antes mesmo que se possa fazer uma investigação
específica sobre hipertemia maligna.
Este estudo constata que a rabdomiólise de causa não traumática, bem como a
provocada por picada de abelhas africanizadas, é um caso grave, embora um
dos pacientes estudados tenha conseguido se recuperar. Porém, na maioria
das vezes, o paciente chega a óbito, por isso este quadro deve ser tratado
precocemente e de maneira agressiva.
No caso da rabdomiólise secundária a fármaco hipolipemiante, apesar das
alterações enzimáticas relevantes, não ocorreu insuficiência renal grave,
devido a instituição precoce da terapêutica adequada.
37
4. REFERÊNCIAS
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